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Motrivivência

versión On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.62 Florianópolis abr./jun 2020  Epub 01-Mayo-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e66197 

Artigo Original

A cultura afro-brasileira e a dança na Educação Física escolar

Afro-brazilian culture and dance in school Physical Education

Cultura y danza afro-brasileña em la Educación Física escolar

Karolainy Benedet dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0002-2893-9541

Bruna Carolini De Bona1 
http://orcid.org/0000-0002-1897-9988

Patrícia Laura Torriglia2 
http://orcid.org/0000-0002-4567-6616

1Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, Curso de licenciatura em Educação Física, Criciúma, Santa Catarina, Brasil.

2Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Programa de Pós-graduação em Educação, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.


RESUMO

O artigo tem como objetivo analisar a abordagem ou não da cultura afro-brasileira, por meio da dança nas aulas de Educação Física, pelos professores do Ensino Fundamental I das quatro escolas municipais de Santa Rosa do Sul -SC que atendem este nível de ensino. O período da pesquisa se deu entre julho de 2018 a junho de 2019 e foi desenvolvido por meio de uma pesquisa de campo, a partir de um questionário, com sete professores da rede. Constatou-se que há, em parte, a abordagem da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física do Ensino Fundamental I. Porém, se evidencia a descontinuidade do planejamento, resultando em ações soltas e descontextualizadas durante as aulas. A abordagem da dança afro-brasileira como forma de conhecimento não foi evidenciada e os professores pouco compreendem sobre o conteúdo dança ou cultura afro-brasileira.

PALAVRAS-CHAVE: Educação física; Dança; Cultura afro-brasileira

ABSTRACT

The article aims to analyze the approach or not of the Afro-Brazilian culture, through dance in the classes of Physical Education, by the teachers of Elementary School I of the municipal schools of Santa Rosa do Sul -SC. The research period was from July 2018 to June 2019 and was developed through a field survey, using a questionnaire, with seven teachers from the network. It was verified that there is, in part, the approach of Afro-Brazilian culture in the classes of Physical Education of Elementary School I. However, the planning discontinuity is evident, resulting in loose and decontextualized actions during class. The approach of the Afro-Brazilian dance as a form of know ledge was not evidenced and the teachers little understood about the Afro-Brazilian dance content or culture.

KEYWORDS: Physical education; Dance; Afro-brazilian culture

RESUMEN

El proyecto tiene como objetivo analizar el abordaje o no de la cultura afro-brasileña, por médio de la danza em las clases de Educación Física, por los professores de laenseñanza Fundamental I de las escuelas municipales de Santa Rosa del Sur - SC. El período de la investigación se dio entre julio de 2018 a junio de 2019 y fue desarrollado por medio de una investigación de campo, donde se aplico cuestionarios com siete profesores de la red. Se constató que hay em parte el enfoque de la cultura afro-brasileña em las classes de Educación Física de la Enseñanza Fundamental I. Aunque, las actividades em su mayoría, se apresentan de formas “sueltas” sin finalidad de construcción de conocimiento transformador. El enfoque de la danza afro-brasilenã como forma de conocimiento, no due evidenciada y los professores poco comprenden sobre el contenido danza o cultura afro-brasileña.

PALABRAS-CLAVE: Educación física; Bailar; Cultura afro-brasileña

INTRODUÇÃO

Justificamos a importância deste estudo esperando que a partir do mesmo haja uma maior compreensão da dança afro-brasileira como conhecimento a ser tratado nas aulas de Educação Física. Partimos do pressuposto que é de fundamental importância tratar das mais variadas manifestações do acervo cultural de experiências e resistências que constroem nossa identidade no ambiente escolar. A escola é um local privilegiado na análise e vivência da diversidade cultural, expressando o multiculturalismo como identidade do Brasil.

Referências também importantes foram debatidas na disciplina de Estágio II do Curso de Educação Física da Universidade do Extremo Sul Catarinense, que tem por objetivo, possibilitar ao acadêmico reconhecer-se enquanto professor (a) de Educação Física, mediador (a) do conhecimento da cultura corporal do movimento, por meio da inserção teórico-prático do trabalho escolar, considerando a formação científica, cultural, humana e ética desenvolvida ao longo do curso de licenciatura. Nesse estágio, uma das pesquisadoras atuou com o conteúdo dança afro-brasileira no ensino fundamental I, o que impactou positivamente no sentido de contato com o tema que, pela experiência da acadêmica com a dança, tem chamado sua atenção. O contato com os professores da rede também nos fez questionar em que medida existe (ou não?) o trato da dança no campo da escola. Há uma ausência do conteúdo dança na Educação Física escolar, principalmente da dança afro-brasileira, sendo que, das poucas vezes que foi tratado, há uma centralização da dança europeia e pouco ou quase nada da cultura afro-brasileira.

Portanto, o objetivo geral do presente estudo é analisar a abordagem ou não da cultura afro-brasileira, por meio da dança, nas aulas de Educação Física pelos professores do Ensino Fundamental I das escolas municipais de Santa Rosa do Sul - SC. Tem como objetivos específicos: Analisar, na perspectiva dos professores, a importância da dança na escola e nas aulas de Educação Física; Verificar se os professores do Ensino Fundamental I das escolas municipais de Santa Rosa do Sul abordam algum conteúdo que se relaciona com a cultura afro-brasileira.

O universo da pesquisa compreende as quatro escolas municipais de Santa Rosa do Sul - SC que atendem o nível de Fundamental I, em que a acadêmica atua. Por meio de questionário aberto contendo nove questões sobre identificação do sujeito, quatro questões sobre o trato com o conhecimento do conteúdo de cultura e história afro-brasileira nas aulas de educação física e quatro sobre o trato com o conhecimento do conteúdo dança nas aulas de educação física. Participaram da pesquisa oito professores de Educação Física que ministram a disciplina na rede, dos oito professores há dois deles em cada escola. Inicialmente, entramos em contato com a secretaria de educação para solicitar uma relação dos professores de Educação Física que trabalham no ensino fundamental I, nível de ensino que por meio do estágio se desenvolveu o problema da pesquisa. O questionário foi elaborado em conjunto com professores do curso de Educação Física da UNESC.

O artigo aponta inicialmente para a discussão dos movimentos que legitimaram a história da Educação Física escolar e os pressupostos para a afirmação da dança na escola e segue com a reflexão da dança na Educação Física escolar, partindo da abordagem da cultura afro-brasileira na escola, trazendo como possibilidade a efetivação da Lei nº 10.639/2003 por meio da dança. Logo, seguimos com a metodologia e análise dos dados, a partir de unidades de análise reveladas pelos dados coletados.

MOVIMENTOS LEGITIMADORES DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: pressupostos para a afirmação da dança na escola

Nesta seção objetivamos afirmar determinada concepção de Educação Física na escola, para que o conteúdo dança também possa ser afirmado numa matriz que supere sua negação ou os limites de sua abordagem. Neste sentido, precisamos, portanto, evidenciar quais foram os movimentos legitimadores da EF historicamente. Evidenciamos três movimentos anteriores ao debate atual que gostaríamos de reforçar: tendência higienista, tendência militarista e tendência esportivizada, apontando que essas concepções não nos dão suporte para trabalhar a cultura afro-brasileira por meio do conteúdo dança na EF escolar como objetivamos. Por fim, trazemos determinada concepção crítica que embasa a discussão desta pesquisa. Para tal, utilizamos como referências neste estudo Soares (2001), Soares et al. (2012) e Bracht (2007).

A Educação Física brasileira foi fortemente influenciada pelas instituições militares e pela medicina, que pregavam a educação do físico para a construção de um corpo forte e saudável. “Esses vínculos foram determinantes, tanto no que diz respeito à concepção da disciplina e de suas finalidades quanto ao seu campo de atuação e a forma de ser ensinada”. (BRASIL, 1997, p.19). No início do século XIX, consolida-se a sociedade capitalista. Esta trouxe consigo problemas como má sanidade ambiental, condições indignas de trabalho, epidemias e mortalidade infantil (SOARES, 2001).

Todavia se os ’corpos saudáveis’ eram uma exigência do capital, os ‘corpos doentes’ não deveriam ser considerados como produto das condições de vida geradas pelas relações de produção inerentes deste modelo econômico. Era de fundamental importância para a classe no poder encontrar outras causas, que não as sociais, para explicar a degradação social, física e intelectual da maioria da população (SOARES, 2001, p.25).

Os exercícios físicos passam a ter papel fundamental na vida do homem, vistos exclusivamente como fator higiênico. “[...] para essa nova sociedade tornava-se necessário ‘construir’ um novo homem: mais forte, mais ágil, mais empreendedor”. Houve então, uma preocupação para que os exercícios físicos fossem incluídos nos currículos escolares. O surgimento das Escolas de Ginástica na Alemanha contribui para essa inclusão (SOARES, 2012, p. 51).

Já no período pós Segunda Guerra Mundial, predomina no Brasil a influência do esporte na Educação Física escolar, objetivando princípios de rendimento e competição em função de uma busca por um melhor resultado esportivo, sem levar em conta os processos educacionais vinculados a esse resultado final (BRACHT, 2012).

Assim, o esporte se impôs à EF, como conteúdo e como sentido da própria EF. O esporte é que legitima a EF porque faz coincidir seu discurso com o daquela no que diz respeito ao seu papel nos planos educativo e da saúde - [...] Em suma, o discurso pedagógico na EF foi quase sufocado pelo discurso da performance esportiva; literalmente afogado pela importância sócio-política das medalhas olímpicas, ou pelo “desejo”, tornado público, por medalhas (BRACHT, 2007, p.23).

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997, p.22), “do final do Estado Novo até a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961, houve um amplo debate sobre o sistema de ensino brasileiro. Nessa lei ficou determinada a obrigatoriedade da Educação Física para o ensino primário e médio”. Desde então, a Educação Física passa incessantemente por discussões sobre seu objeto de estudo e conhecimento necessários ao âmbito escolar. Atualmente, tem-se na Educação Física diversas propostas de abordagens que resultam da articulação de diferentes teorias psicológicas, sociológicas e concepções filosóficas, que vem ampliando o campo de reflexão desta área. Entre elas destacamos Soares et al. (2012); Kunz, (2016); Nascimento, (2014).

Há destas concepções uma em especial que afirma como objeto de estudo da Educação Física a Cultura Corporal, denominada de concepção crítico-superadora, “Ela será configurada com temas ou formas de atividades, particularmente corporais, como [...]: jogo, esporte, ginástica, dança ou outras, que constituirão seu conteúdo. O estudo desse conhecimento visa aprender a expressão corporal como linguagem”. (SOARES et al., 2012, p. 62).

A compreensão destes conteúdos nas aulas de Educação Física escolar pode ser tratada, segundo Soares et al. (2012), considerando os problemas sociopolíticos atuais, como papéis sexuais, relações sociais do trabalho, preconceitos sociais, raciais, da deficiência, entre outros. As aulas, a partir dos temas da cultura corporal, podem ser realizadas de forma que possibilitem ao aluno a compreensão e reflexão destes problemas, entendendo a realidade social que está inserido, criando formas de superar o que está posto (SOARES et al, 2012).

Soares et al (2012, p.64) afirma “os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas significações objetivas”. Para essa concepção é fundamental que os conteúdos de um programa de Educação Física escolar sejam selecionados baseados na proposta pedagógica da escola e na realidade social que essa escola está inserida, observando a relevância social do conteúdo para estes alunos.

A DANÇA NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA

A dança, conteúdo da cultura corporal, deve ser tratada nas aulas de Educação Física como forma de linguagem. É “uma expressão representativa de diversos aspectos da vida do homem”. (SOARES et al, 2012, p.81). Por meio da dança os alunos podem expressar o que tem de mais interior e profundo do seu pessoal para o mundo exterior, através de movimentos trabalhados.

Na dança, o homem se permite mergulhar em suas sensações. Nela, o homem trabalha essas sensações e toma conhecimento das possíveis consequências que delas possam resultar, explorando-as sem receio e sem restrições, pois são as vivências que se projetam a partir de fatos da realidade, para um universo de movimentos significativos que se mostram verdadeiros enquanto dançados ou apreciados (RANGEL, 2002, p.24).

A dança não é somente o expressar-se, a demonstração do sentimento afetivo, há por meio dela a expressão de sentimentos cognitivos (MARQUES, 2007, p.25).

[...] é por meio de nossos corpos, dançando, que os sentimentos cognitivos se integram aos processos mentais e que podemos compreender o mundo de forma diferenciada, ou seja, artística e estética. A dança, portanto, como uma das vias de educação do corpo criador e crítico, torna-se praticamente indispensável para vivermos presentes, críticos e participantes na sociedade atual. (MARQUES, 2007, p.25).

Verderi (1998, p.35) esclarece que a dança “é a arte mais antiga que o homem experimentou e a primeira arte a vivenciar o nascimento [...] evoluíram em conceitos, nos fatos sociais e culturais, já que a dança juntamente com o homem mostrava através da plasticidade harmoniosa a intenção dos anseios e necessidade da humanidade”. No Brasil, há uma diversidade de estilos de dança que se interpenetram. Nanni (1995, p.75) afirma que “a miscigenação é o forte fator para a profusão de ritmos e danças em decorrência das características étnicas, o que geram uma diversidade dentre os aspectos e características diversas.” No período colonial, os europeus implantaram a sua cultura no Brasil, misturando-se com a cultura indígena já existente aqui, fundindo também com a cultura africana herdada pelos escravos, o que resulta nas diversidades de ritmos, estilos e gêneros de dança que o folclore brasileiro possui (RANGEL, 2002).

Não se pode esquecer que elas recebem influências das características étnicas e culturais, diversificadas de acordo com as peculiaridades de cada região. No caso do Brasil, há uma enorme gama de diferentes povos como os indígenas e os africanos, povos colonizadores como os portugueses e holandeses, além daqueles imigrantes que se radicaram no Brasil e aqui assumiram sua segunda pátria, como é o caso dos alemães, italianos, japoneses, franceses, poloneses, influenciando com suas características e contribuindo para a riqueza do folclore brasileiro (RANGEL, 2002, p.44).

Essa riqueza e diversidade cultural devem ser tratadas com os alunos no ensino regular. Marques (2007, p.31) traz como conteúdos específicos da dança a ser trabalhado na escola:

Aspectos e estruturas do aprendizado do movimento (aspectos da coreologia, educação somática e técnica); disciplinas que contextualizem dança (história, estética, apreciação e crítica, sociologia, antropologia, música, assim como saberes de anatomia, fisiologia, e cinesiologia) e possibilidade de vivenciar a dança em si (repertórios, improvisação e composição coreográfica).

Tratando da dança no primeiro segmento do ensino fundamental, Soares et al. (2012) afirma que seu ensino deve englobar danças de livre interpretação, de interpretação de temas figurados que envolvam temas da cultura nacional e internacional e danças com conteúdo relacionado à realidade social dos alunos e da comunidade. Da mesma forma, o ensino da dança nas aulas de Educação Física pode e deve ser efetivado considerando o aluno e sua historicidade, englobando principalmente as danças nacionais que fazem parte da cultura do indivíduo. “Faz-se necessário o resgate da cultura brasileira no mundo da dança através da tematização de origens culturais, sejam do índio, do branco ou do negro, como forma de despertar a identidade social do aluno no projeto de construção da cidadania” (SOARES et al, 2012, p. 82). Para Garcia e Haas (2003, p. 125),

Os escravos africanos influenciaram tanto a música quanto a dança, através do seu extraordinário senso de ritmo e de movimento corporal; como os índios, os africanos dançavam com os pés nus a dança enquanto sentido religioso e mágico; e, é muito importante que tradições, costumes, danças folclóricas sejam transmitidas, também, no contexto escolar, para que crianças e adolescentes conheçam e valorizem o espírito da alma do folclore, da sua região, estado e até mesmo país.

Portanto, a dança afro-brasileira não deve ser tratada somente como forma de espetáculo ou somente na semana de conscientização da cultura negra, indo além. Os alunos devem conhecer e refletir sobre a cultura presente em nosso país, nos diversos aspectos étnicos e culturais. Devem ter consciência do que estão estudando, do que estão pesquisando, do que estão dançando, se reconhecendo como parte dessa diversidade cultural.

A LEI Nº 10.639 E A POSSIBILIDADE DE ENSINO DO CONTEÚDO NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

A Lei nº 10639 de 09 de janeiro de 2003 trata da obrigatoriedade da inserção no currículo do ensino fundamental e médio, o ensino sobre a História e Cultura Afro-Brasileira. A implantação dessa política abrange, segundo Gomes (2012, p.08),

A adoção de princípios afirmativos pelas instituições educacionais, tais como o reconhecimento da diversidade cultural e da desigual distribuição de oportunidades sociais entre diversos segmentos da população, a disposição positiva para a convivência democrática entre grupos e culturas e a efetivação da paridade de direitos sociais.

Considerada um passo a mais no processo de superação das desigualdades na sociedade e no ambiente educacional, a lei trata da inclusão obrigatória no currículo escolar, do ensino da História e Cultura Afro-brasileira, revelando a “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” (BRASIL, 2003, p.1).

A História e Cultura Afro-brasileira pode e deve ser ensinada na disciplina de Educação Física. A dança pode contribuir para esse trato. O ensino da dança afro-brasileira promove uma reflexão para construção do conhecimento, contribuindo para que os alunos vivenciem aspectos da cultura popular. A partir deste conhecimento os alunos podem reafirmar sua identidade como um ser histórico-social, que tem origem vinculada à cultura afro-brasileira.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996):

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil (BRASIL, 1996, p.1).

Também podemos verificar na Base Nacional Comum Curricular (2017) os conteúdos de dança dialogando com o conhecimento de matriz africana e indígena, contemplando a experimentação e importância do patrimônio histórico cultural na preservação das diferentes culturas por meio das habilidades propostas.

Experimentar, recriar e fruir danças populares do Brasil e do mundo e danças de matriz africana e indígena, valorizando e respeitando os diferentes sentidos e significados dessas danças em suas culturas de origem. [...] Comparar e identificar os elementos constitutivos comuns e diferentes (ritmo,espaço, gestos) em danças populares do Brasil e do mundo e danças de matriz africana eindígena. [...] Formular e utilizar estratégias para a execução de elementos constitutivos das danças populares do Brasil e do mundo, e das danças de matriz africana e indígena.[...] Identificar situações de injustiça e preconceito geradas e/ou presentes no contexto das danças e demais práticas corporais e discutir alternativas para superá-las (BRASIL, 2016).

Também a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2014, p.66) traz em sua estrutura a preocupação com a educação das relações étnico-raciais. Segundo a proposta, advinda das políticas de reparação, essa inclusão objetiva “demandas das populações negra e indígena brasileira no sentido de vislumbrar ações de reconhecimento e de valorização de sua identidade histórico-cultural na educação”.

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa de campo no período de julho de 2018 a junho de 2019. Os dados foram coletados analisando questionários aplicados aos professores de Educação Física que atuam no Ensino Fundamental I no município de Santa Rosa do Sul - SC. Este questionário foi construído pelas pesquisadoras levando em conta os objetivos da pesquisa. Após, foi analisado por dois professores da universidade que contribuíram positivamente para a finalização das questões.

Com o auxílio da secretaria de educação, obteve-se uma relação dos professores e uma das pesquisadoras aplicou o questionário aos docentes. Com o retorno, foram analisados de forma qualitativa os dados coletados, e segundo Marconi e Lakatos (2010) a abordagem qualitativa trata-se de uma pesquisa que tem por objetivo, analisar e interpretar aspectos mais profundos e detalhados sobre o objeto de pesquisa. Dos oito professores pesquisados, um não respondeu ao questionário, justificando que não tinha condições de responder por ser seu primeiro ano de atuação. Os sete professores que participaram da pesquisa são identificados por letras de A - F, de acordo com a ordem de entrega dos questionários.

A partir da devolutiva dos questionários, iniciamos o processo de identificação das unidades de análise. O instrumento, da pergunta um a pergunta nove, buscou caracterizar os sujeitos da pesquisa. Da pergunta dez a pergunta treze, buscamos abordar e questionar os professores sobre o trato de conteúdos da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física, seguindo com outras quatro perguntas que objetivaram analisar o conhecimento do conteúdo dança nessas aulas. Disso decorre a abordagem de duas unidades de análise centrais: I) Currículo da Educação Física e cultura afro-brasileira; II) O ensino da dança na escola e a dança afro-brasileira.

Os principais autores que deram suporte para o desenvolvimento da pesquisa foram: Marques (2007), Soares et al. (2012), Brasil (2016), Santa Catarina (2014), Bracht (2007), Rangel (2002), Soares (2001), Verderi (1998).

IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Formou a amostra da pesquisa, oito professores de Educação Física que atuam de forma distribuída em quatro escolas do Ensino Fundamental I do município de Santa Rosa do Sul - SC. Três professores são homens e cinco mulheres. Sete deles admitidos em caráter temporário (ACT) e uma efetiva na rede. Dos sete professores que responderam ao questionário e são admitidos em caráter temporário, três possuem outros vínculos empregatícios como personal training, hidroginástica, natação, revenda de cosméticos, motoboy, caixa de lanchonete e garçom.

Dos sete professores analisados, cinco possuem especialização ou estão cursando, mas nenhum é na área da dança e nenhum deles possui pós-graduação em nível de mestrado. Os professores A, B e G são formados em instituições de ensino a distância. O professor F teve sua graduação na Universidade Luterana do Brasil ensino presencial e, outros três professores são formados na Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Quatro professores (A, D, E e G) têm até dois anos de atuação na Educação Física escolar. Dois (B e F) possuem de três a quatro anos. Somente a professora efetiva (C) que possui vinte e um anos de Educação Física escolar. Todos os professores estão atuando na instituição pesquisada pelo primeiro ano, enquanto a efetiva atua a oito anos na mesma instituição. Pelos dados obtidos aqui, analisando as condições de trabalho desses sujeitos, podemos afirmar a indicação do Soares et al. (2012) ao apontar que a profissão de professor está cada vez mais desvalorizada na sociedade atual. Temos hoje, um professor sufocado pelas limitações materiais da escola, pelos baixos salários, pela desvalorização de sua profissão e do seu trabalho. Fica evidente a necessidade dos professores de ter que se desdobrar em mais de uma função para qualificar o salário recebido e o pouco vínculo criado com as escolas, pela condição daqueles que são admitidos em caráter temporário (ACT).

Da mesma forma, essa condição impõe limites na abordagem do conhecimento tratado nas aulas de Educação Física. Evidencia-se um processo de desqualificação do campo profissional de atuação e da possibilidade de aprofundamento do conhecimento na relação com os alunos. Fica evidente que um processo contínuo de planejamento possibilita ao professor ampliar o trato dos conteúdos da cultura corporal, incluindo a dança. Assim, potencializa a cada novo ano a relação dos alunos com o mesmo, podendo a dança ser explorada em suas diversas particularidades.

CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E A CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Quando questionados sobre o trato da cultura afro-brasileira no currículo escolar, seis dos sete professores responderam que este conteúdo está previsto no currículo. Alguns apontando até que é muito importante na organização escolar e citam a Base Nacional Comum Curricular que traz em seu texto este conteúdo. Somente um professor não respondeu esta questão.

Destacamos que três (03) dos sete (07) professores disseram que não trabalharam este conteúdo, mesmo afirmando que o reconhecem no currículo. O professor B afirma que trabalhou pengo-pengo1, queimada2 e cinco marias3, embora destes conteúdos citados pelo professor, o pengo-pengo é o que mais evidencia traços da cultura africana em sua construção. O professor C comenta sobre uma apresentação de dança afro em um festival de dança. O professor E traz como referência as cantigas de roda. O professor F tratou da capoeira dentro do conteúdo de expressão corporal e lutas e Escravos de Jó no conteúdo de brincadeiras tradicionais. Podemos perceber que os professores mencionam diversos conteúdos que trabalham o contexto afro-brasileiro. Como aponta Soares et al. (2012, p.62) “os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido significado onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as intenções/objetivos da sociedade.” Dessa forma, estas atividades podem e devem ser trabalhadas objetivando uma reflexão das relações étnico-raciais, e não somente como atividades isoladas.

Ao responder sobre as relações estabelecidas com a história afro-brasileira e a sua finalidade na abordagem do conteúdo, dos quatro professores que já haviam trabalhado o tema, um não respondeu, deixando a entender que não trouxe a história afro-brasileira em discussão ao trabalhar o conteúdo. Partimos do pressuposto que quando selecionado um tema, deve-se ter em mente de que forma se dará o trato com o conhecimento e qual o objetivo se explicitará durante as aulas. O planejamento é essencial para que o aluno possa sistematizar o conhecimento e se aproprie do que foi historicamente construído, refletindo sobre a realidade e tentando transformá-la de acordo com as necessidades de classe. O professor tem papel essencial nesta reflexão.

Todo educador deve ter definido o seu projeto político-pedagógico. Essa definição orienta sua prática no nível de sala de aula: a relação que estabelece com os seus alunos, o conteúdo que seleciona para ensinar e como o trata científica e metodologicamente, bem como os valores e a lógica que desenvolve nos alunos (SOARES et al., 2012, p. 27).

Soares et al. (2012, p.27) ainda enfatiza que “é preciso que cada educador tenha bem claro: qual o projeto de sociedade e de homem que persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais os valores, a ética e a moral que elege para consolidar através de sua prática? Como articular suas aulas com este projeto maior de homem e de sociedade?”. É importante que o professor tenha uma finalidade em relação ao seu trabalho, que planeje seu conteúdo, que trate da gênese dos conteúdos, que organize didaticamente os momentos da aula e que tenha claro o que quer desenvolver nos alunos durante essa construção. Portanto, evidenciamos que atividades isoladas e soltas por si só dentro das aulas de Educação Física, não garantem o trato da cultura afro-brasileira. Isso exige uma organização de aula que tenha previsto outros processos de apropriação de conhecimento, que não se limitam apenas a fazer as atividades propostas pelo professor.

Frente aos conteúdos mencionados pelos outros professores, nos chama a atenção o professor C, que comentou ter trabalhado a dança. O professor afirma que foi criado uma dança com finalidade de apresentação, que foi uma dança praticada pelos escravos e que a apresentação tinha o tema “negros” como referência. É importante mencionar aqui, o trato da dança na escola. No entanto, nos parece que a dança citada teve mais uma finalidade de apresentação do que de discussão como um conteúdo da cultura corporal. Isso nos indica a citação de Marques (2007, p.17) que afirma que na

[...] época em que vivemos, talvez seja o momento mais propício para também refletirmos criticamente sobre a função e o papel na dança na escola formal. [...] a escola é hoje, sem dúvida, um lugar privilegiado para que isto aconteça e, enquanto ela existir, a dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de “festinhas de fim de ano”.

Essa indicação evidenciada por Marques (2007), portanto, não descarta a possibilidade de construção coreográfica nas aulas de Educação Física. No entanto, partimos do pressuposto de que o conteúdo dança é muito mais amplo do que apenas a reprodução de determinados passos, tendo por objetivo as festividades escolares. Pensando na dança como linguagem da arte, rotineiramente os processos de reprodução se sobrepõem aos processos de criação artística, o que já evidencia os limites de desenvolvimento artístico na relação com os alunos.

Para além dessa questão, o professor E comenta sobre a “pausa” no conteúdo por solicitação do município para que os professores de Educação Física treinem os alunos para estarem preparados para a competição durante a festa do munícipio, incentivando a competição e colocando em evidência os melhores atletas como forma de enaltecer o município na grande festa que antecede o ano de eleição. Segundo Ouriques (2010, p. 90),

O modelo existente exalta a alta competição, o esporte de rendimento e o grande espetáculo esportivo. Possui assim, um perfil político que exalta a exclusão social e favorece a seleção dos melhores atletas em todos os níveis e com caráter conservador, autoritário, segue a lógica empresarial. Seu conservadorismo manifesta-se na exaltação ideológica de uma educação física que salienta a competição pela competição como valor supremo de busca do rendimento esportivo a qualquer custo.

Percebemos como a Educação Física mantém um vínculo histórico com o Esporte e sua organização em formato de jogos competitivos. Portanto, os esportes hegemônicos se sobressaem, não garantindo espaço para os demais temas da cultura corporal: o jogo, a ginástica e a dança por exemplo. Kunz (1991) aponta três tendências oriundas do sistema esportivo na organização das aulas de Educação Física: a tendência de seleção, de especialização e instrumentalização, ou seja, a classificação e seleção dos alunos conforme o desempenho individual, a especialização de determinadas práticas esportivas reconhecidas internacionalmente e o treinamento do movimento corporal para o desenvolvimento da performance esportiva. Para o autor, a Educação Física tem legitimado o “mundo da competição”, quando reproduz no espaço escolar o caráter competitivo do esporte de alto nível (KUNZ, 1991). Assim, consideramos essa questão como um entrave na organização pedagógica do professor e da ampliação do acesso aos alunos à outras atividades da cultura corporal, inclusiva da dança. Da mesma forma, implica na qualidade de tempo disponibilizada ao professor, que precisa dedicar suas aulas aos treinos e organização das equipes.

O professor F, a partir do mesmo questionamento - sobre as relações estabelecidas com a história afro-brasileira e a sua finalidade na abordagem do conteúdo -, comenta que explica a atividade por meio da sua origem e relata sobre os negros quando aborda a capoeira. Em contrapartida, quando questionados sobre o conhecimento de conteúdos da história e cultura afro-brasileira, os seis (06) dos sete (07) professores afirmam que tiveram contato com este tema na graduação, embora três destes sete nunca abordaram este tema. Dos quatro que abordaram, somente um comentou sobre a finalidade e as relações estabelecidas com a história de forma clara. Compreendemos que,

A dinâmica curricular na perspectiva dialética favorece a formação do sujeito histórico à medida que lhe permite construir, por aproximações sucessivas, novas e diferentes referências sobre o real no seu pensamento. Permite-lhe, portanto, compreender como o conhecimento foi produzido historicamente pela humanidade e o seu papel na história dessa produção (SOARES et al. 2012, p.35).

O livro Metodologia do Ensino da Educação Física comenta sobre a importância de tratar a história quando um tema da cultura corporal é proposto no currículo. Isso revela o processo de gênese e desenvolvimento da atividade e possibilita ao aluno se reconhecer como sujeito histórico. (SOARES et al, 2012).

O ENSINO DA DANÇA NA ESCOLA E A DANÇA AFRO-BRASILEIRA

Tratando da dança na escola, os professores pesquisados foram questionados quais os estilos de dança já abordados nas aulas. Dois professores responderam que não abordaram dança. Um não respondeu, deixando a entender que também não abordou. O professor F comenta que não utiliza a dança propriamente dita, utiliza a expressão corporal de maneira a abordar um pouco cada estilo. Marques (2007, p.20) fala sobre a dança ser chamada de expressão corporal por conta do preconceito com este conteúdo, ainda existente em nossa sociedade:

[...] o ensino da dança ainda está recoberto por densa camada de pensamentos e ideias preconceituosas em relação à sua “natureza”. Isso é motivo, inclusive, para que muitos professores deem outros nomes às atividades de dança: “expressão corporal”, “educação de/pelo movimento”, “arte e criação”, “movimento e criação”. Em última instância, essas denominações mascaram intenções e, ao mesmo tempo, permitem que um número maior de alunos tenha acesso à dança na escola.

O professor E responde que trabalhou cantigas de roda, embora saibamos que as cantigas de roda estão dentro do conteúdo de brincadeiras e jogos e não de dança.

A unidade temática brincadeiras e jogos explora aquelas atividades voluntárias exercidas dentro de determinados limites de tempo e espaço, caracterizadas pela criação e alteração de regras, pela obediência de cada participante ao que foi combinado coletivamente, bem como pela apreciação do ato de brincar em si. (BRASIL, 2016, p.172).

A professora C cita a dança regional, africana e indígena. O professor B responde: “o mesmo ritmo, orquestra maluca, histórias vivenciadas, siga o ritmo, guiando o arco” como se estivesse se referindo a um estilo de dança, embora estas seriam brincadeiras que trabalham o ritmo por si só, deixando de lado os outros elementos da dança. Segundo MARQUES (2007, p.30), “ao tratarmos dos contextos da dança, estamos incluindo os elementos históricos, culturais e sociais da dança como história, estética, apreciação e crítica, sociologia, antropologia, música, assim como saberes de anatomia, fisiologia e cinesiologia.”

Os professores também foram questionados sobre a importância da dança na escola e nas aulas de Educação Física e como se relacionavam com este conteúdo. O professor A comenta que este conteúdo ajuda o aluno a vivenciar os movimentos diversos do corpo, auxiliando o seu desenvolvimento, o que seria essencial para o aprendizado do aluno, segundo ele. O professor B fala sobre o benefício psicológico, motor e cognitivo, além de proporcionar o resgate de valores. O professor C fala da importância da dança para a movimentação do corpo como um todo, fortalecendo músculos, desenvolvendo o ritmo e a coordenação. Comenta também que gosta bastante deste conteúdo. O professor F relata que utiliza somente para desenvolver a expressão corporal. O G comenta que tem uma relação boa com a dança, e que a dança é importante na interação e coordenação dos alunos. Percebemos que todos os professores citam a importância da dança como um auxílio no desenvolvimento motor, psicológico e cognitivo, no fortalecimento de músculos, no ritmo e coordenação. No entanto, percebemos que certos aspectos são deixados de lado aqui. Segundo MARQUES (2007, p. 25),

É por meio de nossos corpos, dançando, que os sentimentos cognitivos se entregam aos processos mentais e que podemos compreender o mundo de forma diferenciada, ou seja, artística e estética. É assim que a dança na escola se torna distinta de um baile de carnaval ou de um ritual catártico: o corpo que dança e o corpo na dança tornam-se fonte de conhecimento sistematizado e transformador (MARQUES, 2007, p.25).

Marques (2007, p.23) afirma que “a escola teria, assim, o papel não de “soltar” ou de reproduzir, mas sim de instrumentalizar e de construir conhecimento em/por meio da dança com seus alunos, pois ela é forma de conhecimento, elemento essencial para a educação do ser social”.

O professor D responde que não teve a oportunidade de trabalhar o conteúdo dança em suas aulas, por conta dos jogos escolares, no qual o município deu uma lista de modalidades a se trabalhar, sendo que nestas modalidades não constava a dança nem a ginástica. Soares et al. (2012, p.37) traz que “o esporte é selecionado porque possibilita o exercício do alto rendimento e, por isso, as modalidades esportivas selecionadas são geralmente as mais conhecidas e que desfrutam de prestígio social, como, por exemplo, voleibol, basquetebol etc.” Por outro lado, este mesmo professor destaca a importância da relação dos educandos com a expressão corporal, e salienta que por este conteúdo não estar presente no cotidiano do docente, interfere na relação do mesmo, acarretando negativamente para o conteúdo dança em si.

O professor E fala sobre a importância de abordar a dança, pois faz parte de um dos 5 conteúdos propostos pelo Soares et al. (2012), permitindo que os alunos tenham a oportunidade de ampliar seus conhecimentos acerca da sociedade na qual estão inseridos, possibilitando que se reconheçam enquanto sujeitos históricos. Como mencionado acima, segundo uma concepção crítico-superadora, a Educação Física se configura “com temas ou formas de atividades, particularmente corporais, como as nomeadas anteriormente: jogo, esporte, ginástica, dança ou outras, que constituirão seu conteúdo. O estudo desse conhecimento visa aprender a expressão corporal como linguagem” (SOARES et al., 2012, p. 62).

Outra questão indicada aos professores foi se, por meio da dança, é possível abordar a história e cultura afro-brasileira. Todos os professores responderam positivamente. O professor C afirma que quando monta uma coreografia comenta com os alunos sobre o tema escolhido. O professor D comenta que a dança é um meio de comunicação, sendo ela não verbal e sim corporal, no qual se pode expressar qualquer tipo de opinião, ideia ou mensagem através do corpo. O professor E explica que não tem como iniciar um conteúdo sem antes explicá-lo e introduzi-lo. O professor F cita o Maculelê e o trato de sua “parte histórica”, podendo abordar todos os conhecimentos da cultura afro-brasileira por meio deste conteúdo.

Nesse ponto, partilhamos da compreensão do professor ao apontar o Maculelê. Entendemos que essa atividade de dança possibilita o resgate histórico da luta e da defesa dos negros no Brasil.

O Maculelê é uma manifestação cultural que surgiu na cidade de Santo Amaro da Purificação - Bahia, onde também se originou a capoeira. É uma expressão teatral que narra, através da dança e de cânticos, a lenda de um jovem chamado Maculelê, corajoso guerreiro, que se tornou herói de sua tribo, ao defendê-la sozinho dos ataques de outra tribo rival, usando apenas dois pedaços de pau (ALMEIDA, 1970, apud BORGES, 2018, p.140).

O professor G afirma que existem diversas formas de dança onde se pode abordar a história e cultura afro-brasileira. Compartilhando da mesma afirmação, podemos citar além do Maculelê, o Carimbó e a Capoeira. Segundo Soares et al. (2012), por meio de seus movimentos, a Capoeira expressa todo o sofrimento dos negros na luta por sua emancipação no Brasil escravocrata. Expressa a voz do oprimido na sua relação com o opressor. “A Educação Física brasileira precisa, assim, resgatar a capoeira enquanto manifestação cultural, ou seja, trabalhar, com a sua historicidade, não descamá-la do movimento cultural e político que a gerou” (SOARES et al., 2012, p. 75).

Da mesma forma, o Carimbó, é componente fundamental da identidade do povo paranaense e considerado “Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil” desde 2014 (BRASIL, 2014). Cascudo (1962, p.184), apud MONTEIRO (2016, p.45), define Carimbó como “[...] dança negra, brasileira, de roda”.

[...] a configuração coreográfica mais comum de sua dança “é a de uma grande roda que circula pelo salão durante algum tempo; às vezes essa roda se desfaz e os pares volteiam, sem se tocar, ou permitem a encenação de solistas”). O caráter de dança solista favorece demonstrações de habilidade individual, e o solista, por meio de mímicas, executa uma dança imitativa, alusiva à fauna da região, parecendo haver, conforme esses autores, muita influência das antigas danças indígenas (SALLES e SALLES, 1969, p. 279 apud MONTEIRO, 2016, p.41).

Por fim, quando questionados se no processo de formação os professores tiveram contato com o conteúdo de dança e se isso contribui para o trabalho com a dança escolar, seis (06) dos sete (07) professores responderam que tiveram contato com a dança escolar, embora o professor F comente que só teve conhecimento dos estilos, não na “forma de trabalho escolar”. Marques (2007) menciona a dificuldade de encontrar publicações sobre o conteúdo dança, já que as disponíveis apresentam uma visão pouco crítica sobre o que é dança e o seu ensino. O professor D afirma que já teve contato com a dança no processo de graduação, o que aumentou seu leque de conhecimento. Porém, devido ao tempo de serviço e aos jogos escolares propostos pela secretaria de educação, não teve a oportunidade de trabalhar este conteúdo em suas aulas. O professor G menciona que quando se tem interação com o conteúdo na formação, a aplicação fica mais fácil na prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa constatou que os professores de Educação Física do Ensino Fundamental I, que atuam no município de Santa Rosa do Sul - SC identificam o trato de conteúdos da cultura afro-brasileira como parte integrante do currículo escolar. No entanto, somente quatro professores trabalharam de fato, atividades a partir deste conteúdo. Vale ressaltar também, que todos os professores mencionaram que tiveram o conhecimento da história e cultura afro-brasileira na formação inicial ou em seu campo de trabalho. Quando questionados sobre a finalidade do conteúdo e a forma como abordou o tema de história e cultura afro-brasileira, somente dois professores deixaram claro que trabalharam a história de forma crítica e que o conteúdo tinha uma finalidade, não somente atividades “soltas”.

Dos quatro professores que afirmam ter trabalhado o conteúdo dança na escola, somente um elencou o trato da dança regional, africana e indígena. Embora todos os professores afirmem que tiveram o conhecimento sobre dança na graduação, percebe-se que a maioria não tem conhecimento sobre a dança e suas características. Todos os professores compreendem a importância da dança nas aulas como um auxílio no desenvolvimento motor, psicológico e cognitivo, no fortalecimento de músculos, no ritmo e coordenação, deixando de lado os aspectos de construção de conhecimento. Aqui percebemos a importância da formação continuada para os professores.

Constatou-se que há, em parte, a abordagem da cultura afro-brasileira nas aulas de Educação Física do Ensino Fundamental I. Porém, se evidencia a descontinuidade do planejamento, resultando em ações soltas e descontextualizadas durante as aulas. A abordagem da dança afro-brasileira como forma de conhecimento não foi evidenciada na fala dos professores da rede e, da mesma forma, pouco compreendem sobre o conteúdo dança ou cultura afro-brasileira, mesmo afirmando que tiveram experiência com este conteúdo na graduação ou no campo de trabalho. Ainda assim, reconhecem a possibilidade de ensino da cultura afro-brasileira por meio do conteúdo dança nas aulas de Educação Física

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1A origem do jogo se remete a Uganda

2Relatos apontam para a origem do jogo vinculado as ações dos povos Egípcios, entre 2130 e 1983 a.c. Afirmamos que esse jogo, embora evidencia vínculos de origem com o continente africano, cotidianamente, nas escolas, essa especificidade é pouco explorada.

3Seu surgimento se vincula aos costumes da Grécia Antiga.

AGRADECIMENTOS Agradecimento aos professores da rede pública de Sombrio pelas experiências partilhadas

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 11 de Julho de 2019; Aceito: 19 de Novembro de 2019

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