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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.61 Florianópolis  2020  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e61637 

Porta Aberta

Etnografias: notas sobre percursos teóricos-metodológicos de produção de conhecimento na Educação Física

Etnographies: notes on theoretical-methodological pathways of knowledge production in Physical Education

Etnografías: notas sobre caminos teóricos y metodológicos de producción de conocimiento en la Educación Física

Ariane Corrêa Pacheco1 

Raquel da Silveira2 
http://orcid.org/0000-0001-8632-0731

Marco Paulo Stigger2 

1Universidade Feevale, Educação Física, Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil


RESUMO

A etnografia, ao ser apropriada por pesquisadores/as da Educação Física, apresenta-se como um potente caminho para a produção de conhecimento e insere-se em uma agenda de discussão sobre modos e possibilidades com que pode ser realizada. O objetivo desse estudo foi refletir sobre nossas experiências em realizar etnografias, em especial sobre as mudanças nesse fazer a partir da aproximação com os Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Considerando quatro pesquisas etnográficas, cujos objetos estavam ligados ao esporte praticado por mulheres (voleibol e futsal), ao talento esportivo e à ciência da Educação Física, apresentamos um relato que evidencia o que se ‘ganhou’ (ou ‘perdeu’) quando modificamos as formas de olhar, ouvir, fazer, escrever e analisar nas pesquisas etnográficas.

PALAVRAS-CHAVE: Etnografia; Educação física; Ciência; Esporte

ABSTRACT

When ethnography is appropriated by Physical Education researchers, it is a powerful path for knowledge production and an integral part of an agenda of discussion about the ways and possibilities for achieving it. This study reflects about our experiences in conducting ethnographies, especially on the changes it underwent through its approximation to Social Studies of Science and Technology. Considering four ethnographic research studies whose objects were related to sports practiced by women (volleyball and futsal), sports talent, and the science of Physical Education, we present an account of what was ‘gained’ - or ‘lost’ - when we changed the ways of looking, listening, doing, writing and analyzing in ethnographic research.

KEYWORDS: Ethnography; Physical education; Science; Sport

RESUMEN

La etnografía, al ser apropiada por investigadores/as de la Educación Física, se presenta como un potente camino para la producción de conocimiento y se ubica en una agenda de discusión sobre modos y posibilidades con que puede ser realizada. El objetivo de este estudio fue reflexionar acerca de nuestras experiencias en realizar etnografías, en especial sobre los cambios en ese hacer desde la aproximación con los Estudios Sociales de la Ciencia y la Tecnología. Considerando cuatro investigaciones etnográficas, dónde los objetos de estudio estaban ligados al deporte practicado por mujeres (voleibol y futsal), al talento deportivo y a la ciencia de la Educación Física, presentamos un relato que evidencia lo que se ‘ha ganado’ (o que se 'ha perdido') cuando cambiamos las formas de mirar, oír, hacer, escribir y analizar en las investigaciones etnográficas.

PALABRAS-CLAVE: Etnografía; Educación física; Ciencia; Deporte

Contextualização

O desenvolvimento de pesquisas etnográficas, como processo teórico e metodológico para a produção de conhecimento na Educação Física, vem sendo caminho recorrente entre os trabalhos produzidos área. Através de um sucinto mapeamento na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando os termos Educação Física e Etnografia, encontramos 138 trabalhos, dentre esses 101 dissertações e 37 teses, publicadas entre os anos de 2013 e 20171. Esses números mostram que, de alguma maneira, a etnografia vem ‘se fazendo presente’ e se sustentando como uma possibilidade de produção do conhecimento em temáticas caras à Educação Física, como, por exemplo, esporte, lazer, escola, corpo, práticas corporais. Por meio desse caminho teórico-metodológico, tais objetos, ou lócus de investigações, entram em debate com conceitos como cultura, sociabilidade, classes sociais, gênero, rituais, instituição, ideologia, poder, entre outros que advêm das relações estabelecidas com as ciências humanas e sociais, em especial, com a Antropologia.

Quando olhamos para esse garimpo de pesquisas identificadas como ‘etnográficas’, direcionando o foco mais para as informações numéricas do que para o processo de produção desses trabalhos, por um lado, corrermos o risco de desconsiderar um debate, evidenciado, por exemplo, por Magnani (2001) sobre a utilização do ‘termo’ etnografia como uma espécie de rótulo metodológico. Para o autor, em alguns casos, o termo passa a ser sinônimo de observações diretas, convivência com os pesquisados e/ou como uma transcrição de pontos de vistas, o que acaba por reduzir o exercício reflexivo que envolve tal instrumento de trabalho.

Por outro lado, ainda sobre os riscos e avanços que estão nesse bojo de apropriações da etnografia, Oliveira e Daolio (2007) e Stigger (2007) destacam o seu potencial de compreensão sobre objetos que perpassam a Educação Física. Considerando esses debates sobre as apropriações e fazeres etnográficos, podemos dizer que estamos diante da disseminação e do reconhecimento dessas pesquisas na Educação Física como caminho consistente para novas reflexões, sobre diferentes temáticas, as quais coexistem na área e nos formam como professores.

Nesse emaranhado de discussões, estamos compreendendo que o método etnográfico “não se confunde nem se reduz a uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de procedimentos” (MAGNANI, 2002, p.17). Além dessa dinâmica de fazeres que vai sendo produzida em cada pesquisa, cabe considerar que em uma ‘trajetória etnográfica’, na qual entram em tensão as perspectivas teóricas, visões de mundo e trocas cotidianas com os interlocutores, estamos procurando e, ao mesmo tempo, produzindo uma “pista para um novo entendimento” sobre nossos objetos ‘em investigação’ (MAGNANI, 2002, p.17).

Nesse sentido, envolvendo diferentes possibilidades de desenvolvimento de pesquisas e análises etnográficas com distintos referenciais teóricos, o Grupo de Estudos Socioculturais em Educação Física (GESEF), vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no qual constituímos nossas trajetórias como pesquisadoras, vem se colocando na direção de compreender as práticas cotidianas de pessoas, grupos, comunidades, em especial, ‘nos seus lazeres’. Sob as lentes da diversidade cultural e da heterogeneidade de significados que perpassam o envolvimento com o esporte e com as práticas corporais, as pesquisas etnográficas se tornaram um caminho predominante dentre as investigações desenvolvidas no GESEF.

Por meio da trajetória de investigações do GESEF, descrita por Stigger (2005) como um caminho ‘não planejado’, alguns esforços de reflexão sobre os próprios fazeres etnográficos e sobre a produção de conhecimento engendrada nesse processo vem sendo colocados na pauta de discussões. O trabalho de Myskiw, Mariane Neto e Stigger (2014) nos leva a uma significativa reflexão sobre a própria noção de cultura em relação às situações experimentadas pelo pesquisador, as quais geram ‘necessidades’ na pesquisa e ‘possibilidades’ de observações e aprendizagens com os interlocutores. Já, Stigger, Myskiw e Silveira (2018) descrevem os esforços investigativos (e etnográficos) no GESEF, os quais apontam um movimento interpretativo - e contínuo - que considera as apropriações, socializações e intermediações ‘que estão em jogo’ em ‘situações de lazer’, especialmente vinculados ao esporte e às práticas corporais.

Considerando essa trajetória, ressaltamos que este trabalho também está inserido nessa perspectiva de olhar para a própria etnografia e, especialmente, para a produção de conhecimento conectada nesse caminho teórico e metodológico2. Assim, direcionaremos o foco para os fazeres e sobreposições de referenciais teóricos que fizeram parte dos nossos trajetos percorridos em quatro investigações etnográficas. Nosso objetivo é refletir sobre como diferentes processos etnográficos, acompanhados de interlocuções teóricas particulares e da especificidade dos objetos de pesquisa, nos levaram a produzir diferentes atuações metodológicas e distintos processos analíticos. A questão central que nos guia é compreender o que se ‘ganha’ (ou ‘perde’) quando se modificam as formas de olhar, ouvir, fazer, escrever e analisar em pesquisas etnográficas.

Um dos pontos de partida para olhar para as diferenças entre as quatro pesquisas etnográficas, vivenciadas pelas duas pesquisadoras, foi a proximidade com os Estudos Sociais da Ciências e Tecnologia (ESCT)3, os quais provocaram uma modificação nas atuações ao longo dos trabalhos que estavam sendo desenvolvidos. O quê observar, as formas de redigir os diários de campo e, especialmente, o processo de acompanhar os rastros deixados por nossos objetos, interlocutores e ações, de humanos e não-humanos, foram se alterando e se distinguindo de trajetórias etnográficas anteriores.

Para o debate sobre as modificações que foram sendo produzidas ao longo das pesquisas, no primeiro momento vamos nos debruçar sobre duas trajetórias etnográficas, vivenciadas pela mesma pesquisadora, que embora tenham o esporte como ponto em comum, desloca-se da perspectiva de compreender a sustentação de uma equipe de mulheres jogadoras de voleibol máster4 para, em outra pesquisa, compreender os processos de produção do talento esportivo em um clube reconhecido como ‘celeiro de atletas’5. Na sequência, passaremos a olhar para a vivência entre dois caminhos investigativos de outra pesquisadora - um deles relacionado aos significados atribuídos ao jogar futsal na esfera do lazer por um grupo de mulheres6 e o outro sobre os modos de fazer ciência da Educação Física7.

Da sustentação de uma equipe de mulheres jogadoras de voleibol máster aos processos de produção de talento

Neste eixo consta o relatamos duas experiências etnográficas, vivenciadas por uma pesquisadora, em seus processos de mestrado e doutorado, respectivamente. Ambas pesquisas contavam com o esporte como elemento comum, mas foram produzidas por caminhos e processos analíticos diferentes. Um desses estudos foi desenvolvido no contexto de uma equipe de mulheres jogadoras de voleibol máster; o outro esteve relacionado à produção de talentos esportivos em práticas que perpassavam o alto rendimento e os investimentos em políticas públicas vinculadas ao esporte.

Por meio desses relatos, a nossa proposta está na direção de demonstrar que as especificidades dos objetos e os debates com os referenciais teóricos estão engendrados na formação da trajetória da pesquisa e da pesquisadora. Ademais, neste eixo de discussões, estamos enfatizando as diferentes possibilidades de análises relacionadas ao esporte através dessa acentuação das diferenças entre tais pesquisas. Para conduzir esse relato de duas experiências, inicialmente contextualizaremos cada investigação, na sequencia vamos apresentar os objetivos que foram sendo delineados na trajetória desses trabalhos e, por fim, evidenciaremos os processos de análises construídos em cada uma delas.

A primeira pesquisa a ser relatada nesse eixo foi desenvolvida entre os anos de 2010 e 2012. Especificamente em um período de trezes meses, convivemos de forma sistemática com um grupo de aproximadamente quinze mulheres, com idades entre os 32 e 65 anos. Entre tantos fazeres e possibilidades no cotidiano dessas pessoas, elas escolhiam investir de diferentes maneiras na sustentação do grupo e no pertencimento da sua equipe à Liga Máster de Voleibol Feminino da cidade de Porto Alegre/RS. ‘Estar nessa Liga’ era mais do que participar dos jogos que aconteciam um sábado por mês e pagar as taxas de arbitragem, significava pertencer a um universo simbólico reconhecido contextualmente como o ‘lugar do bom voleibol máster’, aonde se poderia jogar entre quem ‘tinha nível’ e fazer parte de uma organização independente, orquestrada pelas mulheres das doze equipes que a estruturavam.

A produção, também sistemática, do diário de campo estava engendrada nesse processo de convivência com o grupo e na Liga Máster. A participação nos treinamentos, amistosos, jogos de etapas dos campeonatos, festas e jantares foi sendo construída e registrada em uma escrita diária. Cabe aqui ressaltar que as discussões colocadas por Cardoso de Oliveira (2006) sobre as problematizações do ‘Olhar’ etnográfico, assim como do ‘Ouvir’ e do ‘Escrever’, foi nos ajudando a pensar nos processos teóricos e metodológicos nos quais as observações participantes e os diários de campo estavam mergulhados. Nesse sentido, sendo o olhar, o ouvir e o escrever atos com os quais construímos nosso saber e que são disciplinados pela teoria, passamos a compreender que as observações foram sendo demarcadas pelos diferentes ‘lugares’ (simbólicos) que ocupávamos em campo e nossas descrições passaram a ressaltar as regularidades e os significados que estavam em negociação naquele contexto.

Se, no primeiro momento dessa pesquisa, as problematizações estavam alicerçadas em debates sobre o esporte e o envelhecimento, foi aos poucos que tais temáticas perderam a centralidade. Na medida que percebemos que o processo de envelhecimento não fazia parte das conversas e das tensões cotidianas naquele grupo, ajustamos o foco para as negociações que permaneciam em ‘em jogo’ e nos colocamos na direção de encontrar ‘novas’ pistas para compreender aquela vivência no lazer, a qual nos parecia ser tão levada ‘a sério’.

A partir desses delineamentos da pesquisa, passamos a nos orientar pela seguinte questão: como aquele grupo de mulheres se sustentava enquanto uma equipe e mantinha-se pertencente ao cenário da Liga Máster? A construção dessa pergunta, e as regularidades que buscávamos para respondê-la, foram conduzidas por uma maneira de pensar a cultura como um contexto, na esteira de debates de Geertz (1989), cuja interpretação nos levou a considerar que há significados sendo compartilhados, mesmo que de forma irregular e, por vezes, conflituosa, que orientam/conduzem as relações entre as pessoas em determinado universo simbólico. Dessa forma, estávamos em busca dos ‘significantes’ e dos ‘sentidos’ que poderiam nos oferecer pistas para compreender uma maneira de viver o voleibol.

Seguindo por essa perspectiva de análise teórica e metodológica, passamos a considerar que para aquele grupo se sustentar com uma equipe era preciso manter uma rotina dentro e fora das quadras. Além disso, exigia-se um ‘rendimento esportivo’ a ser negociado e legitimado nos jogos e, não menos significativo, era indispensável ‘saber estar’ entre as mulheres fora do espaço das quadras para se sustentar naquela coesa rede de sociabilidade. Essas categorias empíricas e, simultaneamente, teóricas procuraram oferecer um retorno à problematização da pesquisa e aos debates no âmbito do lazer, especialmente no que se refere à complexidade da vida social, borrando fronteiras entre as dimensões do cotidiano, e sobre a seriedade que envolvia aquele tempo/espaço reconhecido como ‘de lazer’.

A segunda pesquisa a ser relatada nesse eixo de discussões está relacionada à noção de ‘talento esportivo’ como um objeto de estudo. Um primeiro passo dessa investigação foi problematizar as análises ligadas a marcadores biológicos ou socioculturais que poderiam definir um ‘conceito’ ou ‘explicações’ para o talento esportivo. Esse caminho de tensionamento de referenciais e debates foi orientado pela aproximação com autores ligados aos ESCT, especialmente com os trabalhos de Bruno Latour. A partir dessa perspectiva de análise passamos a olhar para o talento esportivo como um objeto a ser ‘seguido’, como uma noção ‘em aberto’ e ‘em movimento’ que se mantinha atravessando o esporte de alto rendimento, a formação legislativa, a história da Educação Física e determinadas práticas científicas.

Um objeto difuso e polissêmico como o talento esportivo demandou a produção de um recorte que tornasse viável segui-lo. Nesse sentido, passamos a conviver em um Clube da cidade de Porto Alegre (RS), especialmente em três modalidades esportivas (esgrima, ginástica artística e natação) vinculadas ao alto rendimento, que nos oferecia a possibilidade de acompanhar/produzir as associações que percebíamos conformar diferentes noções para o talento esportivo e, a partir de sua materialização, produzir ações na trajetória de diferentes atletas. Além do trabalho de campo vinculado ao dia a dia dessas modalidades, passamos a olhar para processos governamentais que foram estabilizando uma noção de talento em projetos executivos e legislativos relacionados ao esporte. Outro ponto significativo nessa trajetória do trabalho de campo foram as discussões sobre o talento ligadas às elaborações científicas sobre a temáticas.

Nesse fazer etnográfico, os diários de campo e as reflexões foram, aos poucos, deixando de pautar as regularidades, as ‘visões de mundo’ compartilhadas em um contexto e a circunscrição de espaços. A observação deslocou-se por diferentes tempos e locais, pois o talento parecia estar em circulação e movimentar-se no tempo, conectando, nesse sentido, uma ideia de passado, presente e futuro. A partir dessa perspectiva teórica e metodológica, passamos a questionar como a noção de talento esportivo foi sendo produzida, de que que maneira se mantinha e as implicações a partir de sua consolidação em determinados coletivos ligados à Educação Física.

As escolhas que conformam a trajetória dessa pesquisa também fazem parte dos caminhos de análise e das formas de registo das informações produzidas. Nesse sentido, os dados e compreensões ganharam materialidade nos relatos em forma de ‘redes de associações’, nas quais determinados mediadores (pessoas e objetos) foram se colocando e, ao mesmo tempo, sendo colocados ‘em ação’8. Assim, podemos compreender como o talento foi sendo materializado e possibilitando novas conexões em diferentes trajetórias esportivas, legislativas e acadêmicas. Essa análise implica em considerar novamente que o talento esportivo não se trata de um ‘conceito’ ou ‘explicação’ que pode ser colocada a priori nessa perspectiva teórico-metodológica que nos embasamos. Além disso, cabe ressaltar que foram essas mesmas escolhas e definições da pesquisa que nos levaram a aprender como a noção de talento pode ser um processo planejado e que ganha ‘força’ cotidianamente porque vincula e materializa diferentes referências, pessoas, objetos, treinamentos, locais, narrativas e acordos.

Dos significados do futsal para mulheres aos modos de fazer ciência na Educação Física

Nesse eixo analisamos outras duas trajetórias etnográficas, também de uma pesquisadora, ao longo de suas investigações de mestrado e doutorado, respectivamente. Direcionar a atenção para essas pesquisas têm como objetivo evidenciar que os modos de pensar, fazer e escrever foram se transformando no percurso de transição entre a etnografia realizada com um grupo de mulheres jogadoras de futsal, e a pesquisa desenvolvida sobre os fazeres das ciências da Educação Física.

A primeira pesquisa etnográfica a ser relatada foi concluída no ano de 2008 e aborda o associativismo de mulheres praticantes de futsal em seus momentos de lazer. A escolha por esse tema ocorreu, principalmente, devido aos questionamentos que fazíamos sobre a ‘generificação’ dos esportes, em especial sobre aqueles “socialmente considerados masculinos” (SILVEIRA, 2008, p.29) como o caso do futebol no Brasil e seus derivados, por exemplo, o futsal. À época dessa pesquisa, identificamos que havia poucos estudos que pautavam a prática de mulheres nesses esportes ‘ditos masculinos’. Assim, a partir do objetivo de compreender “como e porque mulheres se associam para praticar um esporte socialmente considerado masculino” (SILVEIRA, 2008, p.38), desenvolvemos uma etnografia com um time de futsal da cidade de Porto Alegre. Esse grupo no qual realizamos o trabalho de campo era composto de 22 mulheres e dois homens (o treinador da equipe e o esposo de uma das jogadoras) que se encontravam semanalmente, aos sábados, para treinar e jogar em competições.

A observação participante realizada junto ao time teve a duração de um ano e, nesse período, acompanhamos os treinos, as competições e alguns encontros festivos. Nesse período de convivência com o grupo fomos produzindo e nos orientando por questões direcionadas a compreender quem eram aquelas mulheres que optavam por praticar futsal em seus momentos de lazer; de que maneira elas praticavam o futsal; quais eram seus objetivos; o que as mantinha participando e organizando o time e quais eram as regras, acordos e relações que estavam presentes na equipe. Mediante essas questões, ficávamos atentas para os diálogos, os modos de treinar, competir e para as relações entre essas mulheres.

Após cada observação, redigíamos um diário de campo com as descrições das situações que vivenciamos, com os relatos das sensações e sentimentos que tínhamos e com algumas reflexões que elaborávamos na intenção de contemplar as questões norteadoras da pesquisa. Foram essas descrições e interrogações geradas no trabalho de campo e na escrita dos diários que nos levaram à questão central, cuja proposta foi compreender os significados daquele esporte e do associativismo estabelecido e mantido por elas.

A partir da circunscrição desse objetivo da pesquisa, formado a partir do trabalho de campo e de uma perspectiva de análise simbólica, identificamos três pontos fundamentais para compreender aquela associação de mulheres praticantes de futsal: o esporte, a homossexualidade e a amizade. Essas ‘categorias de análise’ foram elencados a partir da intensidade, relevância e da regularidade com que se faziam presentes naquele universo simbólico.

Assim, com relação ao esporte, identificamos diferentes maneiras com que as mulheres praticavam o futsal, as quais ora voltavam-se para a seriedade ora para a brincadeira; ora para a busca pelo rendimento esportivo ora para o divertimento. Também compreendemos que aquele espaço/tempo, vivenciado com a equipe e nas competições, era um contexto de lazer nos quais elas vivenciavam explicitamente suas relações afetivas e, dessa maneira, relativizavam símbolos e comportamentos pautados pela heteronormatividade. Por fim, percebemos que os laços de amizade constantemente estabelecidos e fortificados no time eram fundamentais para manter aquele coletivo.

A segunda investigação a ser relatada se refere à ciência da Educação Física e, inicialmente, foi balizada por um processo de transição desse olhar que buscava as regularidades para uma outra forma de fazer etnografia, na qual as irregularidades, os acordos, as controvérsias e as negociações que estavam em andamento passaram a ser ‘seguidas’ no cotidiano dos interlocutores. Nessa investigação, o primeiro passo teórico-metodológico que a leitura de Latour nos provocou se refere ao “momento certo” (LATOUR, 2000, p.12) com que se deve começar um estudo sobre ciência. Para o autor, é necessário acompanhar a ‘ciência em construção’. A “ciência pronta ou ciência acabada” (LATOUR, 2000, p.16) torna-se uma ‘caixa-preta’9, em que as incertezas, o trabalho, as decisões, as contingências, as disputas e as controvérsias são apagadas e tornam-se invisíveis quando se olha para o ‘produto final’: o fato científico. Assim, com o objetivo de compreender de que modo se faz ciência na Educação Física, optamos em seguir cientistas no seu cotidiano. Para isso, acompanhamos os/as pesquisadores/as de dois grupos de pesquisa, reconhecidos na Educação Física brasileira, no período de maio de 2013 até setembro de 2014.

No início do trabalho etnográfico com esses grupos, percebemos que, ao ter como objeto de estudo a ‘ciência em construção’, as observações demandavam uma ampliação do olhar, pois era preciso abarcar não somente um grupo de pessoas - os/as cientistas -, mas, também, não-humanos10 e controvérsias11. Nessa perspectiva, os/as pesquisadores/as, livros, documentos, eletromiógrafos, escolas, dinheiros, gráficos, computadores, telefones, questionários, amostras, gravadores e professores, além de comporem as pesquisas dos grupos investigados, possuem a capacidade de modificar as ações que estão acontecendo no dia a dia da ciência que vivenciam12.

Foi a partir dessa compreensão, pautada pelos ESCT, que a nossa busca ao longo do trabalho de campo voltou-se para identificar os elementos presentes (humanos, não-humanos ou controvérsias) e as maneira com que eles se associavam. Nesse sentido, as perguntas que guiaram o nosso agir durante as observações estavam na direção de compreender o que mantinha/mantêm as ciências que acompanhávamos; que elementos eram/são associados e, por exemplo, quais controvérsias estavam/estão em debates.

Considerando tais questionamentos, as descrições nos diários de campo assumiam a forma de ‘redes’ e, conforme ‘seguíamos’ algum elemento, as conexões ganhavam novos formatos, dimensões e temporalidades. Descrever ‘redes’ tornou-se uma importante ferramenta teórico-metodológica que nos permitiu enxergar as associações dos diferentes elementos que, na prática, criavam, mantinham e alteravam as ciências da Educação Física que estávamos acompanhando. Note que, a partir dessas mudanças no fazer etnográfico, passamos a nos referir as ciências da Educação Física no plural. Ao investigar a ciência em construção percebemos que os grupos de pesquisa que acompanhávamos faziam, na prática, ciências diferentes. Os elementos e associações que as mantinham eram/são distintos. As mudanças na forma de estar em campo e de refletir sobre o que lá acontecia trouxeram implicações importantes para os conhecimentos que construímos na pesquisa. A experiência de etnografia que estávamos vivenciando nos levou a realizar um processo analítico distinto se comparado com aquele realizado na pesquisa relatada anteriormente. Nessa investigação, o nosso fazer foi se distanciando dos ‘fatos’, regularidades e significados e se aproximando dos ‘processos de produção’ e das descrições dos elementos e associações que vem mantendo e legitimando as ciências da Educação Física.

Considerações finais: trajetórias etnográficas e suas implicações na produção de conhecimento

O exercício de análise sobre as experiências etnográficas que tivemos durante o mestrado e o doutorado, nos levou a colocar em evidência algumas pistas que atuam na produção do conhecimento e que foram produzidas por meio dos processos reflexivos imbricados com esse caminho (teórico e metodológico) de desenvolvimento de pesquisas. Ao olhar para as nossas trajetórias acadêmicas, direcionamos o foco para os processos e para as diferentes maneiras de fazer, pensar e vivenciar uma experiência etnográfica quando se pautam objetos caros à Educação Física.

Assim, cabe evidenciar que os relatos de nossas pesquisas nos levam a demarcar alguns pontos que precisam ser considerados quando se opta pela etnografia como caminho para a produção de conhecimento. Esses pontos nos levam a inserir o ‘fazer etnográfico’ em complexas relações que integram todo o processo de uma pesquisa, não necessariamente marcado por uma sequência definida a priori de etapas para o desenvolvimento do trabalho, mas considerando a trajetória do/a pesquisador/a; as aproximações teóricas; a leitura sobre o objeto em estudo; as intencionalidades com a pesquisa; a convivência com os interlocutores e o imponderável de seus cotidianos. Em suma, nos colocamos na contramão de uma compreensão sobre a escolha pela etnografia como algo imparcial, desinteressado e/ou descomprometido.

Consideramos, portanto, que dentre os pontos que levam um/a pesquisador/a a escolher a etnografia se refere a indissociabilidade entre objeto e teoria, isto é, a maneira de olhar, ouvir, fazer, escrever e analisar entrelaça matrizes teóricas com o tema que se coloca em pauta. Nesse sentido, a pergunta que propomos ao iniciar esse trabalho foi o que se ‘ganha’ (ou ‘perde’) quando se modificam esses entrelaçamentos? Conforme os relatos percebemos que, no decorrer das pesquisas ligadas à análise simbólica, buscamos e, portanto, encontramos regularidades que nos permitiram construir um ‘universo’ que ‘estava lá’, que o localizamos em um espaço/tempo e, assim, tentamos torna-lo ‘inteligível’. As implicações desse processo nos permitiram oferecer elementos, ou pistas, para conduzir problematizações ligadas ao debate sobre o esporte, lazer e gênero.

Por outro lado, ao investigarmos a ciência da Educação Física e o talento esportivo nos aproximamos dos ESCT e, com isso, passamos a ‘seguir’ os rastros deixados por humanos, não-humanos e controvérsias que estavam em ação. Nessas trajetórias, buscamos e, portanto, encontramos elementos e associações dinâmicas, fluídas e imprevisíveis que foram sustentando, em longo prazo, esses objetos estabilizados ao ponto de se manterem existindo. Percebemos que o fazer etnográfico para esses objetos em estudos nos demandaria ações, olhares e processos analíticos diferentes dos que até então havíamos realizado. Essa análise também está demarcada por uma consideração de Fonseca e Sá (2011, p.7) sobre pesquisas direcionadas a “entender os fenômenos complexos da nova ordem mundial”. Se, por um lado, nosso objetos não necessariamente se enquadram nessa ‘nova ordem’, por outro, ambos geraram uma necessidade de nos aproximarmos de abordagens analíticas em que a realidade não seja entendida “como resultado de fatores puramente sociais (representações), ignorando a materialidade (ou agency) de fenômenos ‘não-humanos’ [...] tampouco aceitam análises calcadas nos ‘fatos brutos’ do mundo natural que não levam em consideração a influência humana em sua formação” (FONSECA; SÁ, 2011, p.9).

Assim, ao ‘seguirmos’ a ciência da Educação Física e o talento esportivo em nossas pesquisas etnográficas, passamos a compreendê-los como objetos ‘híbridos’. Essas análises foram, e ainda estão, nos permitindo posicionar elementos considerados de diferentes domínios e escalas sob uma perspectiva simétrica, na qual as noções de macro e micro, natureza e cultura, teoria e prática passam a se dissolver. Diferente da ênfase na análise simbólica, demarcado por um conceito de cultura como um contexto, que nos conduziu nas pesquisas com grupos de mulheres jogadoras de futsal e voleibol. Enfim, ao realizarmos uma reflexão sobre nossos processos etnográficos, enfatizamos que as ‘escolhas’ não são somente derivadas do/a pesquisador/a, elas são pautadas pelos objetos, interlocutores e debates que vão sendo incorporados em cada processo etnográfico e contribuem para a produção de conhecimento na Educação Física. Para finalizar, esse trabalho trata-se de um convite para a reflexão sobre os entrelaçamentos que devem ser considerados em futuras trajetórias etnográficas.

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1Neste garimpo de informações, realizado no mês de setembro de 2018, utilizamos como caminho de refino das buscas a utilização dos termos ‘Educação Física’ e ‘Etnografia’ nos campos referentes ao título, assunto e resumo. Além disso, estabelecemos como critério de inclusão as dissertações e teses publicadas nos últimos cinco anos (entre 2013 e 2017). Disponível em: http://bdtd.ibict.br/vufind/.

2Os debates que fazem parte desse texto foram qualificados de maneira coletiva por meio de um trabalho publicado nos Anais do VIII Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte, o qual continha um primeiro movimento reflexivo dos pontos que aqui colocamos em debate (SILVEIRA; PACHECO, 2016). Cabe destacar que as pesquisas relatas nesse texto contaram com o apoio financeiro da CAPES e CNPq.

3Sucintamente, é possível caracterizar os ESCT como um “campo multidisciplinar” (HAYASHI et al, 2010, p.78), que surgiu na década de 1970, formado por pesquisadores/as que se dedicaram a compreender as ciências a partir de alguns preceitos em comum. Alguns dos principais integrantes desse modo de analisar as ciências são David Bloor, Barry Barnes, Harry Collins, Michel Callon, Bruno Latour, John Law, Donna Haraway e Annemarie Mol.

6Silveira (2008).

8O relatos em forma de ‘redes de associações’ fazem parte de uma perspectiva teórica, especialmente colocada por Bruno Latour, chamada de ‘teoria ator-rede’ (LATOUR, 1994; 2012). Nessa esteira de debates, a ‘rede’ trata-se de um conceito, e não de uma linha que conecta pontos, que nos oferece uma possibilidade de ‘seguir’ pessoas, objetos e controvérsias, colocados em uma posição de mediadores, olhando para os vínculos que são produzidos em suas ‘atuações’ e que provocam mudanças e movimentações (LATOUR, 2012; 2016).

9A ideia de ‘caixa-preta’ se refere a uma metáfora que nos ajuda a pensar em algo que foi se tornando tão complexo e, ao mesmo tempo, ‘estável’ que não se torna necessário definir, mas que se precisa utilizar. Nas palavras do autor “a caixa-preta é usada em cibernética sempre que uma máquina ou um conjunto de comandos se revela complexo demais. Em seu lugar é desenhada uma caixinha-preta, a respeito da qual não é preciso saber nada, a não ser o que nela entra e o que dela sai” (LATOUR, 2000, p.14).

10Não-humano é um termo utilizado nos ESCT para referir-se a todo e qualquer elemento que constitui e possui a capacidade de modificar alguma ação. Ele é empregado para diferenciar-se do termo objeto, entendido, como inanimado, sem capacidade de agir. Ver Latour (2001).

11Esse termo está relacionado com ‘fatos’ que estão em debate para serem estabilizados em determinada comunidade científica, para assim poderem ser adjetivados como ‘científicos’. De maneira breve, pode-se compreender que controvérsia é um estado, pois, o processo de estabilização é sempre temporário. Em muitas descrições sobre produção de fatos científicos realizadas por Latour, por exemplo, há a expressão “abrir uma controvérsia”, a qual expressa essa dinamicidade com que um fato pode, ou não, se tornar ou deixar de ser científico (LATOUR; WOOLGAR, 1997; LATOUR, 2000)

12Essa capacidade de modificar uma ação é definida nos ESCT pelo termo ‘agência’. Chamamos a atenção para o fato de que ter ou não ‘agência’ não é um atributo do elemento em si, mas sim dos vínculos/associações que ele estabelece.

AGRADECIMENTOS Não se aplica

FINANCIAMENTO Bolsa de estudos da CAPES e do CNPq

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica

CONFLITO DE INTERESSES Não se aplica

LICENÇA DE USO Os autores cedem à Motrivivência - ISSN 2175-8042 os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution Non-Comercial ShareAlike (CC BY-NC SA) 4.0 International. Esta licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, desde que para fins não comerciais, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico desde que adotem a mesma licença, compartilhar igual. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico, desde que para fins não comerciais e compartilhar com a mesma licença

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 19 de Fevereiro de 2019; Aceito: 03 de Maio de 2019

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Não se aplica

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