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Psicologia da Educação

Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520

Psic. da Ed.  no.55 São Paulo July/Dec 2022  Epub Aug 31, 2023

https://doi.org/10.23925/2175-3520.2022i55p1-9 

Editorial

TAREFAS URGENTES, EMERGENTES E NECESSÁRIAS PARA A EDUCAÇÃO BRASILEIRA:DESCONSTRUIR, RECONSTRUIR E CONSTRUIR

Mitsuko Aparecida Makino Antunes1 
http://orcid.org/0000-0003-2793-7410

Ruzia Chaouchar dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0002-3441-782X

Luciana de Oliveira Rocha Magalhães3 
http://orcid.org/0000-0002-7677-6337

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - São Paulo - SP - Brasil; miantunes@pucsp.br

2 Universidade Nove de Julho - UNINOVE - São Paulo - SP - Brasil; ruziachauchar@hotmail.com

2 Universidade de Taubaté - São Paulo - SP - Brasil; lucianam11@hotmail.com


Foi recorrente nos últimos anos a avalanche de motivos que nos fizeram ocupar grande parte de nosso tempo para analisar, denunciar e lutar para defender a educação e a vida numa conjuntura histórico-social dramática, configurada pelo avanço do pensamento conservador e reacionário. Dos cortes de verbas às ofensivas autoritárias contra a escola pública e suas/seus trabalhadoras/es. Dos efeitos das políticas adotadas (ou não adotadas) na pandemia para garantir e reafirmar o direito à aprendizagem das/dos estudantes. Da tentativa de solapar o avanço da inclusão escolar com a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e o Decreto n°10.502 (Brasil, 2020). Incontáveis foram os problemas a que fomos chamadas/os a nos posicionar ética, científica e pedagogicamente. Como se tudo isso não bastasse, mais um problema emerge, não desarticulado daquela conjuntura, e que se acrescenta à velha tríade - a violência na escola, a violência da escola e a escola da violência - a violência contra a escola!

Assim, todas e todos aquelas/es que se comprometem com a tarefa histórica de construir uma educação radicalmente democrática e emancipatória, que cumpra a função de socializar o conhecimento produzido pela humanidade em todas as suas expressões, propiciando a todas/os educandas/os uma efetiva aprendizagem e um pleno desenvolvimento, que por diversas formas resistiram contra os ataques à educação e à ciência nos últimos anos, têm pela frente tarefas colossais para a desconstrução das políticas autoritárias adotadas nos últimos tempos, a reconstrução de tudo o que foi construído ao longo de décadas, e destruído em poucos anos, e a produção de conhecimentos que fundamentem políticas e práticas educacionais que superem seus crônicos problemas e avancem para a edificação ético-política de uma educação que tenha como horizonte contribuir para a concretização da condição humano-genérica.

É preciso desconstruir as políticas antidemocráticas. Entre elas, a expansão das escolas militarizadas; as tentativas de estabelecer o ensino domiciliar; a desinformação promovida pelas pregações contra as “ideologias”; a perseguição às/aos educadoras/es; a violência armada contra estudantes e professoras/es alimentada por discursos de ódio gestados por ideários nazifascistas; os projetos de privatização das escolas públicas, hoje em franca expansão em alguns Estados brasileiros; a Reforma do “Novo” Ensino Médio - NEM, de vocação neoliberal e promotora do aprofundamento da desigualdade social. Certamente esta lista é incompleta, mas deve estar nas pautas das/dos defensoras/es da educação para todas/os. No dia primeiro de janeiro deste ano foi enfim revogado o Decreto nº 10.502/2020 (Brasil, 2020), que se constituiu como uma das expressões dos vários desmontes de políticas públicas que se deram nos últimos tempos no país. No âmbito da Educação Especial-Inclusiva, tal revogação se deu por meio da implementação do Decreto 11.370/2023 (Brasil, 2023). Vale mencionar que no decorrer do processo de conclusão do presente editorial foi publicado o Decreto nº 11.611/2023 (Brasil, 2023), que revoga o projeto autoritário educacional circunscrito pelo Decreto nº 10.004, de 5 de setembro de 2019, que institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Brasil, 2019). Por sua vez, tais decisões vêm responder às mobilizações coletivas de luta por direitos sociais que visam assegurar o exercício da cidadania por meio de uma educação democrática em seus diferentes níveis, orientadas por princípios do compromisso ético-político com a concretização de uma educação humanizadora e emancipatória.

O mesmo caminho de luta temos que trilhar quando falamos sobre a Reforma do NEM, que vem sendo chamada com justiça de “Deforma” do Ensino Médio, dada sua explícita intenção de empobrecimento da formação discente, acompanhada da precarização do trabalho docente. Uma primeira vitória já conquistamos, que foi a sua suspensão, mas não é suficiente. Não podemos ceder espaço para que, a título de aprimoramento, se dê vida a essa obscenidade educacional. O caráter inexoravelmente reacionário do NEM nos impele a lutar por sua absoluta revogação: professores, professoras, estudantes e sociedade empenhados juntos nessa tarefa!

O NEM está se utilizando ardilosamente de falsidades sobre sua implementação e resultados. Não há como imaginar que o fosso entre a escola dos ricos e a escola dos pobres não irá se ampliar ainda mais. A possibilidade de liberdade de escolha só será viável aos primeiros, pois só para eles haverá (como sempre houve) as condições necessárias para tal; aos pobres, aulas práticas de profissionalização subalternizada, com conteúdos aligeirados e submetidos à falácia meritocrática; os componentes curriculares de Artes, Filosofia, Educação Física, História, Sociologia, Geografia etc., que compõem o conhecimento científico acumulado pelas sociedades por milênios lhes serão retirados, sendo substituídos por disciplinas de conteúdo pífio, ministradas por essa fantasmagoria dos profissionais de “notório saber”. Destacando que a dita formação profissional visa à satisfação das necessidades da força de trabalho para a acumulação do capital e os “conteúdos” elegíveis em geral não contribuem para o processo de humanização, ao contrário, podem, junto com as nomeadas “habilidades socioemocionais” cumprirem a tarefa de docilização dos corpos.

Vale mencionar que a proposição de tal reforma educacional se inscreve na restrição dos estudantes e de outros atores da comunidade escolar na constituição dos conteúdos abordados no NEM; na expressiva manifestação de interesses do empresariado em distintas etapas de implantação do modelo, como também o processo de fortalecimento e manutenção das desigualdades sociais que o engendra (Cássio & Goulart, 2022).

O NEM escancara os interesses dos gigantes do setor privado, maiores grupos empresariais do Brasil, que já dominam parte substantiva do Ensino Superior e estão migrando seus investimentos para a Educação Básica, expandindo um plano maior de domínio e hegemonia. Temos, incontornavelmente, que refletir sobre o tipo de sociedade que desejamos construir, ombreados à juventude, aos trabalhadores, aos deserdados do sistema. Certamente não é uma sociedade que priorize o lucro e o adestramento de estudantes e trabalhadores às leis do capital o que defendemos.

Nesse sentido, há também que se reconstruir o que foi destruído, abandonado ou precarizado. Em primeiro lugar, é preciso restaurar as verbas para a educação em todos os níveis, entre eles, os das Universidades e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, assim como restaurar a gestão democrática de várias dessas instituições, que sofreram ingerência administrativa e acadêmica. No que se refere à Educação Básica, muitos programas precisam ser retomados e urgentemente restabelecidos, como a formação de professoras/es em geral e, especificamente, aqueles focados na educação das populações ribeirinhas e quilombolas; as ações para a construção de uma educação antirracista e anticapacitista; a abordagem educacional de sexualidade e gênero; as múltiplas ações para a inclusão educacional em todos os segmentos, seguindo numa perspectiva intersetorial. Reitere-se que esses pontos não esgotam os muitos problemas que demandam uma retomada urgente.

Há, ainda, que se construir políticas e implementar ações para superar os históricos, crônicos e profundos problemas da educação brasileira, avançar para a consolidação de uma escola radicalmente democrática, igualitária, que garanta para TODAS(OS) AS(OS) EDUCANDAS(OS) a aprendizagem dos saberes historicamente produzidos pela humanidade em todas as suas expressões, direito humano inalienável e condição para o enfrentamento contra todas as investidas antidemocráticas. Entretanto, a estas tarefas soma-se a necessidade de construir políticas e implementar ações urgentes, como a superação das perdas sofridas pelas/os educandas/os das classes populares durante a pandemia, pelo não acesso às plataformas digitais, pela precariedade do ensino oferecido, pelas condições de trabalho de professoras/es que fizeram o possível (e o impossível) para garantir a continuidade da escolarização de sua/seus alunas/os e que, entre outras consequências, produziu um aumento do processo de adoecimento de professoras/es. A aprendizagem e o desenvolvimento pleno dessas/es educandas/os foram severamente comprometidos, o que exige um programa urgente para superar essa defasagem não apenas no âmbito educacional, mas de caráter intersetorial.

Isto posto, que não nos esqueçamos de Freire (1974), para quem a educação tem que ser libertadora para que o oprimido não sonhe ser opressor; necessário se faz romper o renitente ciclo de produção da alienação para vencer a opressão e caminhar na direção da emancipação do gênero humano.

Não seria possível dar cabo desse novo número sem a imensa colaboração das nossas mestrandas, mestras, doutorandas e doutoras que não medem esforços para que esta Revista venha a público. Reafirmamos o nosso profundo agradecimento a todas e todos cujo trabalho concretiza esse número de nosso periódico: as Profas. Dras. Priscila Lambach Ferreira da Costa e Regina Célia Rego Prandini, responsáveis pela revisão de inglês e espanhol; a mestra Carolina Tellis Garcia, que tem sido fundamental para a solução dos problemas relacionados à informatização e que tem reafirmado sua potencialidade para a administração do sistema; nossas colaboradoras veteranas e, agora, coeditoras da Revista, as Profas. Dras. Luciana de Oliveira Rocha Magalhães e Ruzia Chaouchar dos Santos. O profissionalismo e a competência de Waldir Alves, da EDUC, e de Edilaine Correa e Delzimar Pereira da Silva, do Portal de Revistas da PUC-SP têm sido nossa base segura para trazer a Revista a público e superar os problemas que emergem no processo de editoração. Em especial, somos muito gratas ao PIPEq, cujos recursos têm permitido que nossa Revista continue sua missão de acolher e difundir o conhecimento produzido pela área da Psicologia da Educação.

Referências

Cara, D. (2023). Por que revogar o Novo Ensino Médio? Entrevista a Breno Altman realizada em Abril/2023 - Canal Opera Mundi. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R4entg1GqeA . Recuperado: 18 jul.2023 [ Links ]

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Cássio, F., & Goulart, D. C. (2022). A implementação do Novo Ensino Médio nos estados: das promessas da reforma ao ensino médio nem-nem.Retratos Da Escola,16(35), 285-293. Recuperado de https://retratosdaescola.emnuvens.com.br/rde/article/view/1620. [ Links ]

Recebido: 03 de Julho de 2023; Aceito: 29 de Julho de 2023

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