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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.31 no.60 Florianópolis out./dez 2019  Epub 05-Dez-2019

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e59693 

Porta Aberta

Educação Física brasileira no governo militar nas décadas de 1960 e 1970

Brazilian Physical Education in military government in the 1960s and 1970s

La Educación Física brasileña en el gobierno militar en las décadas de 1960 y 1970

Silvano Ferreira de Araújo1 
http://orcid.org/0000-0002-9777-0516

Alessandra Cristina Furtado2 
http://orcid.org/0000-0002-6084-2299

1Mestre em Educação Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD Faculdade de Educação Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil Faculdades Magsul, Curso de Educação Física Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, Brasil saraujo@live.com

2Doutora em Educação Universidade Federal da Grande Dourados-UFGD Faculdade de Educação Dourados, Mato Grosso do Sul, Brasil alessandramcrf@gmail.com


RESUMO

Este estudo apresenta ações realizadas pelo governo militar nas décadas de 1960/1970 para a Educação Física, tornando-a disciplina escolar obrigatória em todos os níveis de ensino, a partir da Reforma Universitária de 1968 e da Lei de Diretrizes e Bases de 1971. Para compreender como ocorreu esse processo, analisamos as políticas implementadas pelo governo no período descrito, dentre essas destacamos a Campanha Nacional para o Esclarecimento Desportivo, criada para divulgar a Educação Física e fomentar a prática esportiva pela população e o Diagnóstico de Educação Física/Desportos no Brasil, elaborado para verificar as condições da Educação Física para implementar ações que pudessem contribuir para o aperfeiçoamento dos aspectos físicos e a melhoria da qualidade de vida da população, principalmente no contexto escolar, possibilitando um desempenho mais eficiente às atividades relacionadas ao mundo do trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Educação física e desportos; Governo militar; Políticas de governo

ABSTRACT

This study presents actions taken by the military government in the 1960s and 1970s for Physical Education, making it compulsory school discipline at all levels of education, starting with the 1968 University Reform and the Guidelines and Bases Law of 1971. For to understand how this process occurred, we analyzed the policies implemented by the government during the period described, among which we highlight the Campanha Nacional para o Esclarecimento Desportivo, created to promote Physical Education and promote sports practice by the population and the Diagnóstico de Educação Física/Desportos in Brazil, designed to verify the conditions of Physical Education to implement actions that could contribute to the improvement of the physical aspects and the improvement of the quality of life of the population, especially in the school context, enabling a more efficient performance related to the world of work.

KEYWORDS: Physical education and sports; Military government; Government policies

RESUMEN

Este estudio presenta acciones realizadas por el gobierno militar en las décadas de 1960/1970 para la Educación Física, haciéndola disciplina escolar obligatoria en todos los niveles de enseñanza, a partir de la Reforma Universitaria de 1968 y de la Ley de Directrices y Bases de 1971. Para entender cómo se produce este proceso, se analizan las políticas implementadas por el gobierno en el período descrito, entre ellas destacamos la Campanha Nacional para o Esclarecimento Desportivo, creado para promover la educación física y fomentar la participación en deportes por la población y el Diagnóstico da Educação Física/Deportes en Brasil, elaborado para verificar las condiciones de la Educación Física para implementar acciones que pudieran contribuir al perfeccionamiento de los aspectos físicos y la mejora de la calidad de vida de la población, principalmente en el contexto escolar, posibilitando un desempeño más eficiente las actividades relacionadas al mundo del trabajo.

PALABRAS-CLAVE: Educación física y deportes; Gobierno militar; Políticas de gobierno

INTRODUÇÃO

Durante o regime de governo militar (1964-1985) foi realizada a Reforma Universitária de 1968 (Lei n. 5.540/68) que normatizou o funcionamento do ensino superior e a Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Lei n. 5.692/71), que estabeleceu o sistema nacional de 1° e 2° graus, ambas com a finalidade de constituir uma ligação orgânica entre o aumento da eficiência produtiva do trabalho e a modernização autoritária das relações capitalistas de produção.

Dentre as diversas empreitadas pelo governo para conscientizar os professores para aderirem aos projetos de divulgação da Educação Física e fomentar a prática esportiva pela população brasileira, foi lançada a Campanha Nacional de Esclarecimento Desportivo (CNED). Essa estratégia foi organizada pelo Divisão de Educação Física (DEF), órgão subordinado ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), com estudos que iniciaram após a promulgação da lei da Reforma Universitária, por um Grupo de Trabalho (GT) que visava examinar e propor medidas para a expansão da Educação Física e dos Desportos em todo o País, gerando ao final desses estudos o Diagnóstico de Educação Física/Desportos no Brasil1 (Diagnóstico).

A elaboração do Diagnóstico foi supervisionada pelo Tenente-Coronel Arthur Orlando da Costa Ferreira, então diretor da DEF, e coordenado pelo professor de Educação Física Lamartine Pereira DaCosta. A elaboração do Diagnóstico foi supervisionada pelo diretor da DEF e coordenada pelo Professor de Educação Física Lamartine Pereira DaCosta (editor-chefe da DEF), acompanhado da equipe técnica formada pelos professores José Garcez Ballariny e George Massao Takahashi, e pelo Inspetor de Educação Física do MEC Ovídio Silveira Souza, tendo como estagiária Lúcia Maria Jorge Lopes.

Neste trabalho apresentamos, primeiramente, as políticas elaboradas para fortalecer a Educação Física e as práticas esportivas em todos os setores da sociedade e, logo em seguida, as ações realizadas pelo governo militar para garantir a obrigatoriedade da Educação Física como disciplina escolar a partir da Reforma Universitária de 1968 e da LDB/1971.

POLÍTICAS DE GOVERNO PARA A EDUCAÇÃO FÍSICA E DESPORTOS

Durante a ditadura militar houve entre diversos setores educacionais, como as secretarias estaduais de educação e de esportes e as associações de professores de Educação Física, uma discussão que se estendeu até o fim do período, que tinha como objetivo incorporar de forma efetiva a prática da Educação Física no processo da educação geral e integral devido ao valor do esporte como fenômeno social.

O caráter tecnicista que ligava a Educação Física à “Educação do Físico” estava sempre regulamentado numa compreensão de saúde de caráter biofisiológica (CASTELLANI FILHO, 2010). Essa percepção ficou clara na legislação esportiva brasileira, quando em 1975 foi promulgada a Lei n. 6.251, na qual o Governo Federal criou a Política Nacional de Educação Física e Desportos (PED), com a finalidade de “criar e desenvolver uma mentalidade favorável à Educação Física para produzir uma mentalidade desportiva” (MEC/DED, 1976).

A PED visava aprimorar a aptidão física da população; elevar o nível dos desportos em todas as áreas; elevar o nível técnico-desportivo das representações nacionais; implantar e intensificar a prática dos desportos em massa como forma de utilização do tempo de lazer. A PED gerou o Programa de Desenvolvimento da Educação Física e Desportos (PRODED); o Programa de Assistência Técnica e Financeira a Programas de Educação Física (PATEF); e o Programa de Intercâmbio e Difusão Cultural (PIDIC).

Cada um desses programas tinham uma função específica. O PRODED foi o programa que mais recebeu recursos financeiros da Loteria Federal e tinha como projetos: a integração das escolas de Educação Física às Universidades Federais, especialmente; a integração das Escolas aos clubes; o desenvolvimento de pesquisas em Educação Física e Desporto; o aperfeiçoamento do magistério e dos técnicos desportivos; e a implantação de centros de pós-graduação.

O PATEF recebeu menos recursos financeiros que o PRODED, porém, com maior número de projetos, tais como: construção de Centros de Educação Física e Unidades Avulsas; construção do Centro Olímpico Desportivo; incentivo as competições desportivas estudantis; planejamento e execução de colônia de férias; melhoria do equipamento desportivo nacional; aquisição de material desportivo; melhoria da representação desportiva nacional; assistência técnica e financeira a entidades desportivas; e Competições desportivas (nacionais e internacionais).

O PIDIC foi formulado com três projetos: Campanha Nacional de Esclarecimento Desportivo (CNED), Preservação do Patrimônio Histórico Desportivo e o Incentivo à Criação e Difusão de Assuntos Culturais e Desportivos. Esse programa recebia a menor receita da Loteria Esportiva, porém sua atuação e importância na divulgação dos demais foram imperativas para a concretização das políticas implantadas pelo DED (PINTO, 2003). Esses projetos desenvolvidos pelo PIDIC seguiam as orientações do Manifeste Sur Le Sport (Manifesto) produzido em 1964 pelo Conseil International pour L´Éducation Physique et lê Sport (CIEPS) da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO), aprovado pela Federação Internacional de Educação Física (FIEP)2. Foi estruturado em 13 tópicos:

1) As Escolas de EF; 2) A Indústria de material, construção e instalações para a EF e dos Desportos; 3) Ensino Primário; 4) Ensino Médio; 5) Ensino Superior; 6) Instalações urbanas de EF/Desportos; 7) Saunas e Academias; 8) Clubes; 9) Federações; 10) Confederações; 11) Nível de aptidão física; 12) Administração Pública de EF/Desportos e 13) Unidade Funcional do Sistema (DACOSTA, 1971, p. 7).

As escolas de Educação Física e a indústria de material, construção e instalações para a Educação Física e dos Desportos, foram considerados os de maior importância na posição hierárquica, pois o GT que os elaborou entendeu que eles exerciam influência sobre os demais.

Por ter sido o projeto ligado a divulgação ao ensino do esporte em todos os espaços possíveis, principalmente na escola, a CNED foi considerada um “marco na intervenção do Estado no esporte, tanto pela variedade de dispositivos utilizados como investimento de recursos financeiros e humanos” (PINTO, 2003, p. 58).

Quadro 1 Materiais produzidos pelo governo militar para a Campanha Nacional de Esclarecimento Desportivo 

Material produzido Descrição
Revista Brasileira de Educação Física e Desportos Tinha por finalidade publicar trabalhos sobre Educação Física e Desportos, visando congregar e refletir o pensamento dos Professores de Educação Física do País. Após dez anos fora de circulação, ressurge durante o governo militar como Boletim Técnico Informativo (1968), como um instrumento de estudos e pesquisas da DEF/MEC. Em 1970 passou a utilizar a nomenclatura: Revista Brasileira de Educação Física e Desportiva; em 1974, Revista Brasileira de Educação Física; e 1975, até a sua última edição, em 1984, Revista Brasileira de Educação Física e Desportos.
Podium Jornal que divulgava informações do andamento das construções de áreas esportivas nos estados da federação, os resultados de classificação nos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs), bem como notícias sobre as escolas de Educação Física. Tinha uma produção mensal, que somada, totalizou cerca de sessenta e cinco mil exemplares durante seu período de circulação.
Dedinho e sua turma (Dedinho é o diminutivo da sigla do DED) Revista de história em quadrinhos, voltada para o público infanto-juvenil. Teve uma produção de cerca de nove milhões de exemplares, distribuída nas escolas no período de 1971 a 1979.
Desporters Pôsteres produzidos numa quantidade superior a seiscentos mil cartazes que deveriam ser afixados em lugares de grande movimentação de pessoas, como: escolas, creches, postos de saúde, aeroportos, rodoviárias, entre outros.
Trifólios Fôlderes que incentivavam a prática de atividades físicas por meio de ilustrações e advertências. Foram produzidas quatro peças, com tiragem de 50 mil exemplares cada uma. O impresso era distribuído nas companhias de transporte aéreo e nas secretarias de educação dos estados. Elaborados pelo GT do DED, objetivavam reforçar a CNED em outro segmento da sociedade: a classe média.
Cadernos Técnicos Destinado às secretarias de educação dos estados, e delas para as escolas superiores de Educação Física, tinha como função atuar na formação em exercício e de futuros professores de Educação Física.
Filmetes Visando atingir um público maior, o PIDIC produziu os filmetes com mensagens que destacavam os benefícios da prática esportiva, para serem veiculados nos cinemas e na televisão.
Cadernos Didáticos Circularam no ano de 1968 e eram uma reedição do livro Introdução à Moderna Ciência do Treinamento Desportivo de autoria de Lamartine Pereira DaCosta. Esse impresso buscava atender os alunos das escolas superiores de Educação Física, mas era constantemente solicitado pelos professores em atuação, público esse que passou a ser atendido posteriormente por meio de cursos e palestras.

Fonte: Elaborado a partir dos dados apresentados na pesquisa de ARAÚJO (2016).

Considerado como “potencialmente forjador de diretrizes” (TABORDA DE OLIVEIRA, 2012, p. 121) para a área da Educação Física, o Manifesto examinava as principais questões relativas ao esporte no mundo moderno e delineava as ações que iriam direcionar a condução dos assuntos relativos à área. Constata-se no documento que as proposições nele contidas privilegiavam três campos para a atuação do esporte: a escola, o lazer e a competição de alto nível.

O Manifesto serviu de base para a elaboração do Diagnóstico, destacando três princípios gerais para a organização desportiva:

  • 1) A organização da EF/Desportos é assentada sobre a prática de atividades físicas no âmbito do sistema educacional, abrangendo todas os níveis com ênfase no ensino fundamental;

  • 2) O objetivo prioritário da EF/Desporto é o da melhoria da aptidão física da população com um todo. Assim sendo, as instalações para a atividade física fazem parte do equipamento básico urbano, da mesma forma as destinadas à recreação passiva. A tendência prospectiva, localizada diante das crescentes possibilidades econômicas e do tempo livre disponível, é a de deslocar progressivamente a recreação - tanto passiva quanto ativa - para posição de realce na sociedade. Portanto a Educação Física, Desportiva e Recreativa deve regular o enfoque de lazer, a fim de preparar as populações urbanizadas no que se refere às necessidades fisiológicas, psicológicas e sociais advindas da vida sedentária.

  • 3) A organização desportiva comunitária - associações desportivas (clubes), ligas, federações, comitês olímpicos, etc. - para maximizar a efetividade, constitui empreendimento de livre iniciativa. Considerada um setor de gênero labor intensive, no qual a rentabilidade depende de multiplicidade de decisões e comunicações individuais, a intervenção por administração direta estatal mostra-se pertinente (DACOSTA, 1971, p. 19-20, grifo do autor).

Publicado na Revista Brasileira de Educação Física e Desportiva n. 10 (1971), o Manifesto afirmava que a “‘ação ‘física’ é considerada, hoje em dia, como um meio educativo de alto valor, porque empenha o ser na sua totalidade. O caráter de ‘unidade’ da educação, por meio das atividades físicas, é universalmente reconhecido” (FIEP, 1971, p. 11).

Apesar desse discurso sobre as ações educativas do esporte e sua contribuição para a formação do ser humano ser remanescente de outros períodos, a partir das regulamentações previstas em leis, passaram a serem administradas e promovidas, principalmente, por métodos científicos específicos:

O meio específico da Educação Física é o exercício físico, isto é, a atividade física sistemática concebida para exercitar (educar, treinar, aperfeiçoar). Não é a natureza do exercício que fixa o papel preponderante, mas a intenção que anima o ato, dando-lhe orientação geral e formas particulares, ao mesmo tempo que, determina em definitivo, seus resultados sobre o indivíduo (FIEP, 1971, p. 12).

Outra preocupação da FIEP (1971) era a formação científica dos professores, já que “a missão educativa, por meio de atividades físicas, exige sólidos conhecimentos biológicos, psicológicos e sociológicos e boa preparação pedagógica [e deveria] ser confiada [aos] educadores que receberam sólida formação de nível universitário” (p. 16). Nesse processo deveria predominar a “cultura geral, nos conhecimentos científicos e técnicos fundamentais (dados que têm valor geral e permanente), nas intenções educativas e no desenvolvimento do espírito cientifico” (p. 16). O Manifesto trazia, ainda, que

Para assegurar a eficácia da Educação Física é indispensável que os poderes públicos e os administradores diretamente responsáveis [...]: Empreendam um grande esforço em particular de propaganda (em particular pelos jornais e a televisão) e dêem ajuda eficaz às atividades físicas higiênicas e recreativas dos adultos (ginástica voluntária) e o ‘desporto para todos’. As atividades de lazer não devem ser inteiramente entregues as empresas comerciais, para as quais os fins educativos[...] ficam logicamente em plano secundário. Esperemos que, no mundo de amanhã, as condições políticas e econômicas possibilitem a todos os indivíduos os benefícios de um tempo suficiente para os mais sadios lazeres (FIEP, 1971, p. 16).

A decisão em realizar esse Diagnóstico decorreu das preocupações do governo com a política nacional de recursos humanos, com o intuito de aperfeiçoar a população em todos os seus aspectos e na busca de melhorar sua qualidade de vida por meio das atividades de Educação Física e dos Desportos, principalmente por estarem ligadas às políticas de saúde e de educação, bem como estarem vinculadas com a política de bem-estar, na área do lazer e recreação (DACOSTA, 1971).

O Diagnóstico sugeriu a modificação da legislação que regia a Educação Física e dos Desportos, por considerá-las ultrapassadas, o que seria impeditivo para o desenvolvimento desse setor. Apesar dos resultados apontados pelo Diagnóstico terem sido divulgados em 1971, muitos deles já haviam sido realizados antes mesmo de sua conclusão, o que indica que o relatório serviu apenas para regularizar as ações políticas em andamento.

Em 1970, foi criado o Departamento de Educação Física e Desportos (DED) em substituição a DEF, extinta por ter um sistema estrutural considerado precário, que impedia as ações no planejamento, coordenação e no controle para o desenvolvimento da Educação Física e dos Desportos. Linhales (1996) aponta que a criação do DED tinha dois sentidos: “primeiro, o de conter a autonomia que começava a ganhar força no sistema esportivo [e] o segundo sentido refere-se ao projeto de subordinação da Educação Física Escolar ao sistema esportivo” (p. 139). Essa mudança não se tratava apenas da nomenclatura do órgão, já que a implantação do DED seguia uma das conclusões do Diagnóstico, possibilitando ao governo mostrar as vantagens que as práticas da Educação Física para o crescimento do País.

É oportuno registrar que o ano de 1969 foi marcado por diversas iniciativas federais nas áreas da Educação Física (como componente curricular escolar) e dos esportes, pois, além da produção do Diagnóstico, destacam-se também: a instituição dos Jogos Estudantis Brasileiros; a instituição da Loteria Esportiva Federal; a isenção do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados para os equipamentos destinados à prática de desportos; a obrigatoriedade da prática da educação física a todos os níveis e ramos de ensino; e a autorização para o MEC constituir um GT para elaborar um Plano Nacional de Esportes, Educação Física e Recreação, que, por convênio, seria realizado com recursos provenientes da Loteria Esportiva Federal.

A CNED já realizava essa tarefa desde 1971, ou seja, procurava conscientizar a população brasileira da importância da prática de atividade física integrada à educação, favorecendo o desenvolvimento da “mentalidade desportiva” (BRASIL, 1971a). Parte integrante da estratégia do governo de popularizar o esporte, relacionando-o com o sucesso econômico do período e empregado com finalidade de reforçar a imagem de um país emergente, a CNED foi sempre apoiada pela estrutura de diversos órgãos federais por meio da veiculação de material publicitário e inserções nas diversas mídias.

Nesse período, houve algumas tensões entre o DED e os dirigentes das confederações e federações esportivas, pois esses julgavam que ao centralizar os recursos e ampliar a CNED, o governo estaria expandindo as ações dos desportos escolar e comunitário, em detrimento ao sistema esportivo formal. Segundo Linhales (1996, p. 148) tratou-se de: “Uma ‘queda-de-braço’ entre o esporte elitizado e uma falsa democratização esportiva, promovidos por volumosos gastos públicos e financiados pelo sonho de cada brasileiro de se tornar um milionário da Loteria Esportiva”. Nessa queda de braço, a mesa de apoio foi o público, pois o discurso do esporte para todos permaneceu como tal, a clientela esportiva teve melhor atendimento com a CNED e o sistema esportivo formal permaneceu intocado.

O decreto que regulamentou a PED previa, também, a criação de centros interescolares de treinamento desportivo nos estabelecimentos oficiais de ensino fundamental e médio que possuíssem instalações desportivas próprias, aproveitando os horários disponíveis durante o período regular e o período especial, com caráter extracurricular, ficando visível, mais uma vez, o cunho esportivo das aulas de Educação Física a partir da 5ª série.

A gênese dessa elite esportiva seria concebida a partir da formação dos professores, como pode ser observado nos depoimentos de professores entrevistados por Taborda de Oliveira (2001a):

a visão que a faculdade nos passava era exatamente esta da busca de talentos e que a escola era um grande celeiro onde você poderia formar ou forjar atletas. Mas de qualquer forma nós saímos da faculdade voltados para o esporte e assim chegamos à escola para dar aula. Era realmente a formação de atleta; nossas aulas de Educação Física eram voltadas para isso [preocupadas] com a questão física (Entrevista concedida a TABORDA DE OLIVEIRA, 2001a, p. 296, sic).

Outro professor relatou o perfil do professor de Educação Física:

Na década de 70 a identidade dele era muito clara. Ele era um esportista, um professor de esporte, um professor técnico. Tinha uma identificação muito grande. A gente tinha simbolismos muito fortes para a nossa identidade. Por exemplo, na década de 70, quase ninguém usava agasalho, usava tênis. Ninguém! Era muito raro. Então essa indumentária nossa dava uma identidade sui generis. Em qualquer lugar que você estivesse você já era identificado como o professor, como a professora de Educação Física. E a gente tinha, polarizava um discurso, que era a questão do esporte, da competição, aquela coisa toda. (Entrevista concedida a TABORDA DE OLIVEIRA, 2001a, p. 285, sic).

O depoimento de outra professora entrevistada por Taborda de Oliveira (2001a) corrobora com os depoimentos desses professores, no entanto, ela apontava que, apesar da orientação recebida ser a do professor-atleta ou professor-atleta, desenvolvia a prática de maneira diferente:

Quando eu passei a lecionar eu dizia: “O bom professor não é aquele que é atleta!”. Porque eles queriam que todo mundo fosse atleta na faculdade. Você tem que saber transmitir e dar o gosto. Eu tinha gosto pela atividade mas não queria competir. E depois, como professora, fiz o contrário: desenvolvi o gosto e fazia os alunos que tinham presença, competir. Agora, a Educação Física, para mim... Eu nunca vi a Educação Física só como competição. Como eu tive uma vida muito livre, eu achava que eles tinham... A Educação Física... Eles não tem mais espaço para nada! E é na hora da Educação Física que eles voltam às raízes das brincadeiras antigas, tudo. Nesse momento... a gente tem que ver a Educação Física não só como esporte. E não como hoje em dia como o pessoal quer: teoria, teoria, teoria! Tem que pôr a criança brincar, tem que pôr a criança participar, sentir o que está fazendo. (Entrevista concedida a TABORDA DE OLIVEIRA, 2001a, p. 294, sic).

No depoimento de outro professor entrevistado, podemos notar que haviam divergências nas experiências vividas por esses profissionais:

[A Educação Física] tinha um caráter formativo, que seria uma coisa mais ou menos baseada no modelo americano. Se prepararia a criança, o jovem, em um processo contínuo de descoberta de talentos, e quando chegassem na universidade, na universidade seria o esporte de elite. O ápice. E a coisa não funcionou. Não funcionou por “n” motivos. [...] o governo trabalhou em cima disso. A partir da preocupação com a questão física [...] (Entrevista concedida a TABORDA DE OLIVEIRA, 2001a, p. 295, sic).

Por isso, é necessário levar em consideração vários aspectos que possam contribuir para o entendimento dessas diferenças que perpassam os entrevistados do Professor Taborda de Oliveira (2001a), e uma delas pode ocorrer justamente por conta da formação universitária desses professores.

Ainda nesse período, foram lançados outros dois projetos para o desenvolvimento do Desporto de Massa. Em 1975, o governo lançou, em parceria com a Rede Globo de Televisão a campanha Mexa-se, coordenada pelo Professor Lamartine Pereira DaCosta, que tinha como objetivo mobilizar a população brasileira para as práticas de atividades físicas. Logo, em 1977, surge outro projeto com os moldes da CNED: o Esporte para Todos3 (EPT). A partir de um acordo firmado entre o DED e o MOBRAL4, oficializou-se o desenvolvimento da campanha EPT, também coordenada pelo Professor Lamartine Pereira DaCosta, que destacava que o esporte de massa procurava atender às necessidades de lazer popular.

Com o fim do mandato do presidente Médici e de seus programas de relações públicas em 1974, diminuiu a propagação de ideais por meio do esporte, ao mesmo tempo em que as mudanças nos quadros do MEC e do DED determinaram o encerramento da CNED (LINHALES, 1996).

Para o período de 1976 a 1979, foi elaborado também o Plano Nacional de Educação Física e Desportos (PNED), o qual deveria atribuir prioridade a programas de estímulo à Educação Física e Desporto estudantil e ao desporto de alto nível. Seguindo as orientações do Manifesto, o PNED citava a necessidade de divulgar e promover os benefícios da prática desportiva por ser imprescindível a preparação da opinião pública para atender suas expectativas, visando motivar e estimular a vontade coletiva para a prática de atividades físicas, o que significava democratizar as oportunidades de Educação Física e Desportos pela informação e pela participação comunitária livre (MEC/DED, 1976).

Nesse Plano, houve a inclusão do Desporto de Massa, influenciada pelo Professor Lamartine Pereira DaCosta, sendo posteriormente elevado ao mesmo patamar de importância das áreas anteriormente elencadas. Desta forma, as práticas esportivas no âmbito escolar e não-escolar eram incentivadas com o intuito de aumentar os adeptos na base da pirâmide, visando conquistar um maior número de atletas de alto nível no topo, ou como eram chamados no período, Esporte de Alto Rendimento, a elite esportiva que representaria o país em nível nacional e internacional.

Fonte: Baseado nos dados de DaCosta (1971) e Gonçalves Júnior (2002).

Figura 1 Modelo Piramidal 

O modelo apresentado na Figura 1, mesmo considerado como um padrão europeu era o pretendido, ou seja, a partir da Educação Física e do Desporto Escolar se formaria a elite esportiva. A pirâmide era tida como uma fórmula universal para elaborar projetos e direcionar recursos para o desenvolvimento dos setores de Educação Física e dos esportes.

Diante disto, a Educação Física assumiu, como uma de suas funções, a formação física de pessoas aptas para desempenhar de forma mais eficiente as atividades relacionadas ao mundo do trabalho e atingir o controle social, cabendo ao esporte como conteúdo, o papel de auxiliar na manutenção da ordem, o que contribuiria sobremaneira para o fortalecimento da moralidade imposto pelo regime.

A OBRIGATORIEDADE DA DISCIPLINA EDUCAÇÃO FÍSICA NA ESCOLA/UNIVERSIDADE

A organização oficial da Educação Física no Brasil ocorreu no ano de 1937 quando foi criada a Divisão de Educação Física (DEF), vinculada ao então Ministério da Educação e Saúde Pública. Com o início da Ditadura Militar em 1964, a DEF continuou a aproximar o esporte da Educação Física, principalmente no sistema escolar, como ficou expresso na Portaria n. 148 publicada em 1967, ao reconhecer as contribuições das atividades físico-desportivas e ao admitir as competições esportivas como atividades regulares das sessões de Educação Física. A Portaria também fez sugestões para o Esporte de Alto Rendimento (EAR) nas escolas, objetivando a melhora do desempenho do país nas competições internacionais que participaria.

Essa pretensão também pode ser vista nas conclusões da VI Reunião de Diretores de Escolas de Educação Física, realizada em Vitória, Espírito Santo, no período de 1 a 7 de junho de 1967, publicadas no Boletim Técnico Informativo (BTI) n.1. Além de contribuir com o plano de Segurança Nacional, a Educação Física praticada nos estabelecimentos de ensino secundário deveria possibilitar o surgimento de atletas, destacando aí também um papel para as Forças Armadas, que seria aperfeiçoar as condições físicas e aprimorar, nas suas possibilidades, os atletas já iniciados na escola.

A obrigatoriedade da Educação Física em “todos os níveis e ramos de escolarização, com predominância esportiva no ensino superior” (BRASIL, 1969), estabelecida pelo Decreto-Lei n. 705/69, ao alterar o preconizado no artigo 22 da LDB de 1961, deixou claro as pretensões do governo em valorizar a aptidão física em todos os níveis escolares.

A Professora Maria Lenk, ex-diretora da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participou da comissão que realizou os estudos para a inclusão da Educação Física em todos os níveis, relata que a preocupação do governo com a Universidade visava

acabar com as células - assim chamavam os centros comunistas - que estavam mais ou menos veladas em forma de diretório acadêmicos, e que não se preocupavam com o ensino, mas sim com assuntos políticos, revolucionários ou contrarrevolucionários [...] muitas vezes as Universidades, inclusive, a Escola de Educação Física, eram obrigadas, por questões políticas, a fecharem os Centros Acadêmicos, mas não a fechar a seção esportiva (Depoimento da Professora Maria Lenk em entrevista concedida a CASTELLANI FILHO, 2010, p. 134-135).

No entendimento de Castellani Filho (2010), essa lei foi usada como instrumento pelos militares para esvaziar o movimento estudantil nas universidades, “uma vez que os alunos tinham suas atenções desviadas para o esporte, não tinham mais aquele impulso de se reunirem nos Centros Acadêmicos. Eles tiveram no Esporte outra forma de se reunirem” (Depoimento da Professora Maria Lenk em entrevista concedida a CASTELLANI FILHO, 2010, p. 135). O entendimento é que para substituir os diretórios acadêmicos foram criadas as associações atléticas, objetivando que a participação esportiva sobrepusesse a política. Contrariando essa questão, Linhales (1996, p. 138) diz que “a intenção de desarticular os estudantes falhou por dois motivos: primeiro, os alunos não fizeram a troca; segundo, o plano reavivado de espelhar o modelo dos Estados Unidos para o esporte universitário não prosperou”.

Um dos objetivos da Reforma Universitária era ampliar a formação dos professores de Educação Física. Nesse caso, o Conselho Federal de Educação aprovou a reformulação do Curso de Educação Física, mantendo os três anos de duração e estabelecendo que, para a obtenção do título de Técnico Desportivo, bastaria que no currículo mínimo do Curso de Licenciatura em Educação Física fossem acrescentadas, como opção, duas matérias, isto é, dois desportos. Deste modo, o concluinte passou a, opcionalmente, receber ao fim do curso único, os títulos de Licenciado e Técnico Desportivo, o que possibilitava uma maior atuação desses profissionais.

Essa reformulação do Curso de Educação Física, nos permite perceber que nesse momento até mesmo para ser professor de Educação Física, os candidatos deveriam ter habilidades físicas e técnicas para exercerem a profissão. Um exemplo a esse respeito foi encontrado dentre os depoimentos de professores de Educação Física formados em 1970, na Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em entrevista concedida a Professora Silvana Vilodre Goellner et al. (2010), que buscou analisar o processo de federalização dessa escola, com base no discurso desses discentes, mostrando como se dava o ingresso nessa Universidade pública:

[...] era dividido em duas partes: uma teórica, eu tenho até o boletim, com provas de física, química, matemática, etc... E provas práticas dentro da ESEF. Então o vestibular era especificamente dentro da faculdade não se concorria com ninguém a não ser os próprios inscritos daquele vestibular [...] para os alunos que queriam aprender ou se preparar para ir ao vestibular, na questão prática. Os colegas davam aulas como natação, atletismo, voleibol, basquete, tudo aquilo que caía nas provas práticas nós fizemos. Se cobrava uma mensalidade e ia pra caixinha [do Diretório Acadêmico]. (Entrevista concedida à GOELLNER et al., 2010, p. 27, sic).

A autora aponta que a aplicação de testes práticos para o ingresso no Curso de Educação Física possibilitava demonstrar o perfil que estava em construção e a preocupação com a aptidão física, focalizando o esporte como seu principal conteúdo, legitimava um profissional dotado de aptidões esportivas.

A respeito da formação esportiva de professores de Educação Física, Taborda de Oliveira (2001) apresentou, em sua tese de doutoramento, as entrevistas realizadas com professores de Educação Física da Rede Municipal de Educação de Curitiba-Paraná. Dos doze professores por ele entrevistados, sete disseram que não tiveram essa formação e nem mesmo foram atletas. Assim, consideramos que, de acordo com as entrevistas, ocorria uma diferenciação na formação dos professores de Educação Física, devido as particularidades no modo de ingresso de cada escola/universidade. Percebe-se que em todas as etapas desse processo as mudanças ocorridas na Educação Física têm como base principal a formação de professores, porém o currículo reflete mais na formação de um técnico que iria atuar em diferentes campos de intervenção.

Seguindo a mesma linha da Reforma Universitária de 1968 e considerada como a maior das ações para ajustar o ensino dos 1° e 2° graus aos ideais socioeconômicos do governo, a LDB de 1971 tornou a obrigatoriedade escolar para jovens com idade entre 7 e 14 anos. O ensino de 2º grau passou a ter um caráter profissionalizante com habilitação técnica e profissional, buscando, assim, suprir a demanda de mão de obra especializada. Consequentemente, essas alterações fizeram com que houvesse a supressão de disciplinas da área de ciências humanas nesse nível de ensino, dando lugar às disciplinas técnicas.

O artigo 7º da LDB/71 tornou a Educação Física como um dos componentes obrigatórios no ensino escolar, fixado pelas Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus: “Será obrigatória a inclusão [da] Educação Física [...] nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus” (BRASIL, 1971a). No entanto, a Educação Física Escolar recebeu uma regulamentação específica, o Decreto 69.450, de 01 de novembro de 1971, que atribuiu um enfoque desportivo e recreativo, devendo integrar como atividade escolar regular o currículo dos cursos de todos os graus de ensino:

  • Art. 1º A educação física, atividade que por seus meios, processos e técnicas, desperta, desenvolve e aprimora forças físicas, morais, cívicas, psíquicas e sociais do educando, constitui um dos fatores básicos para a conquista das finalidades da educação nacional.

  • Art. 2º A educação física, desportiva e recreativa integrará, como atividade escolar regular, o currículo dos cursos de todos os graus de qualquer sistema de ensino (BRASIL, 1971b, grifo nosso).

Nota-se que foi dado ênfase à aptidão física e à iniciação esportiva na Educação Física Escolar, sendo necessário, para isso, investir na formação esportiva da criança, que deveria ocorrer nas aulas de Educação Física. No que se refere à aptidão física dos estudantes, os objetivos básicos da Educação Física deveriam privilegiar

hábitos higiênicos; o desenvolvimento corporal e mental harmônico; melhoria da aptidão física; o despertar do espírito comunitário, da criatividade e do senso moral e cívico; a formação integral da personalidade; o aprimoramento e aproveitamento integrado e toda a potencialidade física, moral e psíquica do indivíduo; o emprego útil do tempo de lazer; a perfeita sociabilidade; a conservação da saúde; a aquisição de novas habilidades; o estímulo às tendências de lideranças; a implantação de hábitos sadios (BRASIL, 1971b).

O referido decreto previa, ainda, que a iniciação desportiva deveria ocorrer a partir da 5ª série do 1º grau, também regulado pela Lei n. 6.251, de 8 de outubro de 1975, que determinava que o desporto escolar envolvesse as atividades praticadas no ensino de 1° e 2º graus, a partir dos 11 anos de idade, com orientação para as atividades de desporto de massa ou para competições de alto nível, sob a supervisão normativa da Secretaria de Educação Física e Desportos (SEED). O desporto escolar seria ensinado e praticado nos estabelecimentos de ensino, estimulado por meio de atividades extraclasse e de competições interescolares.

Taborda de Oliveira (2001a) aponta que essas mudanças ocorreram por ser a Educação Física uma prática cultural ligada a outras práticas culturais que também mudavam:

Ela [a Educação Física] não mudou apenas para atender os interesses de sistemas, governos ou grupos. Ela mudou porque a cultura mudou. O debate entre a sua dimensão científica ou humana, técnica ou integral, é indicativo de novas conformações culturais. Reduzi-las à sua dimensão estrutural econômica, como tem feito parte da historiografia, não dá conta de entendê-la em toda a sua complexidade. Mas essa compreensão não implica, por outro lado, abrir mão de um entendimento da cultura como campo de disputa hegemônica, de relações de poder, de conflito e de dominação (TABORDA DE OLIVEIRA, 2001a, p. 121).

Ainda que contestado por Taborda de Oliveira (2001a), por ter uma “visão da gestação conspiratória de políticas públicas nos interesses escusos do capitalismo dependente” (p. 43, grifo do autor), Castellani Filho (2010) afirma que tanto a Lei 5.540/68 quanto a LDB/71 possuíam um tendência tecnicista incorporada a um sistema educativo associado à qualificação profissional “pautado em parâmetros fixados por uma formação técnico-profissionalizante respaldada na concepção analítica de Educação” (p. 81), destacando ainda que a Educação Física enquanto

“matéria curricular” incorporada aos currículos escolares sob a forma de atividade - ação não expressiva de uma reflexão teórica, caracterizando-se, dessa forma, no “fazer pelo fazer” voltada ao aperfeiçoamento da aptidão física com foco nas habilidades esportivas e sem uma reflexão teórico-pedagógica se configurava como atividade e não como disciplina, uma mera experiência limitada em si mesma, destituída do exercício da sistematização, e compreensão do conhecimento, existente apenas empiricamente (CASTELLANI FILHO, 2010, p. 84).

Estudos sobre a Educação Física no período ditatorial também foram realizados por Mauro Betti (1991). Esse autor analisou documentos oficiais dos anos de 1969 a 1979 e aponta que nesse período houve a “ascensão do esporte à razão de Estado e a inclusão do binômio Educação Física/Esporte na planificação estratégica do governo” (p. 100), explicado por dois aspectos: o primeiro foi porque a Educação Física passou a ser tratada ao nível de outro sistema, inserida em um contexto geral de desenvolvimento de recursos humanos; e o outro por ter sido utilizada pelo Estado sob o prisma de “aptidão física”, para, a partir da incorporação do esporte como conteúdo escolar no 1º e 2º grau, formar novos talentos esportivos, e assim, elevar o país como potência por meio do esporte de alto rendimento (BETTI, 1991).

CONSIDERAÇÕES

Durante a ditadura militar houve entre diversos setores educacionais, como as secretarias estaduais de educação e de esportes e as associações de professores de Educação Física, uma discussão que se estendeu até o fim do período, que tinha como objetivo incorporar de forma efetiva a prática da Educação Física no processo da educação geral e integral devido ao valor do esporte como fenômeno social.

A partir das diferentes perspectivas historiográficas sobre a Educação Física, pode-se perceber conflitos nas discussões acerca das finalidades da inclusão do esporte como conteúdo dessa disciplina no período ditatorial militar. Assim sendo, compartilhamos do pensamento de Taborda de Oliveira (2002) quando destaca que muitos discursos historiográficos da Educação Física apresentam alguns “vícios” ou “limites” nas suas análises, perdendo de vista a relação entre aspectos micro e macroestruturais que envolveram o cotidiano escolar. Portanto, pensar que a prática pedagógica da Educação Física fosse apenas para distinguir a atuação do professor-treinador e a prática do aluno-atleta seria reduzir a finalidade do esporte na escola.

Apesar das divergências dos autores referenciados neste trabalho, fica claro que o governo federal procurava meios para que a prática de atividades esportivas, tanto escolares quando de massa, pudessem atingir o maior número de pessoas para cumprir os objetivos propostos nas diversas campanhas realizadas.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

REFERÊNCIAS

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BETTI, Mauro. A Educação Física na escola brasileira de 1º e 2º graus, no período de 1930-1986: uma abordagem sociológica. Dissertação (Mestrado). USP, São Paulo, 1988. [ Links ]

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1O Diagnóstico foi realizado a partir da articulação feita pelo Ministério do Planejamento e Coordenação Geral por meio de um convênio entre Centro Nacional de Recursos Humanos - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (CNRH-IPEA) e a DEF/MEC instituído pela Portaria Ministerial n. 94-A, de 28 de fevereiro de 1969.

2Fundada em 1923, é a mais antiga organização internacional de Educação Física. Reúne associações, escolas e institutos superiores de Educação Física de mais de 60 países.

3Esse programa surgiu na Noruega, em 1967, quando do lançamento da campanha TRIMM que, “através da utilização do material de marketing, procurava estimular os sedentários à prática da atividade física” (HAUGE-MOE, 1977 apud CAVALCANTI, 1984, p. 15).

4Criado pela Lei n. 5.379, de 15 de dezembro de 1967, o Movimento Brasileiro em prol da Alfabetização (MOBRAL), foi um programa do governo federal iniciado em 1971, cujo objetivo era a erradicação do analfabetismo no Brasil, sendo extinto em 1985.

FINANCIAMENTO Não se aplica.

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica.

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica.

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade.

Recebido: 10 de Outubro de 2018; Aceito: 16 de Fevereiro de 2019

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica.

CONFLITO DE INTERESSES

Não há conflitos de interesse.

EDITORES

Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira.

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