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Motrivivência

versión On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.58 Florianópolis abr./jun 2019  Epub 11-Sep-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e56603 

Artigo Original

O que ensinar sobre dança no ensino médio?

What to teach about dance in high school?

Qué enseñar sobre la danza en la escuela secundaria?

Irlla Karla dos Santos Diniz1 
http://orcid.org/0000-0002-1825-0097

Suraya Cristina Darido2 
http://orcid.org/0000-0002-1825-0096

1Doutora em Desenvolvimento Humano e Tecnologias Instituto Federal de Educação - IFSP, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Capivari, São Paulo, Brasil. irllakarla@yahoo.com.br

2Doutora Universidade Estadual Paulista - UNESP, Departamento de Educação Física, Rio Claro, São Paulo, Brasil. surayacd@rc.unesp.br


RESUMO

O objetivo desse estudo foi delinear caminhos formativos para a dança no Ensino Médio (EM) a partir de investigações nas Propostas Curriculares Estaduais (PCE), na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)1 e nos relatos de professores que trabalham com a formação inicial em Educação Física com as disciplinas de dança. Para tanto, desenvolvemos uma pesquisa qualitativa que utilizou-se da análise documental e de entrevistas-semiestruturadas como instrumentos para coleta de dados. Como principais resultados, evidenciamos que ainda há dúvidas sobre o caminho formativo da dança no EM, entretanto, as análises indicaram interfaces com as danças populares, de salão e urbanas, além da relevância de aspectos mais específicos como os elementos histórico-culturais, o ritmo e a criatividade.

PALAVRAS-CHAVE: Educação física escolar; Dança; Ensino médio; Currículo

ABSTRACT

The purpose of this study was to outline alternatives for the teaching of dance in High School (HS) based on investigations of the State Curriculum Proposals (SCP) and of the National Common Base Curriculum (NCCB), as well as on analysis of narratives of teachers working with the dance subjects within the initial training in Physical Education. Therefore, we developed a qualitative research that used documentary analysis and semi-structured interviews as tools for data collection. As main results, we highlight that there are still doubts concerning the curriculum of dance in HS. However, the analysis suggested the prominence of popular, salon and urban dances, in addition to the relevance of more specific aspects such as historical-cultural elements, rhythm and creativity.

KEYWORDS: Physical education at school; Dance; High school; Curriculum

RESUMEN

Este estudio se propone delinear caminos formativos para la danza en la Escuela Secundaria (ES), a partir de investigaciones hechas a través de las Propuestas Curriculares Estatales (PCE), de la Base Nacional Común Curricular (BNCC), y en los relatos de profesores que trabajan con la formación inicial en Educación Física, teniendo como eje central las disciplinas de danza. Para ello, desarrollamos una investigación cualitativa en la que hicimos un análisis documental y de entrevistas semiestructuradas como instrumentos para la recolección de datos. En cuanto a los resultados, nos dimos cuenta de que hay dudas sobre el camino formativo acerca de la danza en el ES. Sin embargo, los análisis indicaron interfaces con las danzas populares, de salón y urbanas, además de la relevancia en lo concerniente a aspectos más específicos como los elementos histórico-culturales, el ritmo y la creatividad.

PALABRAS-CLAVE: Educación física escolar; Danza; Escuela secundaria; Plan de estudios

INTRODUÇÃO

Na escola a dança ainda tem sido deixada às margens do processo formativo (MARQUES, 2003; SBORQUIA, 2002; BRASILEIRO, 2009; DINIZ, 2015), ocupando um status de atividade extracurricular ou associada a eventos esporádicos. Precisamos, portanto, garanti-la como um saber próprio da escola, compreendendo-a como uma manifestação corporal historicamente situada e que traz uma carga social ampla e diversa.

Traçamos essa assertiva posto que, apesar da dança permear múltiplos espaços em nossa sociedade como aniversários, formaturas ou casamentos, e até mesmo ser amplamente explorada pelas mídias, a escola parece desconsiderar o seu potencial. Seja pelas deficiências na formação inicial e continuada, pelas ausências de materiais didáticos ou mesmo pelas barreiras em organizar e ensinar esse conteúdo (BRASILEIRO, 2009; SOUSA; HUNGER; CARAMASHI, 2010; DINIZ; DARIDO, 2015), o fato é que temos um descompasso entre o que a dança significa socialmente e o que tem sido desenvolvido nas instituições escolares.

No Ensino Médio (EM), em particular, identificamos dados ainda mais delicados, tendo em vista que, quanto mais velhos os alunos se tornam mais longe a dança fica de suas experiências educacionais, enquanto os esportes coletivos com bola continuam hegemônicos.

Brasileiro (2002-2003) apresentou dados que reforçam essa premissa, salientando que os professores são mais resistentes no ensino da dança com alunos mais velhos, como é possível observar nas falas dos participantes: “[...] enfim no início do ano, ao apresentar os conteúdos, não houve boa aceitação da dança, principalmente, pelos alunos de idade mais elevada (Profª A-Q)”. Esse trecho foi desferido por um dos professores participantes da pesquisa para justificar porque a dança não seria tratada em suas aulas (BRASILEIRO, 2002-2003, p. 48).

Scarpato (2004) defende que a dança deve integrar as aulas de Educação Física desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, contudo, a autora reconhece a existência de diversos empecilhos, bem como a carência de subsídios para selecionar e organizar esse conteúdo ao longo dos anos da Educação Básica.

Nesse sentido, nos concentramos nas dificuldades em saber “o que” selecionar sobre dança em um universo tão vasto de práticas. Isto é, sobre como a falta de uma organização curricular na Educação Física também se torna um desafio para a apropriação desse conteúdo na escola. O que ensinar? Em qual etapa da escolarização? E no Ensino Médio? Com base nessas questões, tivemos como objetivo delinear caminhos formativos para a dança no EM a partir de investigações nas Propostas Curriculares Estaduais (PCE), na Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017, 2018) e nos relatos de professores que trabalham com a formação inicial em Educação Física nas disciplinas de dança.

MÉTODO

Este estudo possui natureza qualitativa, ou seja, teve como finalidade descrever e analisar fenômenos sociais. Para tanto, empregamos duas ferramentas investigativas distintas, a análise documental (GIL, 2008) para tratar as PCE e a BNCC, e entrevistas semiestruturadas (GIL, 2008) para coletar os dados com os professores participantes. Para Gil (2008) são entendidos como documentos arquivos de instituições diversas como empresas, sindicatos, ONGs, relatórios, livros de registros, entre outros, e o recorte é realizado de acordo com os objetivos de cada investigação.

Para acessar as PCE foram utilizados como critérios a disponibilidade desses arquivos nos sites das secretarias de educação dos respectivos estados2, o que nos possibilitou analisar 21 documentos - Acre (2010), Alagoas (2014), Amapá (2009), Amazonas (2012), Ceará (2008), Distrito Federal (2013), Espírito Santo (2009), Goiás (2009), Maranhão (2015), Mato Grosso (2010), Mato Grosso do Sul (2012), Minas Gerais (2009), Paraná (2008), Pernambuco (2013), Piauí (2013) Rio de Janeiro (2013), Rio Grande do Sul (2009), Rondônia (2013), São Paulo (2012), Sergipe (2010), Tocantins (2010). Já no que tange a BNCC, utilizamos as versões mais atualizadas disponibilizadas para acesso público pelo Ministério da Educação em 2017/2018.

Sobre os professores, desenvolvemos uma entrevista semiestruturada com aqueles que ministravam disciplinas relacionadas à dança nos cursos de Licenciatura em Educação Física, e que, apresentavam aos menos o título de Mestre, grupo que denominamos de especialistas. Os participantes apresentaram média de idade de 45,27 anos (quatro homens e sete mulheres) e foram numerados de 1 a 11 segundo a ordem em que as entrevistas foram realizadas.

Selecionamos como espectro, as Universidades Federais, considerando sua relevância na expansão da Educação pública nos últimos anos, de forma que foi estipulado ao menos uma instituição por estado, e as Universidades Estaduais Paulistas, pela relevância dessas unidades em âmbito nacional. Após a fase de convite, tivemos ao todo, onze instituições participantes, sendo elas, três Universidades Estaduais Paulistas: UNESP - Bauru (Universidade Estadual Paulista de Bauru, UNESP - Rio Claro (Universidade Estadual Paulista de Rio Claro) e UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas). E oito Universidades Federais: UFC (Universidade Federal do Ceará), UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), UFG (Universidade Federal de Goiás), UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul), UFPR (Universidade Federal do Paraná), UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), UNB (Universidade de Brasília) e UNIR (Fundação Universidade Federal de Rondônia).

Os roteiros de entrevista foram enviados por email para que os professores tivessem contato prévio com o instrumento. Os pesquisadores receberam ainda, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) onde os objetivos do projeto foram devidamente pontuados. Por fim, as entrevistas foram agendadas individualmente, realizadas por celular e gravadas por meio do aplicativo Call Recorder, para posterior transcrição e análise.

Para inferir sobre os dados coletados, desenvolvemos uma análise qualitativa descritiva, método que depende da capacidade analítica do pesquisador e que prevê ampla seleção e posterior sintetização das informações obtidas (GIL, 2008). Para apresentar os dados, estabelecemos uma categoria centralizada em “quando e o que” ensinar sobre dança no Ensino Médio (EM) a partir do olhar dos documentos (PCE e BNCC) e dos professores especialistas, análise que foi construída em três etapas distintas.

QUANDO E O QUE ENSINAR SOBRE DANÇA NO ENSINO MÉDIO?

O que dizem as Propostas Curriculares Estaduais?

A dança foi proposta como um conteúdo para o EM em 19 dos 21 documentos investigados, tanto Piauí (2013) quanto Sergipe (2010) trouxeram a dança apenas até o Ensino Fundamental, e por isso foram desconsideradas. Os demais textos propõem a dança em pelo menos um dos anos do Ensino Médio, no entanto, como podemos observar na Tabela 1, a maioria a sugere em todos eles (1º, 2º e 3º ano).

Tabela 1 Quando ensinar a dança no Ensino Médio? 

PCE Manifestação da dança
AL, AM, AP, ES, MA, MS, PE, RO, RS e DF3. Todos os anos do EM.
AC e SP. 1° e 3° anos do EM.
RJ Apenas no 2° ano do EM.
CE, GO, MG, MT, PR e TO. Não propõe organização curricular mas sugere a dança como um conteúdo legítimo do EM.

Fonte: Próprio autor.

Ter a dança indicada na maioria das PCE para todos os anos do Ensino Médio (10 de 19 Propostas - 52,63%) demonstra uma compreensão significativa de sua relevância no contexto educacional para esses documentos, ressaltando que o seu espaço seja garantido na escola. Isto é, em termos curriculares há indícios consideráveis sobre sua importância no EM, o que corrobora dados encontrados nas PCE do Ensino Fundamental (DINIZ; DARIDO, 2015). Há, portanto, identificação com textos relevantes da área como o Coletivo de Autores (SOARES, et al., 1992), os PCN (BRASIL, 1998) e os encaminhamentos das tendências renovadoras que propõem uma Educação Física para além do esporte (BRACHT, et al., 2011).

Em termos de conteúdo, ou seja, em relação ao questionamento “O que deve ser ensinado sobre dança no Ensino Médio?” os dados são bastante diversos, e, além disso, muitos documentos deixaram tal proposição em aberto, sugerindo que essa decisão seja tomada pelas escolas, indicando uma concepção relativista de cultura e educação (CUCHE, 2002).

Entendemos que a garantia de alguns direitos de aprendizagem seria essencial, uma vez que esse é um dos maiores desafios dos professores de Educação Física. Isso não quer dizer que ignoramos as particularidades, ou mesmo, que não reconhecemos a importância da comunidade na construção do currículo, pelo contrário, acreditamos que esse processo é fundamental. Entretanto, poucos professores têm certeza sobre o itinerário de aprendizagem que estão implantando, sem mencionar a repetição de conteúdos, que acontece com frequência (SOARES, 1996). Tal processo está relacionado com a falta de clareza sobre o papel da Educação Física na escola, ou como já dizia Kunz (1994) na bagunça interna que temos na área.

Isso significa que subscrevemos uma proposta que entende a cultura corporal como uma expressão humana de ampla relevância e que requer a designação de metas comuns, sem desconsiderar as particularidades de cada região, ou seja, convergindo em uma concepção mais universalista de cultura (CUCHE, 2002). Os documentos curriculares, muitas vezes, são utilizados pelos docentes como um respaldo teórico, e a ausência de pilares norteadores mais específicos podem atrapalhar a construção do trabalho educacional e contribuir com o distanciamento de conteúdos menos tradicionais das aulas, como é caso da dança.

Já sobre a pergunta: “O que ensinar sobre dança no Ensino Médio?”, não construímos uma análise ano a ano pois os dados foram bastante diversos, e assim, buscamos apresentar as principais interfaces identificadas. Ponderamos que uma PCE pode aparecer em mais de um item, pois ela não apresenta apenas um dos conteúdos/temas sugeridos na primeira coluna. Ademais, a Tabela 2 traz os dados que apareceram de maneira explícita nos textos investigados, posto que, em alguns deles os termos eram genéricos e passíveis de interpretações dúbias.

Tabela 2 O que ensinar sobre dança no EM segundo as PCE? 

Proposta de Conteúdos/Temas PCE
Danças populares/folclóricas. AP, AM, DF, ES, GO, PR, PE, RS, RO, TO, SP.
Danças urbanas (funk, dança de rua, etc). GO, MA, PR, RS, SP, TO.
Danças de salão (forró, salsa, valsa, etc). GO, PR, TO.
Gênero e dança. GO, MA, MS, MG.
Mídia e dança. MA, MS, MG, TO.
História / aspectos socioculturais. AP, ES, GO, MA, MG, MT, PE, TO, SP, RO, RS.
Proposições generalistas: práticas de dança, dançar em diferentes espaços, passos de dança, ritmo na dança, etc. AC, MT, ES, AL, AP, AM, DF, ES, MA, MG, MS, PE, MT, RJ, RO, SP, PE.
Sem proposição. CE.

Fonte: Próprio autor.

Os dados ilustram que ainda há dúvidas sobre o que deve ser ensinado sobre dança no EM frente à diversidade de práticas, bem como pela presença de sugestões generalistas, como, por exemplo, a indicação do ensino de “práticas de dança”. Quando consideramos as adversidades no ensino desse conteúdo, tal direcionamento pode refletir no seu silenciamento. As experiências educacionais têm demonstrado que são necessárias diferentes formas de apoio aos professores, o que acentua a relevância das PCE no oferecimento de um suporte mínimo.

Em contrapartida, identificamos proposições relevantes no que diz respeito a grupos específicos de manifestações, como as danças populares, de salão e de rua. As danças populares, em particular, foram citadas por 11 PCE (57,89% dos 19 documentos). Comparando com os demais dados, reconhecemos o impacto dessas manifestações para os documentos curriculares, sinalizando uma valorização dos saberes da cultura popular. Cascudo (2012) afirma que a cultura popular reúne saberes diversos sob um terreno imaterial coletivo, que frente à sua grande importância social, precisam transcender para diferentes esferas educativas. Nesse âmbito, reafirmamos que as danças populares se tratam de um saber que traduz os costumes dos povos, suas histórias, músicas, comportamentos sociais, crenças, entre outros. Conhecimentos que são mediados por conotações corporais que lhes atribuem sentidos únicos, enveredando caminhos sobre os quais cada povo constrói e transforma sua cultura.

Nossa primeira análise denotou a diversidade de indicações para o ensino da dança, e ao mesmo tempo demarcou alguns saberes relevantes quando nos perguntamos quais danças precisamos ensinar no EM. Salientamos que a crítica à visão generalista de algumas PCE foi justamente por acreditarmos que propostas mais objetivas podem auxiliar no cumprimento dos direitos de aprendizagem dos alunos e ainda dar espaço às particularidades. São esses documentos que legitimam o trabalho do professor e podem colaborar diretamente com uma maior compreensão da comunidade sobre qual o real papel da Educação Física na escola.

O que diz a Base Nacional Comum Curricular?

A proposta de criação de uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC) não é nova, ela é prevista desde a Constituição Federal de 1988, no entanto, foi em 2014, com a publicação das 20 metas do PNE (Plano Nacional de Educação) que o projeto ganhou força.

A BNCC tem como objetivo estruturar os direitos de aprendizagem para diferentes etapas de escolarização, a fim de orientar a elaboração dos currículos e promover maior coesão entre eles. Isto é, as propostas e currículos existentes, precisariam minimamente se adequar a esse documento norteador, uma vez que ele foi proposto para todo o país. A meta da BNCC não é engessar as escolas, mas estabelecer direitos mínimos de aprendizagem dos alunos, dando respaldo para que as instituições considerem suas particularidades no processo educacional.

Nesse estudo, consideramos para análise dois documentos distintos, a BNCC do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017) e a do Ensino Médio (BRASIL, 2018). Após passar pelo Conselho Nacional de Educação - CNE, o documento do Ensino Médio foi homologado em 2018. Incluímos o Ensino Fundamental na análise pois o documento final do EM demorou para ser apresentado, e, ademais, trazia poucas respostas acerca de nossos principais questionamentos. Dessa maneira, investigar como a dança foi tratada em toda a BNCC foi crucial para entender a proposta desse documento curricular.

A dança na Base é proposta nos cinco ciclos escolares em que a Educação Física está presente (1º e 2º ano; 3º ao 5º; 6º e 7º; 8º e 9º e 1º ao 3º ano do Ensino Médio). Esse conteúdo, juntamente com o esporte e a ginástica foram os únicos elencados em todas as etapas escolares, enquanto os demais (jogos e brincadeiras, lutas e práticas corporais de aventura) foram distribuídos apenas em alguns ciclos. Logo de imediato, destacamos a relevância que é atribuída à dança na BNCC, visto que, em comparação com o esporte e a ginástica, a dança aparentemente possui registros de dificuldades mais acentuados no campo escolar.

De forma geral, nos quatro ciclos iniciais, identificamos um objetivo comum a saber: conhecer os ritmos, os gestos e os espaços das danças propostas. Isto é, a BNCC preceitua que os alunos reconheçam essas manifestações por meio dos passos característicos, locais de execução e organização rítmica, salientando minimamente o que precisa ser aprendido. Isso significa, que, independente da dança tratada, os alunos terão que saber passos, ritmo e onde são feitas, o que se constitui em um avanço significativo em relação às PCE. É importante frisar que esses elementos não podem ser trabalhados apenas com danças previamente selecionadas, ou com a construção de coreografias, e que a base poderia ter deixado isso mais explícito uma vez que pode indicar uma restrição no trabalho com a dança na escola.

Compreendemos ao analisar a BNCC, que sua proposta não é isolar tais fatores durante o processo de aprendizagem, posto que, como acentuam Kleinubing et al. (2012), ensinar a dança vai muito além da reprodução de movimentos, é necessário proporcionar espaço para criatividade, sem desconsiderar os saberes prévios dos alunos e prezando por uma formação autônoma e crítica. As orientações gerais da BNCC (BRASIL, 2017) reforçam a necessidade de uma formação autônoma para usufruto das práticas corporais, de forma contextualizada e que possibilite uma reconstrução dos saberes dos alunos. Entretanto, quando são apresentadas as diretrizes específicas para a dança, tais indicativos poderiam ter ficado mais explícitos, a fim de reforçar a abordagem da dança para além dos repertórios culturalmente instituídos.

Queremos dizer que dançar vai muito além da reprodução de passos (STRAZZACAPA, 2001; MARQUES, 2003; KLEINUBING et al., 2012) é necessário ressignificar os gestos, compreender de onde eles vêm, como podem ser transformados, quais significados podem ter a partir do olhar do aluno, entre outros. Esse ponto, inclusive é destacado como uma das barreiras que atrapalham o ensino da dança na escola, uma vez que os professores acreditam que possuir o conhecimento técnico e solicitar aos alunos sua reprodução seja o único caminho para o tratamento desse saber na escola (KLEINUBING et al., 2012). Daí a importância de deixar evidente em um documento curricular como a BNCC, que o professor não deve se apropriar de um método tecnicista, mecânico e que se baseia apenas na imitação, afinal, “[...] nem só de repertórios vive a dança” (MARQUES, 2003, p. 31).

Como salientamos anteriormente, a BNCC vem com o propósito de garantir direitos de aprendizagem, e suas indicações acerca do que ensinar foram pensadas a partir desse pilar, haja vista as dificuldades que os professores possuem diante da falta de organização curricular da área. Em nosso ponto de vista, isso não quer dizer que ela pretende limitar o ensino da dança aos repertórios culturalmente instituídos, mas sim, garanti-la na escola, o que sabemos que ainda não acontece. Talvez essa compreensão gere tensões diante da indicação itinerários de aprendizagem, que sabemos que não é unanimidade entre os educadores. Nesse escopo, o documento poderia ter sido mais cauteloso e demarcado a existência de abordagens educacionais para o ensino da dança e de outros conteúdos para além do que é proposto, reafirmando uma postura menos diretiva.

Especificamente, no que diz respeito ao questionamento “O que ensinar?” sobre dança, a BNCC divide o conteúdo em cinco momentos distintos de acordo com os ciclos estabelecidos, conforme pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3 O que ensinar sobre dança - Proposta da BNCC (BRASIL, 2017; 2018

Temas propostos Ciclos
- Danças do contexto comunitário e regional. 1º - 1º e 2º ano
- Danças do Brasil e do mundo. - Danças de matriz indígena e africana. 2º - 3º ao 5º ano
- Danças Urbanas. 3º - 6º e 7º ano
- Danças de salão. 4º - 8º e 9º ano
- Não há direcionamentos específicos aos conteúdos da cultura corporal. 5º - 1º ao 3º do EM

Fonte: Próprio autor.

Frente ao desafio de seleção das danças que seriam tratadas ao longo da Educação Básica, um dos critérios utilizados no primeiro e segundo ciclo foi uma escala de localização. Ou seja, há uma proposição que evoluiu das danças do contexto local, seguindo para as danças do Brasil e do Mundo. Devido à dificuldade de colocar em prática uma organização/classificação da dança a partir da lógica interna4 (PARLEBÁS, 2001), como foi feito com o esporte, supomos que a BNCC acabou adotando outra alternativa.

Tal critério implementado nos primeiros ciclos, enfatiza, de certo modo, as danças populares, frente à proposição de danças regionais, nacionais e do mundo. Fato que isso não seria uma regra, mas fortalece as manifestações que são típicas em diferentes escalas e que possuem representatividade pelo Brasil. Lembremos que na análise das PCE, identificamos dados similares (11 documentos 57,89% do total indicaram danças populares).

No segundo ciclo, temos também a presença das danças indígenas e africanas, manifestações que não apareciam em versões anteriores da BNCC. Acreditamos que ao longo do processo de construção, essa sugestão tenha sido apropriada como uma forma de reconhecimento dessas práticas para uma educação cidadã e democrática, o que consideramos um avanço importante do documento. Na atualidade, não trazer explicitamente em um documento como a BNCC menção aos saberes afro-brasileiros e indígenas pode contribuir para o silenciamento dessas práticas que são fundamentais na constituição do povo brasileiro.

Já no terceiro e quarto ciclos a lógica externa, que pode ser compreendida como as dimensões sociais, culturais e históricas que caracterizam os diferentes estilos de dança, foi aparentemente empregada como um recurso para organização das danças. Nesse escopo, dois grupos diferentes de manifestações foram sugeridas: as danças urbanas e as de salão.

Especificamente, no terceiro ciclo identificamos as danças urbanas, o que ressaltou a relevância dessas manifestações em território nacional, destacando o papel delas na construção da identidade juvenil. Cinco PCE do EM propuseram o tratamento dessas manifestações nas aulas de Educação Física, apesar da BNCC sugerir o conteúdo ainda no Ensino Fundamental.

No que diz respeito às danças de salão (quarto ciclo), acreditamos que as mesmas também possuem um significado importante em nossa cultura, estando presentes nos encontros de família, nas tradicionais festas de 15 anos, nos casamentos, entre outros. Das PCE investigadas nessa pesquisa, três propuseram-nas para o EM: Tocantins, Goiás e Paraná.

Cabe ressaltar que, apesar dessas interfaces com algumas PCE, as danças populares, urbanas e de salão são propostas pela BNCC em ciclos anteriores e não para o EM. A orientação para essa etapa na BNCC é desenvolvida de forma geral para todas as práticas da cultura corporal, com ênfase para a continuidade das propostas do Ensino Fundamental e para o desenvolvimento da autonomia. Segundo o documento, no Ensino Médio:

[...] a abordagem integrada da cultura corporal de movimento na área de Linguagens e suas Tecnologias aprofunda e amplia o trabalho realizado no Ensino Fundamental [...] temas como o direito ao acesso às práticas corporais pela comunidade, a problematização da relação dessas manifestações com a saúde e o lazer ou a organização autônoma e autoral no envolvimento com a variedade de manifestações da cultura corporal de movimento permitirá aos estudantes a aquisição e/ou o aprimoramento de certas habilidades (BRASIL, 2018, p. 475-476).

O documento indica que, uma vez passado pelo Ensino Fundamental, o aluno já terá vivenciado uma gama significativa de práticas, e assim, a proposta para o EM é estimular a autonomia. O que nos preocupa nesse encaminhamento é justamente o risco de invisibilidade da dança nessa etapa tão relevante da formação básica.

Apesar de acreditarmos na importância de um processo formativo autônomo, assinalamos que o potencial do EM foi pouco explorado. Recuperando nosso objetivo, a dança no EM segundo a BNCC (BRASIL, 2018) trouxe poucos avanços, isto é, não há subsídios para compreender “o que” deveria ser ensinado. Ressaltamos que a BNCC do EM faz esse encaminhamento para todos os conteúdos, mostrando-se restrita em relação a versão do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017). Talvez, a crise política vivida pelo país, que resultou dentre tantas ações, na reformulação do EM por meio da Medida Provisória n. 746/2016 (oficializada com a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional5), tenha influenciado diretamente na construção da BNCC, que frente a proposta de flexibilização do EM não sinaliza caminhos formativos concretos e deixa a Educação Física fragilizada nessa etapa formativa.

O que dizem os especialistas?

Denominamos como especialistas, os professores que trabalham na formação inicial em Educação Física, nas disciplinas voltadas à dança. Procuramos entender quais são os preceitos ensinados aos futuros docentes e como eles podem auxiliar na compreensão do que ensinar sobre dança no EM. Foram onze participantes das seguintes Universidades: UFC (Ceará), UFES (Espírito Santo), UFG (Goiás), UFMS (Mato Grosso do Sul), UFPR (Paraná), UFSC (Santa Catarina), UNB (Brasília), UNESP (Bauru - SP), UNESP (Rio Claro - SP), UNICAMP (Campinas - SP) e UNIR (Rondônia).

Sobre o primeiro questionamento acerca da presença da dança no EM, todos os professores postularam a relevância desse conteúdo, corroborando dados das PCE e da BNCC. A análise da presença ou não desse conteúdo em cada um dos anos do EM, evidenciou apenas uma fala destoante, a do Professor 10 que sugeriu que ela fosse incluída somente no 1º e 2º anos, uma vez que, no 3º devido sua proximidade com o vestibular não seria tão adequado.

Apesar de respeitar tal posicionamento, acreditamos que não há relações diretas entre os argumentos apresentados. A dança é um conteúdo como qualquer outro da cultura corporal e não deveria ser considerada com menor magnitude nesse momento da formação. Além disso, o argumento diz respeito apenas àqueles alunos que se direcionam ao Ensino Superior, que, segundo dados do INEP gira atualmente em torno de 25%. E os demais estudantes que não se encaixam nesse prospecto? Não teriam direito de vivenciar a dança e os seus saberes no 3º ano?

Direcionando o enfoque para o que deveria ser ensinado em cada ano segundo os especialistas, os dados foram diversos, de forma que, apresentaremos aqueles mencionados com maior frequência no Gráfico 1. Cada docente respondeu mais de uma modalidade, e, por isso, o número total de citações não corresponde ao de participantes.

Fonte: Próprio autor.

Gráfico 1 Danças a serem ensinadas no EM segundo os especialistas. 

Os dados reafirmaram aqueles anteriormente discutidos nas PCE, de forma que, tivemos como maiores destaques as danças de salão (9 professores - 3 PCE), as danças populares (8 professores - 11 PCE) e as danças urbanas (8 professores - 6 PCE). Isto é, essas manifestações apresentaram um reconhecimento significativo tanto pelos documentos curriculares estaduais, quanto pelos entrevistados. Segundo o Professor 7:

[...] a gente pode colocar aqui, por exemplo, o trabalho com danças de salão, danças folclóricas, danças sociais urbanas, como no caso do hip hop e do funk, eu acho que são conteúdos bem interessantes para serem dados no EM, por que? Porque são conteúdos que de certo modo os adolescentes têm muito a sua volta, né? (Informação verbal - Professor 7, 2016 - Grifo nosso).

A BNCC no EM, como falamos anteriormente, não propõe conteúdos específicos (danças folclóricas, urbanas, de salão, etc.), nessa etapa foi reservado um espaço mais autônomo da escola e de seus atores, para selecionar as danças que serão tratadas. Essas manifestações apesar de serem sugeridas na Base, foram indicadas, como vimos, em outros ciclos escolares.

Alguns professores apesar de responderem a questão, apontaram a necessidade de fazer um diagnóstico com os alunos, a fim de considerar o que eles já sabem. Dois professores, preferiram inclusive, não responder essa pergunta, afirmando que a definição desses conteúdos deve ser feita sempre em conjunto com os alunos. Como aponta a Professora 6:

Eu não selecionaria, eu acho que isso partiria de um diálogo com a turma, de uma pesquisa prévia, do que eles já viram em anos anteriores, o que aprenderam de dança na escola, então a partir desse levantamento [...]trabalharia dentro da perspectiva dialógica que Paulo Freire propõe, como que professor e aluno juntos caminham? Aprendendo juntos e tomando decisões coletivamente [...]. (Informação verbal - Professora 6, 2016).

Mesmo considerando essa informação valorosa, encaminhamos um discurso em prol da garantia dos direitos mínimos de aprendizagem, de forma que, uma das metas do estudo foi justamente mapear como pensavam esses docentes sobre o percurso da dança no EM, para que tivéssemos maior clareza sobre as possibilidades pedagógicas.

No Gráfico 1, destacamos também a presença das danças da moda/atualidade (4 professores), como foram denominadas pelos especialistas. Tivemos posicionamentos distintos sobre o assunto: enquanto alguns refutaram os saberes da indústria de massa, outros creditaram potencial educativo à eles. A Professora 1, por exemplo, destacou que muitas vezes os alunos já estão saturados dessas manifestações, e que o ideal seria partir para um trabalho diferente. Já a Professora 2, reforçou que dar voz aos alunos e procurar discutir e vivenciar manifestações populares entre os jovens, atribui maior significado para a aula. A Professora 5 assinala que:

[...] eu posso começar pelas danças do Faustão, por exemplo, e falar para eles que aquilo não é exatamente uma dança de salão... e caminhar para a dança de salão. Eu posso partir de danças em séries, [...] dança de rua, e apresentar para eles que danças de rua são um leque imenso... que tem o hip hop, o break, o waacking, o popping, que agora o funk tá entrando em reformulações nesse rol de danças de rua (Informação verbal - Professora 5).

Validamos tal vertente, posto que é importante aproveitar as danças que estão na mídia e o quanto os alunos se motivam em explorá-las no EM (KLEINUBING, 2009). A autora pondera que é necessário conhecer o universo cultural discente durante o processo de (re)construção dos saberes, e que, portanto, o currículo não pode desconsiderá-los. Na BNCC essa reflexão é contemplada nos espaços dedicados as especificidades de cada contexto, ou seja, há um reconhecimento sobre a necessidade de respeitar as características locais mesmo diante da proposição dos itinerários de aprendizagem, sugestão que é ainda mais presente no EM.

Todavia, esse direcionamento poderia ser repensado, isto é, ao invés do EM focar apenas na autonomia de seleção dos conteúdos pelos alunos, as propostas poderiam ser distribuídas uniformemente ao longo dos ciclos, colocando momentos para escolha da comunidade em todas as etapas. A ausência de orientações mais específicas pode contribuir para uma compreensão de que os alunos devem escolher quais conteúdos gostariam de aprender, quando na verdade, o anseio é que dentro do currículo proposto, do planejamento e da identidade local, o professor construa seu plano de ação de forma que os direitos de aprendizagem sejam garantidos.

O questionamento em direção ao “o que ensinar” a partir do momento que temos uma manifestação selecionada, segundo os especialistas, são apresentados no Gráfico 2. Selecionamos inicialmente três pontos, que apesar de não serem os mais citados, dizem respeito aos temas mais específicos de uma dança, ou seja, fatores que deveríamos priorizar nas aulas. São eles: os aspectos culturais (8 professores), a história (6 professores) e o ritmo (7 professores).

Fonte: Próprio autor.

Gráfico 2 Especialistas: o que ensinar sobre dança? 

Compactuamos com a proposta delineada pelos especialistas, afinal, é de suma importância que os alunos não conheçam a dança apenas por meio das vivências, mas também se apropriem de suas facetas mais amplas apoiadas na construção histórica, na cultura por trás de suas características, bem como, no ritmo que lhe é próprio.

O tratamento dos aspectos histórico-culturais da dança significa que a escola precisa dimensionar saberes relacionados à origem, suas intencionalidades, transformações ao longo do tempo, em quais espaços são executadas, os valores que a cercam, entre outros. Enfim, ensinar dança vai muito além dos procedimentos, assim como acreditamos que a Educação Física precisa fazer com os demais conteúdos da cultura corporal. Segundo a Professora 3:

[...] pensando na dança, eu acredito que... ao concluir o ensino médio, os alunos, seria importante que eles tivessem uma noção básica, da história da dança no mundo, e também da história no Brasil, né? Pelo menos um... uma noção mais geral[...]. A origem, a história, enfim... [...]. E aí, também a relação da dança com a cultura, o modo de vida dos diferentes povos, diferentes crenças, diferentes relações e organizações sociais, redação de trabalho, enfim, o quanto a dança representa a cultura, né? (Informação Verbal - Professora 3).

Recuperando os dados das PCE, identificamos uma convergência com 11 documentos que propuseram a abordagem de aspectos histórico-culturais, assim como a BNCC, que especificamente no EM, sugere como um de seus objetivos a compreensão das transformações históricas pelas quais as danças selecionadas tenham passado. Essas convergências ratificam o peso desses saberes para a aprendizagem da dança na escola.

Outro elemento citado de forma reconhecida pelos professores foi a percepção rítmica (7). Tal vertente indica a importância de trabalhar o ritmo com os alunos para além dos estilos da dança. Isto é, antes mesmo de abordar uma dança popular ou de salão, por exemplo, os participantes sugeriram que o ritmo fosse explorado em sua essência. Para o Professor 7, por exemplo, o ritmo é um conteúdo essencial e deve receber um cuidado importante no planejamento e no trabalho com a dança. Tanto a BNCC quanto as PCE apresentaram dados relacionados ao ritmo, indicando o seu potencial no contexto de ensino da dança.

Sobre os demais dados ilustrados no Gráfico 2, inicialmente falaremos do conceito de dança (7 professores). Compreendê-lo, deveria ser proposto no EM antes mesmo de entrar em modalidades ou estilos específicos. Para os participantes é essencial que os estudantes consigam responder de maneira crítica quais significados estão por trás dessa manifestação, distinguindo-a de outros conteúdos da cultura corporal. É importante refletir junto aos alunos do EM sobre o conceito da dança, envolvendo suas características principais e incluindo na discussão aspectos como ritmo, expressão, cultura, movimentos e como tudo isso se transforma em dança.

Outra interface que a princípio não se relaciona diretamente com nenhuma modalidade de dança, e que, inclusive pode até ser considerada um método ou estratégia de ensino, foi a criação/improvisação, citada por 9 especialistas. A BNCC também acentuou a criatividade como uma proposta para o EM, apesar de não dar tanto destaque em relação a outros objetivos.

Os dados indicam como é significativa a oportunidade de criar saberes por meio da dança, indo além da reprodução de movimentos, substanciando o trabalho com as composições individuais e coletivas. Segundo o Professor 7 a criação é essencial para o processo educacional em dança, é necessário antes de tudo que o aluno tenha um vocabulário motor, ele precisa experimentar, criar, transformar, para que posteriormente tenha condições de se apropriar de ritmos específicos. Tais reflexões corroboram dados de pesquisadores reconhecidos no campo da dança (STRAZZACAPA, 2001; MARQUES, 2003; KLEINUBING et al., 2012) o que apenas ressalta a necessidade do professor garantir espaços para a exploração de movimentos, posto que são essas experiências que deixarão os alunos seguros para criar.

Segundo Marques (2003) as experiências com dança na escola não podem ser prisões de passos e sequências, não podem impedir as sensações que cada movimento proporciona, ou mesmo inviabilizar as trocas entre os alunos. Ela deve compor o currículo para conectar as experiências pessoais com aquelas trazidas pelo professor, promover reflexões sobre os ideais de corpos, análises sobre as danças da mídia e o quanto elas influenciam as nossas práticas, privilegiando a improvisação e a composição coreográfica (MARQUES, 2003).

Por fim, pontuamos que essa investigação permitiu uma compreensão mais clara acerca do percurso formativo em dança no EM, a partir de documentos curriculares e do olhar dos especialistas, o que, de certo modo, oferece maior suporte para os professores se apropriarem das orientações propostas para dança no campo escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Frente ao nosso objetivo de delinear caminhos formativos para a dança no EM a partir de investigações nas Propostas Curriculares Estaduais (PCE), na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e nos relatos de professores que trabalham com a formação inicial de Educação Física nas disciplinas de dança, podemos afirmar que foi possível construir uma base científica expressiva, apesar da grande diversidade de dados. Ademais, foi possível ainda, defender politicamente a relevância desse conteúdo na escola como um saber cultural contextualizado, que precisa ser garantido como um direito a todos os estudantes.

A análise das PCE, da BNCC (BRASIL, 2017; 2018) e das entrevistas com os especialistas evidenciou que ainda há dificuldades latentes em responder o que deve ser ensinado sobre dança no Ensino Médio. A pouca unidade entre as vertentes examinadas confirma que estamos em processo para compreender como a dança deve ser organizada ao longo da Educação Básica, ainda que tenhamos delineado algumas possibilidades.

Sabemos que a sistematização dos conteúdos da cultura corporal é um obstáculo da área como um todo, aspecto que há algum tempo tem sido mencionado por diversos pesquisadores e professores que trabalham na escola (GONZÁLEZ, 2006; FREIRE; SCAGLIA, 2009; DARIDO et al., 2010). Todavia, para dança esse é problema ainda maior, uma vez que nos faltam experiências pedagógicas, propostas de intervenção e até mesmo respaldo teórico.

A despeito de tais limitações, identificamos com as PCE e com os especialistas, alguns direcionamentos relevantes que permitiram destacar três blocos distintos como conteúdos importantes para compor o EM: as danças de salão (9 professores e 3 PCE), as danças populares (8 professores e 11 PCE) e as urbanas (8 professores e 6 PCE). Já a BNCC, apesar de não indicar quais danças precisam ser garantidas no EM de forma específica, evidenciou as mesmas manifestações para fases anteriores da Educação Básica. Nesse sentido, é preciso reconhecer o papel que as danças populares, de salão e urbanas assumem em nível nacional, uma vez que foram apontadas por referenciais curriculares relevantes e diferentes.

Analisando com maior proximidade, identificamos que as danças propostas foram aquelas que de fato compõem a cultura nacional, visto que estão presentes nas festas de diferentes naturezas, nos núcleos familiares, nos espaços de lazer, nos diversos nichos da juventude, nas associações e nos grupos culturais. Tal indicativo, direciona para escola um acervo de práticas que precisam ser reconhecidas e preservadas como saberes curriculares, e que, portanto, precisam ser legitimadas como conteúdos.

De modo mais específico, também foi possível traçar alguns direcionamentos sobre “o que” ensinar após a escolha de uma determinada prática. Face a mais esse desafio, detectamos como fatores primordiais os aspectos históricos e culturais, o ritmo e a expressividade, o conceito de dança e o espaço para criação, elementos já mencionados por pesquisadores da área (STRAZZACAPA, 2001; MARQUES, 2003; KLEINUBING et al., 2012).

Apesar de alguns especialistas se mostrarem receosos em propor parâmetros sobre “o que” ensinar de cada dança, frente à relevância da autonomia escolar nesse processo, foi possível elencar alguns temas e associar com preceitos das PCE para chegar em um posicionamento. Compreendemos que não se trata de delimitar as possibilidades dos professores, mas de traduzir alternativas que possam auxiliar o seu trabalho. Por fim, salientamos que se não foi possível estabelecer grandes acordos com nossa investigação, ao menos, a partir do cruzamento de dados, ressaltamos pontos de partidas relevantes para o ensino da dança na escola.

AGRADECIMENTOS

Reservamos agradecimentos a Capes pelo apoio financeiro para o desenvolvimento desse estudo.

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FINANCIAMENTO A pesquisa de doutorado foi financiada durante parte do desenvolvimento do estudo pela Capes. Reservamos agradecimentos nesse sentido.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Cabe salientar que diante das especificidades do presente estudo, o mesmo foi encaminhado para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-IB-UNESP) via Plataforma Brasil, obtendo aprovação sob o número 1.210.309.

2Salientamos que durante a realização da pesquisa, talvez novas propostas tenham sido elaboradas, ou mesmo, que o arquivo disponibilizado pelas secretarias não fossem as versões mais atualizadas.

3Apesar da dança ser proposta em todos os anos do EM pela PCE do Distrito Federal, cabe uma ressalva, uma vez que o documento desenvolveu a área de Linguagens de forma conjunta, e assim não é possível identificar em alguns momentos, se a dança está como uma proposta da disciplina de Artes ou de Educação Física.

4A lógica interna faz parte dos conceitos desenvolvidos pela Praxiologia Motriz, campo de conhecimento que surgiu na França na década de 1960, conduzido por Pierre Parlebas. Essa área desenvolve saberes que auxiliam na análise e compreensão da lógica interna dos jogos tradicionais, ou seja, investiga a estrutura e a dinâmica das unidades motoras e a forma como elas se organizam no movimento como um todo.

5LDB alterada pela MP n. 746. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm>. Acesso em: 07 ago. 2018.

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

1Iniciamos essa pesquisa com a Segunda Versão da BNCC (2016), todavia, ao longo do processo, o documento final foi homologado pelo MEC e assumimos os textos mais atuais nessa análise, isto é, a BNCC do Ensino Fundamental (BRASIL, 2017) e a do Ensino Médio (BRASIL, 2018). É importante ponderar que apesar da homologação, o documento do EM ainda passa por debates entre os professores e a sociedade como um todo.

Recebido: 02 de Maio de 2018; Aceito: 16 de Setembro de 2018

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Salientamos que não houve conflito de interesses de nenhuma natureza nessa pesquisa.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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