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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.57 Florianópolis jan./mar 2019  Epub 15-Out-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e54349 

Artigo Original

O lúdico em contexto de saúde: inter-relações com as práticas humanizadas

The ludic in health context: interrelationships with humanized practices

El lúdico en contexto de salud: interrelaciones com las prácticas humanizadas

Giandra Anceski Bataglion1 
http://orcid.org/0000-0001-6086-7544

Alcyane Marinho2 
http://orcid.org/0000-0002-2313-4031

1Mestre em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, Brasil giandraanceski@gmail.com

2Doutora em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde e do Esporte, Florianópolis, Brasil alcyane.marinho@hotmail.com


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi analisar as concepções e as formas de utilização do lúdico por profissionais, que atuam na reabilitação de crianças com deficiência, em uma instituição de saúde estadual de Santa Catarina. A pesquisa configura-se como uma investigação de campo, descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa dos dados. Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturada e observações sistemáticas. A análise de dados ocorreu por meio da técnica “análise de conteúdo”. As profissionais demonstraram visões semelhantes sobre o lúdico reconhecendo-o nos jogos e nas brincadeiras que propiciam prazer e diversão, porém, desconsideraram outras possibilidades de sua fruição, fato que, aparentemente, não influencia na utilização deste elemento no contexto investigado. Isto porque o atendimento humanizado é refletido na manifestação de elementos lúdicos geradores de benefícios em todos os aspectos da vida da criança.

PALAVRAS-CHAVE: Crianças com deficiência; Humanização da assistência; Reabilitação; Jogos e brinquedos

ABSTRACT

The objective of this research was to analyze the concepts and forms of use of ludic activities by nine professionals working in the rehabilitation of children with disabilities in a public health institution in Santa Catarina. The research configures as a field investigation, descriptive and exploratory, with qualitative approach. For the analysis of data it was used semi-structured interviews and systematic observations. Data analysis occurred through technical "content analysis". The professionals showed similar views on the ludic activities for the children, recognizing it in games and activities that provide pleasure and fun, however, did not considered other possibilities for their enjoyment, a fact that apparently does not affect the use of this element in the context investigated. The reason for that is that the humanized care is reflected in the ludic elements whom generate benefits in all aspects of the child's life.

KEYWORDS: Disabled children; Humanization of assistance; Rehabilitation; Play and playthings

RESUMEN

El objetivo de esta investigación fue analizar las concepciones y las formas de utilización de lo lúdico por nueve profesionales que actúan en la rehabilitación de niños con discapacidades en una institución de salud estatal de Santa Catarina. La investigación se configura como un trabajo de campo, descriptivo-exploratoria, con abordaje cualitativo de los datos. Para recoger los datos fue utilizado un guión de entrevista semiestructurada y observaciones sistemáticas. El análisis de datos sucedió por medio de la técnica “análisis de contenido”. Las profesionales demostraron visiones semejantes sobre lo lúdico reconociéndolas en los juegos y en las actividades que propician placer y diversión, sin embargo, desconsideraron otras posibilidades de su fruición, hecho que, aparentemente, no influencia en la utilización de este elemento en el contexto investigado. Esto porque el atendimiento humanizado está reflejado en la manifestación de elementos lúdicos.

PALABRAS-CLAVE: Niños con discapacidad; Humanización de la atención; Rehabilitatación; Juego e implementos de juego

INTRODUÇÃO

O lúdico, como possibilidade de desenvolvimento humano, vem sendo investigado por diversas áreas do conhecimento (pedagogia, educação física, filosofia, psicologia), apontando a sua importância em diferentes contextos (saúde, lazer, educação) (HUIZINGA, 1971; SANTIN, 2001; ISAYAMA et al., 2011; SIMON; KUNZ, 2014; CHICON et al., 2016). A Política de Humanização Hospitalar, criada pelo Ministério da Saúde, no ano 2000, impulsionou as investigações acerca deste fenômeno nas instituições de saúde, contudo, há carência de estudos que contemplem o lúdico na reabilitação de crianças com deficiência.

A política supracitada almeja o estabelecimento da interdisciplinaridade nos ambientes de saúde, além da valorização dos usuários do serviço a partir de um atendimento mais acolhedor, considerando-os para além de um corpo biológico (ISAYAMA et al., 2011; BEZERRA; SORPRESO, 2016). Neste sentido, acredita-se no lúdico (manifestado de diversas formas, dentre elas, pelo jogo e pelas brincadeiras) como um potencial meio para os profissionais desenvolverem suas atividades cotidianas de modo que possam ressignificar a prática em saúde (ISAYAMA et al., 2011). Nos contextos de reabilitação, particularmente, a fruição lúdica às crianças com deficiência favorecerá tanto a saúde física quanto mental destas (CAZEIRO; LAMÔNACO, 2011; BATAGLION; MARINHO, 2016). Além disso, “a brincadeira é um meio de a criança viver a cultura que a rodeia como ela é verdadeiramente e não como ela deveria ser” (CHICON et al., 2014). Ademais, os benefícios podem ser estendidos aos seus familiares (SOUZA; MITRE, 2009; BATAGLION; MARINHO, 2016).

Compreende-se que os profissionais atuantes no Sistema Único de Saúde (SUS) exercem suas funções sob influência de “normas e regras na regulação dos serviços e dos grupos implicados com a produção do cuidado, trabalhadores nas diversas instâncias do SUS, gestores e usuários” (VASCONCELOS et al., 2016). Todavia, estes profissionais têm potencial para o uso de estratégias peculiares com vistas a praticar os valores humanos e o compromisso social com a saúde. Isto envolve tudo e todos que compõem o contexto de atuação: “os usuários, o trabalho em equipe, o compartilhamento de saberes e fazeres na relação com os outros” (VASCONCELOS et al., 2016). Neste sentido, a singularidade que permeia as vivências lúdicas pode permitir que as práticas humanizadas sejam construídas coletivamente por estes diferentes atores no interior das instituições de saúde (ISAYAMA et al., 2011).

Neste estudo, presume-se que o lúdico somente pode ser compreendido por meio de suas formas de manifestação, situando-se na esfera do simbólico (MARINHO, 2004). Nesta acepção, este elemento está sendo entendido para além de um conjunto de atividades ou um rol de qualidades idealizadas: prazer, espontaneidade, criatividade, diversão, sonho, alegria ou imediatismo. Ele está sendo considerado o ânima do prazer desinteressado, isto é, aquilo que move ou alimenta o jogar, o brincar, o festar e outras atividades pontuadas pelo fim em si mesmo (HUIZINGA, 1971). Nesta perspectiva, os termos “jogo”, “brinquedo”, “brincadeira” e “atividade lúdica” não estão sendo utilizados como sinônimos de lúdico, mas, sim, como potenciais meios para que a fruição lúdica seja estabelecida, uma vez que, no contexto desta pesquisa, o lúdico apresenta-se com o “fim em si mesmo” nas vivências das crianças ao se engajarem plenamente nas propostas potencialmente lúdicas. Condição diferente à das profissionais que apostam no lúdico como um veículo frutífero para o desenvolvimento do trabalho terapêutico, embora elas também possam desfrutar do lúdico enquanto atuam profissionalmente.

Com base nestes pressupostos, o objetivo desta pesquisa foi analisar o entendimento e as formas de utilização do lúdico por profissionais, que atuam na reabilitação de crianças com deficiência, em uma instituição de saúde (IS) estadual de Santa Catarina especializada em reabilitação.

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi realizada por meio de uma investigação de campo, configurando-se como descritiva e exploratória, com abordagem qualitativa dos dados (THOMAS; NELSON, 2012). Destaca-se que este artigo faz parte de uma dissertação de mestrado, a qual foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina sob o número 1.119.371.

O contexto do estudo foi uma instituição de saúde pública de Santa Catarina, a qual é especializada em Reabilitação Física e Intelectual dispondo de atendimento multiprofissional e interdisciplinar. Desta instituição, serviram como contexto da pesquisa os setores da Reabilitação Pediátrica e da Reabilitação Intelectual e do Transtorno do Espectro Autista, os quais, após avaliação inicial de cada paciente, oferecem atendimentos nas áreas de Educação Física, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicologia, com duração de 50 minutos em cada área, podendo totalizar até quatro horas de atividades, semanalmente, nestes diferentes atendimentos, dependendo das necessidades individuais das crianças. Além disso, há os atendimentos da área da Nutrição que são realizados com intervalos mais prolongados, conforme o planejamento traçado para cada paciente.

Neste contexto, realizaram-se observações sistemáticas, envolvendo profissionais, crianças com deficiência física, sendo a maioria com paralisia cerebral, com deficiência intelectual e com transtorno do espectro autista, bem como os seus familiares. As observações sistemáticas foram realizadas diariamente, durante dois meses, nos diferentes atendimentos, totalizando 76 observações. Para tanto, contou-se com auxílio de um diário de campo, no qual anotavam-se informações referentes às atividades lúdicas desenvolvidas, às formas de apropriação do lúdico pelas profissionais (o lúdico como veículo, objeto ou método de trabalho), aos resultados (positivos e/ou negativos) e às formas de apropriação do lúdico pelas crianças (expressões implícitas e explícitas, envolvimento). Ao final deste período, estes participantes foram convidados para responderem as entrevistas semiestruturadas com roteiros específicos para cada um deles. Todos aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido, sendo os profissionais, o foco deste artigo. Optou-se por utilizar nomes fictícios para se referir aos participantes do estudo, com o intuito de manter a não identificação dos mesmos.

Desta forma, nove profissionais, com idades entre 30 e 52 anos, participaram da pesquisa. Vale destacar que a profissional que está há mais tempo na IS, possui 22 anos de trabalho nesta instituição, seguida por 20, 10, cinco, três e dois anos, sendo que há quatro profissionais com dois anos de atuação profissional na IS. Todas as participantes são do sexo feminino e possuem formação em sua área de atuação, isto é, educação física (n=1), fisioterapia (n=2), fonoaudiologia (n=3), terapia ocupacional (n=2), psicologia (n=1). Cinco possuem mestrado nas áreas de neurociências, ciências do movimento humano, saúde coletiva e distúrbios da comunicação humana. Uma destas, possui doutorado em linguística. Das demais, duas possuem especialização, uma delas em terapia ocupacional e, a outra, em saúde pública.

A entrevista semiestruturada aplicada verificou questões referentes aos dados de identificação das profissionais e teve 22 perguntas que contemplaram as seguintes dimensões e os respectivos indicadores: concepções de lúdico (entendimento de lúdico), perfil e resultados dos atendimentos por meio do uso do lúdico (positivos e/ou negativos). As entrevistas, que tiveram duração média de 40 minutos cada, foram registradas por meio de um gravador de áudio e, posteriormente, transcritas na íntegra pelas pesquisadoras deste estudo. O procedimento de transcrição durou, aproximadamente, 10 dias, considerando cerca de nove horas para cada entrevista.

Os dados foram analisados com base na técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011). De acordo com a autora, a análise de conteúdo acontece por meio de três fases distintas, sendo a primeira, a organização do material coletado que visa dar funcionalidade e sistematizar as ideias iniciais. A segunda etapa se trata da codificação que é o processo, no qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades. Por fim, ocorre a categorização que se refere à classificação de elementos constitutivos de um conjunto de diferenciação e agrupamento com os critérios previamente definidos, sendo as categorias entendidas como classes que reúnem grupos de elementos sob um título genérico, grupos esses, efetuados devido às características comuns destes elementos (BARDIN, 2011). Seguindo estas orientações, inicialmente as entrevistas foram transcritas e organizadas em planilhas do software Word e, a partir desta organização, foram elaboradas as seguintes categorias de análise: o lúdico como manifestação de suas características (prazer, satisfação, diversão, etc.); o lúdico como jogos, brincadeiras e brinquedos; o lúdico como veículo de trabalho; o lúdico como elemento no serviço multiprofissional e interdisciplinar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entendendo o elemento lúdico no contexto da reabilitação

Para iniciar a apresentação e a discussão dos resultados, faz-se pertinente reportar-se a Santin (2001) que afirma sobre a facilidade para vivenciar e até para dar exemplos sobre o que significa o lúdico. Todavia, de acordo com o autor, as palavras parecem se perder diante da necessidade de formulação de ideias para explicá-lo e, principalmente, para defini-lo. Foi possível notar exatamente esta situação com as profissionais entrevistadas quando foram questionadas sobre o que entendiam por lúdico. Das nove profissionais entrevistadas, duas demonstraram receio em responder a pergunta, permanecendo em silêncio por alguns segundos e, sorrindo em seguida, como se estivessem com medo de dar a resposta errada. As demais profissionais responderam prontamente o que entendem por lúdico, utilizando, para isto, algumas características como o prazer, a satisfação, a diversão, os jogos, as brincadeiras e o brinquedo. Além disso, sentiram-se mais à vontade para explicar este elemento, fazendo referências aos seus contextos de trabalho, citando situações de seu dia a dia em cada área de atuação.

De acordo com Santin (2011), a tarefa de definir ou conceituar o lúdico é realmente muito difícil e, talvez, até inviável. Conforme o autor, o motivo disto é o fato de o lúdico não poder ser apreendido pelas palavras, mas, sim, pela fruição, como uma ação sentida e vivida. Deste modo, ele pode acontecer em qualquer momento, em qualquer lugar e em qualquer circunstância desde que alguém, simplesmente, decida querer brincar. Neste sentido, com base nas observações sistemáticas, foi possível verificar a predisposição e a espontaneidade das profissionais ao promover e estimular vivências lúdicas aos seus pacientes, contudo, em suas entrevistas, notou-se certa dificuldade para reconhecerem o lúdico em suas ações, para além do uso de jogos, brinquedos e brincadeiras na reabilitação, apesar de algumas características do lúdico (prazer, satisfação, diversão) terem sido citadas. Outro aspecto constatado foi a atribuição da atividade lúdica como exclusiva ou predominante no mundo infantil em detrimento da sua presença na vida adulta, o que é um equívoco, visto que, adaptando os temas aos interesses e necessidades, ela pode ser utilizada em diferentes idades e contextos (SANTOS, 1998).

Diante disto, vale destacar a ausência de disciplinas que tratem diretamente do lúdico em currículos de universidades brasileiras, sendo este, um fator interveniente, tanto para o seu entendimento quanto para a sua utilização (SANTOS, 1998). Por mais que este seja intrínseco ao ser humano, precisa ser estudado, discutido e refletido durante os cursos de formação inicial, que são direcionados ao trabalho com diferentes públicos (crianças, adolescentes, adultos, idosos) e contextos (educação, saúde), permitindo que os profissionais ingressem no mercado de trabalho cientes do motivo pelo qual o lúdico, como fonte de desenvolvimento humano, ocasionou um vasto número de estudos e, hoje, gera consenso na literatura sobre a importância dos jogos, dos brinquedos e das brincadeiras (SANTOS, 1998). Ademais, as concepções que o profissional possui sobre ser humano, criança, sociedade, educação, entre outros, não podem ser encerradas com a formação inicial. A partir disto e, embora pareça contraditório, independentemente da experiência com o lúdico durante a formação inicial, é importante que o profissional que o utiliza como veículo de trabalho busque melhor compreender o fenômeno por meio de diferentes olhares que, por sua vez, podem se complementar e contribuir para uma visão da totalidade que envolve a singularidade do brincar.

Dentre as respostas mais citadas pelas profissionais, está o uso do lúdico como um veículo para envolver a criança na atividade terapêutica e, com isto, atingir os objetivos do plano terapêutico; isto é, melhorar a função motora, intelectual, social ou emocional da criança, dependendo de cada caso. Para tanto, referiram-se à necessidade de que a criança sinta prazer em realizar a atividade que está sendo proposta, seja com jogos, brinquedos ou brincadeiras, para que ocorra este envolvimento e para que os objetivos sejam atingidos com mais facilidade. Neste sentido, três profissionais apostam no uso da imaginação e na contação de histórias para estreitar os laços, motivar e cativar a criança no atendimento da reabilitação. Isto é frequentemente observado nas atitudes dos adultos, dado que as crianças se comportam como se estivessem brincando a todo momento, sendo assim, eles as estimulam a fazer coisas, tidas pelas crianças como desagradáveis, como tomar remédios ou comer o que não querem, fazendo da colher um avião que pousará no aeroporto representado pela boca (SANTIN, 2001). A seguir, estão algumas falas que representam esta utilização do lúdico como veículo para chegar aos objetivos:

Eu entendo que seja a introdução ou a realização de uma atividade não relacionada à técnica, mas que coloque um elemento do brincar que faça a interação entre a atividade que você está exercendo com a criança, com um recurso que seja mais descontraído para a criança, que possa servir como um recurso para ela entrar na sua história. [...] Eu estou pensando na prática, eu sempre introduzi a atividade lúdica. Eu trabalhei muito com crianças, a maioria da minha trajetória foi com criança, então, eu acho que sempre foi um recurso que eu utilizei para chegar aos objetivos que eu tinha. Utilizando brinquedos, brincadeiras, situações que utilizassem desses recursos um pouco mais familiares para eles para eu poder atingir os meus objetivos (Áurea - 52 anos - Fisioterapeuta).

Eu entendo que é alguma atividade que faça com que a criança tenha prazer em realizar aquilo que você possui de objetivo. Na minha área, por exemplo, em alguns casos eu consigo usar mais o lúdico do que em outros. Com os pequenininhos tem que usar muito o brinquedo para estimular a linguagem, a fala. E o brinquedo faz parte do desenvolvimento da criança, então, para a gente, aqui no setor, é muito importante o lúdico (Fátima - 36 anos - Fonoaudióloga).

A profissional Elsa (59 anos - Terapeuta ocupacional) se referiu ao lúdico na reabilitação como um elemento importante para proporcionar ao paciente prazer e satisfação, deixando os demais ganhos, como a melhora nos aspectos motores, por exemplo, como uma consequência da terapia como um todo. Neste sentido, esta profissional enfatizou que o bem-estar proporcionado pelas atividades lúdicas, por si só, possuem um papel dentro da reabilitação. Isto é, Elsa considera que os ganhos no aspecto emocional, por si só, justificam a sua presença durante o atendimento:

O que eu entendo é a brincadeira, não necessariamente terapêutica, como tratamento, mas que envolve o prazer, que tem prazer. Acho que a recompensa da ludicidade e de qualquer brincadeira é esse retorno de prazer e os outros ganhos secundários também, mas eu acho a coisa principal é a satisfação com o que está fazendo (Elsa - 50 anos - Terapeuta ocupacional).

Este tipo de entendimento deve ser instituído, especialmente, no campo da Educação Física de modo a orientar o seu fazer profissional em saúde. Para isto, é preciso libertar-se das amarras do corpo biológico e passar a observar os desejos e anseios, bem como o contexto social no qual os pacientes estão inseridos (BUENO, 2016). Estes elementos, por sua vez, devem servir para orientar a atuação profissional no contexto de saúde (BEZERRA; SORPRESO, 2016).

Rosangela (36 anos - Fisioterapeuta), por sua vez, apontou que a atividade não precisa, necessariamente, ter um brinquedo ou um jogo para ser lúdica. Neste sentido, ela sugere que o lúdico pode estar presente em uma caminhada, no rolar, no pular, no rastejar, em uma dança. Mas para que isto ocorra, estes momentos devem ser permeados pelo prazer que pode ser evidenciado pela disposição da criança para realizar a tarefa e pelas expressões corporais.

Eu entendo que é uma atividade que tem que ter prazer. Pode ser alguma coisa com o corpo, algum brinquedo. Na parte da fisioterapia, é muito com o corpo, mas tem que ser uma coisa que a pessoa goste de estar fazendo. Pode ser só com o corpo, um brincar, mas que não precisa ter, necessariamente, um brinquedo (Rosangela - 36 anos - Fisioterapeuta).

O que Rosangela chamou de atividades com o corpo, pode-se denominar aqui de atividades que utilizam puramente a imaginação, a contação de histórias e/ou a criatividade atrelados, ou não, às expressões de alegria, de afeto e de prazer. Tal colocação pode ser traduzida pela realização de uma atividade de alongamento, na qual a profissional simula que Ian (criança com paralisia cerebral - 2 anos) seja um gato, estimulando-o a estender o corpo como tal (espreguiçar). Moran et al. (2016) evidenciaram, em seu estudo sobre o uso da musicoterapia em sessões de fisioterapia respiratória para bebês, atividades semelhantes a estas. Conforme Marcellino (2002), algumas atividades, de fato, não precisam de materiais para seu desenvolvimento e, nesses casos, a atuação do profissional é ainda mais importante por ser a única referência da criança. Esta forma de utilização do lúdico também permite o desenvolvimento do atendimento de reabilitação com toda sua seriedade, possibilita o desviar dos padrões pré-estabelecidos sem se opor aos seus objetivos, porém, aproximando-se do mundo da criança, tal qual, aponta Gabriela:

Na reabilitação, o aspecto lúdico é fundamental porque traz para a realidade do mundo infantil o que é o mais próprio do mundo infantil, que é a brincadeira. Então, se apropriar do movimento brincando, trazendo um jogo, uma brincadeira, um sentimento, um pensamento, a parte afetiva, a parte emocional; dar um significado para o movimento através do imaginário, através da criação, através da criatividade, do brincar, do que é mais significativo, do que é mais próprio do mundo infantil; é o que está mais perto da realidade da criança e se torna mais prazeroso, mais coerente no universo da criança (Gabriela - 34 anos - Profissional de Educação Física).

Os jogos, as brincadeiras e os brinquedos foram citados em todas as entrevistas, no entanto, por meio de algumas das falas das entrevistadas e, principalmente, das observações, é possível garantir que estas não são as únicas formas de manifestações lúdicas na IS, uma vez que o uso da imaginação é utilizado em todos os atendimentos e, apesar de possuir objetivo terapêutico, gera momentos de descontração, de divertimento e de distanciamento das dificuldades. Com isso, pode-se afirmar que estes se constituem em momentos lúdicos que, muitas vezes, não acontecem em paralelo ao uso de jogos, brinquedos e brincadeiras, embora isto também tenha sido evidenciado. As relações que acontecem entre profissional e paciente, muitas vezes, são lúdicas, pelo bem-estar sentido por este último ao encontrar aquela pessoa que brinca com ele e que o faz sorrir. O contato com a família na IS, por sua vez, também pode caracterizar momentos lúdicos porque a criança se sente feliz ao receber um elogio da profissional, frente a um familiar. Este, por conseguinte, se sente orgulhoso por observar o avanço da criança a cada atendimento. Nesta perspectiva, o estudo de Bataglion e Marinho (2016) identificou a satisfação dos familiares de crianças com deficiência quanto ao uso do lúdico no contexto de reabilitação, apontando benefícios tanto para as crianças quanto para si mesmos.

Nesta direção, em termos de atividades, o que predomina nos atendimentos realmente são jogos, brinquedos e brincadeiras, entretanto, para permitir que estes se concretizem e/ou caracterizem como lúdicos, a pré-disposição dos diferentes atores envolvidos na reabilitação é essencial. Para Souza (2014), o processo de humanização só acontece quando permeado pela interação entre os seres humanos, sendo o lúdico um veículo utilizado para que isto ocorra de maneira mais significativa, interessante e prazerosa. Por este ângulo, pode-se afirmar que o atendimento acolhedor e solidário oferecido pelas profissionais na IS permite que as manifestações lúdicas extrapolem os momentos das atividades de reabilitação propriamente ditas.

O lúdico é o veículo mais singular utilizado pela própria criança para o seu desenvolvimento (SOUZA, 2014). Nesta acepção, a equipe multidisciplinar da IS oferece um serviço legitimado, seja direta ou indiretamente, uma vez que, consolidá-lo como veículo para atingir os fins da reabilitação significa permitir as mais diversificadas formas de manifestação lúdica sem, no entanto, perder a seriedade das atividades. Contudo, faz-se pertinente colocar que, embora as profissionais aparentem possuir familiaridade e apropriação das atividades lúdicas que desenvolvem com seus pacientes, baseadas na experiência pessoal e profissional de cada uma, há possibilidade de aprofundamento quanto ao entendimento deste elemento. Isto ajudaria a compreender a dinâmica que se estabeleceu em torno dos jogos e das brincadeiras em diferentes momentos históricos e o que se estabelece atualmente nas relações sociais que permite as experiências lúdicas, bem como o que justifica a presença das atividades lúdicas nos contextos de saúde, para além do se aproximar do mundo infantil.

Não obstante, ressalta-se que o profissional é quem organiza as atividades, o espaço, o tempo, que lida com as certezas e incertezas do que foi planejado, que cria e recria, sendo o mediador no processo de desenvolvimento das crianças (SANTOS, 1998). Nesta acepção, para utilizar a atividade lúdica como veículo para atingir os objetivos terapêuticos, é essencial que o profissional tenha o espírito lúdico aguçado, que goste de brincar e que veja o seu contexto de trabalho como um espaço alegre e prazeroso, apesar das lacunas e contradições enfrentadas para que a proposta de atendimento humanizado venha a se concretizar. Isto porque, as políticas do serviço em saúde se constroem, em parte, por intermédio da prática profissional (MENDES; CARVALHO; BRANDÃO, 2016). Ademais, é por meio do estabelecimento de relações interdisciplinares que se circunscrevem as mais variadas e criativas formas de intervenção.

Formas de utilização do lúdico no contexto da reabilitação

Ressalta-se que não se notou maior ou menor utilização do lúdico durante os atendimentos das diferentes profissionais da IS, podendo-se apontar, praticamente, a mesma apropriação quanto ao uso deste elemento por cada uma delas, considerando-se as particularidades na escolha das atividades. Neste sentido, a área de atuação mostrou-se um fator relevante quanto à forma de utilização do lúdico, no sentido de que foi observada maior prevalência no uso de atividades estruturadas em forma de jogos e brincadeiras nos atendimentos de fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicologia, e maior incidência do uso de contação de histórias, do faz de conta e a realização de atividades sem o uso de materiais nos atendimentos da fisioterapia e da educação física, especialmente, durante a estimulação motora aquática. Esta questão pode ser explicada por estas duas últimas áreas trabalharem, prioritariamente, com o desenvolvimento de aspectos motores e a fonoaudiologia, por exemplo, com as habilidades de linguagem, na qual os jogos, especialmente os de tabuleiro, são fundamentais para trabalhar os diferentes sons e fonemas.

Em relação à utilização do lúdico nos atendimentos na IS, cinco profissionais apontaram que este elemento está presente em todos os seus atendimentos independentemente do perfil do paciente, uma vez que, são crianças e necessitam de algo que estabeleça relação entre paciente-profissional e atividade. No entanto, isto não garante que o lúdico se manifeste, dado que isto depende das relações que, de fato, estabelecem-se entre estes atores e que permitirão a sua fruição.

Nesta direção, percebeu-se, nas falas das profissionais entrevistadas, a preocupação com a escolha das atividades para despertar o interesse dos pacientes e alcançar os objetivos da reabilitação. Gabriela (34 anos - Profissional de Educação Física) relatou que utiliza o lúdico de acordo com aquilo que atrai a atenção da criança; Áurea (52 anos - Fisioterapeuta) destaca a importância de conquistar a criança para ela realizar as atividades, neste caso, as técnicas de fisioterapia, que, muitas vezes, são desagradáveis por exigir movimentos difíceis de serem realizados por quem possui limitações motoras e, por vezes, podem até ser dolorosos:

Primeiro, que auxilia muito o terapeuta porque a criança começa a entrar na sua história. As técnicas de fisioterapia são um pouco chatas, às vezes, até, em alguns momentos, elas são um pouco desagradáveis e, com criança, você tem que fazer com que ela compre a sua história para ela participar. Então, eu sempre utilizei com todos, independentemente. A não ser que a criança não tenha condição nenhuma de interação, ficando muito restrito, mesmo assim, a gente ainda tenta introduzir algum elemento (Áurea - 52 anos - Fisioterapeuta).

Neste sentido, a profissional supramencionada aposta em alterar a atenção daquilo que causa desprazer para aquilo que proporciona relaxamento e diversão, seja um jogo, uma brincadeira ou, simplesmente, uma história no decorrer do atendimento fisioterápico. Não se trata de uma fuga da vida real, mas, sim, de uma experiência que combina elementos de fantasia e realidade no processo de construção da identidade da criança, uma vez que, nestes momentos lúdicos, ela fantasia, sonha, aceita desafios, cria estratégias motoras e cognitivas para fazer aquilo que necessita (SOUZA, 2014). Segundo o autor, por meio desta atividade lúdica a criança relaciona-se com o próprio corpo, com o outro e com o mundo, neste processo, o imaginário se transforma no real.

No intuito de que a atividade não seja uma obrigação para o paciente, as profissionais utilizam o elemento lúdico de acordo com a pré-disposição e necessidade de cada criança, ou seja, com alguns pacientes as atividades lúdicas são utilizadas durante todo o período da terapia. Em contrapartida, para aqueles que necessitam de alguma atividade mais técnica para trabalhar determinado aspecto ou habilidade ou, que não demonstram interesse em participar da atividade lúdica, esta é utilizada somente em momentos pontuais. Neste sentido, duas profissionais relataram utilizar atividades lúdicas durante todo o período do atendimento e três, em momentos pontuais. Ainda, outras quatro citaram que podem haver momentos em que não ocorra a atividade lúdica, mas que há predomínio desta no decorrer das sessões.

Durante seus relatos, as profissionais deixaram clara a necessidade de reservarem um tempo do atendimento para fazer algumas atividades mais técnicas. Com isso, Lurdes (37 anos - Fonoaudióloga) ressalta que o lúdico pode estar presente durante todo o atendimento porque até mesmo nos momentos em que há necessidade de se fazer estas tarefas mais técnicas, pode-se recorrer a uma história para motivar e descontrair o paciente, mas, conforme ressalta Elsa (59 anos - Terapeuta ocupacional), neste sentido, há dificuldade de reconhecer ou definir se a atividade é lúdica ou não, pois nem sempre as vivências lúdicas são expressas por meio de comportamento externo, isto é, que possam ser visualizados pelo outro (HUIZINGA, 1971; SANTIN, 2001).

Para discutir o uso das atividades ditas “mais técnicas”, recorreu-se às informações adquiridas nas observações sistemáticas e, apoiando-se nelas, pode-se salientar que estas consistem em alongamentos fisioterápicos; no treino para o uso de andadores; no treino para correção de fonemas com o uso do espelho; o bater pernas na piscina; o uso de brinquedos sem expressar, externamente, prazer. Porém, isto não significa que estas atividades se circunscrevam, sempre, tecnicamente, uma vez que, foram observadas situações, nas quais essas atividades foram desenvolvidas com o enredo de uma história e manifestações lúdicas puderam ser evidenciadas. Resultados positivos a partir da contação de história em contextos de saúde foram igualmente mencionados no estudo de Bezerra et al. (2014).

Deste modo, algumas possibilidades de reflexão merecem ser descritas: as profissionais precisam usar da sensibilidade para identificar quando o uso do elemento lúdico causará bem-estar, tendo em vista que algumas técnicas são, de fato, desagradáveis, fazendo com que a criança não se sinta bem com a contação de uma história; as profissionais, muitas vezes, utilizam o lúdico no decorrer destas atividades técnicas, mas não reconhecem o seu uso devido ao fato da atividade não se caracterizar como uma brincadeira ou um jogo; a inexistência de expressões (verbais ou corporais) de diversão, alegria e prazer dificultam a identificação da vivência lúdica, mas isso não garante que o lúdico não esteja se manifestando internamente; mesmo sem o estímulo profissional, o lúdico pode se instituir se um simples alongamento, uma atividade de braçada ou o uso de um andador, propiciarem manifestações de satisfação nas crianças.

Em contrapartida aos dilemas supracitados sobre atividades lúdicas e atividades técnicas, duas profissionais (Berenice e Eva) foram objetivas ao responder que o uso das atividades lúdicas ocorre durante todo o período de seus atendimentos. A firmeza observada nas respostas destas profissionais pode ser compreendida pela explicação de Berenice (38 anos - Fonoaudióloga) quando afirma que não há muita variação no número das atividades em seus atendimentos, considerando pertinente o desenvolvimento da sessão com apenas uma atividade para que esta tenha uma sequência lógica e a criança não disperse, dado que, geralmente, o cérebro leva cerca de cinco minutos para se adaptar às mudanças de atividade, por isso, as transições, quando necessárias, devem configurar momentos lúdicos para as crianças (SCHILLER; ROSSANO, 2008).

Outra reflexão que pode ser feita a partir das falas das profissionais Berenice e Eva é o entendimento do lúdico como qualquer jogo ou brincadeira que seja utilizada durante a sessão, podendo ser uma afirmação arriscada tendo em vista que, apesar destes serem momentos privilegiados para as manifestações lúdicas, nem sempre isto se concretiza, pois as mesmas também dependem do estado de espírito das pessoas envolvidas. Além disso, o jogo e a brincadeira não se constituem nas únicas formas de atividade lúdica, visto que o lúdico não é algo definitivamente dado, não é uma realidade manipulável, não está em um brinquedo ou em uma atividade definida, pois ele se constrói pela criatividade simbolizadora da imaginação de cada ser humano (SANTIN, 2001). Deste modo, o brincar é uma forma de impulsionar o lúdico que habita o imaginário humano.

Destaca-se a declaração de Eva (30 anos - Terapeuta ocupacional), parte em que relata que o profissional utiliza as brincadeiras com o intuito de concretizar os objetivos da reabilitação e as crianças pensam que estão só brincando: A gente brinca com a criança, como eu falei, eu com o objetivo e, ela, pensando que está só brincando. Sendo assim, é em todo o atendimento (Eva - 30 anos - Terapeuta ocupacional). Nesta direção, o “só brincar” apontado, não significa que este não seja realizado com a maior seriedade pela criança, mas que ela não vislumbra atingir os objetivos da reabilitação, especialmente, enquanto está brincando devido ao envolvimento e ao entusiasmo que estabelece com a brincadeira ou com o jogo, ressignificando o “só brincar”. Situação esta, contrária à da profissional que, apesar de poder desfrutar do lúdico em determinadas situações do atendimento, possui como intenção primordial os fins terapêuticos aos pacientes. Nesta perspectiva, o termo “não sério” utilizado por Huizinga (1971) é pertinente para caracterizar o jogo. Este caráter “não sério” indica o cômico, o riso, aspectos que, geralmente, são evidenciados nas manifestações lúdicas, as quais, historicamente, contrapõem-se ao trabalho, considerado atividade séria (MARCELLINO, 2002; VOLPATO, 2002). Neste sentido, os autores explicam que o caráter “não sério”, não denota que o brincar deixe de ser sério, mas exprime que está relacionado ao estado de espírito de quem brinca e não há dúvidas de que a criança o faz com muita austeridade.

Quanto às relações estabelecidas entre as profissionais e seus pacientes, todas manifestaram atitudes positivas para com as crianças, seja durante os horários de atendimentos ou, até mesmo, nos corredores da IS, onde se observou, informalmente, inúmeras formas de carinho e preocupação das profissionais com o bem-estar das crianças. Nesta perspectiva, foi possível constatar que as formas de manifestar o atendimento humanizado, por vezes, distinguem-se pelas características pessoais. Por exemplo, algumas profissionais apresentam mais interações por meio de falas, fazendo brincadeiras, conversando sobre assuntos do dia a dia das crianças; outras, estabelecem mais interações com trocas de olhares, com o contato físico como um abraço ou, simplesmente, um carinho. Estas relações se fazem particularmente vitais nos contextos de saúde, dado que os pacientes terão que conviver por longos períodos nestes ambientes, daí a necessidade de que as práticas de saúde sejam instituídas a partir da compreensão e da valorização do sujeito, promovendo-se o atendimento guiado por ações inclusivas e compassivas (MENDES; CARVALHO; BRANDÃO, 2016). Por meio desta sensibilidade, que vai ao encontro dos pressupostos da humanização, a equipe multiprofissional estabelece a interdisciplinaridade e busca instituir a consolidação do lúdico em seus atendimentos por meio dos estímulos à sua fruição. Assim, as profissionais investigadas neste estudo almejam o alcance dos objetivos terapêuticos, considerando as possibilidades individuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No sentido de que as vivências lúdicas não estão em uma atividade definida e que podem se instituir em qualquer fase da vida humana, notou-se certa fragmentação no entendimento das profissionais sobre o fenômeno, dado que reconheceram o lúdico nos jogos e nas brincadeiras que propiciam prazer e diversão, porém, desconsideraram outras possibilidades de sua fruição. Neste sentido, foram verificadas dificuldades para reconhecerem o lúdico em seus próprios atendimentos ou atos, por exemplo, no uso do faz de conta durante atividades caracterizadas como mais técnicas.

Embora se entenda, nesta pesquisa, que o lúdico não é conceituável e que somente pode ser compreendido por meio de experiências próprias, sugere-se que a ausência de discussões e reflexões sobre a temática nos cursos de formação inicial interferem negativamente no processo de reconhecimento dos elementos que podem configurá-lo. Contudo, apesar das limitações quanto a compreensão dos conceitos, a pré-disposição e a familiaridade apresentadas pelas profissionais no desenvolvimento das atividades, bem como as relações estabelecidas a partir do estímulo às experiências lúdicas, evidenciaram grande apropriação no trabalho com este elemento.

Os jogos e as brincadeiras desenvolvidas nas diferentes áreas de atendimento, com ou sem o uso de materiais e da imaginação e fantasia, atrelados aos pressupostos da humanização, como o tratar bem o paciente e seus familiares, considerando o contexto social e as particularidades de cada caso, refletem em manifestações de felicidade, prazer e diversão, por meio de expressões verbais e corporais (olhares, risos, falas, gritos, pulos, palmas, dentre outros movimentos corporais, não menos importantes). Considerando a infinidade de objetivos e conteúdos a serem trabalhados para atender às necessidades das crianças com diferentes deficiências, algumas adequações são empregadas como a diminuição das regras dos jogos e o aumento das demonstrações (deficiência intelectual), diminuição da complexidade motora das atividades e auxílios físicos (deficiência física), uso de histórias e de atividades em grupo para intensificar os estímulos às habilidades sociais, de comunicação, expressão e comportamento (autismo). Desta forma, a utilização do lúdico foi citada como sendo um veículo privilegiado para atender aos objetivos traçados na reabilitação de cada criança e, de acordo com as profissionais, tem sido uma escolha efetiva para este fim, podendo ser confirmado por meio de métodos de avaliação específicos de cada área de atuação e/ou métodos de avaliação multiprofissional e interdisciplinar. Portanto, o serviço interdisciplinar, atrelado às relações estabelecidas com os usuários, considerando-os/tratando-os para além de um corpo biológico, permite a fruição e a manifestação de elementos lúdicos geradores de benefícios à saúde global das crianças.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo fomento e financiamento dessa pesquisa.

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FINANCIAMENTO Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo: 474379/2013-2

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina sob o número 1.119.371.

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Concepção do manuscrito: G. A. Bataglion, A. Marinho

Coleta de dados: G. A. Bataglion

Análise de dados: G. A. Bataglion, A. Marinho

Discussão dos resultados: G. A. Bataglion, A. Marinho

Produção do texto: G. A. Bataglion, A. Marinho

Revisão e aprovação: G. A. Bataglion, A. Marinho

CONFLITO DE INTERESSES

Não há conflitos de interesse.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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