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Psicologia da Educação

versión impresa ISSN 1414-6975versión On-line ISSN 2175-3520

Psic. da Ed.  no.55 São Paulo jul./dic 2022  Epub 31-Ago-2023

https://doi.org/10.23925/2175-3520.2022i55p49-57 

Artigos

CONCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE AS VIVÊNCIAS ACADÊMICAS DE UNIVERSITÁRIOS DE MATEMÁTICA

Teachers 'conceptions about the academic experiences of Mathematics university

Concepciones de los profesores sobre las experiencias académicas de la universidad de Matemáticas

Bruno de Alcântara Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-2063-7282

Adriana Benevides Soares2 
http://orcid.org/0000-0001-8057-6824

1 Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO - São Gonçalo - Rio de Janeiro - RJ - Brasil; linearbruno@gmail.com

2 Universidade Salgado de Oliveira - UNIVERSO - São Gonçalo - Rio de Janeiro - RJ - Brasil; adribenevides@gmail.com


Resumo

O ingresso à universidade dos estudantes de Matemática é marcado por muitas dificuldades. O conhecimento das concepções dos professores pode nos levar à reflexão de como esses alunos possam ter melhores experiências acadêmicas visto que, os docentes são os principais responsáveis pelo processo de aprendizagem dos estudantes. Este estudo tem como objetivo identificar as concepções de professores sobre a adaptação à universidade e a satisfação com o curso dos alunos de Matemática. Participaram 23 professores, sendo 11 de universidades públicas e 12 de privadas, do estado do Rio de Janeiro. Foi realizada entrevista individual com 12 perguntas abertas. Para a análise dos dados foi utilizado o software Iramuteq. Foram analisados 303 segmentos de texto, obtendo-se cinco Classes (Dificuldades do Estudante, Gestão do Tempo, Razões para a Escolha do Curso, Oportunidades de Emprego e Ambiente Acadêmico). Conclui-se que os professores atribuem as dificuldades de aprendizagem dos alunos aos déficits de conteúdo, falta de gerenciamento do tempo e que trabalham durante o dia.

Palavras-chave: Concepções; Professores; Universitários; Matemática; Iramuteq

Abstract

Mathematics students' entrance into the university is marked by many difficulties. The knowledge of the teachers 'conceptions can lead us to reflect on how these students can have better academic experiences since, the teachers are the main responsible for the students' learning process. This study aims to identify teachers 'conceptions about adaptation to the university and satisfaction with the mathematics students' course. Participated 23 teachers, 11 from public universities and 12 from private universities in the state of Rio de Janeiro. Individual interviews were conducted with 12 open-ended questions. Iramuteq software was used for data analysis. 303 text segments were analyzed, obtaining five Classes (Student Difficulties, Time Management, Reasons for Choosing the Course, Employment Opportunities and Academic Environment). It is concluded that teachers attribute students' learning difficulties to content deficits, lack of time management and who work during the day.

Keywords: Conceptions; Teachers; University students; Mathematics; Iramuteq

Resumen

El ingreso de los estudiantes de matemáticas a la universidad está marcado por muchas dificultades. El conocimiento de las concepciones de los docentes puede llevarnos a reflexionar sobre cómo estos estudiantes pueden tener mejores experiencias académicas ya que, los docentes son los principales responsables del proceso de aprendizaje de los estudiantes. Este estudio tiene como objetivo identificar las concepciones de los docentes sobre la adaptación a la universidad y la satisfacción con el curso de los estudiantes de matemáticas. Participaron 23 profesores, 11 de universidades públicas y 12 de universidades privadas del estado de Río de Janeiro. Se realizaron entrevistas individuales con 12 preguntas abiertas. Se utilizó el software Iramuteq para el análisis de datos. Se analizaron 303 segmentos de texto, obteniendo cinco Clases (Dificultades del alumno, Gestión del tiempo, Razones para elegir el curso, Oportunidades laborales y Ambiente académico). Se concluye que los docentes atribuyen las dificultades de aprendizaje de los estudiantes a déficits de contenido, falta de gestión del tiempo y que trabajan durante la jornada.

Palabras clave: Concepciones; Profesores; Universitarios; Matemáticas; Iramuteq

Introdução

O ingresso no Ensino Superior (ES) nas últimas décadas no Brasil passa a ser uma realidade para uma grande quantidade de indivíduos com mais idade, de primeira geração, de classes mais desfavorecidas e de diferentes orientações sexuais (Araújo, 2017), em particular, para aqueles que desejam a carreira de magistério. Apesar dessa atividade profissional no Brasil apresentar muitos problemas como condições de trabalho inadequadas, falta de segurança nas instituições de ensino e desprestígio social da carreira, o curso de Matemática é um dos que ainda consegue atrair um número significativo de estudantes (Lima & Machado, 2014). Os autores afirmam que essa procura se deve às possibilidades de emprego na rede pública ou privada além de também proporcionar o investimento em outros setores da sociedade.

Diogo (2018) sustenta que há um mercado favorável para estes indivíduos em áreas como Finanças, Logística, Marketing, Tratamento de dados, Gestão de informação, Processamento de dados, Física, Ciência da Computação, Engenharias e muitas outras. Segundo Neves, Dörr e Nascimento (2015) muitos alunos matriculados no curso de Matemática, na verdade têm preferência por alguma Engenharia. Aqueles que realmente optam pelo curso de Matemática com primeira opção justificam gostar de cálculos e desafios desde cedo, a admiração dos professores, a facilidade de aprender e ensinar conteúdos de Matemática para os colegas e a influência de parentes próximos que exercem a profissão de professor nessa área (Passos, Martins, & Arruda, 2005).

O fato de frequentar o ES não se traduz, para muitos alunos, na obtenção de sucesso do curso escolhido. Os estudantes ao chegarem na universidade deparam-se com algumas dificuldades e mudanças devido ao novo ambiente educacional que podem ser responsáveis por inúmeras situações estressantes como a distância da família, novos relacionamentos interpessoais e amorosos, tomada de decisão sobre prioridades e gestão da vida financeira. A universidade é um ambiente social repleto de desafios que estão relacionados com o desempenho acadêmico do aluno e a maneira com que experimenta o processo de adaptação. A adaptação acadêmica pode ser definida como o modo em que o aluno se integra ao ES, exigindo do mesmo uma mobilização de seus recursos cognitivos, sociais e afetivos que atuando simultaneamente, podem colaborar para uma integração mais adequada ao novo contexto e para o aproveitamento de várias situações de aprendizado favorecendo, assim, o desenvolvimento de sua formação profissional (Santos, Oliveira, & Dias, 2015).

Masola e Allevato (2016) apontam algumas dificuldades que os alunos enfrentam assim que ingressam no curso de Matemática como os déficits de conteúdos que deveriam ter sido trabalhados durante o Ensino Médio, a falta de autonomia e de informações a respeito do curso, problemas na organização dos estudos e gestão do tempo, realização de tarefas sem reflexão dos significados, deficiências de leitura, escrita e interpretação de textos. Rodriguez, Meneghetti e Poffal (2015) consideram importante a investigação do perfil dos estudantes e de suas principais dificuldades, pois pode ser um começo para que os alunos permaneçam nos cursos e que ainda possam ter um desenvolvimento acadêmico e profissional mais satisfatório. Nessa direção, destacam que boa parte dos estudantes necessitam trabalhar no período diurno em busca de uma condição financeira mais sustentável, o que pode prejudicar seu percurso acadêmico.

As dificuldades de aprendizagem em Matemática, que são singulares para cada aluno, transitam em um contexto repleto de variáveis complexas relacionadas com a cognição, a afetividade ou com fatores físicos. O acúmulo dessas dificuldades pode levar ao desinteresse dos estudantes em permanecer no curso, como também desmotivar os professores em relação às suas práticas pedagógicas (Suleiman, 2016). Uma variável relacionada ao ambiente universitário que pode colaborar no entendimento da diversidade de situações que envolvem os alunos é a satisfação com o curso.

Para Hirsch, Barlem, Barlem, Silveira e Mendes (2015) a compreensão da satisfação dos discentes precisa levar em consideração muitos aspectos vinculados ao nível de qualidade das Instituições de Ensino Superior (IES) como instalações físicas, serviços acadêmicos, programas de assistência social, política de avaliação institucional, qualificação docente e técnico-administrativa, relacionamento entre professores e alunos, métodos de ensino e programas de pós-graduação. Além disso, Ramos et al. (2015) consideram que espaços alternativos colaboram para a troca de experiências entre estudantes, professores, funcionários e comunidade.

Nessa direção, Hirsch et al. (2015) definem a satisfação acadêmica como um sentimento de frustração ou de prazer resultante da comparação do desempenho esperado, de um produto ou serviço, no tocante ao curso e à IES em relação às expectativas do estudante. Suleiman (2016) considera as concepções dos professores de Matemática como variáveis que também podem contribuir para as reflexões acerca das dificuldades dos estudantes no momento de ingresso à universidade, no sentido que influenciam as ações dos docentes na sala de aula e estabelecem suas posições pedagógicas.

As concepções dos professores de Matemática retratam sua prática pedagógica, a forma como percebem as dificuldades dos seus alunos e das decisões sobre quais procedimentos devem ser usados para atingir um melhor nível de ensino e aprendizagem de Matemática (Suleiman, 2016). Meneghetti e Trevisani (2013) salientam que os professores de Matemática que atuam na Educação Superior não devem apenas se ater ao desenvolvimento de pesquisas acadêmicas ao passo que, preocupar-se com o processo de ensino e com o rendimento acadêmico dos estudantes também faz parte de seus atributos.

Arantes (2018) aponta algumas concepções dos professores de Matemática do ES em relação à Formação Profissional, ao Processo de Ensino e Aprendizagem e aos Saberes Docentes. No que diz respeito à Formação Profissional os professores indicaram a importância da qualificação na docência com formação específica para a atuação no ES, a relevância da titulação para a carreira profissional, a realização de cursos de capacitação pedagógica para os docentes, o fomento de um pensamento crítico-reflexivo durante o processo de formação dos estudantes, a consciência que uma formação pedagógica adequada contribui para o bom exercício da prática docente. No que se refere ao Processo de Ensino e Aprendizagem destacaram que no processo de ensino-aprendizagem o que mais importa é a variedade e quantidade de noções, conceitos e informações. A maior parte dos professores considera relevante que se aceite o aluno como ele é e que se compreenda os sentimentos que o mesmo possui. Consideram que o ensino deve ser baseado no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na resolução de problemas e não em memorização de fórmulas, nomenclaturas e definições. A disciplina deve ser planejada de tal forma que se tenha uma visão geral do curso e que atenda ao projeto formativo do estudante. O fato de alguns alunos apresentarem dificuldades na aprendizagem de determinado conteúdo, não significa que o professor não tenha se esforçado para ensinar. O professor não é o centro do processo de ensino-aprendizagem e o diálogo entre docentes e estudantes deve ser constante.

Ainda segundo Arantes (2018), em relação aos Saberes Docentes, os professores afirmam que têm consciência da importância dos saberes da experiência profissional no momento que os conhecimentos estão sendo apresentados, que deve preocupar-se com a aprendizagem, com a formação profissional e com a formação humana e cidadã dos alunos. A motivação é um fator que colabora para uma aprendizagem significativa, o estabelecimento de relações interdisciplinares e a associação entre teoria e prática contribuem no processo de ensino-aprendizagem. O professor deve orientar seus alunos no sentido de transformar as informações obtidas de várias fontes em conhecimento (Arantes, 2018).

Rosa (2015) destaca outras concepções dos professores sobre o ensino da Matemática. Indica que a gestão do tempo é essencial numa aula de Matemática. Um excelente aluno de Matemática é aquele que está motivado, manifesta interesse, tem hábitos de estudo e durante as aulas teóricas é capaz de acompanhar o raciocínio do professor. A prioridade é a apresentação de definições, teoremas e demonstrações em detrimento à resolução de exercícios. Os alunos terão oportunidade de conhecer aplicações da Matemática nas suas áreas de especialização. As dificuldades na aprendizagem da Matemática resultam do insucesso dos estudantes na Educação Básica e a falta de capacidade na elaboração de raciocínios abstratos; as maiores dificuldades dizem respeito aos conteúdos matemáticos das disciplinas do primeiro ano do ES.

Esses princípios dos professores podem ser decisivos na formação dos estudantes pois, cada professor traz consigo um entendimento do que o aluno deve aprender em Matemática e, para atingir este objetivo, utiliza um modelo didático apoiado nas suas ideias. Na maior parte das vezes, os professores de Matemática não levam em consideração outros aspectos relacionados aos alunos como os sociais, emocionais e a formação escolar de origem, tendo como foco principal apenas suas práticas docentes apoiadas em seus conhecimentos matemáticos (Suleiman, 2016). Dessa forma, torna-se relevante estudos que investiguem as concepções dos professores de Matemática acerca de como ocorre o processo de adaptação e satisfação dos alunos visto que, os docentes são os principais responsáveis pela organização das experiências de aprendizagem dos estudantes. Portanto, o objetivo deste estudo é identificar as concepções de professores sobre a adaptação ao ES e a satisfação com o curso dos alunos de Matemática.

Método

Participantes

Participaram 23 professores do curso de Matemática, sendo 11 de universidades públicas e 12 de privadas da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro. Os participantes, consistindo de 14 homens e nove mulheres, tinham, em média, 50,7 anos (DP = 8,96), idade mínima de 39 e máxima de 68 anos e, em sua maioria, eram casados (69,6%). O critério utilizado para a participação dos professores foi que tivessem, no mínimo, quatro anos de exercício no magistério superior. O grupo apresentou uma média de 18,5 anos de práticas docentes. O tamanho da amostra foi determinado utilizando o critério de saturação teórica, ou seja, quando as respostas não mais acrescentam algo de novo ao fenômeno que está sendo estudado (Nascimento et al., 2018).

Instrumentos

Entrevista individual com 12 perguntas abertas distribuídas da seguinte forma: cinco questões sobre satisfação com o curso sendo cada uma para Aspectos Gerais, Institucional, Vocacional, Estudo e Desenvolvimento da Carreira e sete perguntas acerca da adaptação acadêmica sendo duas para Adaptação Institucional, duas para Adaptação ao Estudo, uma para Projeto de Carreira, uma para Adaptação Social e uma para Adaptação Pessoal-Emocional. As perguntas foram construídas tendo por base os instrumentos de Avaliação da Vida Acadêmica de Vendramini et al. (2004) e de Adaptação ao Ensino Superior de Araújo et al. (2014). Foi aplicado um questionário para coletar dados sociodemográficos utilizando os critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2018).

Procedimentos éticos

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Psicologia da Universidade. Em um primeiro momento, os professores leram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a seguir, assinaram este documento que incluía o objetivo da pesquisa e as regras de preservação do anonimato, assegurando ao indivíduo a retirada de sua permissão a qualquer instante durante o processo de entrevista, segundo a orientação da Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos.

Procedimentos de coleta de dados

As entrevistas com os professores foram agendadas previamente para os encontros em diversos ambientes das universidades. Dessa forma, os participantes responderam às perguntas sobre suas concepções a respeito das situações acadêmicas vivenciadas pelos estudantes do curso de Matemática. Os dados sociodemográficos como idade, curso, IES, gênero e estado civil foram coletados em folha de rosto que antecedeu à entrevista.

Procedimentos de análise de dados

Os dados das entrevistas foram transcritos seguindo a formatação necessária para o uso do software Iramuteq (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) na versão 0.7 Alpha 2. O Iramuteq é de domínio público e viabiliza diferentes tipos de análise de dados textuais como Estatísticas (análises lexicográficas), Especificidades e Análise Fatorial de Correspondência (AFC), Classificação Hierárquica Descendente (CHD), Análise de Similitude e Nuvem de Palavras.

O uso deste programa se mostra adequado para pesquisas que analisam uma grande quantidade de dados textuais. A análise textual é um tipo de análise de dados que pode ser aplicada em diversas situações como na investigação de textos, entrevistas, documentos, redações como, também, pensamentos, concepções e opiniões elaboradas em relação a determinados fenômenos. Para a realização das análises de dados textuais deste estudo, optou-se pelo uso da CHD, que admite a análise das raízes lexicais e oferece os contextos em que as classes estão inseridas, de acordo com os segmentos de texto (ST) do corpus da pesquisa. O dendograma criado a partir da CHD, permite compreender as expressões e cada uma das palavras proferidas pelos participantes, viabilizando analisá-las com base em suas posições e inserções sociais (Camargo & Justo, 2018).

Resultados

As palavras agrupadas nas classes (Figura 1) são estatisticamente significativas com p < 0,0001 e Qui-Quadrado (X2) maior que 15,70. Ramos, Lima e Amaral-Rosa (2018) afirmam que quanto mais próximas às classes, maior a afinidade contextual. Por outro lado, quanto maior o afastamento, menores as relações entre as palavras no contexto das classes.

Na Figura 1 são apresentados os resultados da análise do corpus denominado Concepções dos Professores. Foram analisados um total de 408 ST, sendo que a partir da CHD foram retidos 74,3% (303 unidades) da totalidade dos textos analisados. O software dividiu o corpus em dois subcorpus que são Empenho Discente e a Classe 4 (Ambiente Acadêmico).

Dessa forma, o subcorpus Empenho Discente foi subdividido em duas partes sendo uma delas Adversidades no Percurso Acadêmico contendo as Classes 3 (Dificuldades do Estudante) e 2 (Gestão do Tempo) que se complementam ao apontarem os contratempos que os alunos enfrentam no contexto acadêmico, e a outra parte Busca Profissional incluindo as Classes 1 (Razões para a Escolha do Curso) e 5 (Oportunidades de Emprego) expressam as possibilidades de alguns setores do mercado de trabalho absorver o egresso a depender do curso escolhido. Ramos et al. (2018) indicam que uma Classe é Solitária quando apresenta um contexto diferenciado e com pouca probabilidade de junção em relação às outras classes no ato interpretativo. Nessa direção, a Classe Solitária, Classe 4 (Ambiente Acadêmico), diz respeito a estrutura universitária que precisa ser disponibilizada aos estudantes.

A Classe 3, Dificuldades do Estudante, responsável por 16,2% (49 ST) do total de textos retidos, demonstra que os professores atribuem as dificuldades de aprendizagem dos estudantes à baixa qualidade do ensino da Educação Básica o que é exemplificado nas falas: “Sim, a grande maioria dessas pessoas apresentam um grau maior de dificuldade em função da péssima qualidade de ensino que eles tiveram na Educação Básica. Grupos nem tanto, mas eles são muito de conversar, de falar não entendi”.

Então alunos que pararam muito tempo e começaram novamente eles apresentam um pouco mais de dificuldades. Observo devido à sua origem muitos vêm de um Ensino Médio, ensino público que tem certa deficiência e você pega uma turma muito heterogênea.

Vale ressaltar que esta Classe evidenciou a dificuldade dos professores em identificar grupos mais vulneráveis inseridos no curso. Isso é demonstrado nas falas: “Então você fica com dificuldade, você percebe que um grupo desenvolve e o outro não, você tem uma dificuldade muito grande de equilibrar e colocar homogêneo. Eu não sei identificar, não saberia classificar um subgrupo”. “Mas não consigo identificar ou classificar esse grupo, acho que geralmente são os alunos que não vão bem nas disciplinas e que têm dificuldades. Eles vêm das mais variadas origens, então não consigo classificar esse subgrupo”.

A Classe 2, Gestão do Tempo, com 14,2% (43 ST) indica a compreensão dos professores que os estudantes não conseguem manter uma rotina de estudos adequada devido à falta de organização do tempo. A seguir, alguns trechos para elucidar esta situação: “Eles acabam fazendo pelo ritmo que o professor implementa, não conseguem estabelecer uma disciplina pessoal de estudo, de separação de um tempo, horário, dias ou até mesmo organizar os conteúdos a serem estudados, pois são muitas disciplinas”. “Muitos trabalham, então fazem o curso à noite. Então é difícil conciliar o trabalho com o tempo fora da sala de aula para o estudo. Ele não tem condições de gerenciar nem ele, principalmente gerenciar tempo para estudar”. Ainda revela um número significativo de alunos que trabalham durante o dia e o prejuízo acadêmico causado por esta condição. Alguns professores expressam em suas falas: “Devido os alunos estudarem no turno da noite e a maioria trabalharem durante o dia inteiro, os próprios alunos afirmam que poderiam estudar mais. Nós tentamos exigir deles, mas muitas vezes não temos o retorno”. “A realidade econômica dos nossos alunos faz com que eles tenham que trabalhar também. Eu dou aula de noite e a maioria dos alunos chegam atrasados porque saem do trabalho mais tarde".

A Classe 1, Razões para a Escolha do Curso, com 19,5% (59 ST) entende que aqueles que optam pelo curso de Matemática devem à uma tendência para esta área do conhecimento. Isso é relatado nos trechos:

Os alunos já trazem na sua trajetória o fato de gostar de Matemática, de serem alunos que sempre gostaram de Matemática. Muitos alunos estão vindo de outras faculdades para fazer licenciatura em Matemática, pois os pais não queriam que os filhos fossem professores.

Trata ainda do interesse de estudantes que estão na graduação em Matemática, mas que na realidade almejam outros cursos. Algumas falas dos professores retratam esta realidade: “Como Arquitetura, Engenharia ou Informática e se sentiu mais confortável em fazer Matemática. Não sei, a gente faz um levantamento com os alunos que ingressam, por exemplo, no bacharelado. A maioria queria Engenharia”.

A Classe 5, Oportunidades de Emprego, reteve 24,4% (74 ST) e destaca a percepção dos professores de que existe um mercado favorável de ensino capaz de absorver os licenciados em Matemática. Além disso, os egressos deste curso também têm a possibilidade de se inserir em outros setores do mercado. A seguir, alguns trechos a respeito deste tema: “Hoje em dia está em alta ter acesso ao mercado de trabalho o curso de Matemática, pois permite acesso ao trabalho devido a uma carência de professores, tanto por concursos, quanto por escolas da rede particular”.

Um certo sacrifício para depois ter acesso às oportunidades que o curso abre. Eu acho que o curso proporciona uma boa formação científica de base, em particular, a Matemática, e por isso ser um curso que na minha opinião, pode abrir várias oportunidades diferentes para o aluno quando ele se forma.

A Classe 4, Ambiente Acadêmico, com uma retenção de 25,7% (78 ST) indica a importância de espaços não convencionais para a interação dos alunos com diversos segmentos da comunidade acadêmica como explicitado nas falas dos professores: “Não vejo isso nas instituições. O que eu vejo, no máximo, nas instituições, é uma cantina e não há outro espaço para que o aluno possa trocar ideias com outras pessoas, que ele possa desenvolver alguma atividade lúdica”. Salienta também a relevância das instituições em manterem as bibliotecas bem equipadas proporcionando um ambiente agradável para os estudos. Os professores relatam esse tema nas falas:

Acho que o conhecimento, em geral, principalmente na sua realização profissional uma biblioteca bem equipada e laboratórios com acesso à internet, pois facilita muito a aprendizagem e dá mais oportunidade, mais facilidade de adequar a realidade do aluno com o conteúdo.

Também destaca acerca da estrutura acadêmica que as IES precisam oferecer aos estudantes para o seu desenvolvimento profissional. Alguns trechos das falas dos professores: “Hoje em dia é necessário ter apoio computacional e ter bons laboratórios. Então essa estrutura, a instituição tem que atender bem o aluno no que ele precisa”.

Figura 1 Dendograma das concepções dos professores. 

Discussão

A Classe 3, Dificuldades do Estudante, indica que os problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos no curso de Matemática se devem a um ensino insuficiente na Educação Básica, principalmente na etapa do Ensino Médio. Masola e Allevato (2016) destacam que boa parte dos estudantes apresentam dificuldades de aprendizagem devido aos conteúdos do Ensino Médio que não foram devidamente trabalhados. Aponta para professores que apresentam dificuldades em perceber grupos de estudantes que se encontram em situações mais vulneráveis dentro do contexto acadêmico. Nas últimas décadas, por meio de políticas públicas de inclusão, o Brasil tem experimentado o aparecimento de uma população nas universidades com perfis bastante diferenciados. Desse modo, são indivíduos mais velhos, de primeira geração e aqueles pertencentes às classes sociais mais desfavorecidas (Araújo, 2017).

A Classe 2, Gestão do Tempo, aborda a percepção dos professores de que os estudantes não conseguem administrar o tempo para os estudos. Os alunos ao entrarem na universidade se confrontam com diversas situações difíceis durante o período de ajustamento acadêmico como a falta de autonomia, deficiências na interpretação de textos, dificuldades na organização dos estudos e no gerenciamento do tempo (Masola & Allevato, 2016). Demonstra que uma parcela significativa dos estudantes de Matemática trabalha no decorrer do dia prejudicando o seu desempenho acadêmico. Rodriguez et al. (2015) apontam que devido às condições econômicas instáveis de um número expressivo de alunos do curso de Matemática, há a necessidade de que trabalhem na busca de melhores salários ou de uma complementação financeira.

A Classe 1, Razões para a Escolha do Curso, mostra que a opção pela licenciatura em Matemática também se deve à aptidão dos indivíduos por este curso. Apesar dos percalços no exercício do magistério no Brasil como condições de trabalho inapropriadas, falta de segurança nas escolas e desvalorização social dessa profissão, ainda assim, existe uma procura considerável de pessoas para esta carreira. Muitos são os motivos que podem levar um indivíduo a escolher a profissão de professor de Matemática como o gosto em resolver cálculos e desafios desde a tenra idade, a desenvoltura dos professores de Matemática que tiveram outrora, a facilidade de aprender e ensinar conteúdos de Matemática aos colegas e a influência de familiares que exercem essa profissão (Lima & Machado, 2014; Passos et al., 2005). Além disso, aponta a existência de alunos matriculados em Matemática que visam a mudança de curso. Neves et al. (2015) identificaram que boa parte dos alunos matriculados no curso de Matemática, preferem alguma Engenharia.

A Classe 5, Oportunidades de Emprego, reflete a opinião dos professores de que os alunos, ao concluírem a graduação em Matemática, têm boas oportunidades de emprego no magistério além de, este curso possibilitar a entrada em diferentes áreas do mercado de trabalho. Existe uma carência de professores de Matemática na Educação Básica, tanto na rede pública quanto na privada. Ademais, as possibilidades vão além das salas de aula de escolas e universidades. Egressos com formação em Matemática são convidados por empresas de áreas como mercado financeiro, logística, marketing, tratamento de dados, gestão de informação, processamento de dados, Física, Ciências Computacionais e Engenharias (Diogo, 2018).

A Classe 4, Ambiente Acadêmico, ressalta a importância de espaços alternativos que oportunizem a interação de alunos com diversos setores da comunidade acadêmica. Ramos et al. (2015) apontam que espaços não tradicionais na universidade têm se mostrado eficazes no compartilhamento de ideias e trocas de experiências entre alunos, professores, funcionários e comunidade, o que colabora para o aprimoramento intelectual e profissional dos estudantes. As falas dos professores também evidenciaram a importância da estrutura universitária que as IES precisam disponibilizar aos estudantes. Hirsch et al. (2015) destacam alguns fatores que precisam ser levados em consideração para a formação profissional dos discentes como bibliotecas equipadas, laboratórios, salas de estudo, organização do curso, acessibilidade, programas de assistência social, política de avaliação institucional, qualificação docente e técnico-administrativa, relacionamento entre professores e alunos, métodos de ensino e programas de pós-graduação.

Considerações finais

O objetivo do estudo foi identificar as concepções de professores sobre a adaptação à universidade e a satisfação com o curso dos estudantes de Matemática. As concepções dos professores representam a forma como se colocam diante de suas práticas pedagógicas, o modo como lidam com as dificuldades dos alunos, o que sabem sobre o perfil desses indivíduos e o que os estudantes desejam para seu futuro profissional. O estudante ao ingressar na etapa do Ensino Superior se depara com muitos desafios. Conhecer algumas variáveis desse novo contexto educacional e as diversas situações vivenciadas pelos alunos torna-se relevante para melhor integração discente às instituições de ensino.

Os professores atribuem as dificuldades de aprendizagem dos estudantes a diversos aspectos como lacunas do Ensino Médio, escassez de tempo para a realização das atividades acadêmicas e alunos em atividades laborais. O estudo indicou que alguns professores não conseguem perceber estudantes em situações mais vulneráveis, o que pode impedir ações de suporte institucional.

Também ficou evidenciado que muitos alunos que frequentam o curso de Matemática preferiam estar cursando Engenharia. Por outro lado, aqueles que apresentam vocação nessa área encontram um mercado de trabalho favorável no magistério e, até mesmo, em outros setores como Finanças, Ciência de Dados, Ciência da Computação e Logística. Os docentes relatam ainda a importância de investimentos das IES em espaços que propiciam o desenvolvimento acadêmico dos estudantes como bibliotecas, laboratórios e salas de estudo. Outros espaços de convivência também devem ser disponibilizados de modo que favoreçam a interação e a realização de atividades extracurriculares entre estudantes, professores e funcionários.

O estudo contribui para a elucidação de como pensam os professores do curso de Matemática no tocante às vivências dos estudantes ao ambiente universitário. Nesse sentido, o estudo possibilita que professores e gestores tomem decisões mais congruentes em relação à implementação de políticas acadêmicas com vistas à diminuição das dificuldades encontradas pelos alunos nesse contexto.

No que se refere às limitações, o estudo poderia ter obtido uma amostra com docentes de outros estados da federação, além de ter realizado comparações entre as concepções de professores de IES públicas e privadas. No que concerne a estudos prospectivos, sugere-se a investigação de outras variáveis de modo a ampliar a compreensão das experiências acadêmicas dos estudantes de Matemática no contexto da Educação Superior.

Referências

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Recebido: 03 de Outubro de 2020; Aceito: 27 de Outubro de 2020

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