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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.58 Florianópolis abr./jun 2019  Epub 11-Set-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e55644 

Porta Aberta

O (re)conhecimento da cultura na Educação Física latino-americana: uma leitura a partir de documentos educacionais

The recognition of Culture in latin american Physical Education: a Reading from educational documents

El reconocimiento de la Cultura en la Educación Física latino-americana: una lectura a partir de documentos educativos

Vitor Hugo Marani1 
http://orcid.org/0000-0003-0972-5043

Reginaldo Calado de Lima2 
http://orcid.org/0000-0001-8647-9478

Larissa Michelle Lara3 
http://orcid.org/0000-0001-9210-6360

1Mestre em Educação Física Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, Campus Universitário do Araguaia, Barra do Garças, Mato Grosso, Brasil. vitorhmarani@gmail.com

2Mestra em Educação Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Educação Física, Maringá, Paraná, Brasil. antenamuzenza@gmail.com

3Doutora em Educação Universidade Estadual de Maringá - UEM, Departamento de Educação Física, Maringá, Paraná, Brasil. lmlarauem@gmail.com


RESUMO

O texto foi estruturado pelo reconhecimento da tematização da cultura na educação física a partir da leitura de documentos educacionais orientadores da referida área em países latino-americanos. Para tanto, foram selecionados oito países que integram a América Latina - Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, México, Uruguai e Venezuela - bem como, os respectivos documentos que orientam a educação e a educação física desses países com o intuito de problematizar como a cultura emerge nesses diferentes contextos sociais. A partir da leitura, foi possível constatar que a cultura não é um dos principais temas abordados nos documentos, embora esteja presente na discussão que envolve a área sob prismas distintos. Em suma, grande parte dos documentos tematiza a cultura a partir de perspectivas em que a tônica esteja no diálogo com a área das ciências humanas e sociais, o que aponta para a movimentação da área em buscar novas problemáticas que se atentem à valorização do movimento humano nas aulas de educação física por meio do reconhecimento das particularidades culturais de cada país.

PALAVRAS-CHAVE: Educação física; Cultura; Políticas educacionais

ABSTRACT

The text was structured by the recognition of the thematization of culture in physical education from the reading of educational documents guiding the said area in Latin American countries. To this end, eight countries that integrate Latin America - Argentina, Bolivia, Chile, Colombia, Cuba, Mexico, Uruguay and Venezuela - have been selected, as well as the respective documents that guide the education and physical education of these countries in order to problematize how culture emerges in these different social contexts. From the reading, it was possible to verify that the culture is not one of the main subjects addressed in the documents, although it is present in the discussion that involves the area under different prisms. In short, most documents thematize the culture from perspectives in which the emphasis is on the dialogue with the area of ​​human and social sciences, which points to the movement of the area in search of new problems that are attentive to the appreciation of human movement in physical education classes through the recognition of the cultural particularities of each country.

KEYWORDS: Physical education; Culture; Educational policies

RESUMEN

El texto fue estructurado por el reconocimiento de la tematización de la cultura en la educación física a partir de la lectura de documentos educativos orientadores de la referida área en países latinoamericanos. Para ello, se seleccionaron ocho países que integran América Latina - Argentina, Bolivia, Chile, Colombia, Cuba, México, Uruguay y Venezuela, así como los respectivos documentos que orientan la educación y la educación física de esos países con el propósito de problematizar como la cultura emerge en esos diferentes contextos sociales. A partir de la lectura, fue posible constatar que la cultura no es uno de los principales temas abordados en los documentos, aunque esté presente en la discusión que involucra el área bajo prismas distintos. En suma, gran parte de los documentos tematiza la cultura a partir de perspectivas en que la tónica esté en el diálogo con el área de las ciencias humanas y sociales, lo que apunta al movimiento del área en buscar nuevas problemáticas que se atenten a la valorización del movimiento humano en las clases de educación física por medio del reconocimiento de las particularidades culturales de cada país.

PALABRAS-CLAVE: Educación física; Cultura; Políticas educativas

INTRODUÇÃO

A reflexão acerca da tematização da cultura no campo da educação física em países da América Latina exige que lancemos mão de algumas estratégias. É preciso que tenhamos claro qual conceito de cultura vigora, tanto em nossa realidade, como investigadores, quanto nos contextos investigados. E que ao analisarmos a realidade latino-americana, um contexto culturalmente diversificado, o façamos com uma postura descritiva, que nos permita destacar aproximações e distanciamentos, sem, no entanto, degenerar para uma comparação valorativa, o que exige postura cautelosa frente à análise dos documentos oficiais que regem a educação e a educação física dos seguintes países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Cuba, México, Uruguai e Venezuela.

O interesse que aqui se expressa pela tematização da cultura, está assente em reflexões que nos permitem perceber o enfoque privilegiado que a ideia de cultura tem recebido em diversos domínios, entre os quais, o campo da educação física brasileira que está permeado pelo conceito de cultura a partir da década de 1990. A abrangência da ideia de cultura não está restrita aos domínios da educação física, tampouco é algo inédito. Talvez o que seja relativamente contemporâneo seja o foco e a intensidade que tem se dado às questões relacionadas à esfera cultural, que outrora se restringiam às esferas políticas, produtivas, jurídica e etc. (HELL, 1989; HALL, 1997; DENNING, 2005).

Nesse contexto, em que a ideia de cultura se articula a outros tantos domínios, tem sido comum o aparecimento de termos derivativos que, via de regra, dão-se a partir da articulação do termo cultura com termos próprios de cada campo. Esse foi o caso da educação física brasileira, que, como sinaliza Daolio (2005), registrou na década de 1990 a forja de conceitos, que utilizaram o termo cultura articulado a termos tradicionalmente reconhecidos nos domínios da educação física. Assim, termos como cultura corporal, cultura do movimento, cultura física, cultura corporal do movimento, passaram a compor o repertório epistemológico da educação física brasileira. O que favoreceu a aproximação da educação física brasileira e o conceito de cultura foi o diálogo com o campo das ciências humanas e sociais, em que o conceito de cultura assumiu caráter fundamental.

A centralidade que o conceito de cultura assumiu na esfera da educação física não deve ser tomada como um fato isolado, restrito a esse campo. Ao contrário, representa um indicativo de que esse processo de deslocamento da cultura para o centro de diversas problematizações passa a compor a trama da tessitura social em seu aspecto mais amplo. Assim, nos orientaremos, entre outras, pelas formulações epistemológicas de autores como Hell (1989); Hall (1997); Cuche (1999); Denning (2005) e Bauman (2013), os quais, atentos ao processo de intensa visibilidade pelo qual a ideia de cultura tem passado, se ocuparam com a elaboração de análises pertinentes aos desdobramentos de tal processo.

Guardadas as especificidades teóricas e metodológicas entre esses autores, é possível sinalizarmos pontos de convergência entre suas edificações conceituais. Dentre as quais a ideia de que o conceito de cultura cunhado no final do século XIX assumiu status de pedra fundamental nas ciências humanas e sociais, sobretudo na antropologia; de que a partir da segunda metade do século XX o conceito de cultura transpôs o universo das ciências como um todo e espraiou-se para os mais diversos domínios; que um dos desdobramentos mais evidentes desse intenso trânsito do conceito de cultura por outros campos foi a proliferação de termos associados à ideia de cultura; e por fim de que o conceito de cultura sofreu alterações semânticas, tendo o seu significado e enfoque modificados.

A partir de tais considerações, interpelamo-nos, em primeiro lugar se esse processo da “centralidade da cultura”, argumento proposto por Hall (1997) se evidenciava nos campos da educação e da educação física em outros países da América Latina. Tal problemática suscitou a seguinte reflexão: como a cultura tem sido tematizada e, como isso se apresenta na educação física em países latino-americanos? Tomamos, inicialmente, essa questão como norteadora desse escrito, o qual tem como objetivo discorrer acerca da tematização da cultura em documentos oficiais que regem a normatização da educação e da educação física no contexto de países da América Latina.

Com a necessidade de problematização da referida questão, atentamos à reflexão em torno das questões conceituais e da centralidade da cultura na sociedade, a fim de auxiliar na construção de um panorama que pudesse orientar as discussões iniciais. Para tanto apresentamos, na primeira seção, o conceito de centralidade da cultura e como os impactos de tal centralidade têm sido percebidos na realidade social. Em seguida, é discutido o sentido com o qual o conceito de cultura tem sido significado por diferentes autores para que, ao final, seja destacada a forma como a cultura tem sido tematizada nos documentos oficiais que regem a educação e a educação física nos contextos analisados.

SOBRE O CONCEITO DE CULTURA

Refletir acerca da tematização da cultura no campo da educação e da educação física em países da América Latina implica considerar o espaço ocupado pelo conceito de cultura no contexto contemporâneo. Sobre esse aspecto, teóricos, a exemplo de Hell (1989), Hall (1997), Denning (2005), têm argumentado acerca de uma expressiva visibilidade de tal conceito, ao passo em que identificam que o termo cultura e o sentido a ele atribuído, têm figurado no centro de discussões de diversas esferas sociais. As atenções e interesses, outrora manifestados pelos problemas de ordem política parecem ter migrado para questões de ordem cultural. Isso não pressupõe o entendimento, de que os problemas políticos deixaram de interessar, ou de que tenham perdido sua devida importância. Significa que as questões atinentes à organização social ultrapassaram os limites originais à suas esferas e, têm sido tematizadas pelo viés cultural. Em outros termos, significa dizer que àquelas demandas que, à primeira vista, sugerem ser de ordem política, têm sido igualmente problematizadas a partir da cultura.

O profundo interesse por questões relacionadas ao campo da cultura, ou pela discussão de tais questões, tomando-a como ponto central, desencadeou alguns desdobramentos, entre eles a posição que os estudos e a crítica da cultura passaram a desempenhar na vida política e intelectual. Esse fenômeno, que ficou conhecido como “virada cultural”, demonstrou-se capaz de envolver mesmo aqueles que ignoravam ou rejeitavam a palavra cultura. Para Denning (2005), assim como para Hall (1997), foi a partir da segunda metade do século XX que a cultura passou a figurar em primeiro plano nas discussões sociais. Nesse período, conceitualmente denominado pelo primeiro como a era dos três mundos1, parece que se descobriram dois aspectos imprescindíveis para o momento, o primeiro que a cultura estava por toda parte, logo, não configurava um domínio restrito aos cultos, como acontecera outrora e, o segundo e, talvez o aspecto mais impactante daquele momento, tenha sido a descoberta de que a cultura é importante.

Se por um lado, nos parece evidente que o conceito de cultura destaca-se no contexto intelectual, por outro a ideia de centralidade da cultura demonstra que tal conceito tem figurado com igual evidência nos domínios da vida cotidiana, ou seja, para além do contexto intelectual. Tal centralidade tem impactado indubitavelmente, dessa forma, tanto a dimensão intelectual quanto a cotidiana, essas analisadas por Hall (1997) como aspectos epistemológicos e substantivos respectivamente. Considerar a centralidade da cultura, como faz Hall (1997), em sua dimensão epistemológica significa reconhecer a amplitude que seu poder analítico e exploratório tem adquirido na teorização social, deslocando-a para uma posição central no processo de produção de conhecimento, “em como a ‘cultura’ é usada para transformar nossa compreensão, explicação e modelos teóricos do mundo” (p. 16). Os impactos gerados pela centralidade da cultura não estão restritos ao universo epistemológico, é possível percebê-los atuantes em aspectos substantivos, relacionados à realidade empírica, ou seja, a “organização das atividades, instituições e relações culturais na sociedade, em qualquer momento histórico particular” (HALL, 1997, p. 16). Trata-se, portanto, de mudanças que atingem não somente, os universos científico, intelectual ou acadêmico. A centralidade da cultura traz a reboque transformações na forma como pessoas comuns organizam e percebem suas vidas cotidianas.

A elaboração do conceito de cultura como comumente se apresenta, é a síntese do significado de alguns termos e ideias que povoaram o período inicial da modernidade. Situá-lo historicamente nos permite compreender melhor o sentido que o carrega, principalmente em função das demandas sociais de cada período. De acordo com Barrio (2005) e Eagleton (2003), o termo cultura, sendo proveniente etimologicamente do latim clássico, estaria intimamente ligado ao cultivo e à criação. Seu significado estaria relacionado à atividade, ao labor, ao trato com a lavoura, ou seja, ao cuidado com o crescimento e desenvolvimento natural. “Nesse sentido, ‘cultura’ significa uma atividade e passaria ainda muito tempo até designar uma entidade” (EAGLETON, 2003, p. 11).

O emprego do termo em referência ao desenvolvimento humano, mais especificamente o desenvolvimento das sociedades humanas é algo que será verificado aproximadamente por volta de 1750 (BARRIO, 2005). Nesse caso, a noção de cultura suplantou outros termos recorrentes à época, dentre os quais kultur e civilizacion. O primeiro, termo germânico que, de acordo de Laraia (2014), simbolizava os aspectos espirituais de uma determinada comunidade, enquanto o segundo fazia referência às realizações de caráter material de um povo.

Foi por volta da segunda metade do século XIX que Edward Brunett Tylor sintetizou em um único conceito a totalidade da produção e vida coletiva do homem e, principalmente ofereceu uma ferramenta analítica capaz de descrever as particularidades de cada povo. Dessa forma, Tylor (1920) elaborou uma formulação teórica que seria canonizada pela ciência moderna, a qual passou a considerar cultura ou civilização como “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, a crença, a arte, a moral, o direito, o costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade2” (TYLOR, 1920, p.1). Tal elaboração conceitual é antes de qualquer coisa, uma elaboração metodológica, que refletindo o contexto científico da época demonstra a possibilidade de análise e elaboração de leis gerais capazes de oferecer a compreensão dos hábitos e costumes de diferentes povos (LARAIA, 2014).

Desde então, o conceito de cultura tem sido apontado como a pedra fundamental das ciências humanas. Para Cuche (1999), a cultura tem se atribuída à responsabilidade instrumental de encontrar um elemento comum perante a diversidade entre os povos. Tal responsabilidade fora atribuída em outros momentos às ciências naturais, que por seu turno, apresentaram uma resposta assente nas questões raciais. É imperativo que nos lembremos das transformações sociais vivenciadas durante o período da modernidade. Tais transformações permitiram a emersão e a consolidação de um novo formato de modelo social que, por um lado, impulsionou à distinção entre atividades morais e intelectuais, ou melhor, entre os sujeitos que desempenham tais atividades e, buscou por outro, enfatizar tais atividades como uma espécie de tribunal de recursos, amenizando tais distinções. Nesse sentido, a ideia de cultura que emerge no século XIX com Tylor reconhece a separação e distinção entre os sujeitos, mas oferece a tais sujeitos alternativas (WILLIAMS, 2011).

Se por um lado a elaboração da ideia de cultura inicialmente distingue a espécie humana de outras espécies do reino animal, assume por outro, uma forma de organização e, direção das condutas dos homens vivendo em sociedade, por meio de sistemas de significados. Em conjunto, tais significados são as culturas e, sendo distintivos, nos permitem interpretar tanto nossas ações, funções, espaços e posições sociais, enquanto membros de determinado grupo, quanto às ações, funções, espaços e posições sociais, de membros de outros grupos.

Mais do que o reconhecimento da diversidade entre os povos, há de se reconhecer, como sendo a realidade social predominante do século XIX, quando ocorre a definição do conceito científico de cultura, a diversidade de grupos que convivem no interior da mesma sociedade e, que findam por hierarquizarem-se no interior desse mesmo sistema social. Como um princípio de ordenação social, a ideia de cultura permitiu ao ideário de homem moderno, enquanto ser social, ser cultivado por si próprio, sendo concomitantemente, cultivo e cultivador. Nos termos de Eagleton (2003, p. 17), “enquanto auto cultivadores, somos barro nas nossas próprias mãos”.

Atentando-nos uma vez mais para o contexto histórico, a necessidade de consolidação da ideia de cultura na modernidade vai além do estado de cultivo individual realizado pelo próprio sujeito. Tal estado de cultivo refletirá no desenvolvimento do Estado como nação. Que dessa forma, assume a incumbência de cultivar os cidadãos, refinando-os, tornando-os de fato cidadãos. Naquele contexto, a noção de cultura representou uma forma deliberada de “pedagogia ética que nos torna aptos para a cidadania política através da libertação do eu ideal ou coletivo sepultado em cada um de nós, um eu que encontra a sua suprema representação do domínio universal do Estado” (EAGLETON, 2003, p. 18). A noção de cultura assumiu uma função social, muitas vezes maior que a representação de um conceito descritivo ou de um aparato metodológico capaz de explicar as diferenças entre os grupos humanos, ou as diferenças internas de um grupo. A noção de cultura passou a representar um conceito normativo, como possibilidade de se gerar e justificar tais diferenças e, principalmente resguardar a preservação do status quo.

Tais argumentos podem parecer paradoxais, principalmente quando nos deparamos com as reflexões de Bauman (2013, p. 12) acerca do conceito de cultura.

Segundo o conceito original, a ‘cultura’ seria agente da mudança do status quo, e não de preservação; ou, mais precisamente, um instrumento de navegação para orientar a evolução social rumo a uma condição humana universal. O propósito inicial do conceito de ‘cultura’ não era servir como registro de descrição, inventários e codificações da situação corrente, mas apontar um objetivo e uma direção para futuros esforços. O nome ‘cultura’ foi atribuído a uma missão proselitista, planejada e empreendida sob a forma de tentativas de educar as massas e refinar seus costumes, e assim melhorar a sociedade e aproximar ‘o povo’, ou seja, os que estão na ‘base da sociedade’, daqueles que estão no topo.

Se a primeira vista Bauman (2013) parece contradizer os argumentos anteriores, o que de fato está explícito nos apontamentos do autor é o contínuo de um processo, cujas intenções ambicionaram alterar as condutas individuais refletidas consequentemente numa transformação em nível social. Tais intenções representam basicamente os ideais iluministas consolidados na modernidade. Nesse sentido, há uma mudança de status quo, contudo, a partir desse ponto, essa mesma estratégia será responsável pela preservação do status quo. A empreitada moderna implícita na noção de cultura compreendeu “um acordo planejado e esperado entre os detentores do conhecimento (ou pelo menos acreditavam nisso) e os ignorantes (ou aqueles assim descritos pelos audaciosos aspirantes ao papel de educador)” (BAUMAN, 2013, p. 13). A tarefa consistia basicamente em elevar os ignorantes à educação, ao esclarecimento, enfim, a tarefa era o cultivo dos indivíduos tornando-os aptos e dignos da condição cidadã.

Metaforicamente a ideia de cultura preserva sua relação com o cultivo, contudo deixa de refletir o cuidado com a lavoura, com a criação e passa a refletir o cuidado, o zelo com o cultivo dos hábitos e habilidades humanas. Esse sentido atribuído à palavra cultura identificado sobremaneira na modernidade, orientado à normatização das condutas passa pela concepção da educação, pela formação dos indivíduos. Jeager (1995) esclarece que esse ideal formativo que compõe o conceito de cultura do século XIX, é de certa forma herança grega, uma vez que é no mundo grego que se “estabelece pela primeira vez de modo consciente um ideal de cultura como princípio formativo” (p. 8).

Ao procurarmos apresentar um percurso histórico do sentido atribuído ao conceito de cultura, nos deparamos com argumentos que evidenciam uma transformação semântica do termo, que inicialmente apresentava um sentido etimológico ligado à natureza, ao cultivo da lavoura e ao desenvolvimento da criação e, que passou a representar um ideal de cultivo e desenvolvimento das condutas humanas. Um processo semelhante tem sido sinalizado na contemporaneidade em função do fenômeno da centralidade da cultura, o qual parece estar operando transformações no sentido semântico do termo. Pensar a conjuntura de determinadas esferas e realidades sociais a partir da cultura tem implicado à associação do termo, ou a ideia de cultura, a uma infinidade de palavras gerando algumas consequências conceituais. Hell (1989) destaca que a proliferação de palavras associadas ao termo cultura, tem impactado profundamente seu campo semântico, esse já complexo por si só, de modo a ampliá-lo indefinidamente.

O conceito e as concepções modernas de cultura, ligadas à noção de esmero, que almejavam a perfeição em sua noção literária e humanista, predominaram até a primeira metade do século XX. Entretanto, destaca Denning (2005), o conceito representou uma abstração em resposta a uma necessidade daquele período. E apesar do termo empregado ainda ser o mesmo, o autor argumenta que a noção atribuída ao conceito de cultura que tem predominado a partir dos anos de 1950 tem passado por uma nítida transformação semântica. Isso se deve ao fato do conceito tradicional, ou moderno de cultura, cujo aspecto conservador era sua indelével característica, não ser considerado adequado para compreender as indústrias culturais ou os aparelhos ideológicos do Estado, estruturas características da era dos três mundos3.

Nesse sentido, o conceito de cultura que passa a vigorar na segunda metade do século XX deixa de apresentar características distintivas entre povos e nações e parece apresentar-se como uma generalização de formas de consumo. Assume, dessa forma, um sentido que se torna em “si mesma um domínio econômico, abrangendo os meios de comunicação de massa, a propaganda e a produção e distribuição de conhecimentos” (DENNING, 2005, p. 90). Mesmo aquela acepção antropológica, cunhada em grande medida no encontro imperial entre diferentes povos, parece ter perdido seu sentido, ou, no mínimo, sofreu modificações em seu sentido tradicional. Bauman (2013) também observou mudanças no sentido da cultura. Para o autor, se a tarefa moderna da cultura fora a distinção, na modernidade liquida4 “seria possível dizer que ela [cultura] serve nem tanto às estratificações e divisões da sociedade, mas a um mercado de consumo orientado para a rotatividade” (BAUMAN, 2013, p. 18).

O que podemos inferir até esse ponto é que, entre outras coisas, o conceito de cultura, seja mantendo seu sentido moderno, conservador, ou tendo passado por transformações semânticas e, articulando-se mais as esferas da comunicação, da indústria cultural e ao consumo, tal conceito, em decorrência da virada cultural passou a ocupar uma posição central nas discussões acerca de questões sociais.

Assim sendo, a partir das discussões ora propostas e, ainda considerando o argumento exposto por Hall (1997, p. 32) de que “cada vez mais, o termo [cultura] está sendo aplicado às práticas e instituições, que manifestadamente não são parte da ‘esfera cultural’, no sentido tradicional da palavra” é que nos propomos a discorrer acerca da cultura em documentos oficiais que regem a educação de forma geral e, mais especificamente a educação física latino-americana. Tal empreitada se dá no sentido de refletirmos acerca de como ela aparece retratada nesses documentos, seja de modo evidente ou ausente. Dessa forma, buscamos problematizar a cultura nesses documentos, refletindo acerca de como essa orientação ou falta de orientação impacta a área da educação e principalmente a área da educação física latino-americana.

O CONCEITO DE CULTURA NAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DIRECIONADAS À EDUCAÇÃO FÍSICA NA AMÉRICA LATINA

A problematização da cultura nas políticas educacionais direcionadas à Educação Física na América Latina toma corpo a partir de documentos que orientam a área - normativas educacionais e esportivas da Argentina, da Bolívia, do Chile, da Colômbia, de Cuba, do México, do Uruguai e da Venezuela. A identificação dessas diretrizes dá-se no sentido de percebermos como são direcionadas as políticas que tocam o desenvolvimento da Educação Física, verificando como essa orientação, baseada ou não na dimensão da cultura, impacta na educação corporal da América Latina. Para tanto, estruturamos a construção textual a partir da leitura desses diferentes documentos - leis, decretos e diretrizes educacionais - por meio da identificação do termo ‘cultura’, extraindo informações relevantes para a pesquisa, no sentido de contribuirmos com o debate epistemológico que se insere na Educação Física.

Na Argentina, a análise deu-se a partir do Plan Estratégico Nacional 2016-2021, documento que integra o cenário normativo da Educação Física do país e que passa a projetar estratégias para a área. Tal documento constitui-se a partir da Ley de Educación Nacional nº 26026, que organiza as disposições gerais relacionadas à educação na Argentina e entende a Educação Física como promotora da formação corporal e motriz necessárias para o processo de desenvolvimento integral dos educandos. A lei destaca as questões culturais quando pressupõe uma educação pautada no fortalecimento “da identidade nacional, baseada no respeito à diversidade cultural e às particularidades locais, abertas aos valores universais e à integração regional e latino-americana” (ARGENTINA, 2006, p. 2, tradução nossa) e na “formação que estimule a criatividade, o gosto e a compreensão das distintas manifestações da arte e da cultura” (ARGENTINA, 2006, p. 3, tradução nossa).

Inserido nessa perspectiva educacional, o plano visualiza a educação como pilar fundamental para a formação de uma sociedade democrática, construída a partir de políticas educacionais que contribuam para o desenvolvimento social, cultural, produtivo e criativo do país (ARGENTINA, 2016). Atrelada a essa concepção, a educação esportiva, pensada pelo Ministério da Educación e Deportes de la Nación, deve estar de acordo com as demandas sociais contemporâneas, atentas às transformações culturais, econômicas e tecnológicas que dinamizam a sociedade, conforme ideia exposta no documento. Daí a defesa pelo desenvolvimento de novas propostas e estratégias pedagógicas que despertem motivação e a inclusão do estudante na aprendizagem a partir da criação de novos tempos e espaços que coadunam com as novas formas de saber que conectam o mundo social e cultural às novas formas de apropriação do conhecimento.

Decorrente dessa proposta, a elaboração de eixos transversais5 que almejam conduzir os estudantes à cidadania multicultural, com o intuito de gerar condições e oportunidades para o desenvolvimento da educação física “em contextos cada vez mais complexos, diversos e repletos de alterações” (ARGENTINA, 2016, p. 6, tradução nossa). Tais premissas seguem a finalidade geral do documento, que lança orientações para o alcance de uma educação de qualidade centrada na aprendizagem de saberes socialmente significativos que leve os estudantes à igualdade e ao respeito perante a diversidade, o que contribui para a visualização do campo cultural como elemento importante para se compreender as propostas centradas na educação do corpo no cenário argentino.

A Ley nº 070, promulgada em 2010, na Bolívia, orientou, de maneira inicial, os olhares direcionados à Educação Física no país. O documento analisado, embora não tematize diretamente a área, atenta-se à promoção do esporte, cuja oferta é de responsabilidade do Estado, desenvolvendo a “a prática esportiva, preventiva, recreativa, formativa e competitiva em toda a estrutura social do Sistema Educacional Plurinacional, mediante a implementação de políticas de educação, recreação e saúde pública” (BOLÍVIA, 2010, p. 4, tradução nossa). Em referência à cultura, o documento trata da ‘intraculturalidade’, que diz respeito à promoção da “recuperação, fortalecimento, desenvolvimento e coesão das diversas culturas no interior da nação” (BOLÍVIA, 2010, p. 12, tradução nossa) e à ‘interculturalidade’, o que faz referência à interação de “conhecimento, saberes, ciência e tecnologia própria de cada cultura com outras culturas” (BOLÍVIA, 2010, p. 12, tradução nossa), o que possibilita o respeito das diversas expressões sociais e culturais, em suas diferentes formas de organização.

As diretrizes que orientam a Educação Física estão dispostas em Programas de Estudo que foram emitidos, em 2014, pelo Ministério da Educação, da Bolívia. Tais programas inserem a Educação Física - denominada Educação Física e Esportes - como área do Campo de Saberes e Conhecimentos “Comunidade e Sociedade”6. No documento, a área é tomada como “conjunto de conhecimentos sobre o movimento humano, porém, não do ponto de vista mecânico, mas de uma intencionalidade cognitiva, afetiva e social” (BOLÍVIA, 2014, p. 18, tradução nossa). Fundamenta-se na valorização do Estado Plurinacional da Bolívia e nas comunidades, povos e culturas que ali vivem, a partir dos jogos e dos exercícios físicos como maneira de reivindicar “identidades culturais, promover sabedoria, valores éticos morais, espiritualidades, relacionadas com a prática de atividades físicas que estimulem a interação da vida da comunidade, a responsabilidade e o respeito mútuo” (BOLÍVIA, 2014, p. 174, tradução nossa).

O documento assinala a promoção da cultura física, esportiva e recreativa, ao retomar as ideias dos valores culturais dos povos bolivianos, por meio da prática de jogos e esportes contextualizados que emergem sistematizados de maneira intracultural e intercultural, conforme elucidado na Ley 070, que almeja recuperar e fortalecer as diferentes culturas presentes no país, incorporando seus conhecimentos ao currículo nacional, com o intuito de valorizar as diversas identidades por meio do convívio e do diálogo (BOLÍVIA, 2010). Nota-se, no país, a valorização cultural a partir do trato de conteúdos como jogos tradicionais, danças folclóricas, esportes comunitários e atividades físicas pensadas a partir de diferentes contextos sócio comunitários, propostos a partir da estratificação das séries, de acordo com o desenvolvimento dos estudantes em sua condição holística, como propõe o programa, sem esquecer os aspectos ligados à promoção da saúde, também configurada como dimensão importante na educação física boliviana.

No Chile, o Decreto nº 433, documento que estabelece as bases curriculares para a educação básica foi utilizado como referência para a análise da cultura na Educação Física no referido país. No documento, a educação física é acompanhada do termo ‘saúde’, o que atende à intenção de sanar os problemas relacionados ao sedentarismo que o país enfrenta (CHILE, 2012). Como consta, a Educación física y salud constitui-se como marco central para a educação escolar, inserida no processo de formação integral do ser humano. A estrutura da disciplina na escola orienta-se a partir de oito ênfases temáticas7 trabalhadas a partir de três eixos principais, quais sejam: as habilidades motoras; a vida ativa e saudável; e, a segurança, o jogo limpo e a liderança. Os eixos apresentados são estruturados para que os estudantes consigam, como consta no decreto, incorporar a regularidade da atividade física em suas vidas cotidianas (CHILE, 2013).

Tem-se, no Chile, a ênfase na atividade física como promotora da saúde, sendo a educação física escolar, responsável por esse objetivo. O reforço dessa ideia dá-se pela visualização das atitudes a serem desenvolvidas pela disciplina no contexto escolar, dentre s quais se destaca a valorização dos efeitos positivos da atividade física, a disposição em melhorar a própria condição física por meio da participação ativa nas aulas independentemente do gênero, respeitando “a diversidade física das pessoas, sem discriminar por características como altura, peso, cor de pele ou de cabelo, etc.” (CHILE, 2013, p. 5, tradução nossa). Nota-se, no referido país, que as questões culturais perpassam a escolha das temáticas presentes na Educação Física, porém, o trato conceitual do termo investigado não emerge nas discussões inseridas nos documentos analisados.

Na Colômbia, a problematização da cultura deu-se a partir do Plan Nacional de Desarollo de la Educación Física, de 2002. Em termos conceituais, o plano atenta-se à Educação Física como disciplina científica e, ao mesmo tempo, prática social e cultural. Disciplina científica, pois tem como objeto de estudo a expressão corporal e a incidência do movimento no desenvolvimento integral do ser humano, em atenção “às necessidades do contexto em que se desenvolve” (COLÔMBIA, 2002, p. 22, tradução nossa), e, prática social e cultural, pois é inerente à condição humana de transformação do meio ambiente, atrelada ao movimento corporal e suas múltiplas manifestações que produzem técnicas e uso do corpo que determinam a organização social determinadas por características de cada cultura (COLÔMBIA, 2002).

O documento delimitador da análise demarca o termo “cultura física”, como “componente fundamental da cultura nacional; que está representado no princípio da tradição lúdica, estética e de vida cotidiana, expressa por meio dos jogos e danças tradicionais e das técnicas e usos corporais dos distintos grupos sociais do país” (COLÔMBIA, 2002, p. 38, tradução nossa). Embora o documento trate da tradição como elemento da cultura, a normativa alerta para a dinamicidade cultural, presente nas últimas décadas, como fonte de novas práticas derivadas de exigências ligadas à saúde e às demandas estéticas do corpo que visam atender modismos sociais.

Diante desse panorama, o objetivo do plano foi o de “fomentar o conhecimento e o valor da corporeidade, e a prática da atividade física das pessoas atendendo a diversidade de necessidades e intenções, mobilizando o potencial das diferentes expressões culturais” (COLÔMBIA, 2002, p. 49, tradução nossa). Tal objetivo foi construído a partir do reconhecimento das manifestações culturais, dos imaginários sociais, dos mitos e ritos, das concepções e técnicas corporais por meio das quais a educação física cumpre sua finalidade social e tem sentido àqueles que a integram8. Tem-se, nesse sentido, uma educação física colombiana que se atenta às questões culturais - tanto na perspectiva do resgate de valores tradicionais quanto na perspectiva do olhar sobre novas práticas advindas das transformações culturais - e que demarca tais visões nas normativas que regem a área no país.

Em Cuba, a Ley nº 936, responsável pela criação, em 1961, do Instituto Nacional de Deportes, Educación Física y Recreación e o Decreto 51, de 1980, que trata do regime de participação esportiva foram eleitos como documentos norteadores9 para a problematização da cultura. Por meio da leitura, foi possível identificar que a tematização da cultura não aparece, ao menos diretamente, no documento. Os princípios que norteiam as ações do Instituto estão relacionados ao desenvolvimento de atividades nacionais e internacionais esportivas, às atividades de desenvolvimento da escola para educar e competir, ao desenvolvimento de atividades recreativas, à criação do sistema de monitoramento e treinamento de professores, e à garantia do uso múltiplo dos recursos e instalações desportivas (CUBA, 1961).

No México, a observação da cultura estruturou-se pela Ley General de Cultura Física y Deporte, promulgada em 2003 e atualizada em 2014, que propõe o fomento da educação física e do esporte em todas as suas expressões e manifestações, por meio da atividade física direcionada à vida social e cultural dos cidadãos, como maneira de preservar a saúde e minimizar enfermidades (MÉXICO, 2014); e, pelo Plan de Estudios - Educación Básica, de 2011, que sustenta a reforma educacional estabelecida no país e direciona os campos de formação para a educação básica mexicana, inserindo a área como campo formativo para o desenvolvimento pessoal para a convivência (MÉXICO, 2011).

Entre os princípios presentes na lei, destaca-se o entendimento de educação física e esporte como direito fundamental à educação, em consonância com o desenvolvimento afetivo, intelectual e físico, respeitando as condições individuais e sociais por meio da cultura física. Tal termo é entendido como “conjunto de bens, conhecimentos, ideias, valores e elementos materiais que o homem produziu em relação ao movimento e ao uso de seu corpo” (MÉXICO, 2006, p. tradução nossa), sendo a educação física é assumida como o meio para transmitir essa cultura. Na mesma direção, a educação básica constitui a educação física como intervenção pedagógica que estimula experiências ligadas a condutas motoras expressas pelas intencionadas de movimento e atividades lúdicas e de expressão que favoreçam a corporeidade dos estudantes em diferentes contextos em que se desenvolve (MÉXICO, 2011).

No que diz respeito à Educação Física no Uruguai, houve a análise de dois documentos, embora outros tenham sido encontrados10. O primeiro trata da Ley nº 18.437, de 2009, responsável pela organização geral da educação no país. Essa normativa toma a educação física com o propósito de desenvolver “a atividade humana física, contribuindo para o melhoramento da qualidade de vida, o desenvolvimento pessoal e social, assim como a aquisição de valores necessários para a coesão social e diálogo intercultural” (URUGUAI, 2009, p. 8, tradução nossa). Embora o termo intercultural esteja explícito no documento, ele não é tratado a partir de definição que elucide aprofundamento conceitual.

O segundo documento utilizado para a análise da educação física uruguaia trata dos programas disciplinares relacionados ao ciclo básico de ensino. Tais programas, reformulados em 2006, veem a Educação Física como instrumento pedagógico que auxilia no desenvolvimento de qualidades básicas do ser humano em sua unidade biológica, psicológica, social e cultural, a partir do seguinte objeto de estudo: a conduta motriz11. Segundo Uruguai (2006), esse objeto retrata o movimento que traduz significados e é reflexo da organização significativa das ações dos seres humanos que são expressas a partir de quatro eixos temáticos: o conhecimento do próprio corpo, a melhora da saúde e da qualidade de vida, a atividade lúdica e a expressão e comunicação; o que atenta para as questões culturais e biológicas dispostas a partir dos diferentes temas.

Na Venezuela, a Ley Orgánica de Deporte, Actividad Física y Educación Física, de 2011, serviu de aporte para a observação da cultura nos documentos que norteiam a educação física no país. O documento tem como objetivo estabelecer as bases para regular a promoção, organização e administração da educação física, por meio do esporte e da atividade física como serviços públicos, entendendo-a como direito fundamental e um dever social do Estado (VENEZUELA, 2011). A cultura, embora apareça timidamente no documento, enquadra-se na valorização dos jogos e esportes tradicionais como maneira de legitimar a identidade nacional, “como expressão da riqueza cultural” (VENEZUELA, 2011, p. 1, tradução nossa).

A demarcação da identidade nacional é recorrente ao longo do texto, como forma de enaltecer os símbolos da pátria, por meio do enaltecimento cultural e social dos cidadãos. O documento também almeja a consolidação de um modelo educativo cultural libertador, que recrie a sociedade para o lúdico e para o desenvolvimento material e espiritual da nação. Por fim, a lei trata das iniciativas ligadas à educação física com o interesse de exaltar sua prática como expressão cultural que, pela sua natureza transformadora, pode enobrecer a sociedade e a vida das pessoas, exaltando patriotismo e a honra nacional venezuelana (VENEZUELA, 2011).

A partir do panorama exposto, foi possível atentarmos à tematização da cultura na Educação Física nos países investigados por meio da visualização de diferentes documentos, a exemplo de leis, decretos, planos e programas que orientam a área. A partir da exploração desses documentos, houve a possibilidade de percebermos as diferentes perspectivas relacionadas à cultura que perpassam os documentos estudados, o que aponta para aproximações e distanciamentos entre os países investigados. Do panorama geral, o quadro abaixo visa sintetizar as ideais apresentadas ao longo do tópico, evidenciado a tematização da cultura no campo da educação física nos países da América Latina.

Quadro 1 Síntese da tematização da cultura nos documentos que orientam a Educação Física nos países investigados.  

PAÍSES TEMATIZAÇÃO DA CULTURA
Argentina Fortalecimento da identidade do país; respeito à diversidade cultural e às particularidades locais; compreensão das distintas manifestações culturais; atrelada às transformações culturais contemporâneas a partir da dinamicidade social (contexto global e local).
Bolívia Educação intercultural e intracultural a partir do reconhecimento das diferenças regionais do país; elementos corporais tomados como “reinvindicação” da identidade cultural boliviana; resgate dos valores éticos e morais dos povos antigos.
Chile Embora o conceito de cultura não apareça no documento analisado, sua tematização ocorre pela atenção dada às demandas sociais instauradas no país: a ênfase na atividade física como promotora da saúde.
Colômbia Educação Física como prática social e cultural, concatenada à produção de técnicas e usos do corpo que refletem determinada organização social; componente da cultura nacional; mobilização do potencial das diferentes expressões culturais do país a partir do reconhecimento da diversidade de necessidades e intenções.
Cuba Trato conceitual ausente no documento, porém, os elementos culturais podem ser evidenciados a partir da educação corporal voltada à educação para o esporte e à competição.
México Educação Física tematizada a partir da Cultura Física; valorização das experiências de movimento baseadas na intencionalidade e corporeidade dos estudantes.
Uruguai Presença da ideia de ‘diálogo cultural’ a partir do desenvolvimento do corpo e do movimento humano; Conduta Motriz - objeto de estudo da Educação Física - baseada no significado do movimento humano.
Venezuela Valorização das manifestações corporais tradicionais do país; ligada à legitimação da identidade nacional a partir da noção de patriotismo e da honra; transformação da sociedade para a experiência lúdica por meio de modelo educacional cultural.

Fonte: elaborado pelos autores.

Demarcada ou não a partir do conceito explícito nos escritos, a cultura emerge a partir de múltiplas facetas que denotam as particularidades, os anseios e os princípios educacionais dos diferentes países da América Latina. Entre as perspectivas culturais adotadas em alguns documentos, notamos a apropriação da ‘cultura’ como fundamento de formação identitária dos países; como respeito à diversidade, capaz de desenvolver a alteridade nos sujeitos; como maneira de explicitar as necessidades do país, por meio do trato de diversos conteúdos da Educação Física; e, da adoção do termo cultura associado à dimensão física do humano, o que denota a relação entre movimento humano, sujeito e sociedade.

A visualização do termo ‘cultura’ nos diferentes documentos analisados aponta para algumas questões que, impreterivelmente, esbarram em compreensões advindas de diversos contextos histórico-sociais. Dentre eles, destacamos o estado de cultivo que reflete o desenvolvimento do Estado como nação, ideia disseminada no século XIX, como discutido por Eagleton (2003), na qual a noção de cultura representou um conceito normativo, e que aparece em documentos norteadores da educação física em países como a Argentina, Bolívia, Colômbia e Venezuela.

Notamos que o conceito antropológico de cultura integra grande parte das diretrizes dos países investigados. Tal ideia é evidenciada quando notamos a valorização das expressões culturais de diversos povos étnicos presentes nesses países, bem como quando observamos o reconhecimento dos contextos em que o movimento é produzido por meio da apreensão simbólica decorrente da organização social dos indivíduos. Nesse sentido, observamos que o conceito de cultura emerge como maneira de valorização de características distintivas entre povos e nações, o que busca romper com a noção de cultura como generalização das formas de consumo na contemporaneidade, conforme denunciado por Bauman (2013).

Por fim, é importante destacar que a cultura, apreendida de maneira multifacetada junto aos documentos, emerge como possibilidade de formação dos indivíduos, com o intuito de criar condições, via educação física, de valorização da gestualidade construída em meio a subjetividades discentes que estão inseridos no processo educacional, conforme observado de maneira evidente nos documentos tratados da Argentina, do Chile, da Colômbia, do México, do Uruguai e da Venezuela. Tal abordagem contribui para a construção de espaços escolares que tomem o respeito à diversidade como pilar estruturante de uma educação voltado ao corpo que compreenda as diversas manifestações culturais a partir do trato do movimento que transcenda a compreensão instrumentalizada do corpo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O texto esteve centrado na discussão acerca da cultura em documentos oficiais que regem a educação física latino-americana, refletindo a respeito de como ela aparece retratada nesses documentos, seja de modo evidente ou ausente. Um dos interesses investigativos que impulsionou o desenvolvimento dessa pesquisa está no trato com a cultura. Interessava-nos saber se o debate em torno da cultura a partir do papel que ela passa a exercer na sociedade hodierna, passando de campo periférico à centralidade, tanto na vida cotidiana quanto na produção de conhecimento, num movimento chamado por Hall (1997) de virada cultural, teria ocorrido também no campo da educação física colombiana.

Tal intento deu-se no sentido de mapear a cultura nos diferentes contextos investigados, com o intuito de tecer aproximações e distanciamentos teóricos, sem que houvesse o juízo valorativo entre definições que qualificassem certo entendimento de cultura e, consequentemente, desqualificassem outro. Essa construção foi marcada pela necessidade constante de familiarização e de estranhamento para a compreensão de outros contextos que se diferem da realidade brasileira. Assim como propõe Geertz (2008) ao tratar da etnografia, houve a necessidade de despojamento de certas certezas - que nesse caso tocavam ao entendimento da cultura - que abriram espaços para o reconhecimento do ‘outro’ e, portanto, para a valorização de suas ideias em meio a mecanismos legais que, de maneira ou outra, buscam legitimar a educação física nos diferentes espaços da América Latina.

Essa compreensão não nos afastou do compromisso de trilharmos caminhos que nos levassem a entender o trato conceitual direcionado à cultura na literatura disponibilizada, o que evidenciou o campo multifacetário desse objeto investigativo. O mosaico teórico que, inicialmente fora construído para a compreensão do trato conceitual da cultura, serviu como pilar para o entendimento das diversas perspectivas culturais adotadas nos documentos analisados, sem que a multiplicidade conceitual encontrada na pesquisa fosse encarada como elemento negativo ou como fragilidade do tecido social latino-americano, ao contrário, fosse valorizada em meio à diversidade conceitual.

Por meio da pesquisa, percebemos que a cultura não é um dos principais temas abordados nos documentos, embora esteja presente na discussão que envolve a área sob prismas distintos. Em alguns aspectos, a temática é associada à prática esportiva/física, o que pode evidenciar a compreensão da educação física sob viés biológico, voltada ao entendimento de corpo concebido de maneira naturalizada. Entretanto, a maioria dos documentos analisados tematizam a cultura a partir de perspectivas em que a tônica esteja no diálogo com a área das ciências humanas e sociais, o que aponta, de maneira geral, para a movimentação da área em buscar novas problemáticas que se atentem à valorização do movimento humano nas aulas de educação física por meio do reconhecimento das particularidades culturais de cada país.

AGRADECIMENTOS

Ao auxílio da Fundação Araucária, na modalidade de Bolsa Produtividade em Pesquisa

REFERÊNCIAS

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1“[...] aquele curto meio século (1945-1989) em que imaginávamos o mundo dividido em três - o Primeiro mundo capitalista, o Segundo mundo comunista e o Terceiro mundo em descolonização [...]” Denning (2005, p. 10).

2“CULTURE or Civilization, taken in its wide ethnographic sense, is that complex whole which includes knowledge, belief, art, morals, law, custom, and any other capabilities and habits acquired by man as a member of society” (TYLOR, 1920, p. 1). A íntegra do texto está disponível em formato digital em: https://archive.org/stream/primitiveculture01tylouoft#page/n7/mode/2up

3Para melhor compreensão desse processo de ressignificação do conceito de cultura, sugerimos a leitura de “a cultura na era dos três mundos” de Michael Denning, em especial o capítulo 5: A socioanálise da cultura: repensando a virada cultura.

4Bauman utiliza a expressão modernidade liquida para “denominar o formato atual da condição moderna descrita por outros autores como ‘pós-modernidade’, ‘modernidade tardia’, ‘segunda modernidade’ ou ‘hipermodernidade’” (BAUMAN, 2013, p. 16).

5Os três eixos transversais - inovação e tecnologia; políticas de contexto, avaliação e informação - buscam respectivamente, discutir a cultura digital com o intuito de fazer com que educandos estejam inseridos nas transformações sociais da sociedade contemporânea; implementar políticas que estejam contextualizadas localmente e, ao mesmo tempo, conectadas com o contexto global; avaliar o uso da informação para o serviço da escola, da comunidade e das autoridades provinciais e nacionais para a melhoria do ensino e da aprendizagem.

6Nesse campo de saberes e conhecimentos também estão dispostas seguintes áreas: comunicação e linguagem; artes plásticas e visuais; educação musical; ciências sociais; e, conforme exposto, educação física e esportes.

7A importância do movimento humano; o desenvolvimento da condição física; as qualidades expressivas; a iniciação esportiva; o conjunto de fatores para uma vida ativa; o seguir as regras do jogo; a cooperação e o trabalho em equipe; a concepção ampla de liderança.

8Tais fins são lançados por meio de projetos que procuram deflagrar a concepção expressa no documento, a saber: Colombia em movimento; Sistema Nacional de Información em Educación Física; Expedición Colombia de La Educación Física, entre outros.

9Outros documentos compõem o cenário da Educação Física no país, a exemplo dos Planes de Estudios “A”, “B”, “C” e “D”, responsáveis por regular a formação superior na área. Entretanto, não foi possível acessar os documentos para que a análise fosse feita a partir de leitura primária, o que fez com que não integrasse as discussões elucidadas no texto.

10Em 2007, houve a promulgação da Ley nº 18.213, no Uruguai, que tratou da obrigatoriedade da educação física em escolas do referido país. Entretanto, esse documento não atribui diretrizes para a área.

11O documento trata o conceito de “conduta motriz” a partir das maneiras que o ser humano se expressa como indivíduo em sua totalidade ativa, criando uma relação consigo mesmo, com o outro e com os demais.

FINANCIAMENTO Não se aplica.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica.

21PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Recebido: 05 de Março de 2018; Aceito: 10 de Abril de 2018

Concepção do manuscrito: V. H. Marani, R. C. de Lima, L. M. Lara

Coleta de dados: V. H. Marani, R. C. de Lima

Análise de dados: V. H. Marani, R. C. de Lima, L. M. Lara

Discussão dos resultados: V. H. Marani, R. C. de Lima, L. M. Lara

Produção do texto: V. H. Marani, R. C. de Lima, L. M. Lara

Revisão e aprovação: A. P. Sobrenome

CONFLITO DE INTERESSES

Não se aplica.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani de Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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