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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.61 Florianópolis  2020  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e62128 

Artigo Original

Terceirização da Educação Física no ensino básico

Outsourcing of Physical Education in basic education

Tercerización de la Educación Física en la enseñanza básica

Fábio Santana Nunes1 

1Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, Departamento de Saúde, Feira de Santana, Bahia, Brasil.


RESUMO

É perceptível, na atualidade, a crescente terceirização ocorrente em escala global, e no Brasil, com as novas regulamentações trabalhistas, quase todos os serviços podem ser executados por trabalhadores terceiros. Este ensaio é assentado na seguinte indagação: quais os aspectos e os possíveis problemas da terceirização na Educação Física Escolar? O objetivo do estudo ora sob relato foi analisar o expresso fenômeno e sua relação com a disciplina pesquisada, identificando as características e refletindo sobre os possíveis desdobramentos no cotidiano das práticas pedagógicas. Optou-se por uma pesquisa em uma grande unidade de ensino da rede privada de Feira de Santana, maior cidade do interior do Estado da Bahia. Identificaram-se algumas características da terceirização da Educação Física Escolar, dentre as quais não ter status como disciplina pertencente ao currículo básico, inexistência de interdisciplinaridade, ausência de professores de Educação Física das reuniões pedagógicas, dentre outras características.

PALAVRAS-CHAVE: Educação; Educação física; Terceirização

ABSTRACT

It is noticeable, at presente the growing outsourcing that occurs on a global scale, and in Brazil, with the new labor regulations, almost all services can be performed by third-party workers. This essay is based on the following question: what aspects and possible problems of outsourcing in School Physical Education? The objective of the study now under report was to analyze the expressed phenomenon and its relation to the studied discipline. identifying the characteristics and reflecting on the possible unfolding in the daily practice of pedagogical practices. We chose a research in a large teaching unit of the private network of Feira de Santana, the largest city in the interior of the State of Bahia. Some characteristics of the Outsourcing of School Physical Education were identified, among them, they don’t have Some characteristics of the Outsourcing of School Physical Education were identified, among them, they do not have status as a discipline belonging to the basic curriculum, lack of interdisciplinarity, absence of Physical Education teachers from pedagogic meetings, among other characteristics.

KEYWORDS: Education; Physical education; Outsourcing

RESUMEN

Es evidente, en la actualidad, la creciente externalización ocurrente a escala global, y en Brasil, con las nuevas regulaciones laborales, casi todos los servicios pueden ser ejecutados por trabajadores terceros. Este ensayo se asienta en la siguiente indagación: ¿cuáles son los aspectos y los posibles problemas de la tercerización en la Educación Física Escolar? El objetivo del estudio ora bajo relato fue analizar el expreso fenómeno y su relación con la disciplina investigada, identificando las características y reflexionando sobre los posibles desdoblamientos en el cotidiano de las prácticas pedagógicas. Se optó por una investigación en una gran unidad de enseñanza de la red privada de Feira de Santana, la mayor ciudad del interior del Estado de Bahía. Se identificaron algunas características de la tercerización de la Educación Física Escolar, entre las cuales no tener status como disciplina perteneciente al currículo básico, inexistencia de interdisciplinaridad, ausencia de profesores de Educación Física de las reuniones pedagógicas, entre otras características.

PALABRAS-CLAVE: Educación; Educación física; Tercerización

INTRODUÇÃO

O modelo econômico arrimado apenas na maximização dos lucros denota a terceirização como uma de suas opções. Com efeito, encontra-se um número elevado de atividades terceirizadas, tais como produção, assessoria, vendas, informática, segurança, limpeza, alimentação e manutenção - que compõem as atividades-meio de instituições, associações e empresas. São públicas ou privadas, como bancos, universidades, faculdades, escolas, órgãos públicos, condomínios residenciais, indústrias, entre outras instituições, que expressam importante parcela de funcionários nesse regime no País. Ressalta-se que as atividades-meio são aquelas que não configuram as ações principais da instituição, porquanto acessórias ou complementares à atividade econômica (ANTUNES; DRUCK, 2013).

A área educacional - em particular, a Educação Física Escolar (EF escolar) - parece obedecer a essa tendência mercadológica. É fato que há profissionais vinculados às instituições, fornecedoras de serviços ofertantes de atividades substitutivas da EF escolar prestadas pela escola, o que pode ser compreendido como a terceirização de parcela da atividade-fim do serviço educacional. Atividades-fim são aquelas ligadas ao negócio principal, próprias ou especialidades de uma instituição (ANTUNES; DRUCK, 2013).

Caracterizando a EF escolar terceirizada, observa-se cuidar-se de componente curricular realizado na própria escola por intermédio do ensino de práticas corporais (jogos, esportes, danças, lutas, ginásticas) ou as mesmas atividades, porém desenvolvidas em academias (ou espaços outros) em substituição à EF escolar e existindo algum contrato firmado de parceria. Em ambos os casos, são ministradas por docentes contratados por terceiros. Por estas caracterizações, tomando como parâmetros os estudiosos das searas do Direito, Administração e Sociologia, abordados no decorrer do escrito, não se pode considerar as dispensas das aulas de EF escolar, que ocorrem já há bastante tempo, como terceirização da disciplina (DARIDO et al, 1999; SOUZA JÚNIOR; DARIDO, 2009; NUNES, 2016).

Por um largo tempo, o trabalho, no Brasil, foi precariamente legislado com base num entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme a Súmula de Jurisprudência nº 331, de 1993, citando que as empresas poderiam terceirizar as atividades-meio (VIANA, DELGADO; AMORIM, 2011). Refletindo sobre esta compreensão do Judiciário, Alves (2015) aponta que, em tempos de ofensiva neoliberal, cedia-se aos interesses capitalistas, legitimando a contratação de terceiros para inúmeras atividades “tipicamente terceirizáveis”, favorecendo, deste modo, a redução de custos salariais e de benefícios conferidos pelas conquistas sindicais do segmento mais estruturado.

Então, as escolas que contratavam empresas para se responsabilizarem pela EF escolar descumpriam este entendimento jurídico vigente até então. Apenas em março de 2017, foi sancionada a Lei nº 13.429, que, entre outros pontos, permite a terceirização de atividades finalísticas de instituições. Tal significa, então, exprimir que uma escola poderá terceirizar a área de ensino. Pode ser realidade de escolas particulares, porém, possível nas públicas, vide as Organizações Sociais (OS) adentrando o meio educacional (ARRAIS, 2016).

Interessante é destacar o fato de que se reporta, neste artigo, a aspectos evidenciados com a terceirização da EF escolar, em escola privada, em um contexto local, em período anterior à prefalada Lei, contudo traduz o que pode se fazer regra em todo o Brasil em um futuro próximo.

O objetivo da pesquisa ora relatoriada é analisar a terceirização e seu vínculo com a Educação Física Escolar, identificando as características e refletindo sobre as possíveis consequências no cotidiano das práticas pedagógicas. Investiga-se acerca de quais são os aspectos e os possíveis problemas da terceirização da disciplina Educação Física na Educação Básica.

No âmbito do ensino e, em específico, na Educação Física Escolar, a terceirização sucede há alguns anos (ARRUDA; GONÇALVES JUNIOR, 2000; NUNES, 2001, 2003 e OCAMPO, 2009), contudo, na atualidade, merece um olhar cuidadoso aos influxos das mudanças no mundo do trabalho, impulsionadas pelas modificações na legislação trabalhista, avaliando-se os reflexos de tais acontecimentos para a esfera pedagógica neste campo de atuação e estudo. De tal sorte, compreende-se como de relevo investigar essa temática, para fazer avançar as discussões e a compreensão dos problemas que afetam a EF escolar, possibilitando a ampliação do debate acerca de como a área, ainda hoje, é divisada nos estabelecimentos escolares, muitas vezes, longe das formulações teóricas e das vivências exitosas acumuladas durante estas últimas décadas.

O texto está organizado na configuração sequente: de início, mostram-se o tipo de estudo realizado e os procedimentos metodológicos adotados. Posteriormente, conduz-se o debate acerca da terceirização, de seu histórico, conceitos e críticas, bem assim no concernente à precarização da EF escolar e do trabalho docente. Sequentemente, examina-se a disciplina terceirizada, encerrando com as considerações sobre o problema investigado, oferecendo os achados e reflexões.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A demanda acadêmica ora relatada configura uma pesquisa de natureza qualitativa, conformando, pois, um Estudo de Caso (GIL, 2006). Optou-se por uma pesquisa em uma grande unidade de ensino privada em Feira de Santana, maior cidade do interior do Estado da Bahia e um dos 40 maiores municípios do País em termos populacionais (IBGE, 2014). O estabelecimento de ensino possuía todos os níveis da Educação Básica, quadra poliesportiva e amplo espaço para outras práticas corporais.

A escolha do local de pesquisa não foi aleatória, pois se observou a proximidade com o pesquisador. Também se desconhecia, na cidade, a existência de outra instituição escolar que terceirizasse as aulas de Educação Física. Outro aspecto importante a se destacar é o fato de o Município, assim como outros grandes centros urbanos, configurar-se como sede de região metropolitana, e por este motivo, em certa medida e com todas as ressalvas, pode servir de modelo a ser seguido, denotando as tendências de mercado.

Mergulhou-se na temática, com baliza na problemática e objetivos deste experimento. Procurou-se diversificar as técnicas de coleta de dados, com vistas a contrapor informações obtidas. Foi efetivada análise mediante a Triangulação dos Dados (TRIVIÑOS, 2009), tendo por objetivo descrever, explicar e compreender o objeto de estudo, articulando três aspectos: dados empíricos, fundamentação teórica e contexto sociocultural do problema. Nesta linha, Análise Documental, Entrevista Semiestruturada e Observação Simples foram os veículos metodológicos desenvolvidos.

Procedeu-se à Análise Documental, com suporte em um Projeto Político-Pedagógico da Escola e no Projeto de Implantação da Educação Física Terceirizada, ressaltando os pontos de convergência e divergência entre ambos. De acordo com Lüdke e André (2008), os documentos constituem fonte poderosa de evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador.

A entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, 2009) efetivou-se com um professor que teve a prática profissional observada, objetivando-se recolher informações sobre a relação dele com a escola, coordenação pedagógica e outros docentes, bem como matérias acerca do seu pensamento a respeito da terceirização e da Educação Física.

Efetivou-se, ainda, Observação Simples (GIL, 2006), de modo que, no decurso de um mês e meio, foram assistidas às aulas do professor entrevistado, registrando-se os fatos e reflexões no Caderno de Campo. Observou-se a maneira como a Educação Física está organizada no currículo escolar, vendo-se, também, a dinâmica das aulas, os conteúdos ensinados, o ministrante da unidade de ensino, o público-alvo, entre outros aspectos pedagógicos, o que permitiu contrapor ou confirmar informações logradas com a entrevista e/ou a análise dos documentos.

Por fim, para operacionalizar a interpretação das informações colhidas em campo, seguiram-se alguns passos, como a Ordenação dos Dados, a Classificação dos Dados e a Análise Final (MINAYO, 2004).

TERCEIRIZAÇÃO: histórico, conceitos e críticas

Terceirizar não é prática nova no mundo globalizado dos empreendimentos. Há muitos anos, nas empresas dos países desenvolvidos, assim como no Brasil, se pratica a contratação, via prestação de serviços, de organizações especializadas em atividades que não cabem ser desenvolvidas no ambiente empresarial interno.

Entendendo amplamente o fenômeno da terceirização, o conceito foi introduzido como procedimento e técnica da gestão administrativa-operacional corrente nos países industrialmente competitivos, tendo se originado nos Estados Unidos da América (EUA), durante a II Grande Guerra, objetivando concentrar-se no desenvolvimento da produção de armas e munições, passando a delegar algumas atividades de suporte a empresas prestadoras de serviços (LEITE, 1994).

Posteriormente, essas sociedades industriais transitaram por momentos de mudança administrativa, concentrando todas as funções técnico-gerenciais sob sua coordenação e execução. Essa nova linha direcional e seus setores determinaram o enfrentamento de outro paradigma, conformado no questionamento sobre as atividades secundárias executadas internamente (GIOSA, 1997). Aflorou, então, o outsourcing, expressão em língua inglesa que significa transferir para outras empresas a responsabilidade pela coordenação e execução de tarefas que não configuram o foco principal da atenção da empresa, pois não fazem parte do seu negócio central - “[...] um neologismo que logo se firmou como uma das palavras da moda: terceirização.” (LEITE, 1994, p. 03).

A terceirização, conforme Giosa (1997), é um modo de administração pelo qual se transferem algumas atividades para o tertius, estabelecendo-se com este uma relação de parceria, ficando a organização concentrada em tarefas essencialmente ligadas ao negócio em que atua.

Impende, por ensejado o momento, indagar: - até que ponto, realmente, a terceirização visa a concentrar as atenções da empresa para sua atividade principal?

Druck (1997) reflete sobre a existência de outra modalidade de terceirização, das áreas produtivas, as atividades-fim das empresas do setor industrial. Esse tipo de terceirização contrapõe os argumentos dos defensores da sua prática. Segundo a autora, essa espécie de serviço terceirizado deixa de ser um recurso que busca racionalizar a gestão da produção e do trabalho com maior especialização e qualidade, para se transformar numa prática que demanda a redução de custos, transferindo gastos com salários, encargos sociais e, sobretudo, responsabilidade da gestão.

No caso brasileiro, como lecionam Antunes e Druck (2013), constata-se verdadeira epidemia nas últimas duas décadas, que contaminou a indústria, os serviços, a agricultura, o serviço público, generalizando-se, também e não só, para as chamadas atividades-meio, mas ainda para as atividades-fim.

Pode-se importar as afirmações anteriores para o universo escolar e analisar a ideia de que a atividade principal da escola é ensinar. A realidade mostra, entretanto, que, também, é preocupação das escolas particulares a obtenção de lucro com a educação. Na maioria das vezes, esse cuidado supera o ato de educar, dando margem ao aparecimento dessa terceirização - a da EF escolar.

A terceirização da Educação Física é uma realidade ainda em fase inicial, mas que tem objetivos claros bem traçados: concentrar administração, planejamento e execução das atividades destinadas ao professor de Educação Física, com apoio da coordenação pedagógica, a uma empresa prestadora de serviço, reduzindo custos, encargos e tempo gasto pela direção e coordenação da escola na tomada de decisões.

Outra reflexão é possível se fazer, perquirindo: a Educação Física está sendo, ou não, atividade principal da escola, nesse contexto de terceirização? A resposta, com base na pesquisa desenvolvida, acredita-se, que seja NÃO. Esta área do conhecimento não está sendo reconhecida como atividade principal da escola, pois ela não é divisada na qualidade de componente curricular.

Consoante a informação histórica de Antunes e Druck (2013), nas últimas décadas do século XX e no início do XXI, esteve e continua a sociedade perante novas modalidades de ser da precarização, tendo a terceirização como um de seus elementos mais decisivos.

A terceirização é justificada por um discurso científico, que, por sua vez, é acompanhado por quadros estatísticos comparativos, os quais, na ilusão dos números, camuflam a realidade cotidiana. De acordo com Santos (2000, p. 53), as técnicas hegemônicas atuais são “[...] filhas da ciência, e como sua utilização se dá ao serviço do mercado, esse amálgama produz um ideário da técnica e do mercado que é santificado pela ciência, considerada, ela própria, infalível”.

No Brasil, a terceirização surgiu sob outra óptica, não como uma maneira de prestar serviços de melhor qualidade ao cliente e sim de redução de custos para as empresas. Isto poderá significar uma proporcional diminuição dos salários, ainda menor do que se estivessem ligados diretamente à empresa.

Concorda-se no concernente à proposição de Viana, Delgado e Amorim (2011), ao acentuarem que a terceirização constitui “o retrato em miniatura” de um movimento mais amplo do sistema, com vistas a excluir muito mais do que incluir, negando o Estado do Bem-Estar Social e a necessidade de proteção ao trabalhador, ao mesmo tempo em que produz desemprego, subemprego e até escravidão.

Todos os motivos já citados permitiram, no Brasil, o acelerado espalhamento da terceirização, passando a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Há de se refletir profundamente, contudo, sobre o atual momento histórico, uma vez que não é possível aderir, tampouco justificar, modalidades de trabalho que precarizam as condições de produção e reprodução da vida.

PRECARIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E DO LABOR DOCENTE

O ato de pensar a terceirização do trabalho docente requer, antes de tudo, um exercício de reflexão e análise das bases teóricas para essa mudança conceitual. Faz-se necessário localizar esse movimento em um contexto de crise do capital, neoliberalismo e globalização, conducente à precarização das relações trabalhistas, em específico, do labor professoral.

A crise do capitalismo real é “[...] uma crise que está demarcada por uma especificidade que se explicita nos planos econômico-social, ideológico, ético-político e educacional, cuja análise fica mutilada pela crise teórica”. (FRIGOTTO, 2000, p. 79). E continua o autor ensinando como o “[...] ideário neoliberal, sob as categorias de qualidade total, formação abstrata e polivalente, flexibilização, participação, autonomia e descentralização está impondo uma atomização e fragmentação do sistema educacional e do processo de conhecimento escolar”. O neoliberalismo, na perspectiva do autor, é a alternativa teórica, econômica, ideológica, ético-política e educacional à crise do capital, desde o ocaso do século XX.

Petra (1999) assinala que a redução do valor pago pela força de trabalho não é apenas um chamariz para a entrada de capitais, mas também uma condição essencial e indiscutível para um investimento “normal” capitalista. Assim, “[...] o sacrifício da classe trabalhadora não é uma precondição de curto prazo para a prosperidade geral, mas uma condição estrutural de longo prazo para a concentração da renda”. (P. 111).

Para reforçar, Frigotto (2002), a seu turno, ensina que a dimensão mais crucial dos limites do capital e do desenvolvimento capitalista nos tempos contemporâneos é, todavia, o espectro da destruição de postos de trabalho - síndrome do desemprego estrutural - precarização (flexibilização) do trabalho, jungida à abolição dos direitos sociais duramente conquistados pela classe trabalhadora. O autor ainda menciona que a globalização, vinculada ao monopólio crescente da base científica e tecnológica, permite uma verdadeira “vingança” do capital contra o trabalho, pois proporciona, exponencialmente, a força do capital morto e a consequente diminuição de capital vivo, força de trabalho.

Apontando outro caminho para a educação, Mészáros (2008) assevera que a tarefa histórica a enfrentar é descomunalmente maior do que a negação do capitalismo. Em outra passagem, o autor acentua que se há de exigir “uma educação plena para toda a vida”, instituindo, também, uma reforma radical nos espaços formais de educação.

Infelizmente, na direção contrária, caminha-se para terceirizar a vida - dinâmica esta fruto da reestruturação produtiva, representada pelas mudanças nas modalidades de organização e controle do trabalho, sendo parte da transformação e desenvolvimento do modo de produção capitalista (ALMEIDA, 2016). Na contextura destes novos modelos produtivos, aporta a terceirização da própria Educação e, em particular, da Educação Física.

Esta conjunção de problemas, ao mesmo tempo, é parte da causa e, também, produto da precarização do trabalho. De maneira dialética, o trabalho terceirizado influencia e é influenciado pela precarização do labor docente, conforme Antunes (2011), porquanto se ampliam as modalidades de extração de trabalho, as terceirizações, ao passo que as noções de tempo e espaço são metamorfoseadas, mudando muito o modo de o capital produzir as mercadorias materiais ou imateriais, corpóreas ou simbólicas.

Do mesmo modo ocorre com a EF escolar que, ao se terceirizar, contribui para precarização do trabalho docente no âmbito escolar, muitas vezes, ocasionando salários reduzidos, vínculos empregatícios enfraquecidos, diminuição dos direitos trabalhistas e das condições materiais de trabalho. Dialeticamente, busca-se, ainda, precarizar as relações de trabalho como filosofia a ser implementada, seguindo a cartilha neoliberal, e, neste tocante, uma das maneiras é a terceirização, em particular, pensando a pesquisa, a terceirização EF escolar.

Em artigo publicado ainda nos primeiros anos do século XXI, Verenguer (2005) pretendia caracterizar a estruturação e a reestruturação do mundo do trabalho e empreender estudos sobre as mudanças no campo de labor do profissional de Educação Física e os influxos destas modificações. Segundo a autora, as mudanças, todavia, eram mais dinâmicas do que a capacidade de reflexão e entendimento, circulando poucos estudos sobre essa nova realidade. Ainda hoje, aliás, são bem poucos.

Conforme alcança Nunes (2016), tem-se, por consequente, uma Educação Física que, a cada dia, deixa de ser direito e passa a representar mercadoria, produto que pode ser consumido, mesmo fora dos muros escolares, em academias, clubes, escolinhas de esporte e demais espaços possíveis de compra e venda de práticas corporais. Não se pode esquecer de que, em ultrapasse aos produtos, e muito antes de os serem, essas práticas são bens culturais que possuem uma história e foram absorvidas pela instituição escolar mediante a Educação Física, sendo fundamentais às pessoas, com vistas a torná-las mais humanas.

Concorda-se com Nozaki (2015), ao exprimir a noção de que mais importante do que compreender que a disputa entre as visões de mundo está simplesmente materializada em campo escolar e não escolar, é necessário perceber o objeto do trabalho do professor de Educação Física em uma totalidade concreta, com as mediações do sistema capitalista de produção transcorrendo em seus vários campos de atuação.

Na reflexão de Vago (1999), interesses econômicos marcam interpretações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação sobre a EF escolar, destacando-se a ideia de redução de despesas com professores e materiais. A falta de critérios permitiu, segundo o autor, que se configurasse quase um "vale-tudo" na organização escolar. É possível dizer que a atuação da EF escolar nas práticas escolares, sobretudo em estabelecimentos particulares, é “reduzida ao mínimo indispensável” para configurar garantia à lei. Para o autor, ela estaria garantida, no entanto, de maneira “descaracterizada”, pois a escola oferece aos estudantes uma linha de produtos - e não um fio de pensamento - pois se reparte o conhecimento em várias modalidades de subprodutos. Este modelo é mais voltado às escolas particulares, todavia, é possível em instituições públicas.

EDUCAÇÃO FÍSICA TERCEIRIZADA: o caso em análise

Analisando o Projeto Pedagógico da Escola, divisa-se a noção de que a EF escolar figura à margem dos demais componentes curriculares. Observa-se, no terreno de pesquisa, a maneira como EF escolar está dividida e localizada.

É repartida nas modalidades esportivas (futebol, voleibol, handebol e basquetebol), musculação e ginástica, em que o estudante escolhe alguma dessas atividades durante um período. É localizada em turno oposto, trazendo apenas a ideia de atividade física, algo complementar às aulas, à rotina escolar. As atividades esportivas eram realizadas na própria unidade escolar com professor pago pela empresa terceirizada, ao passo que as demais modalidades ocorriam na sede dessa, uma academia de grande porte do Município (CADERNO DE CAMPO).

Com amparo numa realidade muito comum na EF escolar, Soares (1996), constata: ou o estudante “escolhe” vôlei e passa sete anos “jogando” ou o professor “escolhe” handebol e o estudante passa anos praticando este esporte. A autora reflete sobre a possibilidade de um professor de Língua Portuguesa pinçar para suas aulas apenas o conteúdo Análise Sintática ou o discente “escolher” Redação. Em seguida adverte: “Se estamos na escola, devemos dar um tratamento escolar ao conteúdo e, sobretudo, dar lugar a abrangência que ele possa ter”. (P. 11). Numa escola onde tanto faz o aluno fazer “Educação Física” dentro como fora dela, essa oportunidade estará sendo restrita à vivência de poucas práticas corporais.

Percebem-se estas restrições, a partir da observação das aulas de um professor subcontratado pela escola. As mesmas eram desenvolvidas em uma turma de voleibol (6ª ao 8ª ano do Ensino Fundamental) e outra de handebol (6º ano do Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio), com a média de 20 estudantes por turma (CADERNO DE CAMPO). Como um dos objetivos das terceirizações é redução de custos, juntar turmas de variadas séries em uma mesma aula estaria dentro deste script. Isto, porém, não permite que o conhecimento proposto seja ensinado progressivamente no período de escolaridade. Não é, entretanto, privilégio das escolas que terceirizaram a Educação Física, mas pode isso auferir contornos de regra a ser praticada.

Na entrevista, o professor, quando questionado sobre como é o seu vínculo com a escola, a relação com a parte pedagógica, a coordenação pedagógica e os outros professores, assinala: “A gente vem aqui, presta o serviço da gente e apenas isso, não tem vínculos maiores até com a própria vida escolar do estudante.” (PROFESSOR).

Compreende-se que o entrevistado não situa a Educação Física como disciplina pertencente a essa vida escolar. E quando, comentando, no decorrer da entrevista, que é preciso reconhecer a Educação Física como possuidora de saberes/conhecimentos que não só a Matemática e o Português os têm, o entrevistado reforça esta diferenciação: “É um prolongamento da sala de aula (a Educação Física), na realidade porque a gente trabalha também com a saúde, além de trabalhar com as notas do estudante em determinadas matérias.” (PROFESSOR).

De acordo com Rodrigues e outros autores (2000), na substituição dos conteúdos e procedimentos da EF escolar por outras atividades, perde-se a centralidade da formação educativa e prestigiam-se conteúdos “restritos, exclusivistas e particulares”, expondo os estudantes às experiências - entre aspas - “educativas”. Os autores apontam que, ao fazerem as críticas, não estão desmerecendo as atividades extraclasses ou extraescolares, porém as reduzem, relacionando-as às áreas de lazer e saúde.

Visto que a educação é possível de ser realizada em outros lugares transpostos ao espaço escolar, Cury (2000) alerta para o fato de que é preciso insistir na necessidade do caráter obrigatório e imprescindível do ensino organizacional, ou seja, em instituições escolares, existindo o controle e avaliação do ensino e da aprendizagem na faixa etária exigida por lei. Isto se aplica a todas as disciplinas escolares, inclusive à Educação Física.

Na justificativa do projeto de implantação da terceirização, pode-se observar a saúde como principal argumentação para a existência da Educação Física/ Esporte nas escolas, quando cita:

Não só no colégio particular, mas, também, em outros estabelecimentos de Ensino tem acontecido a realização de pessoas e equipes que praticam o esporte como meio de convivência social, conservando a Saúde Física e liberação de tensões causadas pelo ambiente de uma ecologia urbana com problemas variados de progresso tecnológicos. (PROJETO DE TERCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA, 2001).

Uma passagem do Projeto Político-Pedagógico da escola, no entanto, traça um objetivo que não havia sido privilegiado no projeto para implantar a terceirização: “Estabelecer a coerência entre Educação e Educação Física no ensino fundamental e médio.” (PROJETO PEDAGÓGICO, 2000).

Seguindo a análise, a respeito do vínculo escola-terceirização, já no começo do documento para implantar a terceirização, exprime a obediência que a escola deve ter relativamente às leis de mercado, expressando a ideia de que “[...] a fim de tornar disponíveis no mercado no menor tempo possível, novos produtos e serviços, na luta pela competitividade e sobrevivência.” (PROJETO DE TERCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA, 2001).

Bracht (2000) adverte para a noção de que a EF escolar está ameaçada, na medida em que foi abandonada pelo projeto neoliberal de educação e pelo próprio sistema esportivo, que dela pode prescindir para o seu desenvolvimento, porque, na reflexão do autor, as escolinhas esportivas substituem com “vantagens” a disciplina.

Em pesquisa realizada do Estado da Maranhão, Moraes e Araújo (2005) assinalam que 57,14% das escolas mantêm convênios com clubes e academias, onde as práticas esportivas realizadas substituem as aulas de Educação Física, quando, na verdade, deveria ser garantido o acesso a todos os conteúdos da cultura corporal e não apenas uma modalidade esportiva, o que descaracteriza a dimensão pedagógica do componente curricular.

Analisando a “terceirização esportiva”, as autoras constataram que 64,28% das escolas pesquisadas estabelecem convênios/contratos com clubes, academias e empresas, realizados dentro ou fora das instituições de ensino, terceirizando modalidades esportivas; e que 50% das escolas mantêm contrato com empresas para oferecer práticas esportivas fora do ambiente escolar mediante convênios com clubes e academias, sendo essas práticas substitutas das aulas de Educação Física. Divisaram, também, os autores, o fato de que 14,28% das escolas contratam empresas internamente, que se responsabilizam pela manutenção do espaço físico, aquisição de materiais esportivos e contratação de professores. Elas questionam se outras disciplinas necessitam de espaços para realizar as aulas fora da escola, tendo seus teores substituídos por práticas efetivadas à margem do ambiente escolar.

O equívoco, no entendimento que se detém, não é o fato de serem realizadas fora ou dentro do ambiente escolar. O problema - entra-se com esse o reforço - é serem ministradas por professores contratados pelas escolas, e a Educação Física precisa estar ligada ao Projeto Político-Pedagógico da instituição de ensino, desenvolvendo aspectos que levem os estudantes a refletirem sobre as práticas trabalhadas, valorizando os temas específicos e transversais. Há, pois, de ser concedido um cunho pedagógico aos conteúdos.

Arruda e Gonçalves Junior (2000) defendem o ponto de vista conforme o qual a “terceirização”, no trabalho em academias, deve ser planejada e discutida entre todos os envolvidos - professores de Educação Física, docentes em geral, pais, alunos, coordenadores pedagógicos e dirigentes das academias - bem como vista como ampliação e complementação, jamais como única atividade da EF escolar.

Se, todavia, a disciplina continuar sendo “terceirizada", obedecendo o rumo atual, sem a ocorrência de amplo debate nas delegacias de ensino e, particularmente, em cada escola, para formulação do projeto pedagógico, pode-se configurar o mero rapasse das responsabilidades para outras instituições, correndo o risco de as academias poliesportivas assumirem o ensino do esporte, praticamente, como única possibilidade, prejudicando muito a EF escolar, especialmente ao privar os estudantes do contato com uma variedade de conteúdos (ARRUDA; GONÇALVES JUNIOR, 2000).

Ainda, quando mostrado o Projeto de Implantação da Educação Física Terceirizada, introduzem-se alguns ideários dessa nova fase do capitalismo. Veja-se: “Ademais, seu trabalho deve ser pautado em valores bem definidos, estrutura organizacional enxuta e flexível, eficácia, gestão com perfil empresarial e clara demonstração dos benefícios para os clientes.” (PROJETO DE TERCEIRIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO FÍSICA, 2001).

Conforme Moraes e Araújo (2005, p. 2194), o movimento de terceirização esportiva é uma nova maneira de organização escolar em curso nas escolas particulares, prevalecendo o interesse econômico. Asserem que essa prática “[...] desencadeia o risco de perda de identidade da Educação Física como disciplina curricular, desvinculando-a do projeto pedagógico das escolas, quando transfere suas próprias responsabilidades para empresas prestadoras de serviço”. Na direção de um grande negócio, Nozaki (2004) faz a síntese: a Educação Física é tratada como um “artigo de luxo” e valorizada, no projeto pedagógico dominante, na perspectiva da aptidão física, situando-se “[...] num plano secundário”, para a maior parte das camadas populares.

Quando questionado a respeito da visão do professor sobre a terceirização, este nos mostra a óptica da escola e, sem querer, denuncia todas as críticas a essa conjunção de problemas, feitas anteriormente neste texto. E finaliza: “[...], o professor continua na empresa dele sem vínculo com o colégio, sem nada.” (PROFESSOR).

Na compreensão de Verenguer (2005), citando sua tese, quando entrevistou profissionais de Educação Física, afirma não haver consenso sobre o significado e a influência da terceirização e da flexibilização na vida profissional. Para alguns, a experiência é nova e insegura, ao passo que, para outros, tais circunstâncias concedem liberdade de ação e exigem uma atitude empreendedora. Assinalam ainda que, se por um lado o trabalho, por meio da terceirização ou como autônomo, é algo transitório e circunstancial, de outra parte, é enriquecedor para a carreira, pois exige do profissional total controle e a responsabilidade sobre ela. Na medida, entretanto, em que a terceirização de modo irrestrito foi legitimada - demarca Alves (2015) - contribuiu-se para ampliar ainda mais a precarização do trabalho, corroendo as perspectivas de inserção digna das gerações futuras.

Outro problema da Educação Física terceirizada é a não participação do professor nos encontros pedagógicos, cuja ausência configura o consequente afastamento da coordenação pedagógica da escola. Identifica-se tal ocorrência quando se comparam as respostas dadas pelo professor a duas indagações. Quando perquirido se ele fosse, realmente, um professor da escola com vínculo empregatício, haveria alguma diferença, respondeu: “Creio que não. O mesmo serviço que eu prestaria se fosse funcionário do colégio eu acho que eu presto o mesmo serviço à empresa.” (PROFESSOR).

O próprio entrevistado, porém, identifica esse entrave, pois, ao ser indagado sobre o seu vínculo com a escola e seus liames com a coordenação pedagógica e os professores, assinalou:

Acho que a única falha que nós temos em relação ao trabalho é justamente isso, é em termos de reuniões que nós não tomamos conhecimento do que se passa no colégio, apenas o colégio informa alguns avisos, alguma coisa, mas esse vínculo com o colégio, em termos de a gente saber de comportamento de estudante em sala de aula normal, notas, como é a vida escolar do estudante no colégio. (PROFESSOR).

É notório o fato de que o serviço prestado poderia não ser o mesmo, caso existisse vínculo empregatício do professor com o colégio, pois poderia haver acompanhamento feito pela coordenação pedagógica. O professor de Educação Física deve participar das reuniões pedagógicas, pois, nessas sessões, é que são traçados planejamentos a serem seguidos. Como anotam Krug e outros autores (2015, p. 260), nestas ocasiões, sucedem, também, “[...] as trocas de experiências e aprendizados necessários e que beneficiam a boa relação com os colegas, supervisão, direção, enfim, a escola como um todo”. Não devem existir, entretanto, nas relações trabalhistas terceirizadas, a pessoalidade e a subordinação direta, conforme a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. A não observância de tais exigências implica “ilicitude da prática terceirizante”, com a conseguinte fixação de vínculo empregatício com o tomador de serviços (VIANA, DELGADO; AMORIM, 2011).

A pessoalidade tem curso quando o contrato de trabalho origina para o empregado uma obrigação de executar o serviço, não podendo ser feito por outrem, conforme o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). (BRASIL, 1943). Existe uma relação de pessoalidade entre professor e escola, visto que o docente estabelece a vinculação de ensino-aprendizagem com os estudantes, não podendo a cada aula ou conjunto de aulas ser um professor diferente. Durante o período de observação, as aulas foram todas realizadas pelo mesmo docente.

Os educadores terceirizados, também, estariam subordinados às empresas prestadoras de serviço, impedindo uma ação direta, de qualquer coordenação pedagógica ou direção de escola, a orientações pedagógicas ou mesmo administrativas. Tal se configuraria na subordinação direta. Pela entrevista, ficou evidenciado que não havia, por parte do professor subcontratado, acatamento de ordens diretas proferidas pelos gestores.

A relação entre escola e professor exige, todavia, subordinação direta. A Lei nº 13.429, no Art. 2º, menciona que a empresa terceirizada “[...] contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores [...]” ou subcontrata outra organização para tanto.

Questiona-se: qual o sentido de o professor participar das reuniões pedagógicas, se não poderá receber orientações das coordenações no sentido de dar direção ao trabalho que desempenhará? Sabe-se, entretanto, do ponto de vista prático, que a subordinação direta pode ocorrer no interior dos estabelecimentos de ensino, ao arrepio da legislação vigente.

É importante destacar a noção de que, em outras experiências de terceirização, o comparecimento dos professores a reuniões pode ser algo priorizado pela escola contratante e/ou pela empresa prestadora do serviço, porém estaria caracterizada a conjunção de problemas expressa acima.

O resultado negativo da inexistência de contato com outros professores e com a própria coordenação da escola enseja a impossibilidade ou dificuldade para estabelecer diálogos pedagógicos com a disciplina Educação Física. Após analisar o Projeto Político-Pedagógico da escola, pode-se notar que uma das metas do colégio era implementar, junto aos professores, a prática da interdisciplinaridade. O trecho do documento afirmava que seria “[...] dada total abertura para as outras áreas, criar e recriar atividades em conjunto com a Ed. Física”. (PROJETO PEDAGÓGICO, 2000).

É lícito apontar, com base nas observações e na entrevista, que esta meta não foi alcançada. No decorrer da unidade didática observada, não houve interações com outras disciplinas (CADERNO DE CAMPO). É possível que, em unidades diversas, esta interdisciplinaridade pudesse ocorrer, todavia, pela própria fala do professor entrevistado, quando questionado sobre sua relação com os outros docentes da escola, conclui-se que estes projetos não acontecem em unidade alguma, pois ele destaca: “A gente fica sem ter esse contato com o colégio” (PROFESSOR). Corroborando estas afirmações, uma pesquisa realizada em escolas particulares de Brasília-DF relata que a maioria dos 11 docentes terceirizados, ministrantes de Educação Física, concorda totalmente com a afirmação de que a terceirização diminui a cooperação, participação e integração entre estes e os professores efetivos das outras disciplinas (OCAMPO, 2009).

Lembra-se que o texto conforma um Estudo de Caso e que analisou uma variável pouco explorada nos experimentos da área, sendo com base nas informações colhidas que se pôde fazer inferências. Entende-se, de sobejo, que a seara da Educação Física está plena de estudos com resultados semelhantes, reportando-se a escolas onde a terceirização ainda passa longe. Tais fatos conduzem a se compreender que os achados não ocorrem apenas em instituições escolares que terceirizaram a disciplina em evidência, algo com que se está de acordo, podendo, entretanto, nos casos de profissionais contratados pela própria escola, ter estas demandas solucionadas, exigindo-se a formação continuada dos agentes educacionais envolvidos, especificamente, professores, coordenadores e diretores. Alerta-se, todavia, para a ideia de que, com a terceirização, a falta de entendimento da Educação Física como um componente curricular resulta amplificada, uma vez que a escola, intencionalmente, se “esquiva” de controlar pedagogicamente esta disciplina.

Terceirizar a EF escolar pode se fazer uma tendência no mundo do trabalho, como se esta disciplina não devesse estar integrada aos outros componentes escolares, condição indissociável do pleno desenvolvimento dos educandos, isto é, compondo atividade-fim da escola. De outra maneira, deveria estar inserida em um projeto político-pedagógico de caráter crítico, criativo e reflexivo, onde cada matéria e todo professor têm papel fundamental na formação dos estudantes.

CONCLUSÃO

Considerando os objetivos traçados para este estudo, que foram analisar a terceirização e seu vínculo com a Educação Física escolar, identificando as características e refletindo sobre as possíveis consequências pedagógicas, comprovou-se que existe uma maneira de terceirização da atividade-principal das instituições, respaldada, na atualidade, pela Lei nº 13.429 de 2017. Estudou-se, especificamente, o caso da terceirização da Educação Física, mesmo antes da existência desta nova legislação.

Assimila-se o registro das seguintes características e problemas com a terceirização da EF escolar: a) o fato de não ser uma disciplina pertencente ao currículo básico, reduzindo nos estudantes as reflexões pedagógicas sobre as práticas corporais e a própria ampliação destas; b) a ausência, por parte do professor, dos encontros pedagógicos e um consequente afastamento da coordenação própria; e c) a inexistência de interdisciplinaridade. Pensa-se que essas características e problemas expostos sobre a terceirização da EF escolar significam enorme perda na formação das crianças e jovens, pois eles não poderão vivenciar diversas outras possibilidades deste componente curricular.

A obtenção da mais-valia, em certos momentos, supera o ato de educar. A educação é vista, nestes casos, como uma mercadoria e não como um dever de todos e um direito social. Sem dúvida, constitui este fato o reflexo das políticas econômicas neoliberais implementadas pelos governos, no País, com maior afinco nas três últimas décadas. Elas, então, influenciam ações, com influxos negativos na organização do Mundo do Trabalho, tanto na esfera pública, quanto na de ordem privada.

Ex-expositis, nas relações dos trabalhadores terceirizados com as instituições contratantes, não deve existir a pessoalidade. Contudo, os professores estabelecem vinculação de ensino-aprendizagem com os estudantes, não podendo a cada momento ser um docente diferente. Também, não deve haver o acatamento de ordens diretas proferidas pelos gestores escolares, pois os professores terceirizados estariam subordinados às empresas prestadoras de serviço.

Outro aspecto a se destacar está no fato de que todo o discurso que cerca a terceirização de processos, em qualquer ramo de atividade, aponta os possíveis benefícios que seriam alcançados com a melhoria na qualidade dos serviços. Ora, o que se experiencia é a manutenção histórica de problemas na Educação Física brasileira.

A modo de remate, reforça-se o argumento de que os resultados inventariados devem ser os indicadores retirados da realidade pesquisada, e não outros, e que merecem atenção, analisando, além as generalizações, as singularidades de caso tão específico. Pelo que foi exposto, existe um agravante em todo este processo de terceirização da EF que envolve a falta de controle pedagógico evidenciada pela ausência de planejamento pedagógico com os conteúdos e a sua consequente falta de avaliação, acompanhada da ausência do professor das reuniões pedagógicas, ocasionando a inexistência do diálogo entre o docente prestador do serviço e a escola/projeto político-pedagógico. Como se apontou no decurso de todo este escrito, a falta de compreendê-la como um componente curricular resulta amplificada, uma vez que a escola, intencionalmente, se “esquiva” desta disciplina.

Refletir sobre a terceirização das disciplinas escolares, em especial, a Educação Física - o que precariza as relações de trabalho, afetando diretamente o trabalhador, reduzindo seus salários e minguando-lhes direitos trabalhistas, além de comprometer pedagogicamente o processo de ensino-aprendizagem nas escolas - é um desafio vigente na atualidade. Tem-se por contexto um Estado que, de maneira aligeirada, demanda por todos os tipos de reforma - educacional, trabalhista, previdenciária, entre outras.

Sugere-se, então, que sejam aprofundados estudos e procedidas discussões sobre este fenômeno, no âmbito da formação continuada e permanente dos professores de Educação Física Escolar, para se poder contrapor a essa ordem mundial de flexibilização do trabalho e reestruturação produtiva. Isto porque, apenas mediante o entendimento da realidade em vigor, poder-se-á enfrentar esse rol de problemas e lhes propor soluções. Afinal, é um componente curricular que tem sobrada importância no contexto escolar e deve ser valorizado como qualquer outro.

Que a Educação Física possa continuar sendo uma disciplina viva e atuante no chão das instituições escolares, afastando de vez esse retrocesso histórico que se instalou, entre outros motivos, com o modo de trabalho organizacional terceirizado.

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 19 de Março de 2019; Aceito: 02 de Agosto de 2019

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