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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.63 Florianópolis  2020  Epub 01-Set-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e73577 

Artigo Original

Cadê o viado que tava aqui? O preconceito e a discriminação excluíram da quadra de aula

Where's the fag that was here? Prejudice and discrimination excluded from the classroom

Dónde está el maricón que estaba aquí? Prejuicio y discriminación lo excluyeron de la clase

Mesaque Silva Correia1 
http://orcid.org/0000-0002-0258-7111

Joanna Hariel Almeida Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-1560-7337

Geovana Torres da Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-6419-7266

Italo Marcelo Pedro Amorim e Silva1 
http://orcid.org/0000-0002-1007-3962

1Universidade Federal do Piauí - UFPI, Teresina, Piauí, Brasil


RESUMO

O presente artigo teve como vocação verificar se o tema homossexualidade é problematizado nas aulas de Educação Física e qual o trabalho desenvolvido pelo professor de Educação Física frente aos alunos homoafetivos. Para tanto, nos apropriamos dos pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa qualitativa do tipo descritiva. Utilizamos a entrevista semiestruturada, que foi realizada com 10 (dez) professores de Educação Física, os quais desenvolvem suas atividades docentes em escolas públicas estaduais da cidade de Teresina - PI. Os dados coletados foram submetidos à análise temática de conteúdos proposta por Bardin, com a finalidade de sintetização de categorias de análises. Da análise das falas dos depoentes, foi possível extrair quatro categorias de análise: O homoafetivo invisível nas aulas de Educação Física; A homoafetividade como discurso da recusa; A igualdade que descaracteriza o homoafetivo nas aulas de Educação Física e As escolas de muitos e as aulas de alguns poucos. Encontramos, nas escolas, educadores que se dizem (e se sentem) compromissados com o seu fazer profissional, mas mostram-se cegos para as suas ações, principalmente quando questionados sobre as ações didáticas pedagógicas estabelecidas na quadra de aula junto aos alunos homoafetivos. Portanto, conclui-se a não existência de tratos pedagógicos nas aulas de Educação Física para as atividades corporais referentes à questão da homoafetividade, mesmo com todos os professores verbalizarem ser cientes da presença do homoafetivo em suas aulas. Ao contrário, o que ficou evidente foi um discurso da igualdade que descaracteriza o aluno homoafetivo no decorrer das aulas.

PALAVRAS-CHAVE: Educação física escolar; Corpo; Sexualidade; Homoafetividade

ABSTRACT

The present article had the vocation to verify if the homosexuality theme is problematized in Physical Education classes and what is the work developed by the Physical Education teacher in front of homo-affective students. Therefore, we appropriate the theoretical and methodological assumptions of qualitative research of the descriptive type. We used the semi-structured interview, which was carried out with 10 (ten) Physical Education teachers, who develop their teaching activities in state public schools in the city of Teresina - PI. The collected data were submitted to the thematic content analysis proposed by Bardin, in order to synthesize categories of analysis. From the analysis of the statements of the interviewees, it was possible to extract four categories of analysis: The invisible homoaffective in Physical Education classes; Homo-affection as a discourse of refusal; The equality that mischaracterizes the homoaffective in Physical Education classes and the schools of many and the classes of a few. In schools, we find educators who say (and feel) committed to their professional practice, but are blind to their actions, especially when asked about the pedagogical didactic actions established in the classroom with homo-affective students. Therefore, it is concluded that there is no pedagogical treatment in Physical Education classes for body activities related to the issue of homoaffection, even with all teachers verbalizing being aware of the presence of homoaffective in their classes. On the contrary, what was evident was a discourse of equality that mischaracterizes the homoaffective student during the classes.

KEYWORDS: School physical education; Body; Sexuality; Homo-affectivity

RESUMEN

El presente artículo tenía la vocación de verificar si el tema de la homosexualidad se problematiza en las clases de Educación Física y cuál es el trabajo desarrollado por el maestro de Educación Física frente a los estudiantes homo-afectivos. Para eso, nos apropiamos de los supuestos teóricos y metodológicos de la investigación cualitativa del tipo descriptivo. Utilizamos la entrevista semiestructurada, que se realizó con 10 (diez) maestros de Educación Física, que desarrollan sus actividades de enseñanza en las escuelas públicas estatales de la ciudad de Teresina - PI. Los datos recopilados se sometieron al análisis de contenido temático propuesto por Bardin, con el fin de sintetizar categorías de análisis. A partir del análisis de las declaraciones de los entrevistados, fue posible extraer cuatro categorías de análisis: el homoafectivo invisible en las clases de educación física; El afecto como discurso de rechazo; Igualdad que caracteriza erróneamente la eficacia de las clases de educación física y las escuelas de muchos y las clases de unos pocos. En las escuelas, encontramos educadores que dicen (y se sienten) comprometidos con su práctica profesional, pero que son ciegos a sus acciones, especialmente cuando se les pregunta sobre las acciones didácticas pedagógicas establecidas en el aula con estudiantes homo-afectivos. Por lo tanto, se concluye que no existe un tratamiento pedagógico en las clases de Educación Física para las actividades corporales relacionadas con el tema de la homosexualidad, incluso cuando todos los maestros verbalizan estar conscientes de la presencia de homoafectivos en sus clases. Por el contrario, lo que era evidente era un discurso de igualdad que caracteriza erróneamente al estudiante efectivo durante las clases.

PALABRAS-CLAVE: Educación física escolar; Cuerpo; Sexualidad; Homo-afectividad

INTRODUÇÃO

Ao longo da história da humanidade a homoafetividade tem sido objeto de estudos de várias áreas do conhecimento, tais como: Filosofia; Psicologia; Sociologia; Antropologia; Psicanálise e, bem recentemente, começou a ser foco de atenção dos estudos desenvolvidos pela área da Educação Física, muito embora ainda não tenha ganhado a relevância científica necessária, dada a emergência de se investigar e tematizar este fenômeno.

Pode-se afirmar que a sociedade brasileira por muito tempo esteve com os olhos vendados para uma questão social tão importante quanto esta: a de falar abertamente sobre a sexualidade. Segundo Santos (2018), os discursos velados que promovem a reprodução da não aceitação acabam marginalizando a diversidade sexual e de gênero, que continuam a ocupar o lugar do errado e do inapropriado. Essa cegueira social mantém-se, mais ainda, em quase todas as escolas quando a questão envolve a homossexualidade, embora tenham a mesma responsabilidade que a família e a sociedade de forma geral, por ter como responsabilidade social de contribuir para a formação de cidadãos que sejam capazes de respeitar a diversidade e lutarem pela igualdade de direitos e aceitação da diferença.

Alertam Dantas, Maia e Correia (2020), que o cotidiano escolar, por meio de seus múltiplos sujeitos, configura-se num território marcado pela produção de diferenças, todavia algumas delas se constituem em desigualdades ou preconceitos sociais, a exemplo das desigualdades e discriminações no tocante à sexualidade. Ao retratar acerca dessa diferença que gera desigualdade, Louro (1997) aponta a trajetória que outrora apartava a forma de educação de meninas e meninos, aquelas endereçadas aos conteúdos voltados para obter habilidades relativas à prática doméstica e/ou de etiqueta social, enquanto esses eram estimulados a exercerem atividades associadas ao espaço público, mercado de trabalho e à prática de atividades corporais.

Embora esse modelo tenha, de certa forma, sido superado, algumas formas de distinguir os/as sujeitos/as que compõem a instituição escolar ainda imperam no cotidiano desse universo, ou como diz Louro (1997, p.62), “sob novas formas, a escola continua imprimindo sua marca distintiva sobre os sujeitos. Através de múltiplos e discretos mecanismos, escolarizam-se e distinguem-se os corpos e as mentes”.

Cavalcanti (2018) questiona a ausência nos currículos escolares de indivíduos que, através de seus comportamentos corporais e orientações sexuais, foram capazes de desestabilizar uma série de padrões impostos sobre a sociedade. Entretanto, o que temos observado no interior de algumas instituições educativas, é a manifestação de casos de intolerâncias raciais, religiosas, sociais, de gênero, entre outros.

Camargo e Ribeiro (1999) elucidam que quase sempre nas instituições educativas em relação à questão da homoafetividade, o preconceito vira discriminação. Além da violência, há casos de transferência, expulsão, de impedimento de matrículas e ofensas à moralidade das crianças, adolescentes e até mesmo de adultos.

O que modernamente tem se observado é que a homoafetividade tornou-se um problema complexo a ser discutido por toda a sociedade. Muito embora, como afirma Ferrari (2004), na maioria dos casos fica explícito certa conexão entre intolerância e ignorância. No entanto, para o referido autor, não basta dizer que o problema nas escolas envolve pessoas ou comunidades “ignorantes”, de um lado contra alunos ou vítimas indefesas, de outro. Está comprovado na literatura científica que a questão é cultural e encontra suas raízes em aspectos diversos, inclusive religiosos (HELMINAK, 1998).

A verdade é que a sociedade, desde os seus primórdios, buscou controlar o comportamento do corpo e as relações afetivas e sexuais do ser humano. De acordo com cada época, a cultura tem seu significado, umas constroem, outras destroem, umas valorizam, outras desvalorizam, e a sexualidade é mais reprimida ou mais tolerada. Assim, quanto à evolução da humanidade e os grandes acontecimentos marcantes em diversas áreas, o corpo passa por vários significados sócio-históricos de formas distintas.

É por esse motivo que Foucault (1988), ao falar de sexualidade, enuncia que devemos seguir três eixos que a constituem: a formação de saberes que a ela se referem, os sistemas de poder que regulam suas práticas e as formas pelas quais os indivíduos podem e devem se reconhecer como sujeitos dessa sexualidade e o fato de que a sexualidade é uma questão cultural que se entrelaça com o sistema de poder que a regulam.

Mott (1987) nos lembra que a igreja católica é um dos exemplos mais claros de como a moral sexual do cristianismo se opôs à moral sexual do paganismo antigo. Desta forma, o homossexualismo, que durante muito tempo foi exaltado na Grécia e aceito em Roma, tornou-se algo pecaminoso, demoníaco e punível até com a morte.

Quando analisamos a história do povo brasileiro, podemos constatar nos escritos de Ferreira (2004) que a igreja católica, desde o início da colonização, buscou determinar os que os seus fiéis deveriam ler, escrever e em que deveriam acreditar. Afirma Mott (1987) que, no decorrer do século XX, em parceria com aqueles que eram responsáveis pela edição e distribuição de livros escolares, buscou ocultar fatos e costumes de nosso povo, em alguns casos por conceber como imprópria para a formação política do nosso país, em outros casos por julgar imorais ou obscenos. Denota o autor que, quase sempre somente em livros específicos sobre comportamento e sobre sexualidade humana, é que se pode verificar que no Brasil no decorrer desse período casos de homossexualidade podiam ser encontrados nas raças brancas, negras e indígenas, e em todas as classes socialmente econômicas, tanto entre homens quanto mulheres.

Mott (1987) relata que quando os portugueses desembarcaram na Terra de Santa Cruz, em uma das embarcações o que mais chamou a atenção dos colonizadores foi a presença de mulheres com traços masculinos entre os índios das aldeias do Tupinambá. Relata o autor que elas eram musculosas, corajosas, sempre com posse de arco e flechas. Para o autor, uma das maiores injúrias que poderiam fazer era chamá-las de mulher e obrigá-las a casar, como era o caso.

Portanto, o que se observa é que no transcorrer da história, os homens com posse de seus poderes, buscaram em nome de uma moral/imoral muitas vezes silenciar a questão da sexualidade e homossexualidade humana. O pior talvez tenha e continua sendo o uso feito por esses sujeitos da instituição educativa para perpetuação da discriminação por intermédio de um discurso intolerante por parte dos educadores. Na ausência desse discurso, o que se observa é o silêncio e a recusa diante de ofensas e agressões, o que faz com que a escola permita de forma inconsciente que crianças ou jovens pratiquem a intolerância, ao fazerem piadinhas ou comentários irônicos. Nesse viés, Cavalcanti (2018) afirma que discutir o conceito de heteronormatividade e todas as violências e descriminações que os indivíduos sofrem ao romper um padrão hierarquizado é um exercício tão fundamental quanto urgente.

Ao discutir sobre essa questão, Carvalho e Correia (2020) postulam que a Educação Física é um terreno fértil para a discussão da sexualidade humana, uma vez que toma o corpo como objeto de suas intervenções. Corpo que por natureza manifesta os prazeres e as angústias referentes à sexualidade. Assim, a Educação Física é compreendida pelos autores como uma disciplina cujo potencial encontra-se diretamente ligado à efetivação da orientação sexual na escola.

A partir dessa compreensão, realizarmos um levantamento dos trabalhos apresentados nas edições do CONBRACE no período de 2001-20191 -, por consideramos um evento de grande amplitude e relevância cultural e científica, que aglutina pesquisadores/as que buscam compreender os dilemas da área Educação Física a partir de diferentes perspectivas. Ao realizarmos a leitura dos trabalhos selecionados, encontramos que em geral as produções utilizam em suas discussões a categoria sexualidade e apresentam uma sobreposição conceitual entre gênero e sexualidade, ou em alguns casos utilizam como as duas categorias como sinônimos, isto é, realizavam uma discussão conceitual e teórica sobre a categoria gênero e mencionam esporadicamente algo relacionado à sexualidade. Averiguamos ainda, que no plano epistemológico, os referidos estudos quando mencionam a categoria sexualidade, conduzem as discussões a partir do questionamento de gênero, fazendo associação direta com a questão do sexo. O que coloca as discussões em uma linha tênue, já que a sexualidade desloca o pensamento binário e heteronormativo de naturalização da heterossexualidade. Entretanto, o estudo desenvolvido por Dornelles (2013), conduz a discussão referente à sexualidade humana no plano filosófico foucaultiano, compreendendo a sexualidade humana no plano da constituição social e importante categoria para o funcionamento das biopolíticas e dos seus processos de regulação dos corpos na sociedade atual. O que traz avanços significativos para compreensão do fenômeno no interior da área da Educação Física.

Identificamos que os estudos desenvolvidos por Balestrin e Dornelles (2007); Stigger e Wenetz (2007); Wenetz e Dornelles (2011); Chaves (2015); Silva e Galinkin (2017); Morreira; Rihan e Lovisi (2017); Lima e Venâncio (2019); Lima e Pessoa (2019) e Oliveira (2019), abordam a temática da sexualidade a partir dos campos de conhecimento dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas. Tomam como lócus de suas investigações a instituição escola e focalizam suas atenções nas relações estabelecidas entre professor/aluno, aluno/aluno. Outro aspecto que foi possível perceber é que as pesquisas não apontam viés de intervenção e dão indícios de que não retornam aos espaços escolares para proporcionarem discussões e reflexões sobre estes temas tanto com educandos/as, quanto com educadores/as de maneira a suscitar mudanças significativas na prática educacional em relação a este assunto.

Este levantamento aponta que a temática da sexualidade e seus desdobramentos, vêm se destacando com cientificidade e intensidade na área da Educação Física Escolar nas últimas décadas. Entretanto, grande parte dos estudos desenvolvidos ainda apresentam lacunas e equívocos conceituais referentes à temática. A partir dessa compreensão, as discussões que se colocam neste estudo, buscam circunscrever de forma ampliada os debates epistemológicos sobre sexualidade na área Educação Física, permitindo aos profissionais da área ampliar seus olhares sobre a sexualidade humana no ambiente escolar e suas práxis educativas frente aos alunos homoafetivos, de forma a perceberem como as vivências da sexualidade estão sendo retratadas e, sobretudo, perceber as produções de desigualdades e discriminações que porventura possam estar sendo geradas e/ou mantidas no decorrer de ação docente. O que justifica sua realização, em especial em um período no qual o debate político pretende invisibilizar a inclusão das questões relacionadas a gênero e sexualidade no currículo escolar e no exercício da cidadania.

Tendo em vista o exposto, questiona-se:

Será que tal premissa é compartilhada pelos professores de Educação Física atuantes na escola? De que forma esses professores vislumbram a homoafetividade em suas práticas? Como os professores, no ponto de vista teórico e prático dos conteúdos e estratégias de ensino das aulas de Educação Física, tratam a problemática da homoafetividade no cotidiano escolar?

Buscando responder a esses questionamentos, o objetivo central dessa pesquisa foi investigar se o tema homossexualidade é problematizado nas aulas de Educação Física e verificar qual o trabalho desenvolvido pelos professores de Educação Física frente aos alunos homoafetivos.

Embora se trate de um estudo cujos participantes representam um universo particular de professores atuantes na escola, os dados levantados permitirão aos pesquisadores e demais profissionais da área refletirem sobre as possibilidades de articulação da orientação sexual, em especial a homossexualidade, com os conhecimentos específicos da Educação Física, propiciando o estabelecimento de inúmeras relações para o entendimento do tema em questão. Além disso, tratar sobre a sexualidade humana, em seu sentido mais amplo, é, pois, discutir sobre o nível de desenvolvimento de uma nação, haja vista que não se pode atestar desenvolvimento humano, econômico, social e político de um país enquanto houver violências e discriminações em relação aos sujeitos. Nesse sentido, investigar sobre esse tema é de fundamental importância, uma vez que se está tratando de relações humanas, de igualdades de direitos e, portanto, de cidadania.

NATUREZA DA PESQUISA, MÉTODO E RESULTADOS

Para a realização desse estudo, efetivou-se uma pesquisa de natureza qualitativa de caráter exploratório. Segundo Flick (2009), a pesquisa qualitativa tem como vocação compreender os significados atribuídos pelos sujeitos aos fenômenos sociais. Para Denzin e Lincoln (2010), a pesquisa exploratória, caracterizada como pesquisa básica, é uma modalidade de pesquisa que visa explorar conteúdos ou descobrir as causas de um fenômeno. Assim sendo, em virtude da natureza do problema investigado, a escolha da pesquisa qualitativa deve-se à importância da mesma para estudar a presença do aluno homoafetivo nas aulas de Educação Física, visto que investiga a fala segundo a perspectiva daquele que sente, que está na quadra de aula, enfrentando situações adversas diretas ou indiretamente. Trata-se das palavras de professores, profissionais que são a mola-mestra na educação.

Nesse estudo utilizou-se a entrevista semiestruturada individual. Na perspectiva de Gil (2013), a entrevista semiestruturada permite visualizar os relatos verbais dos sujeitos, valorizando-os, e por meio deles obter informações e experiências dos professores, bem como conhecer os seus comportamentos. Além disso, ainda dá ao pesquisador oportunidade para um cuidado maior na comunicação das questões em oferecer informações.

Optou-se nesse trabalho por realizar observações não participantes das aulas realizadas pelos professores. Segundo Flick (2009), no contexto da pesquisa qualitativa, a observação não participante ganha relevância por possibilitar ao pesquisador um contato próximo com o contexto pesquisado e como o fenômeno desabrochando em seu ambiente natural.

Os instrumentos de coleta de dados adotados pelo estudo foram o diário de campo, pois, segundo Gil (2013), esse é um instrumento que registra e guarda as observações realizadas o decorrer das observações, como utilizamos também a máquina fotográfica e o gravador para guardar as falas dos depoentes.

Ainda no decorrer desse estudo, o grupo de pesquisadores foi considerado como o principal instrumento de pesquisa, pois segundo Flick (2009) e Denzin e Lincoln (2010) não há ninguém e nem um instrumento que possa descrever o fenômeno estudado do que o próprio pesquisador, pois ele no decorrer da pesquisa, vê, sente e às vezes interfere na comunidade pesquisada.

O estudo foi desenvolvido com dez professores de Educação Física que atuam em escolas da rede estadual de ensino médio da cidade de Teresina - PI. No processo de seleção das escolas participantes, o critério de escolha se deu pelo ranking no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM - 2018. Assim, foram selecionadas as 10 escolas mais bem ranqueadas da capital teresinense. Tal fato pressupõe que os professores que atuam nessas escolas possuem um bom envolvimento e aprofundamento quanto aos conhecimentos de temáticas amplas da educação, como é o caso da sexualidade humana, portanto, maior capacitação destes profissionais para atuação com a temática na escola.

A partir desta seleção prévia no ranking no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM - 2018, foi realizada uma visita nas escolas a fim de convidar os professores a participar do presente estudo, levando-se em consideração estarem mais acessíveis ao âmbito de intervenção do pesquisador. Ressalta-se que todos os professores reponderam positivamente ao convite. Salienta-se também que os professores que atuavam nas escolas selecionadas tinham no mínimo cinco anos de experiência docente. De acordo com Huberman (2000), é o período aproximado para que o profissional atinja a independência necessária e, consequentemente, uma prática pedagógica equilibrada. Para o autor, num período que pode durar de dois a quatro anos, os professores ainda se encontram na fase do choque com o real e da descoberta de estar inserido no mundo profissional como professor.

Antes de se proceder à produção dos dados, os participantes preencheram um termo de consentimento livre e esclarecido. O termo dispunha sobre as intenções e características da pesquisa, a participação voluntária dos sujeitos e a possibilidade de desistir da participação a qualquer momento, e ainda sobre a publicação dos dados obtidos, omitindo-se suas identidades. Concedeu-se aos participantes o direito de escolha do local de realização da entrevista, cujo tempo médio de duração, para cada uma delas, foi de 30 minutos.

Os dados produzidos com a entrevista semiestruturada foram conduzidos apoiando-se na análise temática, um método de exame de textos que considera a qualidade e quantidade do material, argumentando primeiro os “tipos”, “qualidades”, e “distinção” no texto e também frequência com que surgem a concordância de determinados termos. As características sintáticas, como o frequente emprego das palavras com sentidos associados, apresentadas de um corpo de textos, que possam inferir valores, atitudes, estereótipos, símbolos e cosmovisões foram consideradas. Assim, a análise de conteúdo foi além da classificação das unidades de texto para a construção de redes de unidades de análises. Buscou-se representar conhecimento não apenas por elementos, mas também em suas relações conforme descritos por Bardin (2011).

O primeiro passo para proceder a análise do corpo do texto completo de entrevista foi a transcrição de todas as palavras faladas. Logo em seguida foi realizado um processo de leitura e releitura, utilizando como técnicas tradicionais como marcar e realçar, perseguindo os objetivos e as questões de estudo traduzidos em categorias, buscando desvendar o conteúdo subjacente ao que está manifestado.

À medida em que a interpretação foi avançando, retornou-se sempre que necessário ao material bruto, nas transcrições, em que um único comentário foi fundamental para um novo modo de olhar para as entrevistas; bem como os dados reforçaram a análise que está sendo feita.

É mister salientar que a fundamentação teórica foi consultada concomitantemente para confrontar com os exemplos de interpretações obtidas por meio da análise qualitativa servindo de subsídio na análise e discussão dos resultados. Pretendeu-se fazer um trabalho intuitivo e criativo, parte essencial da pesquisa qualitativa. Levou-se em conta o conhecimento teórico, habilidade e sensibilidade e buscou-se não perder a visão do texto e os objetivos perseguidos.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O homoafetivo invísivel nas aulas de educação física

Nessa categoria trabalhamos com a percepção dos professores quanto à presença dos homoafetivos nas aulas de Educação Física. Sabe-se que no contexto da sociedade do século XXI, a instituição educativa exerce um papel fundamental tanto para a inclusão como para a socialização dos indivíduos. Nesse ínterim, o currículo escolar deve contemplar o dito, o explícito e o oculto na trama da vida em sociedade que de alguma forma orienta as escolhas e decisões dos indivíduos. Como bem pontua Freire (2012), é inconcebível que no decorrer do processo pedagógico, o educador não atente para a significação do discurso formador de que faz uma escola respeitar e valorizar sua comunidade dentro de sua cultura organizacional. Uma vez que a eloquência do discurso pronunciado verbalmente ou corporalmente contribui para organização do currículo escolar.

Entretanto, mesmo diante das ponderações de Freire, que no decorrer da história da educação foram compartilhadas por Aranha (1996); Brandão (2005) e Gadotti (2007), os participantes da pesquisa destacam não estar atentos a falas verbais e corporais específicas, já que para eles a escola não deve fazer distinção e nem oferecer tratamento diferenciado a qualquer aluno, o que nos levou a criação da referida categoria de análise.

A seguir, apresentamos trechos de alguns relatos que ilustram esse aspecto:

Creio que a escola seja um lugar de todos, é isso que diz a Constituição Federal e a LDB. Portanto, não gosto desse negócio de dar mais atenção para um, porque se diz diferente (PROFESSOR - 1).

Na minha aula não presto atenção na roupa, na fala, nos trejeitos dos meus alunos, cumpro meu papel de educar (PROFESSOR - 5).

Aqui na escola recebemos alunos das mais diversas condições, assim sendo, é incoerente pensar em um tipo de aluno já que a escola e a aula são de todos. Mesmo eu tendo um ou dois nessa situação, trato homem como homem e mulher como mulher (PROFESSOR - 8).

A escola por estar localizada no centro, recebe alunos das mais diversas condições, econômicas, sexuais, religiosas. Nosso projeto pedagógico é laico e nossa escola é democrática, trabalho com os PCNs, mas falar de sexualidade é polêmico, prefiro não trazer para a aula, apenas busco fazer todos se sentirem incluídos. Quando vejo alguma coisa fora do normal, busco desviar o olhar (PROFESSORA - 10).

Minhas aulas são baseadas no afetivo social com o intuito de conscientizar os educandos a interagirem e a respeitarem as opções sexuais de cada um (PROFESSOR - 6).

Esses depoimentos revelam que mesmo diante do discurso pedagógico moderno em que as teorias do multiculturalismo se apresentam como uma estratégia política de reconhecimento e representação da diversidade étnica e cultural, não podendo ser concebido ou dissociado dos contextos das lutas dos grupos culturalmente oprimidos, sendo assim, alguns educadores ainda fecham os olhos para o dito, o explícito e o oculto no decorrer da vida escolar. De acordo com Acosta (2019) e Silva e Correia (2020), os corpos que representam qualquer forma de diversidade serão alvos de observação da escola, como forma de controlar e impedir que os mesmos manifestem algum tipo de resistência ao modelo que pretende silenciá-los.

Os depoimentos acima nos levam à compreensão que mesmo que a escola pública seja um lugar de trânsito livre a todos aqueles que a ela procuram, a ação educativa deve ser singular para valorizar modos de ser e viver específicos e ao mesmo tempo plural para não alienar os alunos no decorrer do processo educativo (NEIRA, 1999; DAÓLIO, 200; SOUZA FILHO E CORREIA, 2013). Caso contrário, o aluno com suas singularidades torna-se invisível no solo da escola e consequentemente no decorrer das aulas, tornando o invisível como signo de violência (DINIZ, 2011).

A homoafetividade como discurso da recusa

Após a análise de conteúdo, a categoria de análise “a homoafetividade como discurso da recusa” evidenciou-se na fala dos professores. Embora explicitamente no depoimento desses professores não tivesse declarada a recusa pelos homoafetivos no decorrer das suas aulas, a não preocupação em trabalhar temas direcionados a esse público foi marcante nas suas falas. Aquino, et al (2008) e Silva e Correia (2020) reconhecem a existência de uma grande complexidade e falta de explicações comprovadas a respeito da questão homoafetiva feminina ou masculina, porém, para o autor, todas as áreas sejam elas de natureza biológicas, psicológicas, sociais e até mesmo religiosas, ao longo dos percalços da história, têm buscado uma forma de explicar o que acontece com as pessoas homoafetivas, cada uma dentro de suas concepções. Entretanto, a análise de conteúdo trouxe à tona que no texto das escolas investigadas, esse tema não é entendido como relevante, mesmo os professores reconhecendo a presença dos alunos homoafetivos em suas aulas. Como é observado, nos fragmentos abaixo das entrevistas com alguns professores:

Hoje em dia tudo é cotas, tudo é processo, tudo é crime. Sou de um tempo em que não existiam essas coisas, para entrar no curso de Educação Física tinha que ser macho de verdade e mulher guerreira. Hoje o aluno faz aula prática se quiser. Então prefiro com a ajuda da prática esportiva colocar todos juntos e assim homem continua sendo homem e mulher continua sendo mulher. É bom pra mim; é bom pra eles (PROFESSOR - 1).

Busco não trazer essas questões para minha aula. Acho melhor outros professores abordarem o tema (PROFESSOR - 4).

Não acho relevante abordar o tema, acho que mais prejudica o aluno do que ajuda, afinal depois da aula ele que sofre as consequências, mesmo porque eles são, mas dizem que não, então, quem sou eu para dizer o contrário. Esse negócio que o corpo fala é mentira, quem fala mesmo é a boca e enquanto ela não se manifesta na minha aula, nada posso fazer (PROFESSOR - 3).

Esses relatos mostram a dificuldade que os entrevistados têm para abordar a temática homoafetividade no decorrer de suas aulas, fazendo com que o discurso da recusa e do de transferência de responsabilidades prevaleça. No depoimento do professor - 4, essa questão fica latente. Enquanto, que no depoimento do professor - 3, o significado negativo se desdobra em recusa para se trabalhar o tema, sendo que o mesmo justifica não trabalhar o tema por ser prejudicial ao próprio aluno. Entretanto, Hall (2003) explica que no decorrer do ato pedagógico a negociação e a participação de qualquer reivindicação de uma cultura particular implicam na aceitação de um sistema de diferenças.

A partir da discussão teórica deste trabalho e da análise do conteúdo das entrevistas, é possível compreender que o trabalho dos professores de Educação Física frente aos homoafetivos é praticamente inexistente e essa temática ainda se constitui em tabu no ambiente educativo. Para Aquino, et al (2008) e Diniz (2011), quando o professor não apresenta nenhuma atitude efetiva no sentido de impedir as discriminações por parte dos outros alunos, acaba colaborando com a discriminação daqueles que não tem um comportamento ou perfil igual ao que a sociedade estabeleceu.

A igualdade que descaracteriza o homoafetivo nas aulas de educação

Esta categoria originou-se do depoimento dos professores quanto às relações interpessoais intermediadas por eles entre os alunos homoafetivos e os não homoafetivos no decorrer de suas aulas. No discurso pedagógico dos entrevistados a palavra igualdade em vários momentos evidenciou-se, entretanto, após o processo de análise de conteúdo dos referidos depoimentos, o que ficou nítido foi que o tratamento igualitário o qual os professores buscam oferecer no decorrer do processo pedagógico, desencadeando no interior das dez escolas investigadas, a descaracterização do aluno homoafetivo por não respeitar suas singularidades. Nas palavras do professor - 1, essa igualdade que viola a singularidade e consequentemente descaracteriza o aluno homoafetivo fica bem explícito “Trato todos iguais sem distinção, por isso não falo nem de preto, nem de gay (PROFESSOR - 1). As palavras do professor - 9 são tão fortes quanto: “Eu sou professor de Educação Física, nossa tarefa é abordar a cultura corporal, trato todos iguais, apenais isso” (PROFESSOR - 9). Santos (1999) é enfático ao afirmar que no contexto da multiculturalidade em que modos de ser e viver precisam ser respeitados, e por extensão valorizados, o tratamento igualitário quando não se limita ao plano do direito corre um grande risco de descaracterizar os indivíduos por não levar em consideração suas particularidades físicas, psíquicas, sociais, sexuais e étnicas. Para o autor “devemos ser tratados iguais todas as vezes que a diferença nos inferioriza e sermos trados diferentes todas as vezes que a igualdade nos descaracteriza” (p. 9). Assim sendo, fica nítido que o trabalho desenvolvido pelos professores de Educação Física no interior das escolas investigadas tem sido pautado no discurso de uma igualdade que vem contribuindo para descaracterização e desvalorização do homoafetivo em suas aulas. A seguir, apresentamos trechos de alguns relatos que ilustram ainda mais esse aspecto:

[...]. Acho que temos tantas coisas para nos preocupar, que são mais ou tão importante quanto, então não sinto necessidade de falar deles somente, falo de todos, afinal nós não somos iguais! O Brasil não é democrático, sou professor e vivo a igualdade e a cooperação (PROFESSOR - 8).

[...]. Acho que esse tema já rendeu muitos debates, aqui na escola já até cogitaram a possibilidade de fazer um banheiro só pra eles. Eu em particular acho desnecessário, até porque eles são homens ou mulheres em qualquer situação. Acho melhor tratar todos iguais (PROFESSOR - 2).

[...]. Meu objetivo nas aulas é trabalhar a socialização que já engloba respeito e igualdade (PROFESSOR - 7).

[...] A linha filosófica da escola é a histórica social. No decorrer das aulas busco levar em consideração tudo que consigo perceber ao meu redor, desta forma, busco trabalhar com o currículo oculto. Esse tema, por ser polêmico, busco trazer para a aula no decorrer dos jogos, colocando todos juntos, fazendo com que todos participem da mesma maneira. Tem dado muito certo, pelo menos não vejo ninguém reclamar (PROFESSORA - 10).

Esses depoimentos revelam certa fragilidade no fazer pedagógico do professor de Educação Física quanto ao trabalho desenvolvido frente aos homoafetivos no decorrer de suas aulas. Uma vez que, seja de forma declarada ou nas entrelinhas de suas falas, pode-se perceber a reprodução do discurso de uma sociedade com padrões euramericanos, masculina, letrada e heterossexual. Neira (2011) afirma que no decorrer do processo pedagógico estar disposto a problematizar as representações distorcidas quanto às questões das diferenças humanas é algo raro. Para o referido autor está dificuldade ocorre pelo fato de uma representação hegemônica da docência como capacidade para lidar com todas as questões que surgem na sala de aula. Nessas condições, o ambiente de ensino é visto como espaço privado de tal responsabilidade do professor.

Os depoimentos dos referidos professores nos fazem perceber que apenas identificar a presença do homoafetivo nas aulas de Educação Física não é garantia de reconhecimento de suas singularidades, de seu repertório cultural corporal, ao contrário, a identificação de sua presença sem a tematização no currículo poderá se constituir em uma violência velada ou simbólica. Santomé (1998) e Candau (2005) nos ajudam na referida análise, nos recordando a existência de questões discriminatórias específicas que poderão ser percebidas pela mera inclusão no currículo de questões que necessitam de um trato pedagógico mais específico, como é o caso da homossexualidade, que ao abordar a temática ou até mesmo ao se atuar com a educação desse grupo de sujeitos, cabe ao educador fazer emergir pontos para questionamentos, das práticas corporais com as quais os alunos se identificam.

As escolas de muitos e as aulas de alguns poucos

A última e não menos importante categoria identificada ao longo da análise de conteúdo realizada das falas dos depoentes, foi “as escolas de muitos e as aulas de alguns poucos”. Tal categoria foi evidenciada em virtude de que as escolas pesquisadas receberem alunos dos mais variados grupos sociais e em sua maioria ofertarem um processo pedagógico que inclui alguns poucos. Relacionado a essa temática, Acosta (2019) defende que se faz necessário que a escola, ciente que diferentes grupos sociais habitam seu espaço, promova mecanismos que estimulem um convívio baseado no respeito às diferenças.

As palavras do professor - 1 deixam evidentes como o processo pedagógico da exclusão se processa: “Trabalho em uma escola “periférica” em que os alunos vivem perto de tudo que não presta, a escola é obrigada a recebê-los, mas na minha aula eu dito as regras, quem não segue, não faz as atividades” (PROFESSOR - 1). Nas ponderações do professor - 8, tal processo se reafirma, faz com que a escola que recebe muitos alunos ofereça aulas para alguns poucos: “Da minha aula ninguém é obrigado a participar, faz quem quer” (PROFESSOR - 8).

Diante dos apontamentos dos referidos educadores é inevitável não recorremos aos ensinamentos da “Pedagogia do Oprimido”, quando Freire (2005) afirma que é de fundamental importância que o educador conheça e reconheça a forma de viver do aluno, não para ser como ele, mas sim, reconhecer e valorizar os saberes dela provenientes, favorecendo a sua valorização e ampliação mediante o entrecruzamento com o repertório disponível em outras culturas. Daí a importância de articular as ações didáticas da Educação Física que consideram não só o patrimônio cultural corporal do aluno, mas as próprias escolhas que ao longo da vida são realizadas, sejam elas voluntárias ou involuntárias (NEIRA, 2012; FONTANA, 2000).

Na sombra do pensamento freiriano, no momento em que o educador identifica e reconhece o patrimônio cultural do aluno, passa a valorizá-lo como agente do processo de construção do conhecimento. O que para Neira (2011) é contribuir para construção de um currículo cultural da Educação Física, fazendo com que a escola e as aulas de Educação Física sejam um lugar não apenas de passagem, mas um ambiente em que o aluno se identifique e que se sinta dele participante, o que não foi possível perceber nas falas dos professores por nós entrevistados.

A escola é de todos, o problema que nem todo mundo quer participar das aulas. Quando dou aula de futsal tem dois ou três que se sentam, se é de dança a maioria, não posso fazer nada, trabalho com aqueles que querem estudar (PROFESSOR - 9)

Acho muito bom o teu tema, mas a nossa sociedade é masculina e feminina. E na verdade não existe nenhuma atividade que não se possa participar meninos e meninas, então, não me preocupo com isso (PROFESSOR - 6).

Como se pode observar, o discurso dos professores é generalista, os mesmos compreendem a existência de um núcleo comum nas atividades propostas que dispensa qualquer trato pedagógico mais específico e chegam a culpabilizar os alunos pela não participação nas aulas. Neira e Nunes (2006); Silva (2010) e Lima e Neira (2010) contribuem com essa discussão pontuando que é de fundamental importância que os professores não trabalhem às cegas, tampouco desenvolvam ações didáticas por sua conta e risco. É necessário que eles, diante das adversidades, busquem apoio tanto em teorias especializadas como em profissionais capacitados para auxiliá-los.

CONSIDERAÇÕES FINAIS (início de novas indagações)

A escola por receber crianças e jovens no seu processo de formação de identidades deveria tratar a questão do homoafetivo com mais profundidade e não com uma questão “apêndice” do currículo. Os depoimentos dos dez professores entrevistados no decorrer do estudo mostraram que em nenhuma das escolas existe um trato pedagógico nas aulas de Educação Física para a questão da homoafetividade, que o papel do professor de Educação Física quase sempre se manifesta como inexistente, haja vista o discurso intenso do tratamento igualitário por eles realizados.

No decorrer da análise dos dados encontrados, não foi possível identificar nenhuma atividade específica que levasse a problematização e reflexão da homoafetividade ou até mesmo da sexualidade de forma mais genérica nas aulas, muito embora todos os participantes identificassem a presença do homoafetivo em suas aulas. Pelo contrário, o que ficou evidente foi um discurso da igualdade que descaracteriza o aluno homoafetivo no decorrer das aulas, sendo que para Foucault (1988), a identidade não é algo dado, mas encontra-se em permanente construção e realiza-se nos vários espaços públicos por onde os indivíduos circulam, negociam e renegociam com os outros, o que ao nosso entender necessita urgentemente ser ressignificada nos estabelecimentos de ensino por nós investigados.

No intervalo desse estudo, estamos cientes de que desenvolver um trabalho pedagógico que seja problematizador quanto à presença dos homoafetivo nas aulas de Educação Física se constitui em uma tarefa ainda complexa, entretanto, entendemos também que o educador não pode se isentar dessa responsabilidade, até porque, como afirmamos no decorrer do estudo, é uma questão que permeia todos os segmentos da sociedade.

Recomendamos aos professores, em especial de Educação Física, os quais foram o foco de atenção desse estudo, que ao se depararem com situações adversas do decorrer do seu fazer pedagógico, que não se esquivem da situação que à primeira vista se apresenta como um problema sem solução, mas que busquem subsídios junto à própria escola e demais instituições e profissionais capacitados para que possam desenvolver uma ação pedagógica com ética e sem imposição de valores absurdos.

Recomendamos ainda aos programas de formação de professores de Educação Física que trabalhem a sexualidade em seus currículos de forma dicotomizada e passem a abordar o corpo e a mente de forma mais coesa, formando seus alunos para trabalharem diante da complexidade humana. Portanto, a nosso ver, essas questões que são mais generalistas devem ser problematizadas com a atuação na área, ou seja, os professores do curso de graduação em Educação Física devem provocar a interdisciplina sem que o acadêmico perca a disciplina.

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1 Para a busca utilizamos os seguintes descritores: “sexualidade”, “homoafetividade”, “identidade sexual”, “orientação sexual”, “gênero”. A justificativa para escolha destes descritores de dá pelas aproximações com produções sobre sexualidade humana na área da educação, uma vez que a instituição escolar abriga esta temática a partir da educação sexual. Para aprofundar ver: Louro (1997); Garcia (2000); Carvalho e Correia (2020).

AGRADECIMENTOS Agrademos aos sujeitos participantes do estudo pela disponibilidade. Ao Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino - DMTE e ao Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Piauí pelo apoio a investigação científica. Aos membros do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação e Educação Física Escolar - GEPEEFE/UFPI/CNPq pelos sonhos sonhados coletivamente. Aos nossos familiares pela compreensão, incentivo e paciência

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

Recebido: 05 de Maio de 2020; Aceito: 17 de Julho de 2020

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