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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.58 Florianópolis abr./jun 2019  Epub 11-Set-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e56269 

Artigo Original

Formação inicial em Educação Física e as aprendizagens com a escola: a possibilidade da prática como componente curricular

Teacher education in Physical Education and the learning with the school: the possibility of Practice as a Curricular Component

Formación inicial en Educación Física y los aprendizajes con la escuela: la posibilidad de la Práctica como Componente Curricular

Camila Rinaldi Bisconsini1 
http://orcid.org/0000-0002-1239-118X

Amauri Aparecido Bássoli de Oliveira2 
http://orcid.org/0000-0002-2566-1476

1Doutora Universidade Estadual de Londrina - UEL, Departamento de Estudos do Movimento Humano, Londrina, Paraná, Brasil. camila.rinaldi@uel.br

2Doutor Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Educação Física, Maringá, Paraná, Brasil. aaboliveira@uem.br


RESUMO

Conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior de 2015, as licenciaturas devem integrar aos seus programas as atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas (200h), atividades formativas (2.200h), o estágio supervisionado (400h) e a Prática como Componente Curricular - PCC (400h). O objetivo foi verificar as possibilidades da PCC para aproximar acadêmicos de Educação Física do cenário escolar e as possíveis aprendizagens decorrentes dessa integração. Foram entrevistados 41 formandos de Licenciatura em Educação Física e 18 docentes do mesmo curso, com posterior análise de conteúdo. Os dados apontam que a PCC foi lembrada como uma estratégia para intensificar a aproximação dos futuros professores com a Educação Básica e contribuir para a aprendizagem dos saberes profissionais. Quanto mais diversificada e abrangente se apresentar a formação, mais referências sobre a profissão terão os licenciandos, o que poderá contribuir para uma atuação profissional condizente com a realidade do ensino público.

PALAVRAS-CHAVE: Formação profissional; Licenciatura; Práticas curriculares

ABSTRACT

According to the National Curricular Guidelines for initial teacher education at the higher level of 2015, undergraduates should integrate their theoretical and practical activities of deepening in specific areas (200h), training activities (2.200h), internship (400h) and the Practice as Curricular Component - PCC (400h). The objective was to verify the possibilities of the PCC to bring Physical Education students closer to the school scene and the possible learning resulting from this integration. We interviewed 41 undergraduate students in Physical Education and 18 professors of the same course, with a subsequent content analysis. The data indicate that the PCC was remembered as a strategy to intensify the approach of the future teachers with the Basic Education and to contribute to the learning of the professional knowledge. How much more diverse and comprehensive to be the training, more references about the profession will have the students, which may contribute to a professional performance that is consistent with the reality of public education.

KEYWORDS: Professional formation; Graduation; Curricular practices

RESUMEN

Conforme a las Directrices Curriculares Nacionales para la formación inicial a nivel superior de 2015, las licenciaturas deben integrar a sus programas las actividades teórico-prácticas de profundización en áreas específicas (200h), actividades formativas (2.200h), la práctica supervisada (400h) la práctica como componente curricular - PCC (400h). El objetivo fue verificar las posibilidades de la PCC para acercar a académicos de Educación Física del escenario escolar y los posibles aprendizajes resultantes de esa integración. Se entrevistó a 41 formandos de Licenciatura en Educación Física y 18 docentes del mismo curso, con posterior análisis de contenido. Los datos apuntan que la PCC fue recordada como una estrategia para intensificar la aproximación de los futuros profesores con la Educación Básica y contribuir al aprendizaje de los saberes profesionales. En cuanto más diversificada y completa se presenta la formación, más referencias sobre la profesión tendrán los licenciandos, lo que podrá contribuir a una actuación profesional acorde con la realidad de la enseñanza pública.

PALABRAS-CLAVE: Formación profesional; Grado; Prácticas curriculares

INTRODUÇÃO

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/1996, os cursos de formação de professores de Educação Física (EF) se fortalecem no sentido de ter garantido aos egressos um espaço próprio de trabalho nas escolas. Entre 2001 e 2002, houve destaque para a necessidade de articulação entre teoria e prática, com a organização de um conjunto de conhecimentos para auxiliar na identidade desse professor de EF (BENITES; SOUZA NETO; HUNGER, 2008). A Resolução CNE/CES 02/2015, retomando outras diretrizes (BRASIL 2001a b, 2002a b), aponta a carga horária total de 3.200 horas a ser cumprida pelos cursos de Licenciatura, com 400 horas destinadas à Prática como Componente Curricular (PCC).

Ao considerar que, “há exigências em nosso contexto de intervenção que precisam ser mais bem compreendidas” (REZER; FENSTERSEIFER, 2008, p. 320), é preciso repensar as propostas e ações curriculares nos programas de formação inicial. Os autores chamam a atenção para três aspectos em relação à EF: a responsabilidade do entorno da intervenção, a prática pedagógica no ensino superior e a formação permanente como possibilidade de resgatar a complexidade do exercício da docência. E, especialmente pelo fenômeno da presente pesquisa, prendeu-nos a atenção o segundo momento desenvolvido a partir da reflexão sobre a prática pedagógica no ensino superior. Os autores esclarecem que “práticas transformadoras no processo de formação podem proporcionar subsídios para uma prática transformadora em outros contextos” (REZER; FENSTERSEIFER, 2008, p. 322), e essa ideia é indispensável para aprofundar o entendimento dos propósitos e caminhos das ações pedagógicas em cursos de Licenciatura em EF. Alterações no currículo podem acarretar impactos no perfil profissional ao longo do tempo (METZNER; CESANA; DRIGO, 2016), de modo que as mudanças ocasionadas podem ser favoráveis para a formação do professor de EF comprometido com a sua profissão e ciente dos condicionantes que permeiam a docência no contexto da Educação Básica, e por isso mesmo, com maiores chances de intervir de modo reflexivo nessa mesma realidade e agir ativamente nas decisões da comunidade escolar. Por ser a formação inicial espaço de investigação nesta pesquisa, destaca-se a seguinte reflexão:

[...] como pensar na possibilidade de “transformar” a intervenção pedagógica em diferentes contextos (em escolas, academias etc.), se não pensarmos nestas transformações também no contexto do ensino superior? Quem desata estes “nós”? O egresso? Pensamos que a responsabilidade passa também, necessariamente, pelo contexto de formação de futuros professores (REZER; FENSTERSEIFER, 2008, p. 323).

É preciso voltar o olhar das pesquisas sobre o processo formativo em EF para as demandas das licenciaturas, e ir além, discutir e organizar as possibilidades concretas de caminhar para uma formação inicial mais real, ou seja, mais bem articulada e pensada com e para a Educação Básica, de modo que os estudantes mergulhem no futuro campo de trabalho, interajam nesse espaço social, produzam conhecimento e desenvolvam um processo constante de reflexão e crítica. A graduação - essa formação inicial - é uma fase em potencial para oportunizar encontros com o trabalho docente e articular saberes docentes. Caso a formação inicial consolide momentos de mobilização dos saberes vinculados ao professor de EF em espaço real de trabalho, a atuação profissional refletirá maior proximidade com as demandas da escola em ações que concretizam a relação prática-teoria.

Nesse caminho, a PCC pode ser uma possibilidade de fortalecer essa integração, já que para ser efetivada de modo sistematizado e com objetivos formativos bem delimitados, é indispensável uma relação colaborativa entre os níveis de ensino básico e superior, de modo que essa articulação possa contribuir em outras atividades que vão além das práticas curriculares, como trabalhos de formação continuada. Ainda, essa oportunidade pode agregar elementos da rotina escolar ao repertório de saberes do professor universitário, que por sua vez, pode problematizar estes mesmos elementos junto aos acadêmicos durante suas aulas. Em outras palavras, o docente universitário, por estar distante da rotina na Educação Básica, precisa inteirar-se do que acontece na escola a fim de qualificar a sua atuação na formação de futuros professores que estejam sintonizados com as necessidades e carências da escola - uma visão atualizada e comprometida.

Conforme Rezer e Fensterseifer (2008), os desafios identificados na formação inicial em EF precisam ser enfrentados ao longo desse processo, caso contrário poderá haver problemáticas no exercício da docência. No entendimento dos autores, o esforço do “ser-professor” passa por três necessidades: pedagógicas, maior domínio conceitual e a afirmação do professor como sujeito. A primeira necessidade aponta que “o exercício da docência em EF parte, inicialmente, de um esforço pedagógico, haja vista a necessidade de arregimentar diferentes conhecimentos para compor o processo de intervenção (p. 325)”; a segunda necessidade indica que “resgatar a complexidade da docência passa, sem dúvida, pela ampliação de nossa capacidade de compreensão acerca dos fenômenos que constituem nosso cotidiano (p. 326)”; e a terceira trata do processo de retomada da responsabilidade docente por meio do conhecimento, já que “na contemporaneidade, vivemos em um momento que parece prescindir da reflexão, no qual o ato de pensar por si mesmo ou em tempos difíceis como o nosso, trata-se de um elemento quase revolucionário” (p. 326). Essas necessidades existem e poderiam ser problematizadas no processo ensino-aprendizagem das licenciaturas em EF.

Desse modo,

O que se espera dos futuros professores de Educação Física é, portanto, o maior engajamento possível em todas as etapas e modalidades de práticas pedagógicas, seja antes, durante ou depois de sua realização, seja na IES ou na escola, seja com os colegas ou com os alunos da comunidade, e que passem a interpretá-las como valiosas oportunidades para estabelecer pontes entre teoria e prática, e para agregar valor à sua formação docente e profissional (MARCON, 2011, p. 222).

Para tratar os elementos constituintes de um curso de licenciatura é preciso compreender o espaço de trabalho docente por meio de diversas estratégias, sendo uma delas a PCC. Para Rodrigues e Darido (2008), a educação escolar faz parte do amplo contexto educacional e possui características que a definem, como ser uma modalidade intencional que pressupõe objetivos definidos de forma consciente, além de apresentar caráter formal, já que implica intenções pedagógicas explícitas e procedimentos didáticos. A escola, espaço de trabalho do professor, é resultado da dinâmica e das contradições da história da prática social e da educação humana, e esta educação, por sua vez, deveria ser um meio social de possibilitar a compreensão das múltiplas formas de refletir, elaborar e produzir conhecimento (PALMA; OLIVEIRA; PALMA, 2010).

Ampliar o repertório cultural dos futuros professores é uma tarefa que pode aproximar as licenciaturas de um percurso formativo qualificado. As aulas da EF escolar se desenvolvem em diferentes realidades sociais, e os respectivos professores planejam as atividades conforme os cenários apresentados para ensinar, por meio da EF, a linguagem corporal. As realidades são diversas e podem ser apresentadas aos discentes, a fim de que tenham condições de refletir sobre a formação social que envolve o ensino e pensar as possíveis ações para mantê-la ou transformá-la, o que demanda autonomia intelectual, ou seja, antes de definir sua postura profissional, o futuro professor precisa interpretar a realidade observada e vivenciada, e, a partir disso, decidir como agir no contexto interventivo.

A partir do entendimento da necessidade de maior articulação entre os programas de formação inicial em EF e as escolas, as seguintes indagações nortearam a pesquisa: Quais são as possíveis aprendizagens decorrentes da proximidade e articulação entre a Universidade e as escolas? A PCC é uma estratégia para integrar estes espaços sociais de ensino? Diante dessas colocações, ainda se destaca a dúvida sobre quais são as estratégias possíveis para aproximar Universidade e escolas nos cursos de Licenciatura em Educação Física e que têm o potencial de desvelar nuances dessa profissão. Por conseguinte, o objetivo foi verificar as possibilidades da PCC para aproximar acadêmicos de EF do cenário escolar e as possíveis aprendizagens decorrentes dessa integração.

MÉTODOS

A pesquisa tem abordagem qualitativa e foi subsidiada pelo método estudo de caso, por tratar-se da realidade do curso de Licenciatura em Educação Física de uma Universidade pública do Paraná. Para esboçar quaisquer análises acerca do ensino institucionalizado, especialmente aqui falando do cenário universitário, é preciso considerar a complexidade dessa realidade por meio de buscas da produção científica que envolve o tema, bem como, de investigação junto aos agentes desse espaço social cujos elementos nunca são analisados em si mesmos, mas averiguados em uma pesquisa inseparavelmente teórica e empírica (BOURDIEU, 2014).

Todos os formandos1 foram convidados a participar da pesquisa (f 48). Todavia, no momento de coleta dos dados (segundo semestre de 2016), havia 41 acadêmicos matriculados (22 do sexo feminino e 19 do sexo masculino) e estes integraram a investigação. Ainda sobre os participantes, o grupo também foi constituído por 18 docentes2 permanentes do Departamento de Educação Física (oito do sexo feminino e dez do sexo masculino, sendo três mestres e 15 doutores).

Os professores e acadêmicos participaram de uma entrevista semiestruturada (LÜDKE; ANDRÉ, 2013), que permite perceber a integração entre as informações, o fio condutor que direciona a fala. Isso reduz as chances de interpretações equivocadas por parte do pesquisador, já que, por meio desse instrumento, não há frases pontuais e descontextualizadas, mas sim, o desenvolvimento das ideias do entrevistado. O roteiro3 destinado aos docentes contava com dez temas geradores e àquele direcionado aos acadêmicos tinha nove temas para discussão. As gravações foram realizadas em áudio, em seguida foram transcritas e enviadas a cada um dos entrevistados para que fizessem a leitura e confirmassem se o texto encaminhado correspondia exatamente à sua fala, para validação das entrevistas.

Com o software NVivo 10 os registros foram organizados para proceder à análise de conteúdo (BARDIN, 2016), cujas fases incluem a seleção dos documentos, a exploração do material, a codificação em unidades de registro, o agrupamento em categorias, a descrição das categorias e a interpretação dos resultados. Portanto, a análise dos dados ocorreu pelas seguintes etapas: leitura e interpretação das entrevistas transcritas; organização das entrevistas no NVivo (fontes); definição e descrição das categorias (nós e sub-nós) a partir dos objetivos da pesquisa e das entrevistas; codificação a partir das unidades de registro; categorização dos fragmentos nos nós e sub-nós; análise dos resultados.

Sobre os aspectos éticos da pesquisa, todos os participantes (41 acadêmicos e 18 docentes) assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, o projeto vinculado a esta pesquisa teve aprovação do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos no Parecer nº 1.710.582.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Como a complexidade da docência no contexto escolar abarca os processos didático-pedagógicos e a dinâmica da sala de aula, a apreensão desta pluralidade de saberes docentes4 se caracteriza como um dos objetivos nos programas de formação para os licenciandos (MARTINY; GOMES-DA-SILVA, 2011). Nesse sentido, cabe refletir sobre as possíveis estratégias para facilitar ou potencializar essa compreensão dos conteúdos vinculados ao ensino na Educação Básica e os saberes da EF.

A partir dos encontros com a escola viabilizados no curso de Licenciatura em EF investigado (estágios, festivais, vivências de ensino, projetos), aos professores e acadêmicos foi indagado sobre as possíveis aprendizagens dos conteúdos mobilizados no programa de formação, ou como essas oportunidades e outras iniciativas correlatadas refletem na apreensão dos saberes curriculares no decorrer da formação inicial. Portanto, destaca-se que “No âmbito do ensino, os conhecimentos, as competências e as habilidades são adquiridas nas diversas atividades formativas que compõem o currículo do curso” (ARAUJO; LEITINHO, 2014, p. 90-91), desde que estas estejam articuladas a fim de promover uma formação inicial de qualidade.

Uma das dimensões evidenciada é a oportunidade de aprender os conteúdos propostos na graduação durante observações ou vivências de ensino, em momentos de experimentação do trabalho docente. Estas unidades de registro são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1 A apreensão dos conteúdos da formação inicial por meio da experimentação do trabalho docente 

ENTREVISTADO(A)5 UNIDADE DE REGISTRO
A9 Toda vivência tem importância. Todo conhecimento que você tem é bom, porque você estará explicando na sala de aula, às vezes o professor está falando, só que você só terá uma real noção quando estiver lá no meio. Quando está na escola, as crianças estão ali, acontecem coisas que você não aprendeu em sala de aula, então você tem que saber lidar.
A16 Se tivesse tido essa aproximação durante todo o período da graduação você ia pegando as coisas, pegando o jeito, como fazer, como proceder em determinada ação [...] vai aprendendo enquanto estiver lá dentro. Para começar é ótimo, porque você vai desenvolvendo profissionalmente.
P6 Nesses momentos é que os alunos realmente aprendem, porque eles mesmos dizem: ‘Nossa, como foi importante visitar um lugar, ver a realidade, entender o que está acontecendo’, porque muda toda a perspectiva.
P9 Nós temos aula prática e aula teórica, mas é diferente você dar uma aula para os seus colegas de turma e você dar uma aula para crianças na escola. A abordagem é totalmente diferente, é uma experiência muito mais rica, muito mais. [...] eu acho que essas práticas curriculares vêm totalmente contemplar essa relação direta de professor e aluno.
P16 Quanto mais o aluno estiver inserido no ambiente prático eu acho que a aprendizagem é muito melhor do que ele ficar simplesmente em sala de aula escutando o professor falar.

Fonte: os autores

Por meio das unidades de registro do Quadro 1 é possível inferir que as práticas curriculares podem ser uma importante estratégia para integrar os licenciandos em EF do contexto escolar, a fim de acompanhar as intervenções do professor desta área e até experimentar certas situações reais de ensino in loco, o que pode facilitar a compreensão dos conteúdos mobilizados no ensino superior, já que estes estarão visíveis e em movimento. A Professora 6 ressalta que são nos momentos de contato com a realidade interventiva do professor de EF que os acadêmicos têm a chance de refletir sobre elementos da rotina profissional, por vezes já abordados nas disciplinas do curso, mas ainda pouco significativos e fragilmente compreendidos pelos discentes.

Ao longo da formação inicial dos professores de EF é preciso proporcionar experiências e provocar reflexões, além da apreensão dos conhecimentos que ofereçam suporte à futura intervenção profissional (SILVA JÚNIOR, 2016). Nesse sentido, ações articuladas com a Educação Básica e, ao mesmo tempo, integradas de modo interdisciplinar no curso, podem refletir positivamente na qualidade da formação, já que os conteúdos serão abordados por frentes diversas a partir da relação prática-teoria, ou seja, é um processo ensino-aprendizagem que, de modo concomitante, apresenta os conteúdos em diferentes situações (como é exposto nos materiais científicos e como é desenvolvido pelos professores nas escolas). Ainda, em uma proposta assim organizada, são múltiplos os elementos para problematizar nas salas de aula da graduação, já que a PCC - que tem o acompanhamento constante e direto do docente - tende a provocar a rememoração das propriedades do trabalho docente e incitar novos pontos de discussão na abordagem dos conteúdos específicos.

A oportunidade de sanar dúvidas e discutir situações-problema observadas também foi um aspecto mencionado pelos entrevistados, ao tratar dos possíveis reflexos de práticas curriculares na apreensão dos conteúdos durante a formação inicial em Educação Física - Licenciatura. Estes dados são expostos no Quadro 2.

Quadro 2 A oportunidade de problematizar situações de ensino nas aulas da graduação 

ENTREVISTADO(A) UNIDADE DE REGISTRO
A5 Se essas situações problemas aparecessem antes, a gente conseguiria reter o conteúdo, e quando aparecesse na prática acho que nós já estaríamos preparados [...]. Então se aparecesse antes uma situação problema seria legal.
A14 Eu teria mais possibilidades de tirar minhas dúvidas e explicar como foi, e eu perguntaria o que eu poderia fazer no momento que eu fosse aplicar, ou dar uma regência, uma direção.
A22 Acho que se tivesse essa vivência sempre na aula a gente já poderia chegar aqui, na hora de estudar alguma matéria [...], perguntar para o professor como dar uma aula variada.
P1 Ao visualizar, vivenciar, o aluno questiona e se vê naquele papel: ‘E quando for eu fazendo isso?’, é uma pergunta que normalmente eles pensam, mesmo sendo aluno de primeiro ano. Então, eu penso que ele começa a visualizar o campo de trabalho dele, as problemáticas, seria muito interessante.
P11 Com essas práticas a gente consegue fazer com que o aluno veja os problemas, pense, reflita sobre, escute, traga para que a gente consiga desenvolver com eles; e aí, quando ele for à escola, outros vão surgir, mas ele estará mais preparado para isso [...]. Eu vejo que as práticas curriculares contribuem nesse sentido, que ele vai à escola, pode observar uma aula de um professor, e depois ele traz para a gente, ele fala: ‘Professor, eu observei a aula, vi que ele trouxe alguns elementos que poderiam ser feitos de uma maneira ou de outra maneira, eu vi que o professor atuou de uma forma que eu faria da mesma maneira, aprendi muita coisa, a forma como ele conduziu a aula para que os alunos tivessem envolvidos, a maneira como ele conseguiu conduzir a turma para que alguns alunos fizessem atividade e outros não ficassem dispersos fazendo outra coisa’.

Fonte: os autores

As unidades de registro revelam a viabilidade de os docentes provocarem discussões nas disciplinas pelas quais são responsáveis, que partam de observações ou vivências no ambiente de ensino da Educação Básica e, mais pontualmente, como estas iniciativas podem favorecer a apreensão dos conteúdos, já que instigam a problematização de situações da rotina profissional dos professores de EF, o que exige reflexão dos acadêmicos, que é enriquecida pelo seu caráter coletivo, já que é partilhada na turma. Por sua vez, essa estratégia no processo ensino-aprendizagem direcionada aos discentes pode refletir positivamente na apreensão dos saberes curriculares, pois nessas discussões os conteúdos figuram em cenários reais de intervenção e se apresentam mais concretamente aos futuros professores.

Após analisar os documentos que subsidiam a preparação profissional em EF, Antunes (2012) identificou a ênfase na relação da formação inicial com diferentes contextos de prática profissional, a resolução de problemas advindos de situações reais da prática profissional, o conhecimento advindo da experiência, entre outros elementos. Para o autor, estes aspectos reforçam a indissociabilidade teoria-prática ao longo de todo o curso de graduação e a necessidade de inclusão da PCC nos currículos da Licenciatura. Essa perspectiva também é destacada pela Professora 8:

Acho que elas [práticas curriculares] precisam começar urgente [...] porque é uma necessidade formativa. Então, as práticas curriculares acontecerem desde o primeiro ano possibilita tirar o nosso aluno desse casulo teórico, que é totalmente desmembrado. A gente fala muito em ter uma educação não fragmentada, mas hoje o nosso ensino é compartimentado, eu ainda trabalho com disciplinas, portanto, fragmenta os saberes.

Também, outro aspecto favorável levantado pelos entrevistados (Quadro 2), é a simultaneidade da observação, vivência e discussão dos conteúdos. Esta característica permite que as dúvidas referentes às intervenções dos professores de EF nas escolas sejam levantadas, argumentadas e possivelmente sanadas paralelamente ao seu surgimento. No curso investigado, por exemplo, o estágio supervisionado acontece na segunda metade do processo formativo, e como grande parte das disciplinas já foi concluída, as dúvidas específicas sobre determinados conteúdos acabam se dissipando quase que no mesmo momento em que surgem, já que nesses casos, o mesmo conteúdo se revela aos discentes em momentos distintos (e por vezes até distantes), numa relação teoria e prática desintegrada.

É preciso considerar, entretanto, que uma postura proativa do discente é importante nos momentos de dúvidas, como afirma o Acadêmico 27: “Nós temos que ir um pouquinho atrás, se não for lá e perguntar, se ficar olhando para o céu, fingir que está observando, ele [o professor] dá a aula e você não consegue perceber nada”. Também vale considerar que, se as licenciaturas em Educação Física promoverem situações ativas de aprendizagem ao longo da formação, os discentes se sentirão mais motivados e terão maior autonomia e responsabilidade (ATIENZA et al., 2016).

Caso a PCC seja organizada de modo a percorrer todo o curso, é possível, como demonstram os entrevistados, que haja a observação de detalhes profissionais concomitantemente à abordagem dos conteúdos nas salas da Universidade. Nesse processo a reflexão é instigada, pois os discentes se questionam sobre: a postura do professor de EF; os desafios da estrutura disponível para as aulas; a rotina da escola; o relacionamento com os demais professores, alunos, funcionários e outros agentes da comunidade escolar; as questões burocráticas a serem cumpridas junto às secretarias de educação; e os desafios econômicos e políticos da educação. Conforme a Professora 8:

Por exemplo, o aluno está estudando sobre financiamento na educação, as políticas de financiamento, onde isso influencia na questão do plano de carreira, no salário dos professores, porque é um investimento, então porque a gente têm municípios que são vizinhos e têm investimentos diferentes, se é designado que 25% da arrecadação de todo município deveria ser para a educação? Por que em um você têm investimentos na formação continuada e em outros o investimento é só na construção predial? Então, quando eles vão à escola isso se torna palpável.

Ainda, o processo de reflexão envolve a dúvida, a análise do contexto, possíveis estratégias de desvio ou reforço da ação e a atitude (transformada ou não). Todavia, essas operações, na fase de formação inicial, dependem fortemente da mediação dos docentes.

O aspecto didático da intervenção docente também foi lembrado pelos professores e acadêmicos como um conteúdo próprio da Licenciatura que pode ser apreendido por meio da PCC e de outras estratégias de contato com a Educação Básica durante a formação inicial. Estes resultados são apresentados no Quadro 3.

Quadro 3 A apreensão dos aspectos didáticos da profissão docente por meio de contatos com espaços de intervenção do professor de Educação Física 

ENTREVISTADO(A) UNIDADE DE REGISTRO
A1 No segundo bimestre da disciplina de Didática nós estamos vendo o comportamento do professor e as formas de aula, aí você vai lá e observa como o professor dá aula, qual é o estilo dele, que estilo de ensino que ele utiliza. Eu acho que seria muito legal se a gente pudesse trabalhar dessa forma.
A7 Tem conteúdo que eu não sei como eu vou trabalhar na escola, eu não sei se eu vou ter maturidade suficiente para trabalhar com esse conteúdo na escola, se os meus alunos estarão preparados para aquele conteúdo, se teremos uma estrutura bacana.
P3 Nessas experiências de ensino, especialmente nas turmas de Licenciatura, a gente privilegia o ensinar a ensinar.
P9 Eu acho que até serviria para comparar, se realmente aquele conteúdo de aula é o que acontece nas práticas. [...] isso daria um parâmetro muito bom para o aluno contextualizar: ‘Será que é isso mesmo que deve ser aplicado? Qual seria a melhor maneira, o melhor momento?’, eu acho que seria bastante interessante.
P11 As práticas curriculares contribuem para que o futuro professor consiga ir trilhando o seu caminho como docente [...] eu vejo que a partir de exemplos, a partir de observações, ele vai tendo também referenciais [...] de algo que foi bom, de algo que foi formativo.

Fonte: os autores

Os fragmentos demonstram como a observação e o acompanhamento das intervenções profissionais podem contribuir para aprender aspectos didáticos do trabalho docente. Na concepção de um professor de EF investigado por Correia e Ferraz (2010), os conhecimentos didáticos talvez sejam prioritários durante a atuação profissional. Na perspectiva de Valle (2008), os recursos didáticos integram as principais dúvidas no que diz respeito à ação pedagógica de professores. Ainda, conforme Maffei, Verardi e Pessôa Filho (2016), todos os docentes e em todos os componentes curriculares devem apresentar os conhecimentos didáticos aos acadêmicos. Os autores também esclarecem que as práticas pedagógicas são elementos de centralidade e equilíbrio no processo de formação. Mais especificamente, Metzner (2011) esclarece que a disciplina de Didática nas licenciaturas deve proporcionar a compreensão sobre os modos de ensinar, aprender e compreender a realidade.

Abordar os aspectos didáticos da profissão por meio das práticas curriculares pode: minimizar as questões de insegurança quanto ao desenvolvimento dos conteúdos; contribuir na identificação das posturas mais adequadas para diferentes situações nas aulas de EF; e provocar a percepção de como os professores mobilizam os saberes disciplinares da área conforme as faixas etárias, os espaços e materiais disponíveis.

Mais pontualmente, o aspecto da rotina e organização escolar foi mencionado por duas professoras como passíveis de serem compreendidos pelos acadêmicos, por meio da PCC, conforme as unidades de registro do Quadro 4.

Quadro 4 As possibilidades de observação da rotina e organização escolar por meio da PCC 

PROFESSORA UNIDADE DE REGISTRO
P8 Agora, primeiro ano, segundo ano, o que impede o aluno de entender, por exemplo, como se dá o recreio, quais são as brincadeiras? O que é o recreio? Se você for a um recreio na Educação Infantil, você vai ver um bando de criancinhas lindas sentadas lanchando, que estão com a tia da merenda. Se você for para as séries iniciais, você vai ver um monte de criança comendo e saindo correndo, brincando no pátio, brincando, brincando, brincando. Se você for para o ensino médio, você vai ver uma mesa de merenda vazia, e ‘panelinhas’, os famosos grupos dos adolescentes em cantos separados do pátio da escola. Então assim, você começa na Educação Infantil, vendo todas as crianças lanchando juntas comendo a mesma coisa, todas no mesmo lugar, e aí você chega aqui no final do Ensino Médio, fechando o ciclo. Então quando o aluno vai ver isso? Quando ele for fazer essa observação. Ele só vai observar na escola.
P18 Os alunos observaram que, por exemplo, a escola que nós fomos tem uma grande estrutura de espaço, é muito boa nesse sentido. Mas chamava atenção como existiam tantas regras na escola e não parecia que se justificassem, as regras apareciam antes de qualquer coisa. Talvez eles quisessem ter visto uma proposta pedagógica acontecendo, mas o que aparecia primeiro e mais fortemente eram as regras. Então, se a gente não tivesse ido, não teria esse conhecimento.

Fonte: os autores

As professoras deixam claro como certas nuances da rotina profissional somente são perceptíveis quando os discentes têm a oportunidade de visualizá-las, ou seja, a apreensão dos conteúdos específicos para a formação inicial do professor de EF pode ser dependente destas iniciativas, que por enquanto ocorrem por meio do estágio e de atividades pontuais de alguns docentes no curso investigado6. Para Souza Neto e Silva (2014), a PCC pode atuar como elemento aglutinador e aliar as diversas disciplinas, além de ser um espaço de reconhecimento do trabalho pedagógico. Nesse sentido, pode ser organizada de modo que seja contemplada nos diversos componentes curriculares.

Por outro lado, há perspectivas que divergem dessa defesa da PCC como uma ação que pode contribuir para a apreensão dos conteúdos por parte dos acadêmicos de Licenciatura em EF, conforme A10: “Como a gente têm muitos conteúdos, não vai aprofundar em nada. A gente consegue passar uma aula, mas às vezes nem é o suficiente para o aluno aprender aquela vivência”; e A41: “Aprendizagem vai ser para a minha vida só, para eu saber me defender, porque estar na escola é uma constante defesa”.

Os discentes apresentam possíveis reflexos negativos de ações mais próximas à Educação Básica, como a falta de tempo para aprofundar a discussão dos conteúdos (A10) e experiências que podem intimidar as futuras intervenções profissionais (A41). De fato, em vivências de ensino os licenciandos podem experimentar emoções bastante intensas pela responsabilidade exigida com a aprendizagem dos alunos, organização de tempos e espaços escolares e com as relações que tentam estabelecer junto à comunidade escolar (ISSE; MOLINA NETO, 2016). Nesses casos vale a mediação dos docentes universitários para amenizar os receios quanto ao enfrentamento da realidade profissional.

A condução da PCC envolve esse acompanhamento constante, ou seja, as atividades que a compõem demandam planejamento, suporte e discussão para superar os possíveis embates. Quanto ao aspecto de tempo mencionado por A10, vale ressaltar que essas práticas podem ser administradas conforme as particularidades de cada disciplina, desde que na carga horária total do curso sejam contempladas as 400 horas (BRASIL, 2015); portanto, demanda uma reestruturação curricular, a fim de integrar este componente aos demais que estão em vigência.

De modo geral, em relação à possível apreensão dos conteúdos por meio da PCC, os resultados permitem inferir que a observação direta de situações da rotina profissional dos professores de EF permite que alguns conceitos e ideias apresentados nas salas de aula da Universidade estejam mais claros, o que facilita sua compreensão. Ainda, essas iniciativas contribuem para sanar dúvidas e problematizar cenários de intervenção docente de modo estreito à ação, nesses casos são maiores as chances de os acadêmicos estabelecerem relações concretas entre os saberes curriculares e profissionais, ao contrário de adentrarem o ambiente escolar apenas ao final da graduação.

O próximo tópico destaca a produção do conhecimento como outro possível reflexo de uma sistematização da PCC no curso de Licenciatura em EF.

A Prática como Componente Curricular e a produção do conhecimento

A produção do conhecimento pode ser uma das dimensões na organização da PCC, em uma proposta em que os licenciandos registrem suas observações e vivências para problematizá-las na Universidade e produzir textos acadêmicos a partir disso. Os pontos destacados incluem o incentivo à pesquisa, o trabalho de conclusão de curso (TCC), os seminários, a metodologia da pesquisa e as investigações sobre as particularidades da EF escolar. A dimensão que possui mais de uma unidade de registro é o incentivo à pesquisa direcionada ao ambiente escolar, representada pelos fragmentos expostos no Quadro 5.

Quadro 5 As possibilidades da produção de conhecimento por meio de relações com a Educação Básica 

PROFESSOR(A) UNIDADE DE REGISTRO
P3 Eu procuro incentivar a pesquisa, que eles planejem e apliquem as aulas pensando numa determinada faixa etária e determinado nível de ensino, localizando suas aulas dentro de um currículo, sempre enfatizando que, como componente curricular, os conteúdos da EF têm que se localizar em algum momento da formação dos seus alunos.
P4 Semana que vem já tem que pesquisar e eles apresentam para mim o que eles descobriram na escola.
P7 A pesquisa também, mesmo quando vai coletar dados, você vai à escola de qualquer forma, aproxima-se dessa prática, vai discutir de repente uma coisa específica de uma pesquisa qualquer que você esteja fazendo, vai explicar, orientar durante a realização dessa coleta de dados.

Fonte: os autores

De algum modo os professores indicaram possibilidades de relação entre pesquisas desenvolvidas durante a formação inicial e o contexto escolar. O Professor 3 parece incentivar os acadêmicos a exercitarem a pesquisa durante a realização de suas experiências de ensino (remetendo ao estágio supervisionado), com foco nos saberes curriculares vinculados às intervenções dos professores de EF nas escolas. A Professora 4 relatou ter proporcionado aos discentes uma breve investigação no âmbito escolar para posterior apresentação de suas impressões acerca deste cenário à turma na Universidade. Por sua vez, o Professor 7 menciona que as pesquisas cujas coletas de dados envolvem a comunidade escolar podem ser uma dimensão das práticas curriculares, pois há, de certo modo, exploração desse ambiente por meio de contatos com os agentes escolares.

Em pesquisa realizada por Araujo e Leitinho (2014), uma das atividades de PCC relatada por um dos docentes entrevistado foi a produção de material didático, informação corroborada pelos discentes do mesmo curso de Licenciatura em EF, os quais acrescentaram a elaboração de artigos científicos e seminários. Essa possibilidade também é lembrada pela Professora 13: “Eu penso que a disciplina de Seminário, em que os alunos desenvolvem pesquisas (...) muitos desenvolvem sobre a escola, ou na escola”, e explica: “Os seminários são pesquisas, gerais, tanto dentro quanto fora da escola. É possível fazer uma redação e sempre a gente acaba discutindo questões específicas da realidade escolar. [...] é possível que contribua para o desenvolvimento da EF escolar”.

A Professora 13 apresenta a perspectiva da pesquisa no e sobre o contexto escolar como contribuição para as aulas de EF neste mesmo espaço social. Nesse sentido, os seminários seriam uma possibilidade de aquecer os debates sobre particularidades da Educação Básica durante a graduação. Ainda, em relação à produção do conhecimento ela menciona os trabalhos de conclusão de curso que veiculam conceitos e práticas da EF escolar. No mesmo caminho, a Professora 4 declara: “Tem que ir à escola, há mudanças lá, então sempre tem o TCC deles”, dentro da perspectiva de estes trabalhos abordarem novos elementos do contexto da escola em relação ao conhecimento já produzido sobre o tema.

Em pesquisa realizada por Antunes (2012) envolvendo Instituições de Ensino Superior, o autor evidenciou a pesquisa na formação inicial de licenciandos, de modo que todas as IES investigadas a relacionam com o TCC, e/ou com os trabalhos de iniciação científica e com a PCC. Além disso, essas práticas curriculares foram vinculadas aos projetos de extensão e ao estágio; entretanto, o mesmo autor esclarece que estas relações foram apresentadas apenas como possibilidades, isso significa que uma prática investigativa não é de fato estimulada desde o início do processo formativo. Sobre a relação entre a pesquisa e a PCC, a Professora 8 comenta:

As práticas curriculares, eu espero que se confirmem. Eu sou muito otimista, eu acho que dará certo e será benéfico para todos os lados, os alunos vão ganhar muito, mas a escola vai ganhar muito mais. Acho que a gente vai voltar a ter pesquisas na educação, na EF escolar. Eu entendo que as pessoas vão começar a olhar de novo para a área escolar.

Mais pontualmente sobre a PCC, a Professora revela o anseio por sua consolidação e destaca que esta ação poderá gerar benefícios para a formação inicial dos futuros professores e para a comunidade escolar. P8 também apresenta a relação entre este componente curricular e as prováveis pesquisas acerca da Educação Física escolar, além da ampliação dos debates sobre este espaço de ensino. Se a PCC “foi introduzida nos currículos dos cursos de licenciatura com o intuito de romper com uma formação de professores em que a teoria e a prática são trabalhadas de forma dicotômica” (BARBOSA et al., 2013, p. 271), é preciso lançar mão de diferentes estratégias para cumpri-la por meio da relação articulada prática-teoria, a exemplo das pesquisas integradas entre Universidade e escolas.

Isso significa que a escola não é uma oportunidade de coleta de dados para as pesquisas realizadas por licenciandos, mas um espaço de ensino repleto de elementos didático-pedagógicos a serem explorados e refletidos por professores e acadêmicos do campo universitário, com a participação ativa dos agentes escolares, que são participantes destas pesquisas, e por isso mesmo, precisam ter claros os objetivos e receber o relatório final dessas investigações. Além disso, as pesquisas devem contar com o acompanhamento e a supervisão de docentes universitários e produzir conhecimentos que de algum modo contribuam com a rotina profissional dos professores de EF na Educação Básica.

A produção do conhecimento pode ser uma dimensão da PCC em cursos de licenciatura, todavia, deve estar contemplada em projeto próprio para esta ação e caminhar paralelamente à realidade escolar. Desenvolver pesquisa no ambiente escolar em função de iniciação científica, seminário ou TCC não representa de fato a PCC, pois não são atividades sistematizadas a fim de integrar a carga horária destas práticas, ou seja, não foram pensadas como uma dimensão da PCC no curso investigado, apesar de serem importantes iniciativas para a qualidade da formação inicial.

Retomando os resultados da subcategoria “produção do conhecimento”, é possível perceber que, ao tratar das práticas curriculares durante as entrevistas, poucos mencionaram as pesquisas e suas divulgações como uma oportunidade de aproximar a Universidade das escolas e iniciar a integração dos licenciandos ao contexto da Educação Básica. Ademais, os escassos fragmentos revelam que as diferentes atividades de pesquisa não são integradas entre si, além de não constituírem uma proposta de PCC no curso de Licenciatura em EF.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acerca da possibilidade de apreensão dos conteúdos veiculados na formação inicial em Educação Física - Licenciatura por meio da PCC ou de outras atividades em desenvolvimento no curso para a experimentação docente, as dimensões destacadas demonstram que os meios pelos quais os professores ensinam nas escolas públicas são sempre observados e permitem compreender estratégias didáticas. Também foi evidenciada a oportunidade de discutir e sanar dúvidas sobre certas posturas do professor de EF, caso os saberes curriculares sejam abordados de forma concomitante na Universidade e no espaço de ensino básico, ou seja, a apreensão dos conteúdos será mais concreta se os acadêmicos tiverem a chance de problematizá-los a partir da relação articulada prática-teoria, em um movimento mais próximo da realidade interventiva docente e com a mediação constante do professor universitário.

Por fim, a produção do conhecimento foi a dimensão menos explorada pelos acadêmicos e professores como possível reflexo de atividades da PCC. Outras ações de aproximação com a Educação Básica foram indicadas por meio dos trabalhos de conclusão de curso realizados neste ambiente, investigações estimuladas na disciplina de Iniciação à Ciência e à Pesquisa e apresentadas por meio de seminários, além da possibilidade de pesquisa junto às escolas públicas advinda das práticas curriculares.

Os entrevistados revelaram que seriam importantes outras oportunidades de observação e vivência nas instâncias escolares, desde o início do curso. A Prática como Componente Curricular pode proporcionar essa experiência e contribuir para descortinar detalhes da profissão que incluem os processos de ensino e aprendizagem, questões administrativas, relações com a comunidade escolar, além dos aspectos econômicos e políticas que envolvem a Educação Básica. São particularidades que somente serão reconhecidas pelos futuros professores ao participarem deste mesmo contexto, ouvindo aqueles que vivem essa rotina e observando sua postura profissional.

A PCC pode ser um instrumento de ruptura com currículos de Licenciatura em Educação Física que pouco impulsionam ou descrevem propostas de aproximação com as escolas públicas, já que esta ação demanda uma organização nesse sentido. Em outras palavras, para de fato consolidar as práticas curriculares é preciso integrá-la ao Projeto Pedagógico de Curso com vínculo aos demais componentes, de modo a esclarecer essa ação como inerente à formação de professores e um caminho para revelar tarefas da rotina profissional. Uma sistematização ainda mais sólida demandaria um projeto próprio para a PCC, em que seriam delimitados seus objetivos e encaminhamentos no curso.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

REFERÊNCIAS

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1Foram convidados os formandos pelo fato de serem àqueles com mais elementos para responder às perguntas do roteiro de entrevista semiestruturada, já que esta remete às ações que envolvem todo o processo de formação inicial.

2No Departamento de Educação Física da Universidade investigada há 42 docentes. Foram convidados a participar 19 professores permanentes do curso que em 2016 atuavam na Licenciatura. Outros cinco professores também fazem parte do corpo docente que atua na Licenciatura em Educação Física, entretanto, não foram chamados para participar em função do conflito de interesses. Apesar de 19 professores terem participado da entrevista, foram utilizados na presenta pesquisa apenas os dados referentes às entrevistas de 18 docentes, já que um deles solicitou o descarte de sua fala após receber a transcrição por e-mail.

3Os roteiros foram elaborados pelos próprios pesquisadores.

4Entre os saberes docentes destacados por Tardif (2014), estão os da formação profissional, disciplinares, curriculares e experienciais.

5Os acadêmicos são identificados com a letra “A” e os professores com a letra “P”.

6Apesar de a PCC já ter sido indicada em documentos que tratam da formação docente (BRASIL 2001a b, 2002a b, 2015) e dever contar com 400 horas (BRASIL, 2015) ao longo do curso, na realidade investigada essas práticas não são contempladas.

FINANCIAMENTO A pesquisa recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio de bolsas de estudo (Nível Doutorado).

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA O projeto vinculado a esta pesquisa teve aprovação do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos no Parecer nº 1.710.582.

Recebido: 08 de Abril de 2018; Aceito: 19 de Junho de 2018

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não se aplica.

PUBLISHER

Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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