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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.61 Florianópolis  2020  Epub 01-Jan-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e62077 

Porta Aberta

Ciclismo, estética e teatro: um olhar sobre o livro Se necesitan héroes - La estética del dolor/Tourmalet

Cycling, aesthetics and theater: a look at the book Se necesitan héroes - La estética del dolor/Tourmalet

Ciclismo, estética y teatro: una mirada al libro Se necesitan héroes - La aesthetic del dolor/Tourmalet

Leonardo do Couto Gomes1 
http://orcid.org/0000-0002-8866-2054

Duilio Queiroz de Almeida2 
http://orcid.org/0000-0001-5171-8221

Letícia Cristina Lima Moraes2 
http://orcid.org/0000-0001-9444-8735

1Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Departamento de Educação, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

2Universidade Federal do Paraná - UFPR, Departamento de Educação Física, Curitiba, Paraná, Brasil


RESUMO

Trata-se de uma resenha do livro espanhol Se necesitan héroes - La estética del dolor/Tourmalet, escrito pela brasileira Priscila Requião Lessa e pelo espanhol Miguel Ferrando Rochere, publicado pela Editora La Caja Books em 2018. Destaca-se a temática abordada pela obra, principalmente pelas análises e reflexões acerca dos usos da estética como ferramenta analítica do Esporte, além de trazer elementos da aplicabilidade dos esportes através do teatro. Sendo assim, a obra é de grande relevância para a comunidade acadêmica e científica, incentivando produções futuras acerca das mais distintas práticas corporais.

PALAVRAS-CHAVE: Ciclismo; Estética; Teatro

ABSTRACT

This is a review of the Spanish book Se necistan héroes - la estética del dolor/tourmalet, written by Brazilian Priscila Requião Lessa and by Spanish Miguel Ferrando Rochere, published by Editora La Caja Books in 2018. The theme addressed by the book stands out , mainly for the analyzes and reflections about the uses of aesthetics as an analytical tool of Sport, besides bringing elements of the applicability of sports through theater. Therefore, the work is of great relevance to the academic and scientific community, encouraging future productions about the most distinct body practices.

KEYWORDS: Cycling; Aesthetics; Theater

RESUMEN

Esta es una revisión del libro en español Se necesitan Héroes - La estética del dolor / Tourmalet, escrito por el brasileño Priscila Requião Lessa y por el español Miguel Ferrando Rochere, publicado por Editora La Caja Books en 2018. El tema abordado por el libro se destaca , principalmente para los análisis y reflexiones sobre los usos de la estética como herramienta analítica del deporte, además de aportar elementos de la aplicabilidad del deporte a través del teatro. Por lo tanto, el trabajo es de gran relevancia para la comunidad académica y científica, alentando futuras producciones sobre las prácticas corporales más distintas.

PALABRAS-CLAVE: Ciclismo; Estética; Teatro

O livro “Se necistan héroes - La estética del dolor/tourmalet”, publicado em 2018 pela editora espanhola “La Caja Books”, é constituída por um prólogo do escritor e filósofo espanhol Guillermo Ortiz, colaborador dos jornais GQ, JotDown, Letras Libres e da Revista Líbero. A obra é composta por duas grandes divisões. A primeira seção “La Estética del Dolor” é constituída por partes da dissertação de mestrado escrita pela historiadora Priscila Requião Lessa, que atualmente é doutoranda do programa de pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. O segundo segmento denominado de “Tourmalet” de autoria do diretor cênico e dramaturgo Miguel Ferrando Rocher, fundador da companhia Groc Teatre1, da qual tem escrito e dirigido dezenas de obras, entre elas Genovese o Tourmalet, peça detalhada no livro em questão.

Introduzindo a obra, no prólogo intitulado “El Renacimiento de la tragedia”, Ortiz narra possíveis aproximações dos participantes de provas ciclísticas com a ideia de vencedor e herói, em que o vencer é atrelado a vitória, diferentemente do herói, que não a requer necessariamente. O heroísmo, segundo Guilhermo, é chegar tardiamente, pecar por excesso ou defeito, raramente relaciona-se com a meta, mas sim com o percurso. O herói é, inclusive, aquele que engana, que entre rochas e arbustos, derrotado e ensanguentado, suplica para que o deixem voltar para prova. Em suma, Guillermo Ortiz relaciona o livro aqui resenhado como uma análise racional e detalhada da estética dos triunfos e derrotas dos ciclistas, caracterizando a obra como audaciosa pelo fato de discutir temáticas até então pouco exploradas a respeito do ciclismo, como tratar a dor na qualidade de experiência estética.

Dando continuidade, a primeira parte do livro intitulada “La Estética del Dolor - Fascinación ante el sufrimiento ciclista” escrita pela historiadora Priscila Requião conta com três capítulos, sendo estes dedicados ao Professor Doutor Marcelo Moraes e Silva, o orientador de sua dissertação acadêmica. Na introdução a autora inicia sua narrativa descrevendo a 20º etapa do Tour de França do ano 2000 entre Carpentras e o monte Ventoux, caracterizando como a corrida mais perigosa do mundo, trazendo euforia aos espectadores e torcedores, detalhando toda a mobilização das pequenas cidades para receber o pelotão de atletas participantes do Tour de França. Em seguida, Requião continua sua narrativa abordando o Tour de 2013 através de fontes historiográficas, em específico do vídeo de um torcedor que grava o pelotão no ponto do Ventoux. A plateia com gritos de apoio, aplausos cadenciados, torcedores admirando o esforço individual de cada atleta, seus sofrimentos e os considerando ídolos, heróis que vencem duras montanhas, são alguns dos detalhes desse momento explorado por Requião ao observar o vídeo caseiro. A autora finaliza a introdução afirmando que todos os detalhes expostos por ela acerca dos fascínios da escalada do monte Ventoux abrem as portas de sua dissertação, agora em formato de livro, tendo a pretensão de analisar o ciclismo como uma experiência estética centrado no evento Tour de França.

“El ciclismo en ruta como experiencia estética”, é o título do primeiro capítulo de Requião Lessa, o mesmo também é composto por quatro subtítulos, sendo o primeiro denominado “La bicicleta y las carreras en el contexto de la modernidad”. Neste momento Priscila descreve como a bicicleta passou a ser um elemento presente nas grandes cidades, discorrendo que ao final do século XIX e início do XX emerge um novo estilo de vida, que atribuía valor a prática do exercício físico, juntamente com uma nova forma de perceber a cidade, culminando em uma reorganização urbana da qual a bicicleta era vista como símbolo de progresso urbano. Em seguida, a autora lembra que concomitante a estas transformações urbanas e sociais, a bicicleta que era inicialmente vista como um artigo de luxo, conquista as classes mais populares e os fabricantes passaram a disputar este mercado. Requião Lessa revela que deste emaranhado de transformações urbanas nascem as primeiras corridas, constituindo-se um marco importante da modernidade nas primeiras grandes cidades Europeias. Por fim, a autora fecha o primeiro subtítulo dissertando sobre a popularização da bicicleta na Inglaterra e na França, estimulando o reconhecimento de tal atividade como uma prática que possibilitava a ascensão econômica e social. Deste modo o público jovem e os fabricantes de bicicletas tomam a frente e passam a organizar as corridas, resultando na criação do Tour de França em 1903.

O segundo subtítulo “La creacíon del Tour: La construcíon de una identidad nacional francesa” explica que o Tour foi promovido para coroar o ciclismo como um acontecimento grandioso e legitimamente francês. Requião Lessa lembra que já na segunda edição, em 1904, o evento passa a ser a maior prova de ciclismo mundial. Brinda-se então, juntamente com esse reconhecimento do Tour, a profissionalização definitiva, a redução dos preços das bicicletas e a popularização do espaço competitivo. Porém, Requião salienta que o Tour não era uma mera competição para os franceses. A prova passava a ser uma parte da história cultural e nacional da França. Para embasar suas afirmações a autoria dialoga principalmente com o historiador francês Gerorges Vigarello, justificando que o Tour é um “símbolo do patrimônio nacional francês”. Por fim a autora sinaliza que a referida análise estética, a qual a obra pretende problematizar, é constituída por três fundamentos: a) a construção estética relacionada com os fatores culturais da história moderna de França, b) edificação estética acerca do imaginário do povo francês e respeito ao território, paisagens e fronteiras e c) reflexão sobre a formulação de uma estética esportiva.

O seguinte subtítulo do primeiro capítulo denominado de “La experiencia estética en el Tour: La grandeur francesa” versa sobre a criação do Tour de França em 1903, estimulada pelos fabricantes de bicicletas e pela imprensa sedenta em aumentar suas tiragens. Lessa utiliza-se destes apanhados históricos da criação do Tour de França para assinalar os grandes desafios que a competição emprega em seus corredores, tais características concretizam, para a autora, uma possibilidade estética da prova. Nesse sentido, Lessa fundamenta que o Tour transformava os ciclistas em campeões e os campeões em heróis. Nota-se, portanto, que a dimensão estética por parte dos franceses ia além da admiração performática do pelotão que passa por suas cidades, sendo o Tour de France, um marco cultural nacionalista do país.

Por fim, o último subtítulo do capitulo é “La denominación Tour de France: La afirmación de la identidad francesa”, tratando do que significa o Tour. Destaca-se que no século XIX o termo era vinculado à consolidação do território francês e à construção de uma identidade francesa. Porém, para Requião o vocábulo vai além disso, ao trazer Cristophe Campos a sua argumentação, a autora atribui a terminologia “Tour” o significado de peregrinação, quando relacionado a religião. Por fim, a autora encerra o seu primeiro capítulo evidenciando uma possível perda da visão nacionalista do Tour para os franceses devido ao processo de internacionalização da prova nos anos 1950, possibilitando a participação de ciclistas de outras nacionalidades. Percebe-se a utilização de um amplo conjunto de fontes historiográficas, dando destaque ao uso de biografias como material empírico para embasar seus escritos, sendo um diferencial e um elemento atrativo para os leitores.

O segundo capítulo denominado “Los cuerpos del Tour: La belleza de los ciclistas” conta com quatro subtítulos, sendo o primeiro “Apuntes sobre estética, cuerpo y deporte”, em que, de imediato, Requião inicia apontamentos sobre a possibilidade de a análise do ciclismo profissional abrir portas para reflexões teóricas do conceito de beleza. Desta maneira a autora discorre sobre os conceitos de beleza dos períodos arcaicos, do qual a beleza era relacionada a sobrevivência, na antiguidade com ligações à arte, literatura e ao exercício físico, e na modernidade, à prática do culto ao corpo, o que permite o surgimento de novos significados estéticos. A autoria recorre a Umberto Eco e Hans Ulrich Gumbrecht para sinalizar que a beleza se trata de um conceito determinado por seu contexto histórico e cultural.

No subtítulo “La belleza de los ciclistas”, Requião dirige a atenção para os corpos dos ciclistas através de reflexões embasadas em sua beleza provocada pelo esporte. Aqui, a pesquisadora retoma as obras de Bernard Vere entre os anos 1912 e 1913 para iniciar tais analises. Requião se detém também aos apontamentos de Cristophe Thompson revelando que era possível, no século XIX, identificar o ciclista profissional e distingui-lo do burguês que não era um ciclista, e sim um cavalheiro. Todo o material apresentado neste trecho é utilizado na tentativa de apresentar que uma “nova” estética ia se fixando no imaginário dos espectadores de corridas, figurados por homens indomáveis e fatigados que representavam apreços estéticos até então inimagináveis, a ponto de ameaçar os degraus mais altos da hierarquia social francesa. Por fim, a autora traz para discussão a portuguesa Teresa Lacerda, encontrando suporte para amparar a teoria de que o esporte oferece um valor estético único ao corpo do esportista, relevando sua própria história.

O terceiro subtítulo denominado “En el filo de la navaja: La delgadez “letal” de los escaladores”, Requião discorre acerca do corpo do atleta, evidenciando que já na antiguidade o corpo deste individuo era vista como consagrado, não sendo diferente na atualidade, quando se trata de alto rendimento. Contudo, atualmente, com os holofotes dirigidos ao espetáculo das habilidades físicas dos atletas, acaba por culminar na constituição de novas capacidades corporais, e para isso é indispensável um corpo atlético, proporcional e equilibrado, em suma, mensurável, separando cada vez mais o corpo cotidiano do competitivo. Tal mudança histórica na maneira de ver as habilidades físicas corporais, segundo a autora, ocorre ainda nas primeiras décadas do século XX no contexto do Tour de França, quando a magreza era sinônimo de vitória. Desde então, cada vez mais, a preocupação pela forma física relacionada a magreza é buscada pelos atletas que objetivam vencer a competição, como por exemplo os ciclistas: Iban Mayo, Chris Froome, Nairo Quintana, Tony Martin.

No último subtítulo do segundo capítulo intitulado “Las estéticas de la competición y del espectáculo” a pesquisadora inicia afirmando que a harmonia entre os aspectos morfológicos e a tipologia do movimento é o eixo fundamental na comunicação do esportista com o resto da sociedade, traduzindo naquele momento o desafio da história de vida do ciclista e sua atuação esportiva. Tal harmonia os torna objetos de profunda admiração, como são o caso de Iban Mayo, Marco Pantani e Lance Armstrong, lembrados pela pesquisadora. Mais à frente, amparada nas ideias do crítico literário alemão Hans Urich Gumbrecht, Requião dirige reflexões sobre os conceitos de areté e agon. O primeiro relacionado a busca da excelência e o segundo refere-se à competição. Nota-se que o ciclismo de estrada é amplamente representado pela lógica competitiva (agon), mas é em areté, que melhor se reflete o conceito de Esporte para a autora. Chegando ao fim do capítulo, Lessa afirma que a fascinação mais relevante do ciclismo é a sedução pelo sofrimento e pela dor suportada pelo ciclista, temática protagonista da próxima parte.

O terceiro e último capítulo da dissertação de Requião chama-se “La estética del dolor: La fascinación ante el sufrimiento de los atletas”. Este desdobra primeiramente em dois questionamentos, usando a subida do Alpe d’Huez como pano de fundo: o que é que esperam os espectadores que se empilham para ver as corridas do Tour de França? E o que desejam ver na subida do Alpe d’Huez? A pesquisadora sugere que a dor pode ser uma possível resposta aos referidos questionamentos, pois a dor e o sofrimento têm passado por um processo de construção histórica até se edificarem como razão para um levantamento estético dos espetáculos esportivos, e assim Requião da fim ao referido trecho.

O subtítulo “Rituales del dolor: Encarnar un nuevo cuerpo” discute sobre o conceito de corpo. Para embasar suas ideias a autoria utiliza os escritos de Bernard Andrieu e David Le Breton. Para o primeiro, a dor causada por uma prática corporal é a forma de encontrar a sensação de si mesmo em um mundo anestesiado, para o segundo, a dor se manifesta na sociedade moderna como uma experiência corporal cuja simbologia se associa a existência da condição humana. Neste contexto, Requião descreve alguns hábitos dos ciclistas como ritos de preparação para com a dor, definido pela historiadora como um processo obsessivo de concentração de treinamentos.

A autora se utiliza novamente de David Le Breton para abrir o terceiro subtítulo “De la crítica a la exaltación del sufrimiento”. Para o intelectual francês a dor no esporte emerge a necessidade da negociação pessoal do atleta com o limiar de sofrimento que é capaz de suportar. Apoiada nesse conceito, Requião constrói suas reflexões sobre a passagem da crítica para a exaltação do sofrimento. Nos princípios do século XX o sofrimento imposto aos ciclistas pelo Tour era objeto de críticas de movimentos sociais, sindicatos e até mesmo de ciclistas, contudo Henri Desgrange, criador do Tour, via o evento como um experimento científico que tinha a fadiga como um desafio a ser superado. A autora vai além ao completar que o maior combate do ciclista não é contra seus oponentes, mas contra ele mesmo, contra sua própria dor e tentação de desistir. Ainda explica que existem diferenças nas dores no ciclismo das outras formas de dor, pois o ciclista pode escolher parar com o sofrimento físico quando quiser e restar para si, posteriormente, apenas a amargura moral de sua derrota pessoal. Enquanto, ao optar pela continuidade na corrida o sofrimento leva a garantia de um triunfo glorioso, posto que adquire um simbolismo enorme: o controle da própria vida. Vencer a batalha contra o sofrimento é uma das maiores conquistas estéticas que o esporte é capaz de proporcionar, finaliza a pesquisadora.

O quarto e último subtítulo do capítulo “El control corporal ante el sufrimiento”, Requião desenvolve reflexões acerca do sofrimento de diversos ciclistas participantes do Tour de France, tais como o comportamento inquieto do ciclista francês Thomas Vockler, que mostrou sua bravura ao vestir o maillot amarelo durante sete dias do Tour de 2004, e na ousadia destemida do americano Tyler Hamilton. A autoria fundamenta novamente suas ideias através dos escritos do antropólogo francês David Le Breton, ao afirmar que o sofrimento permite ao indivíduo uma nova forma de relação com os outros e consigo mesmo, reflexões estas que adentram em uma nova dimensão: a habilidade de controlar a dor, que segundo Requião, através dela a estética se torna mais lenta e intensa. Apontamentos que possibilitam questionamentos durante os escritos, tais como: O que há de belo nas escaladas e nos sprints do Tour de França para mobilizar milhares de pessoas durante dias, esperando longas horas para um momento tão curto de contemplação? Lessa sinaliza, ao fim, que a dificuldade, o sacrifício, a superação da dor e a glória são ingredientes fundamentais para a compreender as fascinações estética despertadas pelo Tour de France.

A segunda parte do livro denominada de “Tourmalet - Una história de puertos encadenados, de subidas, de bajadas, y una caída inevitable” diferentemente do primeiro segmento do livro de viés mais acadêmico cientifico, trata-se de uma obra teatral com aspecto místico, assemelhando-se às narrativas lendárias utilizadas na antiguidade para descrever feitos heroicos. A referida seção conta com um prólogo e nove atos. No prólogo o dramaturgo Miguel Rocher apresenta Frederico, Miguel e Alberto, três ciclistas protagonistas da trama que se preparam para tomar a rodovia.

Em seguida, o autor dá início ao primeiro ato, denominado “Hors Catégorie - Chris Froome” discorrendo a partir de uma disputa de perguntas entre os três ciclistas sobre os vencedores do Tour de França, onde Miguel, Frederico e Alberto se põem a pedalar sincronizadamente após Frederico exaltar o ciclista inglês Chris Froome como um grande vencedor da montanha e do Tour sob queixas de Miguel e Alberto. Todo o enredo do escrito é baseado no diálogo dos amigos ciclistas enquanto pedalavam.

No segundo ato “Día de descanso - El caso Festina” é descrito o caso de doping da equipe francesa Festina no Tour de 1998. No referido capítulo, nota-se que o autor através de seu espetáculo de teatro, tenta abordar temas polêmicos por detrás da história do Tour de France, como por exemplo, os escândalos de doping. Evidencia-se, portanto, que Ferrando busca demonstrar o quanto os mecanismos de dopagem estão à frente dos seus detectores, tudo isso através das vias da arte cênica, elementos possivelmente adaptáveis ao cenários pedagógico da Educação física e Esporte.

Em seguida, a terceira unidade que compõem a peça de teatro é intitulado “Avituallamiento - El Tour de Lance”, desenvolvida através de uma reflexão ética dos personagens sobre os feitos de Lance Armstrong. A discussão se concentra no questionamento de ser o último, mas honrado, ou ser o primeiro, porém sujo. Neste âmbito se compara o exemplo do caso de dopagem da equipe francesa Festina, que quase acaba com o Tour de France, e com o escândalo mundial de Lance Armstrong que quase finda o ciclismo, de acordo com falas dos personagens. Percebe-se que através do teatro discussões de cunho ético-estético acerca do esporte também podem ser realizadas e adaptadas para outros ambientes.

O quarto ato “Etapa 1 - Luis Ocaña” trata-se da continuidade do passeio ciclísticos dos três amigos, onde se inicia um novo diálogo, agora sobre a perspectiva de ideias nacionalistas. Para ilustrar a referida discussão, os personagens se lembram da imagem do ciclista espanhol Luis Ocaña, que vivia na França e que sofria ataques sobre o porquê de não viver em seu pais. O referido atleta ficou marcado por além de pedalar, expressar durante as curvas do Tour suas opiniões políticas sobre perspectivas nacionalistas. Verifica-se outra vez a presença de temas polêmicos nos atos do teatro do autor, que tenta através do Esporte, da estética e do teatro trazer interrogações declaradas aos seus espectadores e agora leitores.

No quinto ato/capítulo chamado de “Pancarta de montaña - Martin van den Bossche” Miguel Ferrando prossegue sua obra em uma nova discussão entre seus personagens, no qual se frisa a importância e ao mesmo tempo o esquecimento dos atletas que ficam em segundo lugar nas corridas do Tour de França. Os amigos retratam a importância do segundo colocado, mas ao mesmo tempo, discutindo que não interessava para eles ficarem na referida posição, afinal acabariam sendo esquecidos. Observa-se que Miguel tenta provocar reflexões em todos os atos, ponderações estas expostas esteticamente, mas com ares éticos em seu interior.

O sexto ato “Etapa 2 - Raymond Poulidor” é uma locução apaixonante do eterno segundo lugar, Raymond Poulidor. O francês da aldeia de Merignat e de apelido Pou-Pou soma três segundos lugares e cinco terceiros lugares no Tour de França. O presente ato descreve a popularidade de Pou-Pou entre os espectadores mesmo sem nunca subir ao posto mais alto do Tour de França. Neste diálogo entre os personagens o autor tentar mostrar que mesmo com o segundo lugar os atletas podem ter representatividade, como por exemplo, o ciclista destacado no capítulo que passa a ser símbolo de determinação e esperança.

No sétimo ato “Meta Volante - El Mirador” a autoria retrata através do diálogo entre os personagens a importância do descanso no treinamento dos ciclistas, a ponto deste momento ser para alguns mais importante que a própria alimentação. Aqui, Ferrando apresenta um capítulo mais sucinto em termos de paginação, mas que levanta elementos questionáveis tais como o porquê de os competidores gostarem tanto de se abster de diversos prazeres, e assim, de forma reflexiva a autoria finda o referido ato.

No penúltimo capítulo denominado “Etapa 3 - Gino Bartali” Ferrando traz novamente o ar polêmico a sua obra e incorpora em suas linhas aquele que intitulavam como o ciclista fascista, Gino Bartali, atleta italiano, que participava do Tour de França durante o regime de Mussolini e por este motivo foram-lhe atribuídas características do momento vigente em seu país de origem. Contudo, o autor narra através dos personagens de sua obra como Gino pode se vingar do regime do qual era escravo por meio do Esporte, a ponto de ajudar centenas de judeus através de seus resultados no Tour de France.

Miguel Ferrando finaliza sua obra com o ato intitulado “Tourmalet”, narrando as belezas e dificuldades do Tour de France. Para formular tal trecho o autor utiliza-se de relatos dos ex-ciclistas Raymond Poulidor, Luis Ocaña e Gino Bartali. A autoria encena com detalhes a voracidade do trajeto, seus riscos e o grande desafio que empregava aos ciclistas. Por fim, Miguel lembra que a emergência deste trajeto é devida a uma tentativa dos organizadores do Tour em espetacularizar a prova, onde um trajeto mais perigoso trazia novas experiências estéticas aos espectadores. Percebe-se que em cada ato o dramaturgo tenta tencionar em sua peça elementos estéticos e críticos sociais junto ao ciclismo, tentativa que nos parece interessante e adaptável as mais variadas práticas esportivas.

A título de considerações finais sobre o livro resenhado nota-se que a obra possibilita reflexões importantes para o campo da Educação Física e Esporte. No que se diz respeito aos escritos de Priscila Requião Lessa, seu trabalho nos fornece uma perspectiva interessante para visualizar a prática esportiva: o viés estético, trazendo uma riqueza de potencialidades do uso deste campo da filosofia para análises do fenômeno esportivo. No tocante a obra do dramaturgo Miguel Ferrando Roche, entende-se que a aproximação entre Teatro e Esporte exposta em seu trabalho pode-se ser utilizada como ferramenta didático-pedagógica para além dos palcos, sendo aplicada também em outros espaços educacionais.

Por fim, ressalta-se que a principal lacuna existente na obra aqui resenha encontra-se em um descompasso teórico entre o primeiro segmento do livro. O primeiro, escrito por uma historiadora que tem por necessidade caráter cientifico em seu escrito, visto que se trata de sua dissertação de mestrado, e a segunda parte escrita por um dramaturgo, cujo o enfoque é a composição de uma peça de teatro, bem distante das formalidades do campo acadêmico cientifico. Salienta-se que a diferença epistemológica entre as autorias não se materializa apenas nas formações e necessidades momentâneas de seus escritos, pois tais disparidades implicam diretamente na densidade filosófica reflexiva exposta em seus textos. No entanto, sinaliza-se que ambos os textos acabam trazendo análises palpáveis de ser aplicadas através das mais distintas práticas corporais e contextos no campo da Educação Física e Esporte.

REFERÊNCIAS

LESSA, Priscila Requião; ROCHERE, Miguel Fernando. Se necesitan héroes - la estética del dolor/Tourmalet. La Cajá Books, 2018. [ Links ]

1Groc Teatre é uma companhia de teatro valenciana criado pelo diretor cênico e dramaturgo Miguel Ferrando Rocher. Mais informações em https://grocteatre.tumblr.com/.

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FINANCIAMENTO O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 18 de Março de 2019; Aceito: 19 de Julho de 2019

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