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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.57 Florianópolis jan./mar 2019  Epub 15-Out-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e54167 

Porta Aberta

As práticas corporais alternativas e a educação física: uma revisão sistemática

Alternative corporal practices and physical education: a systematic review

Lás prácticas corporales alternativas y la educación física: una revisión sistemática

Lígia Ribeiro e Silva Gomes1 
http://orcid.org/0000-0003-0853-3699

Felipe Quintão de Almeida2 
http://orcid.org/0000-0002-4056-5159

Eduardo Lautaro Galak3 
http://orcid.org/0000-0002-0684-121X

1Doutora em Educação Física pelo PPGEF/UFES Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Ginástica, Vitória, Brasil upanishadsribeiro@gmail.com

2Doutor em Educação pelo PPGE/UFSC Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Ginástica, Vitória, Brasil fqalmeida@hotmail.com

3Doutor em Ciências Sociais pela Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación/UNLP Universidad Nacional de La Plata, CONICET, La Plata, Argentina eduardogalak@gmail.com


RESUMO

Este artigo tem por objetivo investigar a produção do conhecimento sobre as Práticas Corporais Alternativas (PCAs) no campo acadêmico da Educação Física. Trata-se de um levantamento sobre essa temática entre os anos de 1979-2015, em cinco periódicos de relevância no campo acadêmico. Identificaram-se aspectos sobre as significações e proposições das PCAs, bem como as concepções sobre o corpo e seus usos. Foram analisados os aspectos vinculados às tradições e gênese dessas práticas no interior da área e suas articulações com diferentes práticas corporais. Os resultados se pautam na inserção da PCAs no campo acadêmico, suas propostas e vínculos com a Educação Física, na relação entre corpo e mente, religiosidade e espiritualidade (holismo), bem como na propagação dessas práticas no campo da Educação Física.

PALAVRAS-CHAVE: Práticas corporais alternativas; Educação física; Campo acadêmico

ABSTRACT

This article aims to investigate Alternative Corporal Practices (PCAs as in portuguese) in the academic field of Physical Education. The main idea is to analyze, this in articles published in five journals of relevance in academic Brazilian field, between 1979-2015. The object is to identify meanings and propositions of PCAs, as well as the conceptions about the body and its uses. The aspects related to the traditions and genesis of these practices within the area were analyzed and their relations with different corporal practices. The conclusion are based on the inclusion of PCAs in the academic field, its relationship between body and mind, religiosity and spirituality (holism), as well as in the propagation of these practices in the field of Physical Education.

KEYWORDS: Alternative corporal practices; Physical education; Academic field

RESUMEN

Este artículo tiene el objetivo de investigar la producción del conocimiento sobre las Prácticas Corporales Alternativas (PCAs) en el campo académico de la Educación Física. Se trata de un levantamiento sobre esa temática entre los años 1979-2015, en cinco periódicos de relevancia en el campo académico. Se identificaron aspectos sobre las significaciones y proposiciones de las PCAs así como las concepciones sobre el cuerpo y sus usos. Fueron analizados los aspectos asociados a las tradiciones y genesis de esas prácticas en el interior del área y sus articulaciones con diferentes prácticas corporales. Los resultados se basan en la inserción de las PCAs en el campo académico, sus propuestas y vínculos con la Educación Física, en su relación entre cuerpo y mente, religiosidad y espiritualidad (holismo) así como en la propagación de esas prácticas en el campo de la Educación Física.

PALABRAS-CLAVE: Prácticas corporales alternativas; Educación física; Campo académico

INTRODUÇÃO

As Práticas Corporais Alternativas (PCAs) circulam no campo acadêmico da Educação Física há mais de quatro décadas. O aumento das publicações cresce entre as décadas de 1990 e início dos anos 2000. Verificou-se que os argumentos que asseguraram sua circulação se vinculavam ao movimento de uma cultura alternativa ou das terapias corporais. A cultura alternativa se articula ao movimento da contracultura que tem início na década de 1960, mas, no Brasil, ganha força nos anos de 1970. Tinha como princípio a proteção da natureza rompendo com ideais das classes médias e com os preceitos do capitalismo. Segundo Albuquerque (1999), a contracultura, em detrimento do processo de modernização e globalização, fez parte do desejo do retorno às sociedades igualitárias.1 Além disso, as propostas das PCAs mostram discursos que apontaram para uma forma alternativa de gestão social do corpo e da busca pela saúde, contrariando os arquétipos corporais tradicionais baseados em volume e forma como sinônimo de saúde.

Os ideais da contracultura ou da Beat Generation contribuíram com o aparecimento de uma diversidade de práticas corporais que conduziam à outra forma de educar o corpo, os sentidos e o movimento. Destacam-se as seguintes práticas corporais: a Antiginástica, de Thérèse Bertherat; a Eutonia, de Gerda Alexander; o Método Feldenkrais, de Moshe Feldenkrais; a Consciência Corporal, o Relaxamento, a Massagem, a Expressão Corporal, a Biodança, a Bioenergética, a Terapia Reichiana, a Educação Somática, o Yoga, o Tai Chi Chuan, entre outras (MATTHIESEN, 1996). Tais práticas tinham vínculo com os novos movimentos sociais na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Defendiam estilos de vida pautados pelas questões de gênero, de corpo, da emoção, da libertação, da alimentação, do naturalismo (MARTINS, 2003; LUZ; BARROS, 2012).

É preciso assinalar que, atualmente, há a incorporação das PCAs no campo da saúde coletiva. O espaço se abriu por meio da Política Nacional de Práticas Integrativas Complementares (PNPIC) que surge pela Portaria GM/MS nº 971/2006, integrada ao Serviço Único de Saúde (SUS). No âmbito da PNPIC o ensino das práticas corporais de uma forma geral, coube ao profissional da Educação Física. Madel Luz (2007) indica que os cursos de formação que pretendem atender à demanda das Práticas Integrativas e Complementares (PICs) devem suscitar ações imprescindíveis ao SUS. Salienta a autora que há de se considerar a grande importância terapêutica das práticas corporais dentro do SUS, porém ampliar as percepções sobre o sentir, o viver, o experimentar as atividades físicas em toda a sua complexidade está na base do programa. Assim, o campo da Educação Física vem observando a demanda das PCAs sendo incorporadas como PICs pela complexa teia que envolve as práticas corporais no contexto mais geral.

Esses aspectos configuram um cenário que dá pistas sobre as PCAs no que se refere ao contexto de sua gênese, às significações que lhes foram atribuídas, às articulações feitas com a área da Educação Física e às propostas que induziram sua entrada no campo acadêmico. Considerando esse quadro, o objetivo deste artigo foi investigar a produção do conhecimento sobre as PCAs no campo da Educação Física.

O MÉTODO

A pesquisa iniciou com o mapeamento dos trabalhos em periódicos da área.2 Todas as informações apresentadas sobre as revistas foram retiradas de suas plataformas digitais. A “Revista Brasileira de Ciência do Esporte” (RBCE), periódico oficial do Colégio Brasileiro de Ciência do Esporte, nasce no ano de 1978 e hoje publica edições na língua portuguesa, inglesa e em espanhol trimestralmente. É um dos mais importantes periódicos na atualidade. É avaliada como B1 no sistema Qualis/Capes. O segundo periódico eleito é a “Revista Brasileira de Ciência e Movimento” (RBCM), fundada no ano de 1987, em parceria com o Celafiscs e com a Faculdade de Educação e Cultura do ABC (FEC). Suas publicações são lançadas trimestralmente, em português e inglês. Tem reconhecimento B2 pelo sistema de avaliação Qualis/Capes. A “Pensar a Prática” é um importante periódico científico que edita seus números trimestralmente em formato eletrônico, com o reconhecimento B2 pelo sistema Qualis/Capes. Pertence à Faculdade de Educação Física (Universidade Federal de Goiás), tornando-se uma referência para a Região Centro-Oeste do País. A quarta revista escolhida foi a “Motriz”, lançada no ano de 1995. Pertence ao Instituto da Biociência da Unesp, em Rio Claro/São Paulo. Publica seus exemplares em formato eletrônico, escritos na língua inglesa, e tem reconhecimento B1 no sistema Qualis/Capes. Por último, a revista “Movimento”, vinculada à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Esefid/UFRGS). Foi lançada no ano de 1994, com temas relacionados com a Educação Física em seus aspectos históricos, pedagógicos, culturais e políticos. Tem reconhecimento pelo sistema de avaliação Qualis-Capes como A2. A escolha das revistas justifica-se dada a grande importância para o campo acadêmico da Educação Física e pela forte circulação do conhecimento produzido no interior da área. Tomamos, então, os princípios de circulação, rigor acadêmico e avaliação do sistema de classificação Qualis/Capes.

A metodologia utilizada para o levantamento foi o “estado da arte”. Segundo Romanowski e Ens (2006, p. 39), as pesquisas do tipo “estado da arte”

[...] podem significar uma contribuição importante na constituição do campo teórico de uma área de conhecimento, pois procuram identificar os aportes significativos da construção da teoria e prática pedagógica, apontar as restrições sobre o campo em que se move a pesquisa, as suas lacunas de disseminação, identificar experiências inovadoras investigadas que apontem alternativas de solução para os problemas da prática e reconhecer as contribuições da pesquisa na constituição de propostas na área focalizada.

Além dos artigos, decidimos incluir todas as formas escritas que estivessem nas revistas. Assim, consideramos como dados válidos um resumo de dissertação e dois resumos de palestras em congressos, porque indicam as manifestações discursivas que incorporam a temática ao campo da Educação Física.

Inicialmente utilizamos os seguintes termos de busca: “Práticas Corporais Alternativas”, “Yoga”, “Tai Chi Chuan”, “Massagem”, “Antiginástica”, “Biodança”, “Bioenergética”, “Educação Somática” e o “Holismo”. Com as primeiras buscas, percebemos que alguns textos estavam dentro do mapeamento, mas não continham esses termos. Desse modo, fizemos a busca nas revistas ano a ano. A primeira etapa do levantamento foi feita pelos títulos dos textos. No segundo momento, foram lidos os resumos. Por fim, foi feita a leitura dos textos na íntegra. Ficou decidido que o critério do recorte temporal seria 1979, ano em que a primeira revista foi publicada, até 2015, quando a catalogação dos textos foi iniciada.

Dos 22 textos encontrados, ocorreu a seguinte subdivisão: uma publicação na revista “Movimento” e outra na revista “Pensar a Prática”; quatro artigos se encontram na “Revista Brasileira de Ciência e Movimento”; três artigos foram publicados na “Revista Brasileira de Ciências do Esporte”; e 11 artigos compõem o acervo da “Motriz”. Após a leitura dos 22 trabalhos, organizamos as análises por três eixos temáticos, classificados da seguinte forma: A - As significações atribuídas às PCAs; B - O que pode o corpo no contexto das PCAs; C - O holismo e a religiosidade. É importante destacar que há textos que se localizam em mais de um eixo temático.

Quadro 1 Classificação dos artigos 

REVISTA ARTIGO CLASSIFICAÇÃO POR EIXOS
A B C
Motriz 1 Matthiesen (1997) X X
Motriz 2 Matthiesen (1999) X X
Motriz 3 Albuquerque (1999) X X
Motriz 4 Albuquerque (2001) X
Motriz 5 Barroso (1999) X X X
Motriz 6 Barroso (1999) Resumo de palestra X X X
Motriz 7 Martins (1999) Resumo de Palestra X X
Motriz 8 Siviero e Lorenzetto (2004) X X X
Motriz 9 Bolsanello (2005) X X
Motriz 10 Coldebella; Lorenzetto e Coldebella (2004) X
Motriz 11 Lorenzetto (2003) X X
Motriz 12 Rondinelli (2001) X X X
Motriz 13 Cesana e Neto (2008) X
RBCM 14 Dionísia Nani (1989) X X
RBCM 15 Edilene Zampere. (1992) X
RBCM 16 Gomes, Pereira e Assumpção (2004) X
RBCM 17 Santos e Santos (2008) X
RBCE 18 Matthiesen (1996) Resumo de dissertação. X X
RBCE 19 Matthiesen (1997). X X
RBCE 20 Matthiesen (2001) X X
Movimento 21 Fragoso e Negrine (1997) X
Pensar a Prática 22 Imploceto et al.(2013). X X
TOTAL POR TEMÁTICA 20 15 6

Fonte: Dados da pesquisa

O eixo A aborda as discussões que tratam das propostas, significações e percepções acerca das PCAs para o campo da Educação Física. O núcleo B tematiza a concepção de corpo e suas possibilidades no âmbito dessas práticas. Por fim, o eixo discursivo C mostra os aspectos da religiosidade, espiritualidade e suas contradições. Por esse caminho situamos as PCAs em seus sentidos e significados, suas propostas, aproximações, tensões e distinções das práticas corporais tradicionais vinculadas ao campo acadêmico da Educação Física.

AS SIGNIFICAÇÕES ATRIBUÍDAS ÀS PCAS

Para situar o aparecimento das PCAs no campo da Educação Física, foi preciso identificar em que circunstâncias isso ocorreu e quais foram as objetivações, discursos e perspectivas. Para destacar esses aspectos, 20 textos trabalham nessa direção. Os argumentos para designar os sentidos das PCAs se repetem e os autores se referenciam entre si, causando certa homogeneização das significações e argumentos para situá-las no campo acadêmico. Em grande medida, a defesa dessas práticas ocorre pelas mesmas razões que as fizeram surgir em outros campos, sob a influência de movimentos socioculturais, como a contracultura, porém, no campo da Educação Física, a intenção é trazer outra forma de educação do corpo e dos sentidos, propondo novas opções de experimentar o movimento.

Um primeiro aspecto aponta que a circulação dessa produção se deu de forma simultânea às propostas inovadoras que moviam a área na conhecida crise de identidade da Educação Física, especialmente a partir dos anos 1980. Desse modo, ao mesmo tempo em que o campo experimentava seu processo de cientifização, com suas implicações para as compreensões de corpo, saúde e movimento, o discurso das PCAs se apresentava como uma alternativa a essa racionalidade.

Contrárias à estética nos moldes do mercado corporal, à potência muscular, à racionalização do movimento, à fragmentação corporal para mensurar o corpo, as PCAs abrem espaço para outras vias reflexivas que tensionam os discursos de atenção e cuidados corporais. Na tentativa de superar esses aspectos que envolvem as práticas corporais, os autores das PCAs apresentaram alguns argumentos pautados pela teoria reichiana,3 que se apresenta como fonte inspiradora das terapias corporais, porque unifica a dinâmica entre o corpo e os mecanismos da psique, ligando-os a aos processos sociais (TEXTO 5, 1999; TEXTO 20, 2001).

Por esse caminho foram apresentadas ao campo acadêmico da Educação Física a Antiginástica, a Bioenergética e a Biodança como outras possibilidades para se lidar com o corpo e suas linguagens:

Um desdobramento importante do processo de psicologização ligado a esses núcleos experimentais foi o surgimento das terapias corporais. Nestas, poderemos identificar diversos pontos do ideário alternativo original estabelecido a partir dos anos 50/60. Entre eles, a ideia de que o indivíduo existe em oposição à sociedade ‘repressora’ e ‘limitadora’ e de que as terapias corporais fornecem a possibilidade de libertação através do próprio corpo. O sujeito estaria diante da possibilidade de construir outro corpo para si mesmo através de exercícios e de práticas expressivas. Este novo corpo, segundo a análise de Russo, perderia as marcas não só de sua origem de classe, como também de pertencimento a qualquer grupo social, na medida em que se reencontrava o corpo natural (TEXTO 5, 1999, p. 191).

A cultura alternativa objetivada por diferentes práticas corporais situa outros olhares e argumentos, diversificando o cenário do cuidado de si corporal. Assim,

[...] contra a padronização e regulação impostas pelo progresso científico e tecnológico, reivindica a liberdade e a autonomia subjetivas. Sua proposta, que está na origem da cultura alternativa, expressa valores como a defesa da espontaneidade, o resgate da rusticidade do habitat, a nostalgia da vida em comunidade, a reconciliação entre o corpo e a mente e a exploração de modos de consciência não intelectiva (TEXTO, 3, 1999, p.7).

Ainda seguindo o mesmo texto (TEXTO, 3, 1999, p. 7), “[...] a cultura alternativa confere ao indivíduo a competência e a autonomia nos enfrentamentos dos problemas do mundo que foram usurpados pela modernidade”. Esses posicionamentos estruturam e dão um tom diferente ao campo das práticas corporais no sentido de romper com a racionalidade científica que, tradicionalmente, tem predominado no campo da Educação Física. Assim,

Uma das maiores diferenças entre a visão ocidental e a oriental é a supervalorização da razão por um lado e a relativização da importância da razão por outro. Enquanto o pensamento ocidental valoriza a razão como sua real escudeira, para o pensamento oriental o conhecimento racional é só um tipo de conhecimento que complementa o intuitivo, ou seja, uma concepção de mundo bem diferente, mas que está sendo aproximado, através da busca de transformação e modelação do novo paradigma que procura explicar essa realidade (TEXTO, 8, 2004, p.175).

É na busca desse novo paradigma que a produção das PCAs sistematiza uma série de características intrínsecas a elas, tomando-as como regularidades que fomentam a identidade e perspectivas dessas práticas, que:

  • 1) combinam os conhecimentos oficiais da área da saúde física e mental com conhecimentos oriundos de tradições antigas da China, Japão e Índia;

  • 2) valorizam o arcaico com expressões como civilizações antigas, na origem da humanidade há três mil anos, etc.;

  • 3) resgatam atributos do universo sagrado como ritos, símbolos, mitos e a dimensão espiritual;

  • 4) propõem uma visão unitária e global que integre corpos e mentes, homem e natureza, físico e psicológico, denominada também de holística;

  • 5) sustentam uma autonomia do indivíduo, através da valorização de capacidades regeneradoras e autoreguladoras do ser humano;

  • 6) despertam a atenção para os elementos naturais como a água, a terra, o sol, o fogo, etc. Esses conjuntos de características -- a forte importância do sagrado, da tradição, da experiência pessoal e conhecimento prático, aliados a uma cosmovisão integradora -- comuns à cultura corporal alternativa, indicam atributos pré-modernos (TEXTO 3, 1999, p. 8).

Ao mesmo tempo em que as PCAs se apresentam como um contraponto à “tradição” da Educação Física, elas se colocam, também, como outra via em relação aos conteúdos tradicionais da disciplina, buscando ser o elo de um trabalho mais completo sobre o corpo e o movimento. Ainda:

As PCAs poderiam revelar ‘novas’ formas de intervenção no âmbito da educação do corpo e, mais que isso, capazes de contrapor-se, muitas vezes, à forma existente, negando-a a fim de apontar para a criação de, quem sabe, uma ‘outra’ ou ‘nova’ e ‘diferenciada’ Educação Física (TEXTO, 2, 1999, p. 132).

Em outro artigo (TEXTO 22, 2013, p. 270), por sua vez,

[...] as PCAs atualmente não são necessariamente desenvolvidas em contraposição às práticas tradicionais de esporte e das academias, como a ginástica e a musculação, por exemplo, pois acabam sendo cada vez mais utilizadas como práticas complementares e/ou integrativas. Muitas vezes elas são praticadas para alcançar um objetivo que as práticas tradicionais não proporcionam, como relaxamento, autoconhecimento, sensibilização etc.

Tais argumentos abrem espaço para a reflexão sobre as PCAs e sua função para o campo acadêmico da Educação Física. Argumentos esses que foram margeando a produção desde os primeiros textos até os últimos. Foram apontados, num primeiro momento, como uma espécie de desejo de que as PCAs fossem vistas e valorizadas nos aspectos que as práticas corporais tradicionais não contemplavam: educação para a sensibilidade e experiências de movimentos corporais distintas das que privilegiam a forma física e o volume corporal. Elas postulavam sua integração às outras práticas corporais da Educação Física, para o contexto do esporte ou da ginástica, para a educação escolar ou mesmo como proposta de inclusão de seus conteúdos na formação inicial. Dessa forma esta possibilidade:

[...] essas práticas ‘não tem espaço nas Escolas de Educação Física e não preocupam muito seus profissionais’. Isso revela que poucas escolas se ocupam em investigar melhor este fenômeno e nem lhes interessa saber como os conhecimentos relacionados ao corpo, existentes nestas práticas, poderiam ser utilizados pelos profissionais da Educação Física (TEXTO, 10, 2004, p. 118).

Os argumentos são para integrar-se à Educação Física e não se contrapor numa escala hierárquica, com as propostas de: “minimizar os esforços”, “diminuir a velocidade”, “educação para a sensibilidade”, “a não competitividade”; “a não exaltação da forma e volumes corporais”, “a não fragmentação entre corpo e mente”, “equilíbrio e reequilíbrio”, “energia vital/saúde e doença”, “espiritualidade e natureza”. Todas essas características apontam de forma in/direta para que o campo repense o processo de formação inicial da Educação Física. Nesses termos, segundo os autores que defenderam as PCAs, trazer essas práticas implicaria quebra de paradigma quanto às questões que refletem o corpo, a saúde e o movimento.

As propostas iniciais das PCAs seguiram como alternativas de práticas corporais que se distinguiam das tradicionais, como o ensino do esporte e da ginástica. Há de se considerar que as tensões ocorridas nos discursos que destoavam da Educação Física argumentavam sobre a necessidade de romper com a racionalidade científica e indicavam a necessidade de trazer à tona os discursos sobre a teoria sistêmica e holística. Assim,

[...] a palavra alternativo sofre várias interpretações. A focalização foi realçada, sobretudo no trinômio: corpo-espírito-natureza e em conceitos díades como saúde-doença; equilíbrio-desequilíbrio; respeito-violência; reconciliação - ruptura; fluência-bloqueio; intuição-razão; comunidade-individualismo; mistério-ciência. Esse fenômeno favorece o florescimento de um espírito de tolerância, de pouco ardor sectário e de uma expressiva variedade (TEXTO 8, 2004, p. 175).

Esses argumentos atravessaram as PCAs como um projeto que se integrava ao campo acadêmico da Educação Física, a “cultura alternativa de práticas corporais”, conformando-a e sistematizando experiências distintas das práticas corporais tradicionais.

O QUE PODE O CORPO NO CONTEXTO DAS PCAS

Aqui discorreremos sobre o corpo como objeto das análises dos artigos, mostrando os principais argumentos que são sustentados por todos os autores que o descrevem: a importância da não fragmentação entre corpo e mente que inflama uma assertiva convergente com as discussões sobre esse tema no contexto da Educação Física e os descompassos sofridos pelos problemas gerados pela modernidade, globalização e pelo próprio processo civilizador. Como contraponto, as propostas das PCAs discorrem sobre a necessidade de perceber a importância da energia sutil, da espiritualidade e da dimensão sensível que habitam o corpo e o tomam como espaço privilegiado à sua propagação.

Nesse eixo, sete textos tratam diretamente das preocupações4 afetas ao corpo. As discussões que sustentam a temática do corpo se situam em aspectos inerentes à modernidade, globalização e pós-modernidade e induzem a reflexões acerca do consumo, da estética, da beleza, da saúde, do estilo de vida, que são as problemáticas emergentes. Os argumentos tomam, como ponto de partida das discussões, a construção do sujeito moderno como um dos descompassos sociais na atualidade, quando pensamos na construção das identidades flutuantes contemporâneas (TEXTO 3, 2001; TEXTO 4, 1999; TEXTO 7, 1999; TEXTO 9, 2005).

É nesse contexto que se reivindica a reconstrução da noção de corpo, mediante a defesa de um corpo não fragmentado, oposto, portanto, à compreensão que as ciências biomédicas utilizavam em seus estudos. Essa reinvenção, diga-se de passagem, não ocorreu apenas no âmbito da Educação Física; estava colocada, a partir dos anos 1970, no interior da própria psicanálise e da medicina oficial,5 quando essas áreas levantaram a bandeira do “circuito alternativo de tratamento”6 (RUSSO, 1992).

Sobre esse aspecto, o Texto 7 (1999), trata da afirmativa quanto ao descentramento do sujeito na modernidade e das possibilidades de construção do corpo por várias vias de reflexão. Como consequência, o autor fala das reconstruções corporais atuais, mencionando as tecnologias feitas para o corpo, como as próteses, implantes, reconstruções faciais, mudança de sexos etc. A discussão caminha pelos argumentos dos cuidados corporais promovidos pelo discurso da saúde perfeita, da estética corporal e de suas relações com a sociedade narcísica. Ainda o mesmo texto apresenta a contraposição entre a busca do corpo perfeito e a cultura alternativa e mostra que há a oposição do último ao modelo social narcisista. Para o autor, a cultura alternativa é tida como a via de construção cultural reflexiva, no sentido de mostrar o corpo não como uma máquina de manipulação, mas, sim, como um ser vivente, como uma metáfora biológica complexa. Tais argumentos abrem espaço para esta discussão:

A separação entre a ciência e a teologia e a dissecação de cadáveres foram os fatores que contribuíram para que, na medicina ocidental, o corpo fosse percebido como um objeto. Os modelos de corpo-objeto e corpo máquina sustentam propostas terapêuticas que abordam o corpo de forma segmentar, focalizando as partes doentes ou disfuncionais do corpo: […] nesse modelo, está o fato de que o corpo passa a ser tratado como um sistema independente de questões subjetivas e que, com poucas restrições, responde às leis físico-químicas tal como o fazem as máquinas (TEXTO 8, 2004, p. 99 -100).

Ao tentar conceituar o corpo da atual sociedade numa perspectiva ocidental, a autora aponta para uma concepção sobre o corpo cuja estética é o alvo de todos os objetivos, seja na obtenção da saúde perfeita, seja na cultura das academias de ginástica (body building). O corpo contemporâneo é essencialmente tecnocrata. Assim, continua a autora ao citar Le Breton,

[…] um corpo cuja única dignidade se cifra na sua transformação pela técnica. O body builder diz de si mesmo um ‘construtor de corpos’ […]. A assistência médica à procriação induz a uma concepção da criança fora do corpo, à margem da sexualidade, fora de qualquer relação com o outro […]. A comunicação sem corpo e sem rosto da rede [internet] favorece as identidades múltiplas, a fragmentação do sujeito engajado numa série de encontros virtuais em relação aos quais ele adota cada vez um nome diferente, talvez mesmo idade, sexo, profissão, escolhidos conforme as circunstâncias. O corpo torna-se dado facultativo (TEXTO 8, 2004, p. 100).

Nesses argumentos, a problemática que define o corpo nos moldes body builder marca uma época de produção do descarte do sujeito que habita esse corpo. Segue dizendo que é preciso direcionar a reflexão que toma o corpo como um importante elo que integra matéria e espírito (corpo físico e mente). Continua afirmando que é necessário considerar uma mudança de paradigma que ultrapasse a tecnificação do corpo máquina para investirmos no retorno ao corpo experiência. Esse argumento se orienta por teorias holísticas e ecológicas que idealizam o homem/mulher como um ser total que tem a capacidade de se autorregular, de se autogestar nas dimensões sociais, psíquicas e em suas relações com o meio ambiente.

A defesa de um corpo imerso na tradição holística consta em todos os trabalhos encontrados por esta investigação, seja ele vinculado a práticas de origem europeias (antiginástica, terapia reichiana), seja de origem americana (bioenergética e educação somática) bem como de origem chinesa e indiana (Yoga, Tai-Chi- Chuan).

A visão da maioria dos autores que se reporta ao corpo contemporâneo indica que a gestação do corpo está imersa em uma visão totalitária do materialismo biologicista, o que tem levado ao desequilíbrio do sujeito. A ciência, por sua vez, nega o conhecimento gerado pela imprecisão e obscurantismo que, em grande parte, está no cerne das discussões das PCAs. Assim, abre-se um abismo entre as PCAs e a Educação Física. Seria como tentar erguer pontes entre o corpo pré-moderno e o moderno, enfim, o ocidental contra o impreciso oriental (TEXTO 5, 1999; TEXTO, 2, 1999; TEXTO 4, 2001; TEXTO 9, 2005).

Os argumentos que tomam essa direção podem ser encontrados no Texto 8 (2004, p. 173), em que aponta para as distinções perceptivas sobre o corpo no Oriente e no Ocidente:

Talvez seja a espiritualidade que mais diferencie as práticas corporais orientais e ocidentais, onde os orientais, através da meditação, buscam mais constante e firmemente religar o metafísico ao físico. Grande parte das abordagens orientais mostram os praticantes envolvidos com algum processo ou entidade (que vai desde uma radical volta para si mesmo até um ser que transcende a matéria, buscando a divindade, a espiritualidade e uma relação entre corpo, espírito e emoção) onde a palavra energia é sempre utilizada, enquanto que nos paradigmas ocidentais essa união entre corpo, espírito, emoção e energia não é muito compreendida, pois as abordagens estão mais relacionadas aos objetivos mais concretos, palpáveis e mensuráveis.

Essa afirmação vem para mostrar a distinção entre a visão Ocidental e a Oriental sobre o corpo. O que não é analisado no texto é que a perspectiva Ocidental é múltipla em significações sobre o corpo, a mente, o intelecto etc. Há que se considerar divergências e convergências quando o corpo é o objeto das análises. Contudo, ao se fazer ciência nos moldes ocidentais, em especial, quando se objetiva mensurar o corpo, utilizando os conhecimentos biomédicos, isso é feito por meio de sua fragmentação numa apreensão biológica. O caminho das reflexões desse texto indica que o ideário de corpo da ciência ocidental está na superfície do sujeito.

Para esse autor, um corpo sem profundidade (interioridade) não é compreendido como indivíduo; ao contrário, é um corpo morto, sem vida. Aliada a essas discussões, surge a noção de energia como todo processo sutil que transcende o corpo físico articulado ao mental. A energia seria a tônica do trabalho com as PCAs, Considerando que o corpo tem uma espécie de energia (biológica, psíquica, neuronal) que precisa ser trabalhada e se porta como a mola propulsora da transcendência, que liga o corpo físico ao cosmo. As PCAs ditam que o indivíduo saudável opera pela lógica da regulação energética entre corpo, mente e cosmo. Assim, a concepção de energia é o ponto de partida para a busca da saúde do homem/mulher. É na regulação/relação da energia entre corpo, mente e natureza que se constitui o princípio de saúde nas PCAs. Trabalha-se com a noção de desequilíbrio e reequilíbrio por meio de processos abstratos, transcendentes que são percebidos e identificados também por espiritualidade.

Mesmo que essas propostas partam dos autores ocidentais, observamos que a premissa sempre é de uma visão holística sobre o corpo, seja de orientação europeia ou seja oriental. Dessa forma, a educação do corpo é a base dos argumentos utilizados nos textos, nos quais a premissa está na educação dos sentidos; isso pode ser identificado, por exemplo, no Texto 11 (2003, p. 13), quando aponta a importância da educação do corpo masculino para a dimensão da sensibilidade:

Retrata um pouco da noção de deixar que os sentimentos se aflorem porque um homem que não trabalha a sua sexualidade na devida proporção se encouraça e marca seu corpo desde a musculatura a sua total anatomia. Seria o mesmo que pensar uma educação somática. Os fatos acima estão em todas as publicações de Stanley Keleman, onde ele repete, com manifesta e intencional constância, que todos os sentimentos estão ligados à anatomia, que a anatomia é a base fundamental dos estados emocionais e mentais, e que apenas uma terapia somática pode colaborar com a resolução de conflitos emocionais profundos e traumáticos.

Estamos diante de uma eclética e difusa forma de pensar o corpo e sua relação com a saúde e práticas corporais. Pensar o corpo nessa perspectiva é olhar para a interioridade, para a psique humana, para a sutileza energética que o habita. O corpo das PCAs é o corpo sensitivo, é o corpo mental, é o corpo físico, é o corpo sujeito.

O HOLISMO E A RELIGIOSIDADE DAS PCAS

As dimensões holismo e religiosidade andam na contramão quando abordam a ciência. São temas que não dialogam na perspectiva acadêmica, em especial no contexto das PCAs e da Educação Física, porque há uma espécie de antítese de uma em relação à outra. São antagônicas porque assumem sentidos opostos para pensar o sujeito, o objeto, a sociedade e a natureza. Os textos pesquisados que tratam desse eixo utilizam diversos argumentos para aproximar a Educação Física das PCAs, considerando a energia como ponte para pensar as questões entre corpo e mente, bem como articular a ideia microcosmo (sujeito) ao macrocosmo (natureza e espiritualidade). Há de se considerar nesses argumentos a tentativa de unir as religiões orientais aos referenciais ocidentais, com uma articulação entre as duas culturas.

Para esse eixo, entram nas análises cinco textos nos quais figuram argumentos tanto de defesa de uma visão holística do campo acadêmico, quanto de aprofundamento da cultura de origem das PCAs para melhor utilizá-las. Esses aspectos não serão tratados numa escala de julgamentos de valor porque o objetivo da exposição desse eixo temático é trazê-los à luz das discussões, observando como os autores se colocam diante dessas concepções perante o campo Educação Física. Para tanto, eles tratam de assegurar e propagar as benesses de assumir uma concepção holística para o campo acadêmico da Educação Física. Assim,

[...] trata-se de pensar uma nova visão para a educação física para o terceiro milênio. Criar uma nova geração para uma nova mentalidade, adaptados [sic] a necessidade de nosso tempo, através da educação. Na educação física a abordagem holística deve integrar seus métodos tradicionais e os alternativos (TEXTO 15, 1997, p. 97).

A autora continua seu argumento na intenção de que o diálogo se amplie com a universidade para que seja utilizada na formação em Educação Física a abordagem holística para que seus métodos sejam repensados e se renovem as possibilidades. A sua esperança é que haja uma verdadeira mudança paradigmática. Outros argumentos que anunciam as contradições das sociedades modernas e globalizadas auxiliaram quanto ao descarte do conhecimento relativo às religiões e à espiritualidade. Nesse sentido,

[...] Weber (1974) observa que o desenvolvimento da sociedade ocidental moderna trouxe consigo o que ele denomina de desencantamento do mundo. Para ele, a extrema racionalização das experiências humanas, ou seja, o desencantamento do mundo leva, paradoxalmente, a uma emergência da busca por fatores irracionais, como é o caso da religião, por exemplo. Assim, pode-se dizer que o desencantamento do mundo, em geral, vem seguido de uma procura por um reencantamento do mesmo, ou seja, de manifestações contra a modernidade (TEXTO 12, 2001, p. 41).

Essa reflexão indica que a racionalização das experiências humanas leva ao desencantamento do mundo. Assim, utiliza o argumento sobre o retorno às religiões e destaca que a dimensão da espiritualidade surge como um ponto positivo para as PCAs. Tais análises se encontram também no Texto 5 (1999) e se conectam ao movimento constitutivo das terapias corporais, no qual se incorpora a psicologia experimental.

Essa produção das teorias do psiquismo associadas às religiões orientais e absorvidas com as prerrogativas de servirem de veículos para a exploração da interioridade do “eu” reforça a base dos argumentos dessas perspectivas teóricas. A conexão entre psiquismo (mente) e corpo estabeleceu diálogos sobre as possibilidades para o surgimento das “religiosidades do eu”, características dos novos movimentos religiosos nas décadas de 1970 -1980. Para falar de interioridade ou das religiosidades contidas nas PCAs, o Texto 5 aponta para a prática do yoga, como prática corporal privilegiada no desenvolvimento desses aspectos:

As iogas, com sua maneira de lidar simultaneamente com aspectos físicos e mentais, antecipavam, sem dúvida alguma, esta evolução que viria a ocorrer no próprio interior do campo psicológico ocidental, em que se passou da observação de fenômenos circunscritos ao campo do mental e do discurso, segundo o modelo clássico proposto por Freud, para modelos em que cada vez mais se procuraria utilizar o corpo como via privilegiada de acesso ao psiquismo, como bem o demonstram as correntes que desenvolveram as terapias corporais, sobretudo a partir dos anos 70 (TEXTO 5, 1999, p. 191).

O texto mostra que o movimento alternativo não se tratou de uma espécie de modismo psicologizante. A busca por aspectos inerentes à introspecção reforçou a ideia da formação de um self distinto do “eu” que pode ser compreendido pela busca do autoconhecimento pela dimensão espiritual que toma o corpo como via de acesso. Como caminho de produção da subjetividade, prevaleceram argumentos que se sustentaram pela busca da individualidade, com técnicas destacando processos psicológicos que desvendassem as subdivisões entre mente, intelecto e consciência.7

Outros argumentos apontam para a resistência às ditaduras, às manobras de coerção pela dominação das ideias. Tais movimentos mostraram-se libertários, seja em atitudes para romper com a lógica do mercado de consumo, seja para buscar experiências espirituais autênticas que combatam a submissão dos sistemas de credos e doutrinas das religiões oficiais. Essas rupturas assumiam ideais de vida comunitária, potencializando a busca de si por meio do yoga e da meditação, como parte das experiências transcendentais. Assim, continua afirmando,

[...] aquilo que se coloca inicialmente nas tradições ióguicas do hinduísmo como um caminho para a salvação ligado ao indivíduo, mas orientado para um afastamento do mundo, é ‘reinterpretado’ no Ocidente como um caminho para a autorrealização, para a descoberta de si, como um recurso entre outros para a ampliação daquilo que esteve no centro dos ideais românticos a descoberta e o cultivo da interioridade. Dizendo de outra forma, tratar-se-á aqui da transformação do ideal de iluminação hindu em ideal de perfectibilidade mundano (TEXTO 5, 1999, p. 192).

Essas premissas mostram certa liberdade de escolha e outras formas de aprendizagens sensitivas quanto à construção das subjetividades (interioridades/self). Experimentar era o tom mais valioso dos discursos. As análises mostram que o sagrado e o corpo ganham sentido nas experiências transcendentais. Segundo os argumentos desse texto, as práticas espirituais no Ocidente ganham outras conotações e contornos, ora por questões epistemológicas, ora para possibilitar debates com outras perspectivas teóricas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As PCAs entram no campo da Educação Física como provocações singulares para compor o rol das práticas corporais, num período em que se abriu espaço para novas propostas entre as décadas de 1980 e 1990. Com o levantamento dos textos, foi possível identificar uma visão distinta de corpo, sujeito e movimento. Ao fragmentar as análises em três eixos temáticos, foi possível identificar as grandes objetivações das PCAs para o campo acadêmico: suas significações e propostas, a concepção de corpo que atravessou essa produção e o tema religiosidade e holismo. Apesar da divisão dos temas, esses aspectos se entrecruzaram nos argumentos de todos os textos de forma tangencial. Queremos dizer que os argumentos que sustentam os textos são iguais e utilizados recorrentemente em defesa dessas práticas, causando certa homogeneização de discurso. De uma forma ou de outra, eles se entrecruzam na intenção de articular sua propagação numa mesma direção teórica.

No eixo das significações atribuídas às PCAs, foi possível identificar que elas adentraram ao campo da Educação Física trazendo propostas já firmadas na área da psicanálise, pelo movimento da cultura alternativa que ocupou lugar de destaque entre as décadas de 1970 e 1980 no Brasil. A força que impulsionou os discursos no campo das práticas corporais tomou de empréstimo o prestígio alcançado pela psicanálise, que buscou valorizar o retorno ao corpo e suas linguagens.

Seu surgimento ocorreu, num primeiro momento, como propostas alternativas, para compor o rol das práticas já existentes. O diálogo entre PCAs e Educação Física existiu e ainda produz efeito, porque trazia propostas de complementar o que faltava nas práticas corporais tradicionais. Atualmente as PCAs são identificadas como terapêuticas e são utilizadas como práticas complementares e/ou integrativas, com objetivos de alcançar a sensibilização, o relaxamento e o autoconhecimento.

Ao pensar o corpo, as fontes indicam que esse objeto é o espaço privilegiado de sua propagação ou elo entre o interno e o externo, entre corpo físico (matéria) e desenvolvimento da introspecção (mente). Foi aí que se incorporou a proposta da não fragmentação do ser humano. As questões vinculadas à noção de forma e volume são descartadas, tomando como ponto de partida a experiência nessas práticas em busca de potencializar a dimensão sensível com a intenção de romper com os arquétipos da estética do corpo inerente ao processo de globalização.

No último eixo, que tratou sobre o holismo e a religiosidade, foi mostrado como foram ressignificadas as religiões orientais pelo Ocidente e, por meio delas, surge a noção de energia, como importante aspecto inerente à vida do homem. Tais aspectos se conectam diretamente com a ideia de saúde, ser humano e natureza, que está intimamente relacionada com o sentido de desequilíbrio e reequilíbrio, argumentos esses utilizados na maioria dos textos. Assim, a noção do microcosmo (sujeito) associada ao macrocosmo (sociedade) busca o equilíbrio energético para a obtenção de uma saúde perfeita. Esses argumentos são utilizados para idealização do retorno às sociedades comunitárias mais igualitárias.

Por fim, vale salientar que o movimento das PCAs foi singular ao campo da Educação Física, porque trouxe novos argumentos para pensar corpo, movimento, saúde e indivíduo. As discussões mostraram maturidade teórica ao dialogar com os autores das Ciências Humanas e Sociais, indicando certa aproximação nas reflexões que inovaram as práticas corporais de uma forma geral e se vincularam aos debates promissores da área.

A grande dificuldade das PCAs para se legitimar, ao que parece, foi apostar no discurso que trate do reencantamento do ser humano em suas relações sociais, em um espaço de discussões em que o homem e a natureza são pulverizados e desencantados pela racionalidade científica. Porém, é possível identificar que, atualmente, o esforço iniciado entre as décadas de 1980 e 1990 e início dos anos 2000 ganha espaço entre as políticas públicas que assumiram as PICs em que atribuiu a Educação Física a responsabilidade do ensino das práticas corporais no campo da saúde coletiva.

REFERÊNCIAS

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

1A pretensão do retorno a sociedades igualitárias fez parte do movimento da contracultura que reinterpretou e resgatou o movimento romântico do século XVIII na tentativa de romper com os processos racionais do Iluminismo. Aí se explica a associação com a natureza ou, pelo menos, com a intenção de significar o que era natural (TEXTO 4, 2001).

2Os textos serão citados no corpo do trabalho de acordo com sua classificação no Quadro 1, considerando sua numeração e ano.

3Wilhelm Reich (1897-1957), médico psicanalista e discípulo de Sigmund Freud, argumenta que a mente e o corpo eram intimamente relacionados e com isso identificou que as doenças corporais tinham raízes nos processos cognitivos. Desenvolveu seus estudos criando a orgonoterapia, em que indica que as frustrações marcam o corpo e se materializam por meio de couraças corporais (endurecimentos musculares) (TEXTO 21, 1997).

4São sete textos que tratam especificamente sobre o corpo, contudo 15 artigos que foram classificados no Quadro indica que o corpo é um importante objeto de reflexão das PCAs.

5Por medicina oficial figura a orientação da profissão dos médicos que atuam por meio dos conhecimentos da biomedicina para o combate e/ou controle da doença, no sentido de promover a vida e a saúde da população (MARTINS, 2003).

6Denominação dada por Russo (1993) ao se referir às práticas corporais, terapias alternativas, medicinas paralelas como forma de pensar a saúde, o corpo e o sujeito na década de 1970.

7Esses aspectos atribuídos pelas práticas em que sobressaem o psiquismo normalmente se conectam aos de origem indiana como o yoga e meditação, contudo as três dimensões do psiquismo - mente, intelecto e consciência - precisam ser mais bem analisadas em estudos posteriores (TEXTOS, 6, 8, 12).

Recebido: 01 de Novembro de 2017; Aceito: 01 de Abril de 2018

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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