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Motrivivência

On-line version ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.57 Florianópolis Jan./Mar 2019  Epub Oct 15, 2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e55655 

Artigo Original

O movimento na luta pela vida: sistema de organização e treinamento dos gladiadores

The movement in the fight for life: Gladiators’ system of organization and training

El movimiento en la lucha por la vida: El sistema de organización y entrenamiento de los gladiadores

Fabricio Boscolo Del Vecchio1 
http://orcid.org/0000-0003-3771-9660

Bruno da Costa Dias2 

Aline Xavier Tuchtenhagen3 

1Doutor em Educação Física Universidade Federal de Pelotas, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, Brasil fabricioboscolo@gmail.com

2Bacharelado em Educação Física Universidade Federal de Pelotas, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, Brasil bruno_dias_2010@hotmail.com

3Bacharelado em Educação Física Universidade Federal de Pelotas, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, Brasil alinetuchtenhagen@hotmail.com


RESUMO

Introdução e Objetivo:

Apresentar a origem dos gladiadores, seus sistemas de treinamento e vida cotidiana.

Procedimentos metodológicos:

Realizou-se revisão narrativa, a partir de recuperação de fatos históricos contidos em fontes iconográficas, eletrônicas e bibliográficas.

Discussão:

Acredita-se que a origem dos jogos de gladiadores seja etrusca, inicialmente realizados como parte de ritos funerais. Após inserido na famiglia gladiatoria, os gladiadores seguiam as leis das escolas de formação (ludus). Gladiadores que haviam combatido durante muito tempo, e sobreviveram a todos os combates, recebiam uma espada de madeira como símbolo de sua aposentadoria, denominada rudis.

Conclusão:

Por um período de quase 600 anos, a arena foi um dos entretenimentos mais populares do mundo romano. Combates de gladiadores eram um elemento do paganismo que governou Roma até a conversão do imperador Constantino ao cristianismo no século IV, e ocupam um lugar central na percepção popular moderna de comportamento romano.

PALAVRAS-CHAVE: Mundo romano; Luta; História antiga

ABSTRACT

Introduction and Objective:

Present the origin of gladiators, their training systems and daily life.

Methodological procedures:

A narrative review was carried out, based on the retrieval of historical facts contained in iconographic, electronic and bibliographical sources.

Discussion:

It is believed that the origin of the gladiator’s combat is Etruscan, initially realized as part of funeral rites. After entering the gladiatorial family, the gladiators followed laws from schools of formation (ludus). Gladiators who had fought for a long time, and survived all combats received a wooden sword as a symbol of their retirement, called rudis.

Conclusion:

For a period of almost 600 years, the arena was one of the most popular entertainments in the Roman world. Gladiator fights were an element of paganism that ruled Rome until the conversion of Emperor Constantine to Christianity in the fourth century, and occupy a central place in the modern popular perception of Roman behavior.

KEYWORDS: Roman world; Wrestling; Ancient history

RESUMEN

Introducción y Objetivo:

Presentar el origen de los gladiadores, sus sistemas de entrenamiento y la vida cotidiana.

Procedimientos metodológicos:

se realizó una revisión narrativa, basada en la recuperación de hechos históricos, contenidos en fuentes iconográficas, electrónicas y bibliográficas.

Discusión:

Se cree que el origen del combate del gladiador es etrusco, inicialmente realizado como parte de los ritos funerarios. Después de entrar en la familia de gladiadores, los gladiadores siguieron las leyes de las escuelas de formación (ludus). Los gladiadores que habían luchado durante mucho tiempo y sobrevivieron a todos los combates recibieron una espada de madera como símbolo de su retiro, llamada rudis.

Conclusión:

durante un período de casi 600 años, la arena fue uno de los entretenimientos más populares en el mundo romano. Las luchas de gladiadores fueron un elemento del paganismo que estaba en el Imperio Romano hasta la conversión del emperador Constantino al cristianismo en el siglo IV, y ocupan un lugar central en la percepción popular moderna del comportamiento romano.

PALABRAS-CLAVE: Mundo romano; Lucha; Historia antigua

INTRODUÇÃO

Elevada quantidade da população brasileira, entre 60,6% e 80% é descendente de europeus, em predomínio por italianos, portugueses e espanhóis (PENA et al., 2011); no entanto, pouco da história e do cotidiano dos gladiadores chegou até o Brasil. Estes personagens da história latina, objetos de romances literários e cinematográficos, contribuíram para os conhecimentos atuais sobre técnicas e meios de combate corporal, exercício físico e medicina (POLIAKOFF, 1995; SCARBOROUGH, 2013). O melhor conhecimento sobre as características dos gladiadores pode contribuir para o desenvolvimento de conteúdos e temas transversais no processo de ensino-aprendizagem e no fomento a investigações científicas acerca da temática.

A primeira evidência que se tem sobre combates de gladiadores é datada no ano 264 a.C., no início da Primeira Guerra Púnica, entre a República de Roma e Cartago (GARRAFFONI, 2005). Estudos prévios sustentam a ideia de que, inicialmente, os jogos eram praticados como um rito funeral (MARTÍNEZ, 2001). Posteriormente, cogitou-se a possibilidade de transformar este tipo de espetáculo em entretenimento imperial, visto que combates desta natureza atraíam grande número de pessoas, diminuindo, assim, a atenção acerca de outros componentes sociais e elementos políticos relevantes (MATTESINI, 2013).

A maioria dos gladiadores era composta por escravos ou condenados criminosos, os quais tinham por obrigação ir à luta e obedecer aos comandos dos organizadores de arena (POLIAKOFF, 1995). Essas lutas de homem-a-homem eram apenas um dos eventos que ocorriam nas arenas. Além disso, execuções públicas também faziam parte dos espetáculos, quando homens e mulheres se viam frente a animais famintos (BAKER, 2002). Há relatos da participação das mulheres nas lutas, ainda quando se tratavam de ritos funerais; porém, em menor escala em relação ao envolvimento dos homens (MANAS, 2011).

Os gladiadores viviam nas escolas - Ludus, onde eram treinados para as lutas. Havia várias escolas para o treinamento em toda extensão do Império Romano, as quais podiam ser dirigidas em particular ou pelo Estado, sendo chamado de lanista o responsável pela aquisição, organização, formação, venda ou aluguel dos gladiadores para os confrontos públicos (RIVER, 2013). Algumas destas escolas focavam no treinamento para tipos específicos de gladiadores, em função das armas utilizadas e estilo de combate. Para isso, era levado em conta a estrutura da escola e seu espaço físico (RIVER, 2013). Ludus Maximus era uma das escolas de gladiadores, a qual ficava em anexo ao Anfiteatro Flávio ou Flaviano (Amphitheatrum Flavium), mais tarde chamado de Coliseu, que contava com pátio aberto, pequeno anfiteatro e edifício circular (REDONET, 2009). Durante os espetáculos, a maior parte do anfiteatro era ocupada por cidadãos comuns, em arquibancadas, e a menor parte, com cômodos individuais, destinava-se às autoridades (MEIJER, 2003).

Os gladiadores constituíam uma classe denominada infamia, algo como foras-da-lei, não eram considerados como atletas - segundo o ideal grego do termo - e os jogos de gladiadores não eram inclusos em uma definição categórica de esporte, pelo fato de não serem vistos como tal (REID, 2006). Ademais, a atividade dos gladiadores está dentro do conceito de Munus (Munera no plural), dada a obrigatoriedade de promoção do estado a este tipo de evento reconhecidamente na categoria de entretenimento (POLIAKOFF, 1995). Ao mesmo tempo em que se constituíam como uma forma de combate com extremo desgaste físico para espectadores havia a obrigatoriedade de se atingir o objetivo de incapacitar ou matar o oponente, bem como se defender de ser morto (POLIAKOFF, 1995; REID, 2006).

Considerando a relevância social destes personagens, o impacto midiático ainda presente, e a possibilidade de fomento à temática, o objetivo da presente revisão narrativa é apresentar a origem dos gladiadores, seus sistemas de combates e organização do cotidiano.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo se constitui como uma revisão narrativa. Foram realizadas buscas na rede mundial de computadores, em livros específicos sobre a temática e em sistemas de bibliotecas, com vistas à localização de fontes literárias, historiografias modernas, e artigos publicados. Livros, segmentos de livros, manuscritos científicos e artigos publicados digitalmente que tratassem sobre gladiadores foram separados, lidos e selecionados de acordo com a proposta do texto. O texto se encontra estruturado em seções distintas e subseqüentes, desde a origem e recrutamento de gladiadores, abordando questões sobre cotidiano, treinamento, combate e liberdade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Da geografia e relevância cultural

Jogos de gladiadores são muitas vezes considerados o espetáculo mais cruel lembrado pela história (MATTESINI, 2013). Embora haja poucos estudos sobre a origem dos jogos (MOURATIDIS, 1996), tradicionalmente é indicado que sua origem seria etrusca (GARRAFFONI, 2005). Isto se dá, pois, naquele contexto, era muito comum fazer os seres humanos lutarem até a morte diante de uma multidão, tanto realizados a mando das autoridades, quanto para realizar celebrações religiosas ou ritos fúnebres (MATTESINI, 2013).Com efeito, teorias modernas afirmam que a realização dos jogos em ritos fúnebres era inicialmente parte de um ritual para encontrar e punir o responsável pela morte do sujeito que estava sendo enterrado (POLIAKOFF, 1995).

Chegou um momento em que o interesse popular pelos espetáculos foi tão forte que o Senado passou a admitir combates de gladiadores como exibição performática em apresentações públicas (LAFAYE, 1896). Além de ser uma forma de distrair a população acerca dos problemas políticos e econômicos, imperadores e homens da aristocracia romana aproveitavam para exibir sua riqueza para a população, comemorar vitórias militares ou marcar visitas com homens influentes em Roma (CARTWRIGHT, 2012).Além disso, romanos ricos muitas vezes apostavam nas lutas de gladiadores, e aqueles que pertenciam à elite Romana organizavam seus próprios grupos de gladiadores (WATKINS, 2000).

Do recrutamento nos “países” e comercialização

Os mercados de escravos eram o melhor lugar para comprar ou vender membros de qualquer famiglia gladiatoria (WISDOM, 2001). Criminosos capturados e prisioneiros de guerra frequentemente entravam para a famiglia gladiatoria, dado que a república de Roma não os tolerava por desestabilizarem o domínio social que havia trabalhado para desenvolver (WISDOM, 2001). Além destes, escravos fugitivos ou que desagradavam seu senhor poderiam ser vendidos para escolas de gladiadores, bem como cidadãos romanos livres, que se ofereciam para serem gladiadores, seja pelo gosto de emoção e perigo, renda extra ou para obter fama e glória (RIVER, 2013).

Estes que tinham o desejo de se tornarem gladiadores deveriam fazer o juramento com um gerente de gladiador (lanista), afirmando que eles estavam contratualmente obrigados a atuar como gladiadores por um determinado período. Este contrato estipulava o quanto eles ganhariam, como e quantas vezes eles iriam lutar e com quais armas (MEIJER, 2003). Uma vez aceito na famiglia gladiatoria, o recruta entrava em uma realidade na qual não se aplicavam as normas e leis da sociedade normal, apenas as regras da escola, o ludus (GARRAFFONI, 2005).

Cada escola tinha requisitos para entrada. Quando um recruta era aceito, primeiramente era examinado por um médico (doctore), que dava especial atenção à aparência física. Qualquer candidato que não se encontrasse dentro dos padrões estabelecidos, por não conseguir acompanhar o treinamento ou por não ser atrativo fisicamente, era rejeitado. Eram também submetidos a inspeções médicas nos intervalos dos treinamentos para ver se havia algum ferimento (MEIJER, 2003). Especificamente nas contendas públicas, Cláudio Galeno (em latim Claudius Galenus), provavelmente o mais talentoso e proeminente médico do período romano, durante quatro anos (158-161 a.C) aperfeiçoou seus estudos associados à anatomia e fisiologia humana com gladiadores (NOORDERGRAAF, 2011; SARTON, 1954). Ele se dedicou especialmente a aspectos relacionados à nutrição e cirurgia do aparelho locomotor, dada a elevada frequência de traumatismos, cortes e lacerações presenciada nos confrontos (CAMPANA, 2001).

Do espaço físico e atividades cotidianas - alimentação e treinamento

Os primeiros eventos com gladiadores provavelmente aconteceram no fórum, ou seja, no centro das cidades romanas, em arenas de madeira, sendo que a construção do primeiro anfiteatro permanente em Roma (Amphitheatrum Flavium /Coliseu) começou com Vespasiano em 30 a.C (COARELLI, 2001). A partir de sua inauguração em 80 d.C por Tito Lívio, o século I d.C se tornou um marco na construção de anfiteatros, pois é a partir deste momento que são erguidos, em diferentes locais do império, diversos desses edifícios (GARRAFFONI, 2005).

Nos ludus, os gladiadores viviam em pequenas celas de não mais de 4 ou 5 metros, muitas vezes sem janela, nas quais, além de não haver relatos sobre a existência de camas, havia o compartilhamento do espaço com outros gladiadores (GARRAFFONI, 2005). As refeições eram realizadas em uma grande cantina onde, em um dos lados, ficavam algumas armarias especiais, de forma segura guardada por sentinelas, cujo trabalho era o de garantir que gladiadores não tomassem posse de tais armas (MEIJER, 2003). Relata-se que havia mais de 100 ludus; no entanto, algumas se destacaram na história: i) Ludus Batiatus, em Cápua, onde treinou Spartacus, ii) Ludus Magnus, iii) Ludus Matutinus - especializada em treinar Bestiarii, iv) Ludus Gallicus e v) Ludus Dacicus.

A famiglia gladiatoria tinha como alimento básico o trigo e a cevada. Além de alguns estudos apontarem que havia uma quantidade significativa de ingestão de proteína na dieta, obtida por recursos marinhos (LOSH et al., 2014), e considerando as dietas modernas de atletas de força, percebe-se que gladiadores tinham uma alimentação rica em proteínas (LONGO et al., 2008). No entanto, análises de seus ossos apresentaram a hipótese de que gladiadores eram atletas vegetarianos, sendo que o antigo historiador Plínio se refere aos gladiadores como comedores de cevada (RACKHAM et al., 1938). O diário alimentar era dominado por composto de sopa de feijão com cevada, sendo que esta sopa era servida de várias maneiras, incluindo formato de pudim de feijão (SCARBOUROUGH, 2013).Ademais, por conta de alguns hábitos alimentares, é dito que havia formação de uma camada de gordura, a qual proporcionava proteção contra ferimentos leves (MEIJER, 2003). Por fim, destaca-se que frequentemente havia banquetes públicos e livres para os gladiadores, quando alguns se fartavam com o que poderia ser sua última refeição, dada a característica mortal dos combates.

Desde o início do recrutamento, os novos gladiadores (novicci) ficavam a cargo de treinadores especiais (doctores). Normalmente, estes eram ex-gladiadores que tinham sobrevivido a muitos confrontos, mas não estavam mais em estado adequado para lutar na arena por causa da idade avançada. Os novos gladiadores, após serem recrutados pelo lanista e terem suas armas por ele definidas, eram entregues para o doctore, que trabalharia com eles aos limites de força, usando os mesmos exercícios por dias com o objetivo de ter reações automáticas ao treinamento. Eles treinavam em dias alternados, e o método de treinamento envolvia basicamente se certificar de que o gladiador poderia travar um conflito sem expor nenhuma parte do corpo a um golpe inimigo (MEIJER, 2013). Era comum o uso de espada e escudo, além de bonecos - móveis ou não - para treinamento das técnicas de combate. Ademais, os treinos iniciavam com espadas de madeira (rudus) e, ao debutar em um evento real, o debutante era como Tiro, ou gladiador Tirone. Ao sobreviver ao seu primeiro combate, ele passava a ser conhecido como veteranus, e os competidores de elite eram denominados primus palus (primeira pole), ou “primeira espada”, os quais eram seguidos pelos secundu spalus (segunda espada) e assim sucessivamente.

Da classificação competitiva - tipos de gladiadores

Os combates entre gladiadores seguiam regras restritas, o pareamento entre dois gladiadores considerava diversos aspectos, principalmente suas capacidades e habilidades, e os confrontos eram supervisionados por dois árbitros (MARKS, 2006). Os gladiadores eram organizados em diferentes tipos, principalmente em decorrência das suas armas empregadas em contendas (KANZ; GROSSSCHMIDT, 2006). São relatados mais de 25 tipos diferentes de gladiadores, os quais eram organizados em dois grandes grupos - com armamentos pesados ou leves. A classificação dos mais comuns, segundo Baker (2002) é: i) Andabate: um tipo de gladiador que era totalmente “blindado”. Usava um capacete sem buracos na parte dos olhos, lutando cegamente; ii) Bestiarius: Lutava contra animais selvagens. Era um criminoso condenado a enfrentar desarmado os animais; iii) Dimachaerus: tipo de gladiador que carregava uma espada curta em cada mão; iv) Essedarius: gladiador que lutava dentro de um carro de madeira; v) Hoplomachus: gladiador armado com escudo longo, coberto com armadura; vi) Laquearius: gladiador que usava um laço (ao invés da rede do Retiarius); vii) Murmillo: este gladiador era fortemente armado com um escudo retangular e um capacete de viseira com uma crista em forma de peixe. Ele normalmente lutava contra um Retiarius; viii) Retiarius: um tipo de gladiador que usava apenas uma túnica leve e lutava com uma rede e tridente; ix) Sagitarium: um tipo de gladiador que lutava com um arco; x) Secutor: gladiador que carregava um escudo retangular e capacete redondo com viseira, surgido como uma espécie de “evolução” do Murmillo (MANAS, 2016) ; xi) Suppositicius: um gladiador que entrava na arena no final de uma batalha, a quem o vencedor era forçado a enfrentar imediatamente; xii) Thraex: um gladiador equipado aos moldes dos guerreiros trácios, o qual lutava com um escudo redondo e uma espada curta curva, e; xiii) Velites: um tipo de gladiador que lutava com um dardo.

Embora raras, existiam mulheres que se tornavam gladiadoras. Não haviam uma palavra latina específica para designar as gladiadoras. Fontes literárias sugerem que, apesar de possuírem uma presença mais baixa nos jogos quando comparadas com homens, não existiam diferenças entre os métodos de treinamentos utilizados pelos sexos. Mulheres de todas as classes sociais se tornavam gladiadoras, por diferentes razões. Porém, mulheres das classes altas, ao se tornarem gladiadores, recebiam muitas críticas (MCCULLOUGH, 2008). Parte da vida e dos combates de gladiadoras foi representada nas Sátiras de Juvenal (HUBBARD, 2011). Embora bem equipadas, gladiadoras não faziam uso de capacetes/elmos, o que lhes conferia agilidade, mobilidade e velocidade, e também não recebiam proventos ou pagamentos em decorrência dos combates realizados em diferentes períodos, durante os impérios de Nero (DIO, 1925) e Domitianus e Sétimus (DIO, 1925). O recrutamento de gladiadoras passou a ser proibido a partir de 19 d.C., e em 200 d.C., o imperador Septimus Severus baniu os combates entre mulheres.

Do sistema de combate e “benefícios”

Fontes romanas, como Tito Lívio e Cícero, relatam que as normas de formação para gladiadores eram altas. Estes homens deveriam ser proficientes em uma variedade de armas, bem como no combate desarmado, visto que em várias revoltas eles deveriam mostrar superioridade contra as legiões de soldados romanos (GREEN, 2001). Ademais, em sobrevivendo aos combates, os mesmos se apresentavam de três a cinco vezes por ano, e acumulavam severos agravos na região do crânio, com relatos de 10 a 15 traumas não-letais (KANZ; GROSSSCHMIDT, 2006).

Os dias de espetáculo começavam com execuções de animais pela manhã, justiça social com a execução de condenados criminosos ao meio dia, e lutas entre gladiadores durante a tarde (FUNARI, 1996). Era quando o povo poderia exercer sua soberania, ao condenar os infames derrotados e libertar os vencedores dos combates. Poderia também ser dado o direito de vida ao gladiador que tivesse perdido a luta, por sua coragem e bravura no combate (PALLICER; ESCALONA, 2006). O que determinava isto eram gestos com o polegar: A ação conhecida para perdoar, eram os polegares para cima, e para condenar, polegares para baixo (REDONET, 2009). Mesmo um gladiador cujo pedido de vida foi negado poderia conseguir alguma dignidade na morte (DUNKLE, 2008).

Cada combate normalmente era com um tipo de gladiador contra outro tipo diferente de gladiador, com cada um tendo seu próprio tipo de armadura, armas e estilo de luta. (RIVER, 2013). Além disso, existiam normas a serem cumpridas durante a luta, e o doctor (treinador) era quem ficava no comando. O evento não deveria ser uma carnificina, e além de apresentar regras claras, havia diversas ações que encantassem o público (REDONET, 2009). Nessas cerimônias, escravos ou servos compareciam ao funeral vestidos como Charon (barqueiro que levava os mortos para Hades, Deus grego associado à morte) para retirar os corpos dos gladiadores mortos durante o combate. Este simbolismo teve início nos ritos funerais e mais tarde transferido para o Coliseu de Roma e outras arenas.

O domínio romano era mais do que um modo de governo, era um modo de vida que oferecia benefícios materiais e tecnologias para aqueles que lutavam por Roma (WISDOM, 2001). Os gladiadores que venciam as lutas, além de entrarem na graça do povo e principalmente das mulheres, recebiam recompensas como coroas, prata, prêmios em dinheiro e, talvez, depois de anos de vitórias, até mesmo a liberdade (CARTWIRIGHT, 2012).

Sobre aposentadoria e “liberdade”

Os que haviam sido gladiadores durante muito tempo, com a sorte de sobreviver a todos os combates, recebiam uma espada de madeira (rudis) como símbolo de sua aposentadoria (REDONET, 2009). Tradicionalmente, o encerramento da carreira se dava após cinco combates, sendo que a decisão sobre a retirada de um gladiador era dada pelo Munerarius, o editor ou financiador dos eventos. No entanto, alguns optavam por continuar a lutar, na esperança de criar uma vida razoável, com renda extra e prêmios conquistados, embora também continuassem no cenário dos gladiadores, como árbitros ou treinadores (MEIJER, 2003).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por um período de quase 600 anos, a arena foi um dos entretenimentos mais populares do mundo romano. Combates de gladiadores eram um elemento do paganismo que governou Roma até a conversão do imperador Constantino ao cristianismo no século IV, e ocupam um lugar central na percepção popular moderna de comportamento romano.

Embora este grupo de pessoas tenha passado por diferentes processos de treinamento e preparação para o combate, são escassos os textos que sintetizam aspectos relevantes do cotidiano dos gladiadores. Pontua-se que parecia haver algum tipo de treinamento e alimentação sistematizados, cuidados médicos aperfeiçoados a partir das lesões em combate e a estruturação de uma classe combativa que merece ser considerada nos estudos sobre o movimento humano.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos revisores por suas inestimáveis contribuições com vistas à melhoria deste manuscrito até sua versão final aqui apresentada.

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Recebido: 01 de Março de 2018; Aceito: 01 de Junho de 2018

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver quaisquer conflitos de interesse relacionados a esta publicação.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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