SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 número61Formação de professores e cultura digital na Educação Física: reflexões a partir do livro Being self-study researchers in a digital world: future oriented research and pedagogy in teacher educationA lógica interna das lutas corporais: implicações iniciais para o ensino-aprendizagem-treinamento do brazilian jiu-jítsu índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.61 Florianópolis  2020  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e58038 

Porta Aberta

O amor italiano com o esporte

The italian love affair with sport

El romance italiano con el deporte

Narayana Astra van Amstel1 
http://orcid.org/0000-0002-8707-2423

Leonardo do Couto Gomes2 
http://orcid.org/0000-0002-8866-2054

Carlos Alberto Bueno dos Reis Junior3 
http://orcid.org/0000-0003-4759-7935

Ricardo João Sonoda Nunes3 
http://orcid.org/0000-0003-0145-7312

Marcelo Moraes e Silva3 
http://orcid.org/0000-0001-6640-7952

1Universidade Federal do Paraná - UFPR, Departamento de Sociologia, Curitiba, Paraná, Brasil

2Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Faculdade de Educação, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

3Universidade Federal do Paraná - UFPR, Departamento de Educação Física, Curitiba, Paraná, Brasil


RESUMO

A presente resenha compreende uma análise sobre o livro Sport Italia - The Italian Love Affair With Sport, obra que tematiza a trajetória do esporte no contexto italiano, explorando principalmente sua relação com a formação cultural do país. O livro apresenta a relação singular que a Itália apresenta com modalidades esportivas como futebol, automobilismo e ciclismo. O autor aponta que existe uma forte imbricação do fenômeno esportivo com as esferas política e religiosa. Nesse sentido, aponta-se que o livro justifica sua relevância acadêmica por conciliar o estudo da cultura esportiva italiana com análises amparadas por uma considerável quantidade de fontes primárias.

PALAVRAS-CHAVE: Esporte; Itália; Cultura

ABSTRACT

This review includes an analysis of the book Sport Italia - The Italian Love Affair With Sport, a work that thematizes the trajectory of the sport in the Italian context, exploring mainly its relation with the cultural formation of the country. The book presents the unique relationship that Italy presents with sports such as football, motor racing and cycling. The author points out that there is a strong imbrication of the sports phenomenon with the political and religious spheres. In this sense, it is pointed out that the book justifies its academic relevance by conciliating the study of the Italian sports culture with analyzes supported by a considerable amount of primary sources.

KEYWORDS: Sport; Italy; Culture

RESUMEN

La presente reseña incluye un análisis sobre el libro Sport Italia - The Italian Love Affair With Sport, obra que tematiza la trayectoria del deporte en el contexto italiano, explorando principalmente su relación con la formación cultural del país. El libro presenta la relación singular que Italia presenta con modalidades deportivas como fútbol, automovilismo y ciclismo. El autor apunta que existe una fuerte imbricación del fenómeno deportivo con las esferas política y religiosa. En ese sentido, se apunta que el libro justifica su relevancia académica por conciliar el estudio de la cultura deportiva italiana con análisis amparados por una considerable cantidad de fuentes primarias.

PALABRAS-CLAVE: Deporte; Italia; cultura

Publicado pela editora americana I.B. Tauris, no ano de 2011, o livro Sport Italia - The Italian Love Affair With Sport (“O esporte da Itália - A relação italiana de amor com o esporte”), ainda sem tradução para a língua portuguesa, é de autoria do Prof. Dr. Simon Martin. O autor possui forte ligação com o futebol, tendo em vista que em 2004 sua tese de doutorado discorreu sobre a relação entre a modalidade e o fascismo na Itália de Mussolini. Já em 2006 escreveu o livro “Calcio e fascismo. Lo sport nazionale sotto Mussolini1 pela editora Mondadori. Atualmente Martin possui vínculo institucional com a Universidade de Hertfordshire (Inglaterra), em que investiga o futebol e suas múltiplas faces na sociedade. A trajetória do autor é toda ligada à história do esporte no contexto italiano e seu principal intento no livro em questão foi o de compreender a intensa devoção dos italianos pelo fenômeno esportivo. A obra, em suas 320 páginas, é composta por diversas fontes, tais como artigos de jornal, depoimentos de atletas, treinadores e dirigentes de clubes, mapas, fotografias, pôsteres e filmes.

O autor discorre que os italianos criaram uma relação única com o esporte, na qual o fenômeno esportivo inicialmente era uma atividade restrita a uma elite burguesa, mas que com o passar dos anos acabou por envolver toda a nação, especialmente com o futebol, ciclismo e automobilismo. Ao tomar como ponto de partida a constituição da Itália Moderna, no processo de unificação de pequenos reinos como Veneza, Turim, Sardenha, entre tantos outros, o autor não quis ignorar o passado dos gladiadores em Roma e/ou o calccio florentino, entretanto, a maior parte da obra contempla o esporte moderno no contexto da Itália contemporânea.

O livro em questão é dividido em nove capítulos. A parte introdutória explora sobre o contexto de constituição do moderno estado italiano no século XIX. Nessa parte da obra o autor aponta que a Itália tratava-se de um país que não tinha como elemento unificador a língua. Evidencia também as drásticas diferenças entre o norte mais urbano e industrial e o sul agrário e dominado pela máfia. Havia também uma religião católica em comum para a maioria da população, porém a Igreja, afetada negativamente pelos territórios perdidos na unificação, se negou a reconhecer o governo central de forma amistosa até o Tratado de Latrão em 1929, momento de criação do Vaticano. Em uma Itália que ainda precisava criar uma identidade, o autor indica que esporte surgiu como um elemento criador de unidade, mas também evidenciou diversas contradições.

O segundo capítulo, intitulado “The Italian Factory”, demonstra como as circunstâncias da unificação, onde uma Igreja rebelde, um estado corrupto e elitista centrado na nobreza de Piemonte, bem como crises políticas, dificultavam a formação do sentimento de patriotismo entre as camadas populares. Nesse contexto, o governo buscou promover atividades esportivas como esgrima, ginástica e tiro, na tentativa de criar um sentimento de nação. Martin dedica um olhar ao surgimento dos dias de descanso para o proletariado, que dá o pontapé inicial para a afirmação de uma cultura aberta aos divertimentos. Com forte influência da Ginástica Alemã de Friedrich Ludwig Jahn, as associações ginásticas italianas buscavam cultivar um povo italiano preparado para a guerra2.

Nessa conjuntura todas as associações eram conduzidas pelo Ministério da Guerra. Entretanto, o autor aponta o fracasso desses esportes no que se refere ao envolvimento de um público mais abrangente na Itália, pois ainda estavam muito restritos aos meios militares e da elite. Para Martin, o esporte que mais contribuiu para a formação de uma identidade italiana no Risorgimento foi o ciclismo, onde as excursões de bicicleta ao redor das fronteiras ajudavam seus participantes reconhecerem geograficamente o que era a Itália. Foi assim que o Giro da Italia, prova de ciclismo criada em 1909, apresentou forte influência do equivalente Tour de France. Afinal o evento evidenciava aos italianos toda a paisagem da nação, passando por monumentos, locais onde ocorreram grandes batalhas, entre outros elementos de caráter patriótico. Elementos muito próximos ao contexto do Tour de France explorado por Vigarello (1997) e Lessa e Moraes e Silva (2017).

Mussolini Boys: athletes of fascism, soldiers of sport”, título do terceiro capítulo, explica como o esporte se inseriu num contexto de agitação política, descontentamento popular com a guerra, ascensão dos extremismos de direita e esquerda e a derrocada desses embates na subida do poder de Benito Mussolini. O esporte, que tanto havia sido utilizado como propaganda pelo Estado Liberal para o fortalecimento da nação, sofreu impacto das baixas provocadas pela 1ª Guerra Mundial. O autor comenta que o conflito demonstrou que a prática esportiva não produzia necessariamente uma “nação forte”. Para agravar este quadro, os movimentos de esquerda pregavam contra o esporte. Esta vertente política via na prática esportiva um elemento alienante da massa operária, reforçador da meritocracia que atacava os ideais de igualdade, além da acentuação de sentimentos nacionalistas que dificultavam a união das classes operárias internacionalmente.

Assim, com algumas exceções até aproximadamente 1960, a esquerda italiana em sua maioria, conforme evidenciou Martin, rejeitou o esporte. Exatamente o oposto do caminho adotado pela Igreja Católica que, na sua versão de “cristianismo muscular3”, usou as atividades esportivas como forma de pregar valores cristãos, de maneira semelhante ao que a concorrente protestante YMCA (Young Men’s Christian Association) fazia ao redor do planeta. Como a Igreja ainda não tinha boas relações com o Estado, fundou suas próprias instituições esportivas e sociedades ginásticas católicas, que disputavam espaço com os clubes laicos no acolhimento de novos membros.

Ainda se tratando do período fascista, Martin relembra que o mesmo foi responsável pela ampliação da Educação Física no sistema escolar italiano. Pelo controle centralizado das entidades esportivas, conseguiu amplos resultados em competições internacionais e buscou fortalecer os eventos esportivos e instrumentalizá-los como ferramenta de disputa política contra outros países. Foi também no contexto fascista que surgiu a apreciação das competições automobilísticas. Com empresas nacionais como Fiat, Alfa Romeo, Lamborghini e Ferrari, o regime aproveitou a apreciação italiana por máquinas velozes como forma de propaganda política.

No quarto capítulo intitulado From the Duce to De Gasperi o autor demonstra a trajetória do esporte num período de transição de governos provocado pela queda de Mussolini e derrota do Eixo no conflito. Destaca-se a presença estadunidense na redemocratização do país e os embates internos entre católicos e socialistas nas diferentes esferas, desde os confrontos parlamentares até as representações do imaginário popular de atletas considerados membros desses grupos rivais. O capítulo em questão mostra como o esporte teve um breve enfraquecimento no período de guerra, embora esportistas ainda fossem utilizados pelo regime fascista para demonstrar a força da nação, como por exemplo na vitória de Fausto Coppi, ciclista que também participou como soldado na guerra. Mesmo com intenso bombardeio por parte dos Aliados, o Giro da Italia manteve suas edições sem interrupção até 1943, onde a destruição sistemática das estradas pelos bombardeios tornou inviável sua continuidade. Ainda assim, as atividades esportivas oficiais de maneira geral só teriam se esgotado totalmente em 1944.

O quarto capítulo ainda aborda como as principais iniciativas populares dicotômicas, no caso, o lado representado pelas comunidades cristãs sob orientação da Igreja Católica e os sindicatos e movimentos operários de ideologia marxista, digladiaram-se no âmbito esportivo. A esquerda, por uma ainda recente rixa com a experiência fascista, insistia em rejeitar o esporte, por considerá-lo uma atividade alienante, burguesa e representante do capitalismo. Já os grupos religiosos, unidos por um influente grupo de clérigos (inclui-se aqui os Papas Pio X, Pio XI e Pio XII), enxergavam no esporte uma ferramenta de luta contra o comunismo.

Dessa forma, o conflito entre direita e esquerda se refletiu simbolicamente no confronto entre duas lendas ciclísticas italianas: o representante do grupo católico, Gino Bartali, e o socialista Fausto Coppi (o mesmo que serviu ao exército fascista na guerra). Bartali simbolizava o passado, o atleta que asceticamente e de maneira calada superava cada dolorosa etapa do Giro e do Tour, sendo três vezes campeão do evento italiano (1936, 1937 e 1946) e duas vezes da competição francesa (1938 e 1948). Em contrapartida, Coppi teve sua imagem associada à modernidade e ao anúncio de um novo futuro para a Itália. Pentacampeão do Giro (1940, 1947, 1949, 1952 e 1953) e bicampeão do Tour de France (1949 e 1952), seus duelos com Bartali foram representados pela imprensa italiana como a personificação do embate entre o bem e o mal, do certo contra o errado. Martin salienta que escândalos de adultério acabaram por estigmatizar a imagem de Coppi, aonde o mesmo passou a sofrer ataques de manifestantes nas provas, que eventualmente provocaram seu afastamento de competições na Itália. Para o autor, a ostracização de Coppi representou a escolha do povo italiano de permanecer como uma sociedade fortemente ligada a uma moral religiosa e conservadora.

O quinto capítulo, “A cold war and a hot economy”, explora como o crescimento econômico ocorrido entre 1958 e 1963 foi responsável pela modernização de uma nação na qual 40% de sua população ainda trabalhava no campo. A integração com a comunidade europeia, o endurecimento de leis trabalhistas, baixos salários e o incentivo à abertura de novas empresas, aliados à ajuda americana por meio do Plano Marshall, permitiram o fortalecimento da indústria italiana. Ainda assim, as disparidades entre o norte e o sul persistiam. O autor lembra que nesse período a venda de televisores subiu, e o esporte começou a ganhar espaço nesse meio de comunicação de massa. Era evidente o início da mercantilização das atividades esportivas em uma nova versão. O surgimento do Totocalccio, loteria italiana relacionada a resultados de jogos de futebol, trouxe uma nova relação do italiano católico com os jogos de azar, duramente condenados pela Igreja. No Giro aumentava-se o número de patrocínios estampados nos uniformes das principais equipes. A cultura de consumismo invadia o cotidiano esportivo italiano.

Foi nesse período de avanços econômicos que a ampliação da venda de carros propiciou aos torcedores acompanharem suas equipes de futebol para além de suas cidades originais. O crescimento da malha ferroviária, similarmente responsável pela popularidade dos esportes nos EUA e Inglaterra (SANTOS, 2012) contribuiu para os torcedores de diferentes regiões apoiarem seu time ao vivo. Ainda assim, o futebol italiano por mais de 20 anos viveu um período que os italianos não gostam de lembrar. A agressividade se manifestava mais fora dos campos do que dentro deles, com o surgimento das ultras, torcidas fanáticas e violentas. Ainda assim, esse período do pós-guerra é marcado pela tentativa de reconstruir a nação após os horrores provocados pelos bombardeios. Nos Jogos Olímpicos de Roma em 1960, a terceira colocação geral do país, perdendo apenas para os EUA e URSS, foi uma forma de vitória contra o passado fascista. Nota-se que mesmo sem uma administração centralizadora e ditatorial, a nação caminhava lentamente para um futuro melhor nos esportes, com a participação de atletas mulheres e de diferentes classes sociais.

Terrorists, trade unionists and televisions”, título do sexto capítulo, trata dos amplos protestos ocorridos ao final dos anos 60 que ocorreram tanto na Itália como em muitos outros países, e que sinalizavam o descontentamento da juventude, agora escolarizada e interessada em melhores condições de estudo e trabalho, inconformada com as políticas adotadas pelas coalizões de centro-direita do partido Democracia Cristiana. Ainda assim, o autor salienta que a esquerda se encontrava dividida em partidos menores que não conseguiam se unir para estabelecer uma nova agenda política que agradasse os anseios desses movimentos de descontentes. No esporte, o televisionamento das competições permitia que mais indivíduos pudessem juntos demonstrar momentos de união entre a nação. A vitória contra a Alemanha na Copa de 1970 foi um exemplo desta coalizão. Porém, em seguida a derrota para o Brasil já foi suficiente para novamente acentuar as diferenças e gerar grandes protestos na recepção da seleção. Segundo Martin, a crise civil era tanta que organizações terroristas começaram a agir ao redor do país, com ataques de bombas e sequestros que sinalizavam a situação crítica. As manifestações de violência ocorriam com maior frequência nos estádios de futebol, cada vez mais afastando os espectadores dos campos.

O sétimo capítulo, “Political footballs in Berlusconia”, expõe um período de grandes escândalos de corrupção no futebol italiano. As somas cada vez maiores do Totocalccio derrocaram na manipulação dos resultados de partidas, com o envolvimento de árbitros, atletas e dirigentes em diversos escândalos. Uma operação de investigação resultou na prisão de diversos parlamentares, tanto do Democracia Cristiana, quanto da oposição de esquerda, centrada principalmente no Partido Socialista Italiano. Com as duas principais forças políticas fragilizadas na opinião pública, Silvio Berlusconi organizou um partido centrista, “Forza, Italia!”, que se intitulava a nova opção para o eleitorado. A escolha de tal nome não foi ao acaso: a expressão já tinha sido utilizada como incentivo à seleção de futebol italiana por diversos tabloides ao redor do país. Sendo dono de boa parte das empresas de telecomunicação na Itália, Berlusconi inundava as manchetes em rádios, jornais e televisão basicamente com esporte, especialmente o futebol, e denúncias políticas aos membros do DC e PSI. Além disso, quando se comunicava com o público, Berlusconi passava a imagem do empresário bem-sucedido que, também sendo dono do clube de futebol A.C. Milan, conseguiu levar sua equipe a uma era de prosperidade nas competições nacionais e internacionais, adquirindo importantes atletas e conquistando diversos títulos. Destaca-se que quando subiu ao comando do país, Berlusconi tinha grande aclamação popular.

O oitavo capítulo denomina-se: “An old drugged lady, a doped pirate and dirty feet”, e visa apresentar os problemas dos anos 1990 e 2000 que afetaram a imagem de pureza no esporte italiano. Investigações acerca de escândalos de doping apontaram como esquemas entre treinadores e atletas em federações esportivas italianas colocavam em ação métodos de dopagem sanguínea. Quando a questão foi levada para debate no Parlamento, apenas seis deputados dos 630 membros participaram, demonstrando uma aparente conivência com os ocorridos. No Tour, autoridades francesas encontraram no veículo da equipe italiana Festina mais de 234 doses do hormônio EPO, utilizado para melhora no desempenho em provas de caráter aeróbio. O famoso ciclista Marco Pantani, figura emblemática do esporte italiano por suas vitórias no Giro e no Tour, foi suspenso por resultados positivos em seu exame de doping. Posteriormente entrando em depressão, o atleta veio a falecer após uma overdose de cocaína. No futebol, ex-atletas com graves doenças culpavam clubes e treinadores por terem sido forçados a ingerir substâncias perigosas que agora cobravam sua saúde. Apesar da prisão de algumas figuras importantes de clubes como o Juventus e algumas multas, Martin aponta que o doping continua presente no esporte italiano como uma característica obrigatória da vida dos atletas.

O nono e último capítulo é intitulado “Not a normal country”, o autor resume a história italiana no esporte e apresenta suas considerações finais. Na ausência de uma identidade centrada no Estado, a cultura italiana moderna associada ao esporte foi esculpida ao redor dos conflitos entre a Igreja e o socialismo. O autor salienta que enquanto o esporte italiano pode ser visto por alguns como a demonstração de uma nação fragmentada, por outros é dito que foi principalmente através dele que o país vivenciou momentos únicos de união. A ocorrência de escândalos de violência nos estádios, atos de racismo em relação a jogadores negros e xenofobia com estrangeiros aviltaram a imagem do país internacionalmente, porém serviram para refletir as crises internas da sociedade italiana. Na política, a ação conjunta dos governantes, ao utilizarem os sucessos e fracassos em competições como estratégia de perpetuação no poder, demonstra a forte relação que o italiano teceu com o esporte. Na verdade, essa é a percepção de Martin acerca do fenômeno esportivo nesse país, ou seja, como a cultura italiana moderna é repleta de contradições e complexidades, é natural que seu esporte também pareça algo singular e um tanto estranho.

A obra de Martin convida o leitor a refletir acerca do uso político do esporte, abrindo questionamentos que não se limitam à Itália apenas, mas também a outros países que se inserem nas lógicas de espetacularização e mercantilização das práticas esportivas. Seu texto não é uma história sobre quem ganhou medalha em qual competição, mas sim como nação e esporte se constroem integradamente, a ponto de um influenciar o outro em diferentes aspectos, como demonstrado no decorrer da obra. Considera-se, dessa forma, que o livro potencializa análises e discussões acerca do esporte em seus vínculos com a cultura, o estado e a política de cada país.

Para o cenário do Brasil, Sport Italia é uma obra que transparece diversas proximidades entre a cultura esportiva italiana e brasileira, principalmente no tocante ao envolvimento emocional e político perante o fenômeno esportivo. Tal como na Itália, o Brasil, durante o regime militar ocorrido entre 1964 e 1985, utilizou-se do esporte como ferramenta, seja de forma utilitarista ou como meio de propaganda política. Neste sentido, a obra de Simon Martin amplia discussões acerca das culturas esportivas, justificando-se sua relevância para o meio acadêmico. Por fim, cabe ressaltar que a obra resenhada apresenta uma ampla temporalidade. Os capítulos, do ponto de vista historiográfico, são genéricos em demasia. Os mesmos poderiam ser problematizados e/ou potencializados em obras específicas separadamente. Sendo assim, o autor acaba traçando um panorama um tanto superficial em cada capítulo, sem aprofundamento em muitos acontecimentos. Nesse sentido, sugere-se para futuros pesquisadores interessados na temática uma apresentação de análises mais pormenorizadas sobre o esporte no contexto italiano

REFERÊNCIAS

QUITZAU, Evelise Amgarten. A Ginástica alemã: aspectos da obra de Friedrich Ludwig Jahn. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 36, fev. 2016. [ Links ]

GUTERMAN, Marcos. Médici e o futebol: a utilização do esporte mais popular do Brasil pelo governo mais brutal do regime militar. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, v. 29, n. 01, 2004. [ Links ]

LESSA, Priscila Requião; MORAES E SILVA, Marcelo. O ciclismo de estrada e a construção de uma cultura nacionalista: um olhar sobre o Tour de France. Movimento, Porto Alegre, p. 407-418. 2017. [ Links ]

MEYER, Andrew. Contemporary American sport, muscular Christianity, Lance Armstrong, and religious experience. University of Illinois: 2010. [ Links ]

SANTOS, João. O Monopólio nos Esportes: uma comparação da organização dos esportes comercializáveis nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil (1870-1920). Revista de História Econômica e História das Empresas, v. 15, n. 2, p. 47-80, 2012. [ Links ]

VIGARELLO, Georges. Le Tour de France. In: NORA, Pierre. (Ed.). Les Lieux de mémoire, Paris: Gallimard, 1997. v. 2, p. 885-925 [ Links ]

1“Futebol e Fascismo - O esporte nacional sob Mussolini”, em italiano.

2Mais detalhes sobre a obra de Friedrich Ludwig Jahn, consultar o artigo de autoria de Evelise Amgarten Quitzau (2016).

3 Meyer (2010) atribui ao termo “cristianismo muscular” o nome de uma série de iniciativas de religiosos da Grã-Bretanha na segunda metade do século XIX, que procuravam entrelaçar ideais religiosos cristãos com uma cultura física que valorizava a masculinidade, saúde, moralidade e patriotismo. Era comum ao cristianismo muscular enxergar nas atividades corporais valores aplicáveis à vida real.

AGRADECIMENTOS Não se aplica

FINANCIAMENTO Amstel foi bolsista de nível mestrado da Fundação Araucária. Gomes e Reis Júnior foram bolsistas CAPES de nível mestrado

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica

LICENÇA DE USO Os autores cedem à Motrivivência - ISSN 2175-8042 os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution Non-Comercial ShareAlike (CC BY-NC SA) 4.0 International. Esta licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, desde que para fins não comerciais, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico desde que adotem a mesma licença, compartilhar igual. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico, desde que para fins não comerciais e compartilhar com a mesma licença

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 04 de Julho de 2018; Aceito: 06 de Agosto de 2019

narayana.astra@gmail.com

leo_gomes.97@hotmail.com

carlosabrj@yahoo.com.br

rj.sonoda.nunes@gmail.com

moraes_marc@yahoo.com.br

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA Concepção do manuscrito: N.A.V. Amstel, L.C. Gomes e C.A.B.Reis Jr. Discussão dos resultados: R. J. Sonoda Nunes e M. Moraes e Silva. Produção do texto: N.A.V. Amstel, L.C. Gomes e C.A.B.Reis Jr. Revisão e aprovação: R. J. Sonoda Nunes e M. Moraes e Silva

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflitos de interesse para a presente pesquisa

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons