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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.58 Florianópolis abr./jun 2019  Epub 11-Set-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e56575 

Artigo Original

O jogo tradicional no contexto atual da quarta colônia de imigração italiana no Rio Grande do Sul

Traditional game in the current context of fourth colony of italian immigration in Rio Grande do Sul

El juego tradicional en el contexto actual de la cuarta colonia de inmigración italiana en Rio Grande do Sul

1Doutora em Educação Física Universidade Federal de Pelotas - UFPel, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, Rio Grande do sul, Brasil. fernandastein.ef@gmail.com

2Doutora em Ciências da Comunicação Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Centro de Educação Física e Desportos, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. elizaracarol@yahoo.com.br


RESUMO

Este artigo tematiza os jogos tradicionais como manifestações culturais produzidas pela humanidade. Objetivamos compreender os sentidos atribuídos aos jogos tradicionais na atualidade por sujeitos sociais que vivenciaram o processo de transformação de Sociedades consolidadas com a colonização italiana no Rio Grande do Sul. Realizamos pesquisa de campo e documental. Os jogos tradicionais estiveram presentes no cotidiano das colônias italianas desde as primeiras décadas da colonização, nas residências das famílias, nos bolichos e nos campos abertos. Na década de 1960, foi iniciado um movimento para construção de sedes, as Sociedades, resultantes do processo de transformações políticas e econômicas. Na atualidade, identificamos um processo de retorno dessas manifestações aos bolichos e às residências, como recusa à imposição de regras, ao controle do tempo, aos modos de se vestir, comportar-se, gesticular e comunicar-se. Os jogos tradicionais assumem sentido na vida dos jogadores quando possibilitam exteriorizar e materializar a interioridade.

PALAVRAS-CHAVE: Jogos e brinquedos; Grupos étnicos; História; Sociedades

ABSTRACT

This article thematizes the traditional games as cultural manifestations produced by humanity. We aimed to understand the meanings attributed to traditional games, nowadays, by social subjects who experienced the process of transforming of Societies which were consolidated with Italian colonization in Rio Grande do Sul. We carry out a field and documentary research. Traditional games have been present in the daily of the Italian colonies since the first decades of colonization, in the families' homes, in bars and in open fields. In the 1960s, it started a movement to build head offices, the Societies, resulting from the political and economic transformations. Currently, we identified traditional games are returning to bars and homes as refusing the impositions of the rules, control time, modes of dressing, behaving, gesturing and communicating. Traditional games take on meaning in life players when they make it possible to externalize and materialize the inner life.

KEYWORDS: Play and playthings; Ethnic groups; History; Societies

RESUMEN

Este artículo tematiza los juegos tradicionales como manifestaciones culturales producidas por la humanidad. Objetivamos comprender los sentidos atribuidos a los juegos tradicionales, en la actualidad, por sujetos sociales que vivenciaron el proceso de transformación de Sociedades consolidadas con la colonización italiana en Rio Grande do Sul. Realizamos investigación de campo y documental. Los juegos tradicionales estuvieran presentes en el cotidiano de las colonias italianas, en las residencias familiares, en los bares y en campos abiertos. En la década de 1960, se inició un movimiento para la construcción de sedes, las Sociedades, resultantes del proceso de transformaciones políticas y económicas. Actualmente, hemos identificado un proceso de retorno de estas manifestaciones en los bares y casas, como negación a la imposición de reglas, al control del tiempo, a los modos de vestir, comportarse, gesticular y comunicarse. Los juegos tradicionales asumen sentido en la vida cuando posibilitan exteriorizar y materializar la interioridad.

PALABRAS-CLAVE: Juego y implementos de juego; Grupos étnicos; Historia; Sociedades

INTRODUÇÃO

Os jogos tradicionais apresentam-se como uma manifestação cultural de grupos sociais que perpassa gerações. Expressam costumes, formas de organização em sociedade, a natureza onde se materializam, crenças, visões de mundo e utopias. Têm sentido histórico, assumem características a partir do contexto e das relações sociais ali estabelecidas, ou seja, são também atuais (PARLEBAS, 2004; LAVEGA, 2006; JAOUEN et al., 2009; SANTOS, 2012). Nos jogos tradicionais, coexistem passado (tradição), presente (condições materiais reais, período histórico) e futuro (idealizações) (MARIN; STEIN, 2015). Manifesto em todas as culturas, o jogo tradicional traduz a necessidade humana universal da diversão, do prazer, da festa (ZIMMERMANN; SAURA, 2014). No jogo tradicional há encontro com a ancestralidade, com a história, com o lugar, com a natureza e com as pessoas.

Ao contrário de serem obsoletos, os jogos tradicionais estão vivos em diferentes grupos sociais. É o que apontam estudos recentes sobre essas manifestações em vários grupos étnicos no Brasil, como entre os indígenas (FERREIRA; VINHA, 2015), os quilombolas (SILVA; FALCÃO, 2012), os espanhóis (DOSANJOS; VÁSQUEZ, 2017), os alemães e italianos (MARIN et al., 2012), entre muitos outros. Em diagnóstico realizados sobre jogos tradicionais no Rio Grande do Sul (RS), Marin e Ribas (2013), identificaram, além de um número considerável deles (mais de sessenta jogos), a sua materialização no cotidiano das pessoas, tanto em suas residências e em espaços abertas, quanto em espaços específicos para tal. No que diz respeito ao grupo social italiano, os autores identificaram a existência de Sociedades, espaços destinados à vivência de várias manifestações e que se modificaram no processo histórico, assim como os próprios jogos.

Durante a consolidação, especialmente, dos imigrantes italianos e alemães no RS, as Sociedades constituíram-se como espaço e tempo onde a população compartilhava propósitos, costumes e preocupações em comum, e tiveram papel fundamental na reconstrução social, cultural e identitária dos imigrantes que chegavam ao sul do Brasil (MAZO et al., 2012; ASSMANN; MAZO, 2017). Além disso, foram palco para a manifestações de diversão como jogos, bailes e jantares. Schuch (2007) constatou que muitas delas, principalmente aquelas localizadas em pequenos municípios no interior do estado, estão sofrendo um processo de envelhecimento, de esvaziamento, com pouca presença de jovens e, consequentemente, apresentam dificuldades para encontrar pessoas responsáveis em assumir a gestão.

Nessa conjuntura, é possível perceber que, por um lado, os jogos tradicionais estão presentes nas vidas dessas pessoas e, por outro, as Sociedades, que foram e ainda são espaços para as suas vivências, entram em declínio. Surgem, então, como questionamentos: “como os jogos tradicionais estão configurados no interior das Sociedades construídas com a colonização italiana no RS?” e “que sentidos são atribuídos a eles na atualidade?”.

Os jogos tradicionais assumem sentidos para quem joga, construídos em consonância com as culturas nas quais estão imersos e com os próprios sujeitos que, nos processos de ensino-aprendizagem das tradições (BOSI, 1987), são capazes de ressignificar essas manifestações a partir de seus desejos e das novas relações sociais que são construídas.

No intuito de compreender o conceito de “sentido”, Duarte (2004) explica que as ações humanas assumem sentidos no interior de uma atividade, ou seja, no interior da produção das condições para satisfazer a suas necessidades. Os sentidos são o amálgama que liga, na consciência do sujeito, o conteúdo de uma ação ao motivo que a gerou. Essa ligação é efetuada pelas relações sociais, pelo contexto e pela cultura em que se produz tal ação. Ademais, os aspectos afetivo-emocionais fazem parte do sentido da ação, que pode vir acompanhada de diferentes emoções e sentimentos.

Nesse interim, objetivamos compreender os sentidos atribuídos aos jogos tradicionais na atualidade por sujeitos sociais que vivenciaram esse processo de transformação de Sociedades consolidadas com a colonização italiana no Rio Grande do Sul.

Compreendemos que pesquisar os sentidos que o jogo tradicional vem assumindo no cotidiano das comunidades contribui para a valorização dessa atividade humana como manifestação cultural que faz parte e constitui a vida e a história dos diferentes povos.

O CAMINHO DA PESQUISA

Nosso estudo é caracterizado como de campo e documental (CELLARD, 2010), lançando mão de entrevistas em profundidade (DUARTE, 2006; THOMPSON, 1992). Para a interpretação dos dados, buscamos inspirações na análise de conteúdo (BARDIN, 1990; FRANCO, 2005).

O campo foi constituído por duas Sociedades do município de São João do Polêsine1, localizado na Região Central do RS, escolhido por expressar fortes marcas culturais da colonização italiana. O município fez parte do Quarto Núcleo da Colonização Italiana (região conhecida como Quarta Colônia), repercutindo na configuração social, histórica, econômica e cultural da região na atualidade. Os critérios de seleção das Sociedades2 foram: os jogos tradicionais estarem presentes no rol de suas manifestações desde sua fundação até a atualidade; a expressividade da instituição na região em que está localizada; e existir a longo período de tempo (mais de 40 anos). Dessa maneira, pesquisamos a Sociedade Agrícola, Cultural e Esportiva Polesinense (SACE Polesinense), localizada na sede3; e a Sociedade Agrícola, Cultural e Esportiva Vale Vêneto (SACE Vale Vêneto), localizada no distrito de Vale Vêneto.

Salientamos que, embora o objetivo do estudo esteja centrado nos jogos tradicionais na atualidade, esses só podem ser compreendidos considerando o seu percurso histórico e dos espaços onde foram reproduzidos. Dessa maneira, a categoria metodológica da historicidade (KUENZER, 1998) foi fundamental, no intuito de evitarmos reduzir as interpretações dos dados a um caráter a-histórico, na medida em que consideramos, à luz de Gamboa (2007), a história e o tempo processuais e os sujeitos da pesquisa, seres históricos. Assim, os dados extraídos dos períodos de consolidação da Quarta Colônia no RS (1875 - 1900) e de constituição e prosperidade das SACE Polesinense e SACE Vale Vêneto (1960-1990) auxiliaram no entendimento do contexto dos jogos tradicionais e de como estas manifestações estão configuradas hoje.

Com a autorização da equipe diretiva de cada Sociedade, realizamos a busca nos documentos priorizando os que continham informações sobre constituição, transformações e sobre os jogos vivenciados nesses locais, quais sejam: ata de fundação da Sociedade; livros de atas; estatutos; e correspondências trocadas entre as Sociedades e órgãos governamentais. Fotografamos e, posteriormente, imprimimos todos os documentos submetidos à análise. Para a extração dos dados, construímos um roteiro de busca.

Ainda entrevistamos doze sujeitos (nove homens e três mulheres, cujos nomes originais foram substituídos por fictícios), com idade entre 48 e 93 anos, envolvidos com as Sociedades, com os jogos tradicionais e que vivenciaram os sentidos que estes assumiram no processo histórico, culminando com o jogo tradicional expresso na atualidade. Os critérios de seleção dos entrevistados foram: ser membro da Sociedade em foco há mais de 25 anos e jogar algum jogo tradicional na Sociedade desde sua admissão como membro; ou ter sido membro fundador da Sociedade ou atual presidente; e ter interesse e disponibilidade de tempo em contribuir com a pesquisa. Assim, os relatos foram dos seguintes sujeitos:

SACE Vale Vêneto: Rosa (93 anos, jogadora de baralho); Pietro (72 anos, jogador de bocha e de baralho); Renato (70 anos, jogador bocha e membro fundador); Hortência (69 anos, jogadora de baralho); Acácia (68 anos, jogadora de baralho); Emílio (91 anos, jogador de baralho); Firmino (48 anos, presidente atual);

SACE Polesinense: Isidoro (81 anos, jogador de bocha e membro fundador); Benito (73 anos, jogador de bocha e de baralho e membro fundador); Giovani (80 anos, jogador de bocha e de baralho e membro fundador); Francesco (70 anos, membro fundador); Antônio (66 anos, jogador de bocha).

Para a mediação das entrevistas, contamos com um roteiro flexível contendo questões norteadoras que foram aprofundadas no decorrer dos relatos, permitindo incorporar elementos importantes para os desfechos do estudo. Transcrevemos todas as entrevistas para, então, analisa-las.

Em nossa análise, optamos em recortar cada material (entrevistas e documentos) em unidades temáticas de registros (BARDIN, 1990; FRANCO, 2005), ou seja, em uma ou várias afirmações acerca de um mesmo assunto. Posteriormente, classificamos cada unidade em um conjunto a partir de suas características comuns, originando as categorias Jogo Tradicional; Sociedade; e Sentidos atribuídos aos Jogos Tradicionais.

A COLONIZAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL E A CONSTITUIÇÃO DAS SACE POLESINENSE E SACE VALE VÊNETO

A colonização italiana no estado do RS iniciou na metade do século XIX. A Itália desse período passava por conflitos e revoluções em prol de sua unificação nacional. Além disso, o forte desenvolvimento do capitalismo industrial acelerou o crescimento urbanizado. Houve aumento populacional na Europa e empobrecimento de camponeses e artesãos. Diante desse contexto, na tentativa de sair da situação de miséria, fome e guerra e da possibilidade de acesso a terras produtivas, houve a migração em massa para o Brasil de parte da população italiana (COSTA, 1986).

O Brasil desse mesmo período, após a Lei Áurea, de libertação dos escravos, buscava a substituição do trabalho escravo por trabalhadores livres para os grandes latifúndios de café e para produzir para o consumo interno do país. O RS, especificamente, precisava ser colonizado para que as fronteiras do sul do país fossem defendidas e para que essas terras fossem produtivas. Os primeiros imigrantes de origem italiana, em sua maioria camponeses, chegaram ao Brasil em 1875 (COSTA, 1986). Vale Vêneto e São João do Polêsine, focos desse estudo, receberam seus primeiros imigrantes em 1878 e em 1883, respectivamente (SANTIN, 1999).

A forma de trabalho coletivo e as relações sociais baseadas no associativismo para a resolução dos problemas da colônia fizeram com que surgisse a prática de encontros entre as famílias para o labor e também para a diversão e a festa. E, nesse contexto, o jogo tradicional apresentava-se como uma das formas de diversão. Entre as manifestações vividas por sujeitos da pesquisa, aqueles mais velhos que viveram as décadas seguintes, de consolidação da colônia italiana (Rosa, 93 anos, jogadora de baralho da SACE Vale Vêneto, entrevista 15-08-2013; Emílio, 91 anos, jogador de baralho da SACE Vale Vêneto, entrevista 14-08-2013; Isidoro, 81 anos, jogador de bocha e membro fundador da SACE Polesinense, entrevista 10-07-2013; Giovani, 80 anos, jogador de bocha e de baralho, e membro fundador da SACE Polesinense, entrevista 08-08-2013), identificamos os jogos de baralho (cinquilho, três sete, bisca, canastra e truco), bocha4 e carreira de cancha reta5.

Ao constituírem diferentes colônias no sul do Brasil, algumas dificuldades surgiram, especialmente relativas à infraestrutura. Diante da situação de desamparo do Governo Imperial, o trabalho comunitário ganhou forças e possibilitou a superação de obstáculos, tanto no que tange à produção agrícola e à construção de casas, quanto no cultivo de hábitos, costumes, crenças e manifestações que os identificavam como grupo (COSTA et al., 1986). No decorrer do desenvolvimento econômico, social e cultural das colônias italianas, houve a necessidade de consolidação de espaços específicos destinados às reuniões para resolução dos problemas comuns à comunidade e às práticas culturais coletivas.

Nesse contexto, as Sociedades foram construídas, tendo como base o associativismo, que para Mazo et al. (2012) é expressão da consciência coletiva dos imigrantes nas colônias do RS e constituiu-se como estratégia para a preservação da identidade do grupo, tornando-se o espaço para a produção e reprodução de suas tradições. Nas palavras de Assmann e Mazo (2017, p. 513), essas associações esportivas manifestavam “representações de identidades étnico-culturais”.

Comparado ao período de formação das associações esportivas (tanto italianas quanto alemãs) identificadas nas pesquisas de Mazo et al. (2012) e Schuch (2007), as SACE Polesinense e SACE Vale Vêneto, em suas singularidades, tiveram sua formação um pouco tardia, reflexo do processo também tardio de organização da vida material destas comunidades localizadas na região central do estado6. Porém, em seu bojo, os fundamentos eram os mesmos: identidade cultural, espaço de encontro e das soluções coletivas. Por isso, é somente na década de 1960, que iniciou um movimento para construção de sedes que congregassem diferentes manifestações culturais em São João do Polêsine e em seu distrito Vale Vêneto. Nesse processo, o futebol teve papel importante na região pesquisada.

Embora não fizesse parte do rol de manifestações da cultura italiana, o futebol esteve fortemente presente na região da Quarta Colônia, assim como em outras regiões do RS, a exemplo da região de Santa Cruz do Sul analisada em pesquisa de Assmann, Mazo e Silva (2017), aliado a um discurso de formação de uma cultura denominada brasileira, que foi objetivo da campanha de nacionalização, amplamente difundida pelo governo de Getúlio Vargas, durante o período do Estado novo e que se estendeu durante a ditadura militar. Contava com o futebol como um dos elementos centrais para despertar o sentimento pátrio e de pertencimento à nação brasileira. Além disso, essa prática esportiva já era amplamente incentivada nas colônias do sul do país desde as primeiras décadas do século XX, através de concepções higienistas e médico- científicas (ASSMANN; MAZO; SILVA, 2017).

Nesse contexto, as partidas e times de futebol tornaram-se frequentes em São João do Polêsine a partir da década de 1940. Benito, em seu relato, conta que, entre 1940 e 1960, surgiu uma equipe de futebol, assim como em outros locais da região, que passaram a disputar campeonatos e conquistar troféus, conforme o relato: “Nós tínhamos um time de futebol, tínhamos que ter uma sede também. Porque a gente ia pra torneio e não tinha onde botar os troféus e as coisas. E aí já foi todo o resto junto, os jogos, a bocha. E foi formada uma Sociedade” (BENITO, 73 anos, SACE Polesinense, entrevista 30-08-2013).

Atrelada ao desejo de construção de um espaço para a prática desportiva estava a necessidade de aceitação dos jogos tradicionais (baralho, bocha, carreiras de cancha reta, entre outros) pelas instituições locais de poder (religiosas e policiais), já que os jogos característicos da cultura italiana daquela região, realizados em residências, nas ruas ou em bolichos7 eram fortemente repreendidos pela campanha de nacionalização. Isidoro e Benito relatam que a bocha e os jogos de baralho chegaram a serem proibidos pelo delegado, permitidos somente mediante registro civil do estabelecimento como entidade cultural e esportiva, conforme expressa Isidoro: “Era proibido jogo, bocha, baralho [...] Fundamos a Sociedade e lá na porta do bar eu preguei ‘Reservado, Sociedade Polesinense’. A gente não tinha sede ainda, mas lá era nosso. Ali a gente podia jogar. Ali delegado nenhum podia mexer, porque era clube” (ISIDORO, 81 anos, SACE Polesinense, entrevista 10-07-2013).

O relato de Isidoro aponta a coexistências de manifestações esportivas, a exemplo do futebol, com aquelas que os identificavam enquanto grupo étnico italiano, entre elas os jogos tradicionais, ratificando o que Mazo et al. (2012) identificou como maneira de resistência ao processo de ruptura e fragmentação da identidade cultural desses grupos: mesclando práticas esportivas modernas às suas manifestações tradicionais.

Com o passar do tempo, os encontros nas SACE Polesinense e SACE Vale Vêneto para os jogos tradicionais, para os bailes e para alimentar as relações sociais, aos poucos, foram incorporados pelos moradores. De um lado houve redução das relações pautadas pelo compadrio e entre famílias que marcaram o período anterior às Sociedades; de outro, a convivência comunitária passou a ocorrer em espaço e tempo comuns. Consequentemente, esses novos espaços geraram novos contornos aos jogos tradicionais.

A bocha, que nos primórdios das colônias italianas, de acordo com o campo dessa pesquisa, era jogada em ambientes livres, em gramados e em estradas de areia, receberam, nas Sociedades, locais específicos: canchas, inicialmente de areia, porém na década de 1990 feitas de material sintético. Em cada Sociedade foram criados regulamentos internos para o uso das canchas de bocha, com a inclusão de artigos referentes ao tipo de sapato e traje usados durante as partidas, à proibição do jogo com apostas em dinheiro e de ingestão de alimentos ou bebidas alcoólicas dentro das canchas.

Sobre as corridas de cavalo, identificadas também na pesquisa de Pereira, Mazo e Lyra (2010) como jogo comum parte das formas de diversão de comunidades predominantemente rurais, antes das Sociedades eram realizadas livremente em potreiros e estradas. Porém, com a consolidação das SACE Vale Vêneto, na década de 1970 houve o arrendamento, pela Sociedade, do terreno e a construção de uma hípica no local, em consonância com as recomendações dos órgãos fiscalizadores. Essa transformação, segundo o relato de Renato (70 anos, SACE Vale Vêneto, entrevista 13-08-2013), levou à modernização das pistas e à substituição de cavalos comuns por cavalos próprios para as carreiras, acarretou a exclusão da comunidade local, pois contavam somente com cavalos para o trabalho diário da vida no campo. A modernização das pistas para corridas de cavalo, expressas nos relatos e nos documentos8 de sua implementação, revela o que Pereira, Mazo e Lyra (2010) também identificaram no cenário da época em Porto Alegre: a extinção de espaços destinados às carreiras e à construção de hipódromos dominados por criadores de cavalos da elite rural (militares, médicos, conselheiros industriais, etc.). As corridas na hípica em Vale Vêneto perduraram até final da década de 1970.

Em relação aos jogos de baralho, estes também foram incluídos nos espaços das Sociedades. Embora, na análise das atas e outros documentos, tenhamos encontrado poucos elementos acerca desses jogos, nos relatos dos entrevistados (todos são jogadores de baralho) ficou visível que se apresentaram como umas das principais manifestações nas SACEs, e juntamente com a bocha, assumiram caráter controlado através da proibição de apostas e da ingestão de bebidas alcoólicas no decorrer de suas partidas.

O processo de institucionalização e regulação advindo com a criação das Sociedades atribuiu aos jogos tradicionais um caráter controlado. A criação de regulamentos internos, tanto para a utilização das canchas de bochas quanto para as demais atividades das Sociedades, as determinações sobre os modos de se vestir e de portar-se no jogo, entre outras regras, eram importantes para a aceitação dessas práticas pelas instituições locais, o que contribuiu para que muitos adotassem as Sociedades em substituição dos jogos vivenciados nas residências e em bolichos locais.

A Federação Riograndense de Bocha (FRGB) também teve papel importante para a mudança do jogo no interior das Sociedades, com a incorporação de Estatutos, regras fixas, canchas regulamentadas, sistema de fiscalização de campeonatos e competições, apontando para a sua institucionalização, conforme expõe documentação da Federação Riograndense de Bocha para as Sociedades filiadas:

Verificamos que, na maioria dos municípios do interior do R.G.Sul, não existe sequer um clube filiado. É triste constatar que muitos adeptos da bocha não chegam sequer a entendê-la como esporte de competição. A conhecem, via de regra, como um esporte que vive à margem da lei. É preciso que cada um de nós contribua um pouco para que a bocha oficial chegue a todos os recantos de nosso Estado. É necessário que cada um procure, em seu município, os clubes não filiados, o sr. Prefeito municipal, os vereadores, ou, até mesmo o pároco da Igreja, e lhe exponha tudo o que sabe sobre a prática deste belo e sadio esporte [...]. O que é necessário é que se substitua a bocha dita como ilegal (PORTO ALEGRE, Federação Riograndense de Bocha. Circular n.º16/81, 27 de setembro de 1981, p.15-16).

O trecho do documento expedido pela FRGB demonstra o início de o processo de esportivização da bocha que, para Parlebas (2004), incorpora aos jogos tradicionais a regulação institucional, a partir de federações e outros órgãos, que controlam, unificam, estabelecem condições para a prática, princípios que acirram a competitividade e o rendimento máximo. Para o autor, nesse processo existe a homogeneização dos jogos, que perdem sua identidade, singularidade e diluem-se no universo esportivo. Porém, os relatos dessa pesquisa demonstram a coexistência de aspectos que apontam tanto para o jogo da bocha em seu sentido esportivo quanto para o jogo tradicional em seu sentido singular de identidade cultural, de afirmação dos laços sociais, do encontro e da diversão.

Com a análise das atas das SACEs, identificamos que ao mesmo tempo em que existe a conformidade das pessoas com o processo de institucionalização dos espaços e tempos para os jogos tradicionais, também há resistência. Entre as reuniões registradas nas atas, desde a fundação das entidades até atualmente, encontramos assuntos relacionados a discussões e brigas entre membros advindas do não cumprimento dos regulamentos e normas estabelecidas, como por exemplo, o uso de sapato inadequado nas canchas, a ingestão de bebida alcoólica durante o jogo e a entrada de homens sem camisa na entidade.

Se, por um lado, os espaços para os jogos tradicionais vêm sendo modificados, nesse processo histórico, mediados por princípios de regulamentação e institucionalização, por outro, a análise dos sentidos atribuídos a essas manifestações por sujeitos que viveram tais processos aponta em outra direção.

AS SOCIEDADES E OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS AOS JOGOS TRADICIONAIS NA ATUALIDADE

Atualmente, as Sociedades continuam sendo um espaço para a prática de jogos tradicionais em São João do Polêsine e seu distrito Vale Vêneto. Entretanto, os relatos expressam que o número de jogadores nas Sociedades diminuiu, especialmente no que tange à presença dos jovens, dada a mudança na constituição familiar, ou seja, a redução no número de filhos, corroborando com o que Schuch (2007) aponta: o “envelhecimento das Sociedades” no interior do RS.

O fenômeno do êxodo rural também emergiu em todos os relatos como um dos principais motivos do declínio das Sociedades e da redução dos jovens. Diante das dificuldades de se manterem no campo, os jovens saem do campo, das pequenas cidades e localidades rurais, na tentativa de se inserirem no mercado de trabalho, o que, para Martins (1991), tem relação direta com o cerco do capital na propriedade familiar no Sul do Brasil. Cada vez mais o trabalho do colono está submetido ao capital industrial e ao capital financeiro de bancos e empresas. Dessa forma, torna-se difícil a manutenção do pequeno agricultor em sua propriedade familiar (MARTINS, 1991).

Ademais, as transformações ocorridas no campo mudaram a configuração e aceleraram o tempo de trabalho das pessoas, que cada vez têm menos tempo para trabalho voluntário, necessário à manutenção das Sociedades. Os relatos chamam a atenção para a apatia da população que, sem remuneração pelo trabalho, poucos estão dispostos em auxiliar, conformando ao que Duarte (2004) denuncia: o trabalho humano, na atual sociedade, tem o sentido restrito ao que lhe confere a obtenção do salário ao final do mês. É possível identificar que, para a população, o trabalho voluntário perde o sentido de suprir solidariamente as necessidades materiais, tanto como a de constituir e manter as Sociedades como espaço e tempo de divertimento. Nessa perspectiva, as Sociedades, que se consolidaram com o trabalho voluntário, enfrentam dificuldades. Emílio (91 anos, SACE Vale Vêneto, entrevista 14-08-2013) esclarece: “Era gente bastante, mas todos eram como se fosse uma só pessoa. [...] todos se ajudavam. Eles deixavam de fazer as coisas pra ir onde precisava. Hoje se não pagar uns 100 reais, tu não acha ninguém. Hoje cada um tem sua máquina, tem seu trator e não quer mais nem saber”.

Apesar dessas configurações, todos os entrevistados responderam afirmativamente quanto a estarem ainda jogando bocha ou baralho nas SACEs. Porém, ao mesmo tempo em que permanecem nesses espaços, retornam às famílias e aos bolichos, cujos espaços conquistaram novamente a vivência dos jogos tradicionais, conforme conta Emílio: “Agora eu jogo em aqui em casa com os meus filhos! Eles vêm me visitar [...] então jogamos três sete. Toda a tarde, sempre no domingo, porque eles não podem também outro dia. Logo tem que voltar pra suas casas na cidade”. (Emílio, 91 anos, SACE Vale Vêneto, entrevista 14-08-2013). Nas famílias, os jogos de baralho acontecem em núcleos pequenos, com as visitas de filhos e netos aos finais de semana, de modo diverso ao que sucedia no passado, onde famílias inteiras reuniam-se umas com as outras, congregando um grande número de jogadores.

As mudanças da dinâmica espaço temporal têm intrínseca relação com as transformações dos sentidos atribuídos aos jogos tradicionais e quanto a suas resistências e conformismos. Identificamos que a regulamentação dos jogos nas Sociedades e a tentativa de institucionalização da bocha não contemplam em sua totalidade o que a população busca no âmbito da diversão.

Segundo relato de Antônio, nas Sociedades, o caráter controlador instituído junto aos jogadores fez com que parte da população passasse a aderir aos jogos nos bolichos da região, por agregar características de maior liberdade, de expressão de sentimentos, de identidade pessoal e grupal. Ou seja, congrega a possibilidade de ir e vir, de jogar ou conversar, de se expressar conforme lhes convêm.

Só que hoje, o italiano gosta de jogar bocha, mas gosta de tá assim mais livre, naquelas canchas que eles aprenderam a jogar, de areia, de terra, embaixo de umas árvores, onde tinha um barzinho, um bolichinho [...] quem quer jogar bocha joga, quem não quer, joga um baralho, um três sete, um pife, qualquer outra coisa. Ou ficam conversando. Já na SACE, tu já tem que ter outro comportamento. Tu tem que tá um pouco mais bem-vestido, tu tem que jogar de tênis, tu tem que tá adequado, tu tem que usar um palavreado diferente (Antônio, 66 anos, SACE Polesinense, entrevista 20-10-2013).

As formas de organização dos bolichos convergem, em grande medida, às do período anterior à constituição das Sociedades, nas quais os jogos eram mais livres. Na atualidade, regras instituídas pela FRGB são adotadas e mescladas ou rejeitas, a depender do coletivo de jogadores, das suas experiências e das condições de tempo e espaço. Por isso, compreender os jogos tradicionais requer olhar atento às suas relações de conflito e de conformação, já destacadas por Marin e Stein (2015), para as quais essas manifestações só podem ser compreendidas no interior de suas ambiguidades, presentes também em nossa pesquisa e expressas nos sentidos que os jogos assumem no contexto estudado.

Segundo os relatos, as Sociedades suplantam a dinâmica de agir, falar, cantar, beber, a que o jogo convida. Essa liberdade buscada pelos jogadores expressa o que jogo, por suas características, possibilita: estar em contato com essa dimensão que está fora da realidade (HUIZINGA, 2010) mas que ao mesmo se materializa na existência de cada ser e do corpo que joga (ZIMMERMANN; SAURA, 2014), proporcionando prazer, alegra e diversão. Por isso, para Caillois (1990), o jogo traz a ideia de limite e de liberdade, de invenção e de realidade.

Entre risos, conversas e partidas de bocha ou de baralho, os sujeitos dessa pesquisa envolvem-se e se divertem nas tardes de toda a semana, em especial aos sábados e domingos. Segundo os relatos, não jogam na SACE pela necessidade de lá terem que cumprir regulamentos e por não terem a liberdade para dar gargalhadas, para falar em tom alto ou para beber entre os amigos.

Em todo o processo de transformações dos espaços para os jogos, identificamos um elemento constitutivo dos sentidos que os jogos tradicionais assumem, independentemente do local materializado: a diversão e o prazer. Elemento que é respaldado pela teoria de Huizinga (2010), analisando o caráter lúdico existente na vida dos seres humanos. O autor defender que o jogo proporciona um elemento primordial que é o divertimento, suprindo necessidades materiais e imateriais do ser humano. Nessa direção, para além da identidade cultural, um dos sentidos atribuídos por aqueles que buscam os jogos tradicionais é de suprir a necessidade humana da diversão.

Além disso, identificamos em todas as falas que jogar segue associado ao sentido do encontro para o estabelecimento dos laços sociais entre os membros da comunidade e reafirmação de valores considerados fundamentais pela coletividade. Os sujeitos jogam não apenas pela diversão, mas para a reconstrução das relações sociais, corroborando com Elkonin (1998, p. 20), quando afirma que “o jogo é reconstrução de uma atividade que destaque o seu conteúdo social humano: as suas tarefas e as normas das relações sociais”.

Em algumas falas, os elementos da diversão e do prazer estão associados ao jogo e ao mesmo tempo ao encontro, como expressa Emílio, resumindo o sentido de jogar como:

Felicidade. Tem encontro com pessoas. Tu te sente bem. Tu joga, não tem inimigo nenhum. Tu sai de lá feliz porque tudo correu bem. Porque o encontro é bom quando tu vai lá e vê teus amigos e enquanto uns jogam, tu vai conversando disso ou daquilo... A felicidade te leva ao bem, não te leva ao mal e o jogo é a mesma coisa. Eu tenho um prazer, aquele gosto de ter os amigos juntos, de conversar juntos, de dialogar (Emílio, 91 anos, Vale Vêneto, 14-08-2013).

O jogo tradicional e o encontro não se manifestavam na relação causa-efeito. Ao mesmo tempo em que jogar assume o sentido de encontrar-se, esse se desdobrava em jogo, um transformando-se no outro, numa relação dialética constituída pelas motivações da vida destas pessoas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os jogos tradicionais estiveram presentes no cotidiano da Quarta Colônia de Imigração Italiana no RS desde as primeiras décadas da colonização. As condições históricas do período, aliadas às necessidades materiais e imateriais, constituíram as residências das famílias, os bolichos e os campos destinados às carreiras de cancha reta como principais espaços para os jogos tradicionais, como os jogos de baralho, bocha e corridas de cavalo.

Os encontros nesses espaços tiveram maior expressividade até meados da década de 1960, quando as medidas de nacionalização que iniciaram no período do Estado Novo, na década de 1930, repercutiram como repressoras e ao mesmo tempo instigadoras da consolidação das Sociedades na região da Quarta Colônia. Repressora no sentido de proibição e negação das manifestações que não tivessem o caráter nacionalista brasileiro almejado. E instigadora, pois com o usufruto do esporte, principalmente o futebol, como instrumento para o desenvolvimento do sentimento nacional brasileiro, era preciso a consolidação de espaço e tempo institucionalizados.

As transformações nos sentidos atribuídos ao trabalho transformam também as Sociedades e os jogos tradicionais abarcados por estas. Nas primeiras décadas dessas entidades, o trabalho voluntário tinha o sentido de suprir a necessidade de consolidação de espaço e tempo para as diferentes manifestações culturais. Atualmente, o trabalho desenvolvido está mais próximo ao sentido do capital, à venda da mão de obra em troca de dinheiro. Nessa conjuntura, manifesta-se também a dificuldade de a população se manter no contexto rural, em especial os mais jovens, que partem em busca de trabalho e alternativas de vida, consubstanciando, em grande medida, sua desvinculação junto às Sociedades. Aos que permanecem no campo, negociam com a lógica da aceleração do tempo e da produção e, consequentemente, com a redução do tempo destinado a outras esferas da vida, como a dos jogos tradicionais. Porém, desconsiderar a práxis das manifestações culturais tradicionais e reduzir a análise a alusões pessimistas sobre a atual condição contribui mais para a construção de equívocos do que para alargar o conhecimento.

Na atualidade, o processo de retorno aos bolichos e residências reivindica os espaços, tempos e sentidos que foram condição para a constituição das Sociedades, e decorre da recusa à regulamentação da FRGB, da imposição de regras fixas, da cronometragem, do controle aos modos de se vestir, comportar-se, gesticular e comunicar-se. Enfim, recusam a dominação sobre as formas de expressão de suas vidas, materializadas nos jogos tradicionais. Talvez porque essa manifestação da cultura venha expressar o que Marin e Gomes-da-Silva (2016, p.16-17) denominam de “dimensão revolucionária dos jogos tradicionais - não permissiva a controle, domesticação, regulamentação rígida ou apropriação cartorial”.

Os jogos tradicionais têm sentido na vida dos jogadores quando assumidos em seu caráter livre, informal, casual, simples, imprevisível, desafiador, provocador, tenso e, fundamentalmente, quando possibilita exteriorizar a interioridade, em outras palavras, quando materializa a interioridade. Ele é tempo e espaço de aprendizado entre gerações. É manifestação que gera conhecimento. É sério na medida em que é importante para os que jogam, para os quais o resultado não é ignorado, mas que tampouco ganha relevância máxima. Assumem, então, sentidos de identidade, de liberdade, de encontro e, especialmente, de diversão e de prazer. Materializam o que o jogo tradicional é: singular e universal, conformado e resistente.

Nosso não pessimismo em relação aos jogos tradicionais não limita um olhar atento a eles e ao conformismo que incorporam. No decorrer de seu movimento, os jogos tradicionais conservam algumas de suas características, sendo transmitidos de geração em geração. Também são transformados, assumindo novas feições de acordo com as condições onde são materializados. É nesse sentido que eles se movem, na coexistência entre o passado, o presente e o futuro (MARIN; STEIN, 2015). Portanto, os jogos tradicionais são atuais no contexto da Quarta Colônia de Imigração Italiana no RS porque permanecem no cotidiano, e permanecem porque têm sentidos (de identidade cultural, de encontro consigo e com o outro, de diversão, de prazer, de resistência e de liberdade) para as vidas dos sujeitos, sentidos construídos pelas relações entre os seres humanos e as condições objetivas, mediados pelas relações sociais estabelecidas no processo histórico.

Salientamos a importância de estudos que compreendam os jogos tradicionais em sua dinamicidade, como parte da cultura viva e não obsoleto à sociedade atual. Cabe, para isso, o olhar atento em suas contradições. Esse estudo teve como foco os jogos tradicionais em um contexto rural da colonização italiana no RS. Faz-se imprescindível pesquisas para a compreensão dessas manifestações em outros contextos, como os dos grandes centros urbanos brasileiros ou ainda sobre como os jogos tradicionais se apresentam para sujeitos nascidos em comunidades tradicionais e que migram para os grandes centros urbanos.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) pelo fomento dessa pesquisa.

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1São João do Polêsine é composto por sete distritos (sede, Vale Vêneto, Recanto Maestro, Vila Nova, São Lucas, Vila Ceolim, Linha do Monte e Linha Bonfim). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017 o município contava com uma população estimada de 2.646 habitantes.

2Não existe consenso entre os autores sobre a denominação desses espaços e tempos, tampouco estudos que se debrucem em diferenciá-los. Encontramos os seguintes termos: Associação ou Associação Esportiva (MAZO et al., 2012; ASSMANNN; MAZO, 2017) e Sociedade (SCHUCH, 2007). De maneira geral, os sujeitos dessa pesquisa intercalam em suas falas os termos Sociedade, Entidade, Clube ou SACE. Optamos pela nomenclatura “Sociedade”, por ser essa a denominação mais utilizada e encontrada nos espaços e tempos pesquisados.

3Região urbanizada do município de São João do Polêsine.

4As descrições, regras, funcionamento e pontuação desses jogos podem ser encontradas na obra “Jogo Tradicional e Cultura”, de Marin e Ribas (2013).

5A carreira de cancha reta é um jogo de corrida de cavalos, onde dois ou mais animais são dispostos em uma cancha e, ao dar a largada, correm determinada distância. Antes da corrida, há um sistema de apostas nos cavalos.

6Para Santin (1999), os elementos que dificultaram o desenvolvimento da Quarta Colônia têm relação com a localização geográfica desfavorável, a precária assistência do Governo Imperial e, posteriormente, com o fim do Império e a proclamação da República Federativa do Brasil (1889), agravados pela divisão do território desta colônia entre três municípios (Santa Maria, Júlio de Castilho e Cachoeira do Sul).

7Expressão utilizada no sul do país para designar estabelecimento comercial de porte pequeno, como bodegas e armazéns de secos e molhados.

8Art. 20 do Código de Corridas da Hípica Valevenetense, de 13 de julho de 1974, formulado pelos próprios membros da entidade e seguindo as recomendações dos órgãos fiscalizadores.

FINANCIAMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica.

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Recebido: 29 de Abril de 2018; Aceito: 28 de Setembro de 2018

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não se aplica.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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