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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.58 Florianópolis abr./jun 2019  Epub 11-Set-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e56519 

Artigo Original

A organização do trabalho pedagógico na educação infantil: especificidades e relações com a Educação Física

The organization of pedagogical work in early childhood education: specificities and relationships with Physical Education

La organización del trabajo pedagógico en la educación infantil: especificidades y relaciones con la Educación Física

Bárbara Isabela Soares de Souza1 
http://orcid.org/0000-0003-2022-2631

1Mestrado Universidade Federal de Goiás - UFG, Faculdade de Educação Física e Dança, Goiânia, Goiás, Brasil. barbaraiss@hotmail.com


RESUMO

Este artigo caracteriza-se como um estudo teórico, cujo objetivo é apresentar aos professores e professoras de Educação Física inseridos na Educação Infantil, princípios teórico-epistemológicos e metodológicos pautados na Teoria Histórico-Cultural, Teoria Histórico Crítica e Pedagogia Crítico-Superadora, que os possibilitem qualificar a atuação através da compreensão das especificidades pertencentes à organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil. Para isto, abordamos sobre a criança e sua relação com a docência, o par dialético “cuidar e educar”, a organização do tempo e espaço, os materiais e recursos didático-pedagógicos, o currículo e a avalição, estabelecendo relações com a Educação Física e a Cultura Corporal.

PALAVRAS-CHAVE: Organização do trabalho pedagógico; Educação física; Educação infantil

ABSTRACT

This article is characterized as a theoretical study, whose objective is to present to Physical Education teachers inserted in Early Childhood Education, principles based on Historical-Cultural Theory, Critical Historical Theory and Critical-Overcoming Pedagogy, which make it possible to qualify the performance through the understanding of the specificities of the organization of the pedagogical work in Early Childhood Education. To this end, we approach the child and its relation to teaching, the pair "caring and educating", the organization of time and space, didactic-pedagogical materials and resources, curriculum and evaluation, establishing relationships with Physical Education.

KEYWORDS: Organization of the pedagogical work; Physical education; Early childhood education

RESUMEN

Este artículo se caracteriza como un estudio teórico, cuyo objetivo es presentar a los profesores de Educación Física insertados en la Educación Infantil, principios teóricos pautados en la Teoría Histórico Crítica y Pedagogía Crítico-Superadora, que los que posibilite calificar la actuación a través de la comprensión de las especificidades pertenecientes a la organización del trabajo pedagógico en la Educación Infantil. Para ello, abordamos sobre el niño y su relación con la docencia, el par "cuidar y educar", la organización del tiempo y espacio, los materiales y recursos didáctico-pedagógicos, el currículo y la evaluación, estableciendo relaciones con la Educación Física y la Cultura Corporal.

PALABRAS-CLAVE: Organización del trabajo pedagógico; Educación física; Educación infantil

INTRODUÇÃO

A Educação Infantil constitui-se como primeira fase da Educação Básica, cujo provimento é um dever do Estado e um direito das crianças de zero a seis anos de idade. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), estas instituições caracterizam-se como espaços não-domésticos, sendo, portanto, estabelecimentos educacionais públicos ou privados que objetivam promover o desenvolvimento integral das crianças, contemplando as dimensões do cuidar e do educar através da práxis pedagógica, do trabalho educativo e da intencionalidade docente. Compreendemos que, enquanto uma instituição escolar, os espaços de Educação Infantil possuem o papel social de garantir o acesso ao patrimônio cultural da humanidade, sobretudo, devido à lida com as crianças que são sujeitos sociais em formação, apropriando-se constantemente dos complexos comportamentos humanos desenvolvidos historicamente. Contudo, estes espaços possuem especificidades relacionadas à organização do trabalho pedagógico, o qual é sistematizado para atender às características biopsicossociais da infância.

Historicamente, a atuação profissional nestas instituições tem sido realizada pelo Licenciado em Pedagogia, acompanhado em determinados contextos históricos, políticos e econômicos por Licenciados em Áreas de Conhecimento, como a Educação Física, as Artes e a Música. Esta atuação tem sido objeto de numerosos debates, cuja polarização ocorre entre um grupo que defende apenas a presença do Licenciado em Pedagogia nas instituições de Educação Infantil e outro grupo que defende a atuação dos Licenciados em Áreas do Conhecimento em conjunto com o Licenciado em Pedagogia. Apesar de expor este cenário de debate, a finalidade deste artigo não é ampliá-lo e explicitar algum posicionamento. Objetivamos com esta discussão, possibilitar aos professores de Educação Física que estão inseridos nesta etapa da Educação Básica, seja no âmbito público, seja no âmbito privado, princípios teórico-epistemológicos e metodológicos que os possibilitem qualificar a atuação. Para isto, explicitamos nos tópicos seguintes as especificidades relacionadas à organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil, situando a Educação Física neste contexto.

Esta discussão será realizada através de um diálogo com a Teoria Histórico-Cultural, a Pedagogia Histórico-Crítica e a Teoria Crítico Superadora, as quais pautam-se epistemologicamente e metodologicamente na Teoria Social de Karl Marx e suas concepções ontológicas de formação humana e ser humano. A Teoria Histórico-Cultural também denominada como Psicologia Histórico-Cultural, cujo representante central é Lev Vygotsky, compreende que a formação das funções psíquicas humanas ocorre através da interação entre fatores biológicos e, sobretudo, culturais, sendo a infância período de significativa relevância para a constituição do ser social. A Pedagogia Histórico Crítica desenvolve princípios para que os professores possam construir uma práxis pedagógica fundamentada por esta teorias, possibilitando aos sujeitos inseridos no contexto escolar a apropriação da cultura humana historicamente sistematizada. Por esta razão, Saviani (2003, p. 13), autor de referência desta pedagogia, afirma que o trabalho educativo diz respeito “[...] à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e [...] à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo”.

A Teoria Crítico Superadora, representada pela obra “Metodologia do Ensino de Educação Física” de um Coletivo de Autores (2012), apropria-se das teorias mencionadas anteriormente para construir uma leitura específica sobre a Educação Física, compreendida enquanto uma disciplina escolar que trata da Cultura Corporal, a qual constitui-se como uma dimensão da cultura humana que deve ser apropriada pelos sujeitos. Desta forma, a Cultura Corporal é considerada como objeto de estudo e intervenção desta área de conhecimento, cujos determinantes históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos devem ser desvelados e socializados no contexto escolar em conjunto com suas dimensões teórico-práticas, técnicas, estéticas e artísticas. Nesta perspectiva, o professor de Educação Física possui um papel social, materializado pelo compromisso político e pedagógico de possibilitar às crianças inseridas nas instituições escolares o acesso aos conhecimentos sobre os Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, a Dança, a Ginástica, as Lutas, o Esporte, as Práticas Corporais de Aventura, dentre outros elementos. A inserção deste professor na Educação Infantil não modifica este papel social, cabendo ao mesmo compreender as especificidades que permeiam estes espaços, bem como, as características biopsicossociais que marcam a infância, elaborando um trabalho educativo que se paute pela práxis e pela intencionalidade pedagógica.

A CRIANÇA

Segundo as DCNEI (BRASIL, 2010), a criança constitui-se como um sujeito histórico e de direitos que constrói sua identidade individual e coletiva na medida em que apropria-se da cultura humana acumulada, concepção que vincula-se à Teoria Histórico-Cultural. Esta teoria, por sua vez, baseia-se epistemologicamente na teoria social desenvolvida por Karl Marx, cujo objetivo central foi compreender o processo histórico de gênese e constituição da ordem burguesa e do sistema de produção capitalista, objetivo que além de ser contemplado, culminou em uma longa elaboração teórica, a qual possibilitou o desenvolvimento de uma concepção histórico-ontológica de ser humano e sociedade.

Cabe abordar de forma breve que esta concepção histórico-ontológica defende que o ser humano exerceu papel ativo na construção histórica das características relacionadas ao gênero humano, tanto no âmbito psíquico ao conquistar as funções psicológicas superiores, quanto no âmbito corporal ao desenvolver uma materialidade corpórea específica. Neste processo, tiveram origem diversos produtos históricos, conhecimentos, competências, crenças, habilidades, hábitos, técnicas e valores que passaram a integrar a sociabilidade humana e seu patrimônio cultural. Isto significa afirmarmos que as características humanas se desenvolveram através da interação do ser humano com o meio sociocultural, como afirma Rego (2014, p. 42):

[...] O desenvolvimento mental humano não é dado a priori, não é imutável e universal, não é passivo, nem tampouco independente do desenvolvimento histórico e das formas sociais da vida humana. A cultura é, portanto, parte constitutiva da natureza humana, já que sua característica psicológica se dá através da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações.

Nesta perspectiva, compreende-se que o desenvolvimento da criança não se constitui como um processo que se desenrola naturalmente, mediante o estímulo externo a estruturas biológicas, à existência de aspectos transmitidos por hereditariedade ou à existência de características inatas ao ser humano. Defende-se, portanto, que a criança caracteriza-se como um ser social em formação, cujo desenvolvimento ocorre na medida em que este patrimônio cultural é apropriado, possibilitando a internalização das complexas características humanas. Por esta razão, Vygotsky e Luria (1996) afirmam que os primeiros anos de vida são de significativa relevância para a formação humana, posto que neles ocorrem a formação das estruturas do psiquismo e da personalidade humana, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem, os quais são base para a complexificação da consciência. Cabe mencionar ainda que na infância há a apropriação e ampliação da dimensão locomotora, caracterizada pelo domínio da marcha ereta, o saltar, o rolar, o trepar, o arremessar e o correr, características relevantes para que a criança desenvolva a autonomia necessária para explorar, interagir e brincar.

Este último, por sua vez, constitui-se para Vygotsky e Luria (1996) como relevante fator para o desenvolvimento humano, tendo em vista que a brincadeira possibilita transformações internas no psiquismo da criança, potencializando o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Por esta razão, este autor afirma que é incorreto compreender a brincadeira apenas enquanto uma atividade que concede prazer à criança, desconsiderando o seu papel na formação humana da mesma. Diante disto, a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil deve considerar que a brincadeira caracteriza-se como significativo instrumento na aprendizagem e desenvolvimento, possibilitando momentos livres que possibilitem às crianças estabelecer interações entre si, os espaços, os objetos e os brinquedos e, concomitante a isto, propostas pedagógicas intencionalmente elaboradas que contemplem a brincadeira.

Contudo, a brincadeira não ocorre de forma padronizada na infância, estando intrinsecamente relacionada às especificidades biopsicossociais apresentadas por cada faixa etária e ao contexto social, histórico e cultural em que a criança está inserida. De acordo com Facci (2006), para Leontiev e Elkonin as distintas faixas etárias possuem uma atividade principal, a qual condiciona as mudanças mais significativas nos processos psíquicos da criança, as quais não são lineares e uniformes. Estas atividades principais, também denominadas de atividades-guia, influenciam diretamente na forma como a criança interage com outras crianças e adultos, com a exploração dos espaços e objetos e, consequentemente, com as propostas pedagógicas das instituições escolares. Em aspectos gerais, estas atividades são: 1. Comunicação emocional direta, presente nas crianças desde as primeiras semanas de vida até o primeiro ano; 2. Atividade objetal manipulatória, presente entre 01 a 03 anos; 3. Brincadeira simbólica, atividade característica da idade pré-escolar dos 03 aos 05 anos; 4. Atividade de estudo, referente à idade escolar entre os 06 a 10 anos; 5. Comunicação íntima pessoal, característica da adolescência inicial, entre os 10 a 14 anos; e, 6. Atividade profissional/estudo, pertencente à adolescência dos 14 aos 17 anos. Considerando que este artigo objetiva discutir a Educação Infantil, ampliaremos a discussão sobre as atividades-guia características da faixa etária que frequenta esta etapa da Educação Básica, isto é, as atividades que permeiam do nascimento aos 05 anos.

Como mencionamos anteriormente, para a Teoria Histórico-Cultural o desenvolvimento humano não ocorre mediante processos naturais e inatos, mas através da cultura humana historicamente engendrada, lócus em que se situam os complexos comportamentos humanos. A internalização destes comportamentos, por sua vez, ocorre através da interação entre sujeitos, de forma que um sujeito mais experiente torna-se mediador entre esta cultura e um sujeito menos experiente, como, por exemplo, a criança. Em se tratando das primeiras semanas de vida até o primeiro ano, o adulto caracteriza-se como principal mediador entre o bebê, o mundo e a cultura humana.

Todo o contato do bebê com as coisas do mundo acontece, nesse período, sob a direção do adulto: o aparecimento e a retirada de objetos no espaço, a locomoção do bebê no ambiente, as mudanças de postura, sua alimentação, as condições nas quais se acomoda nos períodos de atividade etc. Em outras palavras, a vida do bebê realiza-se por meio das condições organizadas pelo adulto, que se interpõe entre ele e os objetos sociais [...] (CHEROGLU, MAGALHÃES, 2017, p. 102).

Neste sentido, é relevante compreender que a primeira atividade-guia, a atividade de comunicação emocional direta, inicia-se mediante a relação estabelecida entre o adulto e o bebê, cujo objetivo é possibilitar a este último a satisfação de suas necessidades básicas, manifestadas através de expressões de satisfação e desconforto. De acordo com Cheroglu e Magalhães (2017), processualmente, esta interação possibilita ao bebê complexificar processos sensoriais, de percepção e motores, posto que lhe possibilita perceber a si mesmo, expressar as primeiras reações emocionais dirigidas a um sujeito específico, observar e operar com objetos e, ainda, executar movimentos concatenados. Cabe mencionar que para a Teoria Histórico-Cultural, o desenvolvimento humano configura-se como um processo em espiral, em que cada período é engendrado no anterior. Isto significa afirmarmos que o desenvolvimento das capacidades relacionadas à primeira atividade-guia, possibilita as condições para a próxima atividade-guia, a qual é característica da faixa etária entre 01 e 03 anos, a atividade objetal manipulatória.

Segundo Chaves e Franco (2017), há nesta atividade-guia uma modificação na centralidade em que são dirigidas as ações da criança. Neste sentido, se na atividade de comunicação emocional direta o foco do bebê está no adulto, na atividade objetal manipulatória a centralidade está na exploração dos objetos. As autoras afirmam que esta mudança está relacionada ao desenvolvimento motor que, ao término do primeiro ano de vida apresenta avanços, possibilitando à criança maior autonomia para locomover-se e buscar pela manipulação destes objetos. Na medida em que a criança demonstra interesse nesta exploração, desenvolve-se concomitantemente, a necessidade em compreender as suas funções sociais e as palavras que os designam, propiciando o desenvolvimento da linguagem.

[...] Sendo a atividade objetal manipulatória a atividade-guia do desenvolvimento psíquico nesse momento do desenvolvimento, cresce o interesse da criança pelos objetos e pela compreensão de sua função social. Como os gestos do adulto e outras formas “mudas” de ensino não satisfazem a necessidade de compreender a função do objeto, ela passa a requerer essas informações do adulto, o que exigirá não apenas compreender, mas também fazer uso da linguagem oral (CHAVES, FRANCO, 2017, p. 114).

Este entrecruzamento de objeto, palavra e pensamento oportuniza, por sua vez, as condições necessárias para o alcance da atividade-guia referente à faixa etária pré-escolar (03 aos 05 anos), isto é, a brincadeira simbólica. Na perspectiva de Lazaretti (2017), neste momento a centralidade das ações da criança está na reprodução das relações humanas, as quais estão materializadas em papéis que tem origem social, histórica e cultural, como, por exemplo, as relações entre mamãe e filha, entre vendedor e comprador, o motorista de um ônibus, uma professora, dentre outras possibilidades. Atrelado isto, existem regras que remetem a estes papéis sociais específicos, de forma que a criança esforça-se ao máximo para comportar-se conforme os mesmos, tendo em vista que o motivo que leva à brincadeira é assumir com exatidão estes personagens. Estas ações, de acordo com a referida autora, promovem uma complexificação das funções psíquicas, exigindo que a criança desenvolva memória, atenção voluntária e imaginação.

Desta forma, cabe ao professor inserido na Educação Infantil compreender as especificidades relacionadas à estas atividades-guia, objetivando organizar o trabalho pedagógico de forma a possuir maior sentido e significado para a criança. Nesta perspectiva, ao elaborar a práxis pedagógica, os professores de Educação Física devem promover estudos aprofundados sobre as atividades-guia, objetivando tê-las como orientação para sistematizar a socialização dos conhecimentos relacionados à Cultura Corporal, despertando o interesse e a participação e, concomitante a isto, inserindo a criança enquanto sujeito ativo neste processo.

RELAÇÃO ENTRE A DOCÊNCIA E A CRIANÇA

Como mencionamos em tópicos anteriores, a criança caracteriza-se como um sujeito social, a qual se forma como sujeito pertencente ao gênero humano na medida em que se apropria do patrimônio cultural historicamente acumulado pela humanidade. Esta apropriação é progressiva e constante, mediante as interações estabelecidas com outras crianças, com adultos e os distintos contextos sociais, culturais, políticos e econômicos. Ao analisar a relação entre educação e formação humana, Saviani (2007) declara que historicamente a instituição escolar assumiu a posição de instituição dominante no processo de formação humana dos sujeitos, tornando-se responsável pela socialização do conhecimento científico e elaborado referente a esta cultura. No interior desta instituição, estabelece-se uma relação entre sujeitos que possuem distintos níveis de compreensão de uma mesma realidade social: por um lado, o/a professor/a que teve a oportunidade de se apropriar desta cultura humana e desenvolver uma compreensão sintética sobre a mesma e, por outro lado, a criança que está em processo de apropriação e possui uma compreensão sincrética desta prática social.

Considerando estes aspectos, Barbosa e Alves (2016) afirma que o professor constitui-se como mediador privilegiado entre a criança e a cultura humana, devendo proporcionar processos de cuidado e educação, expressos pela vivência de experiências artísticas e estéticas, a apropriação e ressignificação de conhecimentos musicais, corporais, literários, cênicos, científicos, dentre outros. Nesta perspectiva, de acordo com a autora, é necessário compreender que “[...] o papel do professor não é de único detentor do conhecimento, mas também não é de mero expectador ou simples facilitador da aprendizagem [...]” (BARBOSA, ALVES, 2016, p. 215) mas, sobretudo, como sujeito que possui papel ativo na organização do trabalho pedagógico, mediante a seleção de conhecimentos, o planejamento e a sistematização de propostas que contemplem a intencionalidade pedagógica estabelecida a priori pelo Projeto Político Pedagógico (PPP) pertencente às instituições escolares.

Este papel ativo é materializado, por sua vez, de acordo com as bases teórico-epistemológicas e metodológicas que norteiam a organização do trabalho pedagógico, apontando-nos, portanto, que a docência constitui-se como uma práxis, isto é, como uma atividade humana teoricamente fundamentada.

[...] Entende-se, pois, que o trabalho docente se constitui práxis, na medida em que [...] o professor elabora e executa sua pratica pedagógica como atividade interessada, isto é, consciente dos seus motivos, dirigida por finalidades e conhecimentos, relacionando a prática, o processo na atividade desenvolvida e o conjunto de suas determinações de natureza teórica, envolvendo, portanto, a reflexão crítica sobre sua ação, as ações das crianças e o conhecimento (BARBOSA, ALVES, 2016, p. 214).

Desta forma, segundo Barbosa e Alves (2016), o professor atuante na Educação Infantil deve possuir domínio teórico dos conhecimentos necessários para a sua intervenção, cujas concepções de criança e infância e, de educação e formação humana, servirão de base para a organização do trabalho pedagógico. Por outro lado, a autora afirma que este papel ativo na organização do trabalho pedagógico deve estar atrelado ao desenvolvimento de uma postura autônoma e autoconfiante da criança, a qual deve ser compreendida enquanto sujeito que está em processo de apropriação da realidade, mas que é sensível ao contexto social, cultural, político e econômico em que está inserida, sendo capaz de realizar uma leitura sobre o mesmo e, partir disso, verbalizar suas impressões, questionar, criticar e refletir. A partir disso, Barbosa (2010) declara que a relação a ser estabelecida entre a docência e a criança deve ser caracterizada pelo desenvolvimento de um campo dialógico e democrático, em que é dada à criança a oportunidade de verbalizar e posicionar-se e, ao professor, cabe a materialização de sua práxis pedagógica.

Portanto, os professores de Educação Física inseridos na Educação Infantil devem buscar dar voz à criança, valorizando as suas manifestações orais, corporais, escritas e artísticas, criando momentos de diálogo em que as crianças tenham a oportunidade de expressar suas leituras, opiniões, desejos e oposições, buscando construir o campo dialógico mencionado no parágrafo anterior. Atrelado a isto, estes professores devem compreender que a socialização de conhecimentos relacionados à Cultura Corporal corresponde ao seu papel social, justificativa histórica, social e cultural que fundamenta a sua presença nas instituições de educação da criança, assumindo o papel ativo mencionado por Barbosa e Alves (2016) na seleção e sistematização destes conhecimentos.

CUIDAR E EDUCAR

Abordando sobre o processo histórico de constituição da Educação Infantil, observamos que em momentos específicos houve uma centralização em uma das dimensões do “cuidar e educar”, isto é, ora as instituições de Educação Infantil estiveram polarizadas nos processos relacionados ao cuidado, ora polarizadas nos processos relacionados à educação. Retomando brevemente esta historicidade, notamos que ao prevalecer a concepção assistencialista, as instituições de Educação Infantil possuíam o objetivo de manter as crianças alimentadas, higienizadas e seguras até que suas mães retornassem do trabalho, privilegiando, portanto, a dimensão do cuidado. Ao prevalecer a concepção da educação compensatória, estas instituições assumem o papel de educar e, sobretudo, instrumentalizar as crianças pertencentes à classe trabalhadora para a inserção no ensino fundamental, privilegiando a dimensão do educar. Contudo, opondo-se à estas concepções, as políticas educacionais relacionadas à Educação Infantil instituem que a criança deve ser compreendida como um ser integral, composto por dimensões biopsicossociais, em que o “cuidar e educar” relacionam-se intimamente, sendo papel destas instituições proporcionar atividades que contemplem sem hierarquização este par.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, p. 24) ao tratar sobre o desenvolvimento integral da criança a ser proporcionado pelas instituições de Educação Infantil, declara que:

O desenvolvimento integral depende tanto dos cuidados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e dos cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a qualidade da alimentação e dos cuidados com a saúde, quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das oportunidades de acesso a conhecimentos variados.

Este documento, afirma ainda que:

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, p. 23).

Nesta perspectiva, torna-se necessário compreender que em cada momento de cuidado oportunizado à criança, há um processo educativo, da mesma forma que ao proporcionar um momento de educação, há um processo de cuidado. Assim, não é possível separarmos na Educação Infantil atividades que centralizem apenas uma destas dimensões, tendo em vista que as crianças apropriam-se de modos socialmente instituídos de alimentar-se e higienizar-se, assimilando, portanto, a cultura humana, a qual caracteriza-se como componente do processo educativo. Simultaneamente, ao compreender as necessidades da criança através da observação e do diálogo, proporcionando-a a apropriação, ampliação e ressignificação de conhecimentos, o professor está materializando processos de cuidado.

[...] Essa concepção requer que no planejamento se organize dinamicamente os processos de cuidado e educação, expressos em temáticas e atividades, de tal forma que elas abranjam movimentos, tempos e espaços adequados e compartilhados, podendo-se constituir possibilidades de aprendizagens significativas e novos níveis de domínio dos processos físicos, afetivos e psíquicos pela criança, preparando-a para assumir uma postura autoconfiante, autônoma, ética e crítica [...] (BARBOSA, 2010, p. 02).

Neste contexto, o professor deve estar disponível para mediar os processos de cuidado e educação, superando a compreensão de que o seu papel limita-se aos momentos de socialização de conhecimentos. O mesmo estende-se para os professores de Educação Física que, estando inserindo em instituições de Educação Infantil também deve proporcionar às crianças situações que contemplem o cuidar e o educar, compreendendo-a enquanto ser social que está em processo de desenvolvimento integral.

O CURRÍCULO

Ao tratarmos sobre o currículo em estudos anteriores, declaramos que o mesmo caracteriza-se como:

[...] Um constructo social que pode ser moldado de acordo com distintas concepções de ser humano, mundo e sociedade, cuja gênese se dá devido a uma necessidade sociocultural de seleção e sistematização dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade que deverão compor os processos educacionais na educação formal. Esta perspectiva compreende que toda educação, principalmente a educação escolar, supõe a seleção de conhecimentos no interior da herança cultural humana, os quais também passam por um processo de sistematização e organização para serem apropriados pelos indivíduos. Este processo de seleção, sistematização e organização corresponde ao currículo (SOUZA, 2017, p. 13-14).

O currículo referente à Educação Infantil também pressupõe seleção e sistematização de conhecimentos no interior da cultura humana, contudo, diferencia-se do currículo pertencente às demais etapas da Educação Básica, sobretudo, com relação à sua estruturação. Isto se deve à organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil, a qual não é realizada - ou não deveria ser realizada - através de disciplinas específicas, mas é estruturado através de distintas possibilidades, como, por exemplo, projetos, planos de ação, planos de trabalho e/ou temáticas, os quais são selecionados pelas instituições escolares de acordo com suas propostas pedagógicas. Portanto, segundo Barbosa e Alves (2016) não há na Educação Infantil um currículo mínimo a ser contemplado pelas instituições, fazendo com que o currículo não seja caracterizado como uma listagem ou uma grade de disciplinas e seus respectivos conteúdos, mas sim como um documento em que estão explicitados as diretrizes, princípios e concepções para esta etapa da Educação Básica, constituindo-se, portanto, como um “processo vivo, em constante movimento, constituindo-se como forma de materialização do trabalho pedagógico” (BARBOSA; ALVES; MARTINS; 2010, p. 3).

Desta forma, não há uma listagem de conhecimentos específicos que os professores de Educação Física devem contemplar na Educação Infantil, tornando-se necessário, portanto, elaborar um currículo que esteja em coerência com o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição, com as propostas pedagógicas que surgem no decorrer do processo e, ainda, que contemple o papel social de socializar os conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade sobre a Cultura Corporal.

Objetivando orientar os professores nesta seleção de conhecimentos, o Coletivo de Autores (2012) estabelece seis princípios curriculares, a saber: 1. Princípio da relevância social, em que objetiva-se selecionar conhecimentos que façam sentido e significado para a criança, considerando o contexto social em que a mesma está inserida e as relações que vivencia, levando-a a refletir sobre esta realidade social; 2. Princípio da contemporaneidade, em que busca-se garantir o acesso aos conhecimentos clássicos sobre a Cultura Corporal, isto é, os conhecimentos que se firmaram enquanto fundamentais e, ainda, possibilitar a apropriação do que há de mais avançado na contemporaneidade sobre estes conhecimentos; 3. Princípio da adequação às possibilidades sociocognoscitivas, caracterizado pela adaptação dos conhecimentos ao atual nível de desenvolvimento da criança, reconhecendo os conhecimentos que já foram apropriados pela mesma e tomando-os como ponto de partida para a sistematização de propostas pedagógicas; 4. Princípio da simultaneidade, o qual se opõe à compreensão etapista de apropriação do conhecimento, buscando possibilitar à criança compreender que os dados da realidade não podem ser pensados de forma isolada, tendo em vista que compõe um mesmo todo; 5. Princípio da espiralidade, contrapõe-se à linearidade do conhecimento, propondo que o mesmo seja ampliado progressivamente; e, 6. Princípio da provisoriedade, cujo objetivo é romper com a ideia de terminalidade do conhecimento, posto que o mesmo está em constante ressignificação e complexificação.

ORGANIZAÇÃO DO TEMPO E ESPAÇO

Abordar sobre a organização do tempo e espaço constitui-se de significativa relevância para o trabalho pedagógico na Educação Infantil, posto que a mesma influencia diretamente no andamento das propostas a serem materializadas nestas instituições. Os espaços de Educação Infantil possuem uma organização de espaço e tempo específicas, cujo objetivo é atender as necessidades biopsicossociais da criança, proporcionando-lhes momentos de alimentação, repouso, higiene, diálogo, interações e brincadeiras e, concomitante a isto, momentos de ampliação dos conhecimentos. Esta organização do trabalho pedagógico é realizada mediante concepções de criança e infância, aprendizagem e desenvolvimento, educação e formação humana, escola e Educação Infantil, fazendo com que a relação entre tempo e espaço que permeia estas instituições seja retrato destas concepções. Desta forma, cabe destacar neste tópico duas categorias relevantes para a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil: a rotina e o espaço. Ao tratarmos sobre a rotina, nos referimos à estruturação temporal característica às instituições escolares, em que é destinado um horário específico para que as atividades sejam realizadas, culminando, portanto, em um horário para as refeições, um horário para as atividades, um horário para a higienização, dentre outros. Esta estruturação temporal diz respeito à organização da totalidade da instituição escolar, em que todas as crianças, corpo docente e demais sujeitos sociais que a compõe estão submetidos. Esta organização, por sua vez, constitui-se de significativa relevância para que as crianças dominem o espaço e o tempo característicos da Educação Infantil, desenvolvendo segurança e autonomia para agir segundo a mesma.

Por outro lado, também há uma rotina pertencente à cada agrupamento de crianças nestas instituições, a qual é construída mediante o olhar sensível do professor às especificidades de cada faixa etária e as características culturais, sociais e individuais apresentadas por cada grupo de crianças. Isto significa que um agrupamento de crianças menores possuirá uma rotina distinta de um agrupamento de crianças maiores, tendo em vista as especificidades biopsicossociais de cada faixa etária. Esta organização específica é tão relevante quanto àquela referente à totalidade da instituição de Educação Infantil, possibilitando às crianças organizar idealmente, isto é, no plano das ideias, a estruturação temporal que se materializa na realidade concreta. Desta forma, compreendemos que cabe aos professores de Educação Física estabelecer uma rotina para as suas aulas e/ou intervenções, oportunizando às crianças esta organização do pensamento, a qual favorece a participação das mesmas e, sobretudo, o andamento das propostas.

Em contrapartida, ao tratar sobre a relevância desta categoria pedagógica na Educação Infantil, Barbosa (2000, p. 45) declara que:

As rotinas podem tornar-se uma tecnologia de alienação quando não consideram o ritmo, a participação, a relação com o mundo, a realização, a fruição, a liberdade, a consciência, a imaginação e as diversas formas de sociabilidade dos sujeitos nela envolvidos. Quando se torna apenas uma sucessão de eventos, de pequenas ações, prescritas de maneira precisa, levando as pessoas a agirem e a repetirem gestos e atos em uma sequência de procedimentos que não lhes pertence nem está sob seu domínio, é o vivido sem sentido, alienado, pois está cristalizado em absolutos [...]

Desta forma, é relevante considerar que a rotina ao adquirir características de rigidez, pode transformar-se em instrumento de limitação, posto que posiciona a criança enquanto ser passivo que age mediante a reprodução e automatização de comportamentos. Portanto, para Barbosa (2000), é fundamental considerar a rotina como uma categoria passível de flexibilização, possibilitando margem para movimentos e modificações, as quais devem ocorrer mediante as observações realizadas pelo corpo docente das variadas situações que se originam na realidade concreta, envolvendo, sobretudo, as interações estabelecidas entre as crianças, os espaços e os adultos.

A segunda categoria pedagógica relevante para a Educação Infantil é o espaço, especificamente, a organização dos espaços nestas instituições. O RCNEI enfatiza a organização dos espaços como instrumento fundamental para o trabalho com crianças, posto que o mesmo pode potencializar as atividades propostas, contribuindo para a participação e envolvimento das crianças, assim como pode contribuir para o não andamento das mesmas. Barbieri (2012, p. 49), ao tratar sobre a organização dos espaços declara que:

O espaço tem intenção. Ele orienta a ação. Ao entrarmos em um espaço bagunçado, ele nos convida de determinada maneira. Um lugar cuidado, preparado, nos convida de outro jeito. É preciso que as crianças desfrutem dos espaços da escola sem muitas restrições, de maneira respeitosa, como brincantes que são. Eles nos suscitam ritmos - se é muito quente, imprime um ritmo; se o ambiente é agradável, embaixo de árvores ou em uma sala confortável e iluminada, imprime outro.

Desta forma, a organização dos espaços na Educação Infantil condiciona comportamentos, seja das crianças, seja dos professores, convidando-os ao movimento ou à quietude, ao interesse ou ao desinteresse, à dependência ou à autonomia. Se os espaços estão organizados com mesas e cadeiras no formato tradicional de filas, há uma centralização da figura do professor, fazendo com que as crianças não se movimentem e verbalizem com autonomia. Por outro lado, se professores e crianças sentam-se no chão no formato de círculo, assumindo uma mesma posição enquanto sujeitos históricos e sociais que vivenciam distintos contextos culturais, as crianças ganham voz e são ouvidas, enquanto o professor mantém o seu papel ativo. Retomando aspectos tratados em tópicos anteriores, a relação entre professor e criança a ser estabelecida na Educação Infantil deve considerar que este não é um espaço de mera socialização/apropriação de conhecimentos, mas lócus de associação entre o patrimônio cultural da humanidade e as experiências da criança, sendo relevante, portanto, organizar espaços que materializem esta concepção.

Segundo Barbieri (2012), é necessário considerar que a organização dos espaços proporciona experiências estéticas diferenciadas, tornando-se relevante elaborar espaços com cores, texturas, cheiros e sons, com distintas disposições de móveis - os quais, por sua vez, podem ser grandes e pequenos -, com imagens e livros, dentre outros materiais que possibilitem um enriquecimento destas experiências e, mediante isto, incentivem a criança a se integrar nas propostas. É necessário, portanto, que seja estabelecida uma relação entre intencionalidade pedagógica e a organização dos espaços de forma que em cada atividade sistematizada, seja idealizado um espaço e tempo específicos.

Historicamente, desenvolveu-se uma compreensão de que os professores de Educação Física devem centralizar suas propostas nas quadras poliesportivas ou em espaços predestinados à sua intervenção, os quais estão associados à prática, isto é, práticas de movimentos, práticas esportivas, práticas de brincadeiras, práticas recreativas, dentre outras. Mediante isto, compreendemos ser necessário superar esta concepção de Educação Física, desvinculando-a destes espaços que remetem à mera prática e proporcionando aos professores a possibilidade de materializar propostas em espaços e tempos diversificados, sobretudo, em se tratando da Educação Infantil. Nesta perspectiva, é possível sistematizar propostas vinculadas à Cultura Corporal que contemplem espaços com organizações variadas e distintas experiências estéticas, artísticas, cênicas, musicais, corporais e literárias, como, por exemplo, ao objetivar abordar sobre a Dança, é possível organizar um espaço com imagens que retratem a mesma em distintos contextos culturais, trazendo objetos, tecidos, cores e sons que remetam a estes contextos, livros infantis que desenvolvam a temática, dentre outras possibilidades associadas a outros conteúdos.

MATERIAIS E RECURSOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS

Desenvolveu-se, historicamente, um consenso no contexto escolar de que os materiais e recursos didático-pedagógicos são significativos instrumentos para o processo de socialização e apropriação de conhecimentos, seja na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, seja no Ensino Médio. Ao tratar sobre esta questão, Sforni (2015, p. 378) declara que “[...] tão importante quanto a clareza sobre o que se deseja produzir (o tipo de aprendizagem almejada) é o domínio dos meios que tornam possível essa produção [...]”, isto é, a escolha dos materiais e recursos didático-pedagógicos a serem utilizados deve ser orientada pelas especificidades apresentadas pelo conhecimento que se pretende socializar e a formação humana que se objetiva alcançar.

Além disso, a escolha destes instrumentos deve considerar as características biopsicossociais da faixa etária em que o trabalho será desenvolvido, despertando o interesse da criança e, concomitante a isto, inserindo-a enquanto sujeito ativo no processo de materialização das propostas pedagógicas. Neste sentido, cabe considerar as atividades-guia mencionadas nos tópicos anteriores como orientação para a seleção destes instrumentos, possibilitando à criança desenvolver e explorar o potencial criativo. Ao tratar sobre isto, Barbieri (2012) declara que deve ser oportunizado à criança o acesso à diferentes materiais (papel, tecidos, caixas de papelão, plástico, madeira, tintas, giz de cera, materiais vindos da natureza, barbante, argila, massinha, dentre outros), suportes (mesa, chão, parede e o corpo) e, ainda, o acesso ás diversas possibilidades relacionadas ao espaço da instituição de Educação Infantil.

Cada escola nos trás diferentes possibilidades. Se temos uma amoreira gigante, podemos aproveitá-la para observação e para fazer tinta com as amoras. Podemos trabalhar com as folhas das árvores, utilizar diferentes cores de terras. A materialidade está sempre por ser inventada, retomada, investigada. Ela depende de conseguirmos olhar em volta e perceber se podemos usar materiais, substâncias e objetos inusitados. Amido de milho para desenhar, sagu para fazer tintas, terra para desenhar e colar, folhas para observar, gravetos para desenhar ou fazer colagens. Enfim, observar o entorno e criar ambientes para que as crianças experimentem e criem (BARBIERI, 2012, p. 72).

Ademais, enfatizamos o uso de vídeos, tanto curtas-metragens, quanto longas-metragens que tratem sobre o conhecimento a ser apropriado pela criança; a literatura infantil, possibilitando o conto e o reconto de histórias; o teatro, desenvolvendo a possibilidade de expressão, dentre outros recursos didático-pedagógicos. Nesta perspectiva, os professores de Educação Física atuantes na Educação Infantil devem explorar estes variados materiais e instrumentos, enriquecendo a proposta pedagógica e ampliando a compreensão das crianças sobre a mesma. Desta forma, ao atuar em uma instituição que possui área verde, um professor de Educação Física pode socializar conhecimentos sobre as Práticas Corporais de Aventura, disponibilizando vídeos e livros infantis que tratem sobre os mesmos, momentos de diálogo sobre a exploração da natureza pelo ser humano e suas consequências ambientais, a percepção das distintas árvores, folhas, flores e frutos que compõe este espaço e, por fim, a elaboração de produções com estes materiais advindos da natureza, dentre outras possibilidades.

AVALIAÇÃO

A avaliação na Educação Infantil difere-se da avaliação realizada nas demais etapas da Educação Básica devido às especificidades da organização do trabalho pedagógico nestas instituições. Portanto, se nas demais etapas existe um processo avaliativo classificatório e seletivo, na Educação Infantil não há atribuição de notas e conceitos, posto que não há o objetivo de selecionar as crianças, retendo-as ou promovendo-as ao Ensino Fundamental. As DCNEI (BRASIL, 2010) e o RCNEI (BRASIL, 1998) demonstram consenso ao declarar que a avaliação na Educação Infantil possui o objetivo de acompanhamento do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor, bem como, a observação crítica da aprendizagem e desenvolvimento das crianças, orientando, regulando e redirecionando este processo.

De acordo com Sforni (2015), a avaliação deve caracterizar-se como um processo contínuo, em que professor aguça o olhar para a criança e os seus comportamentos, considerando, sobretudo, o seu nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento que se pretende alcançar através da mediação docente, da práxis pedagógica e da apropriação da cultura humana historicamente acumulada. Ao pautarmos a organização do trabalho pedagógico na Teoria Histórico-Cultural, torna-se de significativa relevância considerarmos o conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo (ZPD) que, segundo Sforni (2015), exige que o professor conheça o presente nível de desenvolvimento da criança, os conhecimentos e capacidades que já estão consolidadas, para, a partir disso, sistematizar as propostas que possibilitarão o alcance de um próximo nível de desenvolvimento.

Esse levantamento inicial serve como referência para o professor selecionar os conteúdos e definir o modo de abordá-los. Assim, além de integrar o planejamento de ensino, constitui-se como parâmetro para acompanhar o processo, ou seja, oferece elementos para que o professor realize a avaliação contínua do processo. Comparando o ponto de partida e a expectativa de aprendizagem, este tem condições de, quando necessário, redirecionar as ações de ensino ainda durante o percurso. Os dados iniciais também são uma referência para avaliação final do processo, pois oferecem parâmetros para a verificação do que se modificou nos conhecimentos e habilidades dos estudantes [...] (SFORNI, 2015, p. 383).

Contudo, segundo a autora, não é possível captar de forma objetiva o presente nível de desenvolvimento da criança e o seu nível de desenvolvimento próximo, tendo em vista que “[...] a atividade mental do estudante é algo subjetivo e não pode ser captada diretamente pelo professor; no entanto, resulta em manifestações externas, como os gestos e a linguagem oral, que podem sinalizar a atividade mental que o aluno está realizando com o conteúdo [...]” (SFORNI, 2015, p. 383). Desta forma, esta avaliação deve ocorrer mediante a observação das interações estabelecidas entre criança/criança, criança/adulto, criança/família, criança/professor, criança/espaço e criança/conhecimento, cujos aspectos devem ser registrados pelo professor, permitindo-o analisar as especificidades destas interações, seus avanços e limites, questões que devem ser abordadas com maior sensibilidade e, além disso, desenvolver um olhar crítico sobre a individualidade referente à cada criança.

Segundo o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 59),

São várias as maneiras pelas quais a observação pode ser registrada pelos professores. A escrita é, sem dúvida, a mais comum e acessível. O registro diário de suas observações, impressões, ideias etc. pode compor um rico material de reflexão e ajuda para o planejamento educativo. Outras formas de registro também podem ser consideradas, como a gravação em áudio e vídeo; produções das crianças ao longo do tempo; fotografias etc.

Este excerto de texto aponta outra possibilidade de registro para além daquele elaborado pelo professor: a produção das crianças. Como mencionamos em tópicos anteriores, é relevante que o professor na Educação Infantil oportunize às crianças produções de distintas ordens, as quais devem estar atreladas às propostas pedagógicas materializadas pelos mesmos. Estas produções também se constituem como registros que possibilitam analisar a aprendizagem e desenvolvimento das crianças, constituindo-se, portanto, como um instrumento a ser utilizado pelo professor para analisar criticamente a organização do trabalho pedagógico. Por outro lado, compreendemos ser relevante mencionar que o professor não deve avaliar apenas o produto final referente à estas produções, mas, sobretudo, o processo de elaboração das mesmas, observando o interesse das crianças, a concentração, a forma de segurar o giz de cera ou o lápis, os traços realizados, as dúvidas e as opiniões expressadas durante estes momentos, as interações estabelecidas entre as crianças neste processo, dentre outros aspectos.

Cabe destacar que em se tratando da Educação Infantil, a avaliação deve contemplar as dimensões do cuidado e da educação, posto que, como discutimos anteriormente, este par constitui-se como um princípio para a organização do trabalho pedagógico nesta etapa da Educação Básica. Nesta perspectiva, o professor deve desenvolver um olhar crítico e atento para as dimensões biológicas, psíquicas e sociais da criança, observando a forma como a mesma lida com a alimentação, com a higienização do corpo e dos dentes, com os momentos de ir ao banheiro, o comportamento apresentado durante as atividades, as propostas e brincadeiras que mais lhe interessam, avaliando-a e mediando os aspectos que se tornarem necessários. Estas questões também devem compor o registro escrito e fotográfico do professor, possibilitando-o documentar a totalidade do processo da aprendizagem e desenvolvimento da criança.

Historicamente, a avaliação realizada pela Educação Física escolar, tem dado ênfase à métodos e técnicas classificatórios e seletivos, cujos princípios advém do sistema esportivo de alto rendimento e da aptidão física. Segundo o Coletivo de Autores (2012), o objetivo tem sido observar, quantificar, medir e comparar os desempenhos motores dos estudantes, selecionando o mais alto, o mais forte e o mais veloz, legitimando classificações realizadas de forma explícita e velada durante as intervenções deste professor. Neste sentido, estes autores afirmam que a avaliação tem assumido um caráter limitador do processo de socialização e apropriação de conhecimentos, em que o significado é a meritocracia, a finalidade é a seleção, o conteúdo é aquele advindo do esporte e a forma são os testes esportivo-motores. Diante deste contexto, estes autores apontam para a necessidade em superar esta concepção de avaliação, construindo um processo avaliativo que esteja em coerência com o Projeto Político Pedagógico (PPP) das instituições escolares e com um projeto histórico de apropriação crítica e autônoma da realidade concreta, que considere a Cultura Corporal enquanto objeto de estudo e intervenção da Educação Física escolar e, por fim, que possua um formato dialógico, comunicativo, criativo e participativo.

CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo foi apresentar aos professores de Educação Física inseridos na Educação Infantil, princípios teórico-epistemológicos e metodológicos pautados na Teoria Histórico-Cultural, Teoria Histórico-Crítica e Pedagogia Crítico-Superadora, que os possibilitem qualificar a atuação através da compreensão das especificidades pertencentes à organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil. Por esta razão, abordamos sobre a criança e sua relação com a docência, o par “cuidar e educar”, a organização do tempo e espaço, os materiais e recursos didático-pedagógicos, o currículo e a avaliação nesta etapa da Educação Básica, os quais devem ser ainda explorados com maior aprofundamento por outros autores e estudos.

Cabe destacar que este diálogo não possui a pretensão de constituir-se enquanto uma receita para a atuação nestes espaços, visando apenas sinalizar possibilidades para o trabalho docente em aspectos de planejamento, execução e avaliação. Finalizando, destacamos que os professores de Educação Física, quando pautados pela práxis pedagógica, o trabalho educativo e a intencionalidade docente, contribuem significativamente para a ampliação da formação humana das crianças inseridas na Educação Infantil, ainda mais quando acompanhados dos Licenciados em Pedagogia e outras Áreas de Conhecimento, materializando um ensino que abarque a integralidade do ser humano.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: Ministério da Educação, 1998. [ Links ]

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FINANCIAMENTO Não se aplica.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica.

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Recebido: 24 de Abril de 2018; Aceito: 27 de Agosto de 2018

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não se aplica.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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