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Motrivivência

versión On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.32 no.63 Florianópolis  2020  Epub 01-Sep-2020

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020.e73365 

Artigo Original

Esporte e lazer: reflexões sobre o não planejamento de políticas públicas

Sport and leisure: reflections about the non-planning of public policies

Deporte y ócio: reflexiones sobre políticas públicas no planificadas

Bruno Ocelli Ungheri1 
http://orcid.org/0000-0003-4827-5874

Hélder Ferreira Isayama2 
http://orcid.org/0000-0002-4442-5356

1Universidade Federal de Ouro Preto, Escola de Educação Física, Ouro Preto, Brasil.

2Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Belo Horizonte, Brasil.


RESUMO

Objetivo:

O presente estudo teve como objetivo apontar reflexões sobre a etapa de planejamento dos convênios firmados no âmbito do Programa Esporte e Lazer da Cidade. Metodologia: A partir de análises documentais, foram avaliados 105 projetos entre governo federal e municípios brasileiros. Resultados: Os achados do estudo baseiam-se na constatação de que aproximadamente 30% dos municípios não apresentaram documentos norteadores do planejamento das ações a serem desenvolvidas para a continuidade das políticas de esporte e lazer locais. Também foram identificados documentos idênticos, que apontam para possíveis replicações gerenciais dirigidas ao cumprimento de exigências burocráticas para celebração de convênios e, consequentemente, repasse de recursos. Conclusão: Conclui-se que o Programa Esporte e Lazer da Cidade caminha na direção de uma política de Estado, mas ainda apresenta avanços necessários nas etapas de planejamento das parcerias, o que pode ampliar seu potencial de êxito, principalmente na garantia de acesso ao esporte e ao lazer como direitos sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Esporte; Lazer; Política pública; Planejamento; Gestão

ABSTRACT

Objective:

The presente study aimed to point out reflections on the planning stage of the agréments signed under the Programa Esporte e Lazer da Cidade. Methodology: From documentar analyzes, 105 projects between the federal government and brazilian municipalities were evaluated. Results: The study’s findings are based on the finding that approximately 30% of the municipalities did not presente documents that guide the planning of actions to be developed for the continuity of local sports and leisure policies. Identical documents were also identified, which point to possible managerial replications aimed at complying with bureaucratic requirements for the signing of agréments and, consequently, the transfer of resources. Conclusion: It is concluded that the Programa Esporte e Lazer da Cidade is moving towards a State policy, but still presentes necessary advances in the planning stages of partnerships, which can expand its potential for success, mainly in guaranteeing access to sport and to leisure as social rights.

KEYWORDS: Sport; Leisure; Public policy; Planning; Management

RESUMEN

Objetivo:

El presente estúdio tuvo como objetivo señalar reflexiones sobre la etapa de planificación de los acuerdos firmados bajo el Programa Esporte e Lazer da Cidade. Metodología: Com base em análisis documentales, se evaluaron 105 proyectos entre el gobierno federal y los municipios brasileños. Resultados: Los hallazgos del studio se basan em el hallazgo de que 30% de los municipios no presentaron documentos que guíen la planificación de las acciones que se desarrolarán para la continuidade de las políticas deportivas y de ócio locales. También se identificaron documentos idénticos, que apuntan a posibles réplicas gerenciales destinadas a cumplir con los requisitos burocráticos para la firma de acuerdos y, em consecuencia, la transferencia de recursos. Conclusión: Se concluye que el Programa Esporte e Lazer da Cidade se está moviendo, pero aún presenta los avances necessarios em las etaas de planificación de las asociaciones, que pueden expandir su potencial de éxito, principalmente para garantizar el acceso al deporte y al ócio como derechos sociales.

PALABRAS-CLAVE: Deporte; Ocio; Política pública; Planificación; Administración

INTRODUÇÃO

No Brasil, o princípio de justiça está vinculado à garantia dos direitos sociais voltados à manutenção de uma vida digna e honrosa. Dessa maneira, o Artigo 6º da Constituição Federal aponta a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como a assistência aos desamparados como direitos de todos os cidadãos e cidadãs do país (BRASIL, 1988). Como aponta a CARTA Magna e, considerando suas emendas, é possível observar a intenção do legislador em garantir e afirmar o lazer como direito social. Isso significa reconhecê-lo como dimensão da cultura humana, orientando as ações públicas quanto à necessidade de fomento às práticas de lazer, considerando, sobretudo, o princípio da justiça social.

A promoção do lazer como direito social é dicotômica e oferece diferentes interpretações. As relações de trabalho promovem condições socioeconômicas distintas entre os sujeitos e, portanto, promovem desigualdades sociais que devem ser consideradas na formulação e implementação de políticas públicas na área. Essa perspectiva amplia o conceito de lazer, reconhecendo suas dimensões sociais, humanas, biológicas e econômicas, bem como as barreiras para seu acesso. Somado a isso, entende-se que o Capítulo III da Constituição Federal de 1988 também deve ser colocado em tela, uma vez que dispõe sobre educação, cultura e esporte. O lazer perpassa esses três elementos, por apresentar práticas de potencial educativo, que em certa medida, compõem o escopo das manifestações culturais de um determinado povo. O esporte, por sua vez, independentemente da manifestação escolhida, pode ser visto como uma das possibilidades de lazer.

Vale destacar que, para além das aproximações percebidas no texto legal, a opção pela unificação dos termos se deu, neste artigo, pela observação do que ocorre no cotidiano. Em quase sua totalidade, as instituições públicas ou órgãos governamentais tratam o esporte e o lazer como áreas afins, culminando em Secretarias ou Diretórios (instituições) híbridos. Todavia, vale dizer que a unificação dos termos não significa reconhecê-los como fenômenos idênticos, pelo contrário. Tratando especificamente do lazer, Gomes (2013) afirma que o referido campo sofreu expressivas mudanças na produção e reprodução de seus sentidos, significados, conceituações e abordagens e se constitui, atualmente, como área multidisciplinar. Desse modo, o lazer caminha para sua edificação como dimensão da cultura, ou seja, uma prática social contextualizada que tem características próprias, diversas possibilidades e formas de os sujeitos se encontrarem no mundo.

O esporte, assim como o lazer, apresenta-se como fenômeno que compõe a sociedade e, como tal, desenvolve-se de acordo com o contexto em que está inserido. A esse respeito, a concepção aqui inserida se contrapõe ao esporte de alto rendimento, centrando-se na inclusão e na participação dos sujeitos, permitindo a constituição e a manifestação de sua cultura. Para Castellani Filho (2007), o esporte que se desassocia da busca pela performance encontra no lazer uma possibilidade de expressão. Ao analisarem experiências e estudos sobre as políticas públicas relacionadas ao esporte e lazer no Brasil entre 1996 e 2005, Suassuna e Almeida (2005) indicam a importância da adoção de um planejamento que ocorra em função da intersetorialidade, ou seja, de políticas que contemplem vários setores, se diferenciando das políticas focais. Alcançar esse patamar requer o amadurecimento das relações político-institucionais estabelecidas no Brasil que, em alguma medida, carecem de estratégias capazes de conduzir o alinhamento e o engajamento das agendas compartilhadas entre diferentes esferas de governo.

Nesse sentido, Suassuna e Almeida (2005) indicam que a falta de planejamento impede a definição de políticas que alcancem um caráter intersetorial no país. Isto ocorre porque não há preparação de um plano de ação, tendo em vista ser esse sistema que confere legitimidade ao processo. Por isso, os autores ressaltam o caráter setorial do planejamento adotado pelo governo nacional para as políticas públicas de esporte e lazer, que pode resultar em um conjunto de experiências não aprofundadas. A superação deste cenário pode estar na concepção de princípios e estratégias de ação governamentais, que norteiem as administrações públicas quanto à sistematização e gestão das políticas de esporte e lazer. Sobre isso, é imperativo mencionar a urgência de se lançar olhares críticos sobre os processos gerenciais ligados às políticas públicas, sobretudo aqueles direcionados às etapas de planejamento.

O êxito de qualquer iniciativa governamental se potencializa pelo protagonismo de um bom planejamento, que concebe as ações a serem tomadas, bem como seus respectivos atores, prazos, indicadores e mecanismos de avaliação. Em contrapartida, caso esta etapa não seja desenvolvida, ou não apresente o aprofundamento teórico, metodológico e operacional necessários, ampliam-se as possibilidades de fracasso nas etapas seguintes. Menicucci (2008) destaca que, no Brasil, as políticas públicas de esporte e lazer são iniciativas relativamente recentes e que, apesar de existirem ações que constituem uma política nacional de lazer, ainda não se pode assumi-las como algo explícito, articulado ou concretizado, o que ainda é realizado de modo frágil e desarticulado. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi identificar e apontar reflexões sobre os limites operacionais e gerenciais vinculados aos Projetos Técnicos Pedagógicos, norteadores dos convênios realizados no âmbito do Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC) entre 2103 e 2017.

Criado em 2003, o Programa se configura como uma política de esporte e lazer na esfera federal, cuja proposta se baseia em suprir a carência de políticas públicas e sociais que atendam às necessidades e demandas da população por esporte recreativo e lazer. Com destaque, o escopo das ações é direcionado às pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica, que reforçam as condições de injustiça e exclusão social a que estão submetidas (SOUZA et al. 2010). Nessa esteira, Pintos (2018) elucida que o desenho conceitual do Programa está no fomento de ações estruturantes norteadas pelo protagonismo do esporte e do lazer nas comunidades beneficiadas. A autora sugere que o alcance dos resultados esperados se ampara no comprometimento dos responsáveis pelo seu desenvolvimento, ou seja, gestores e agentes sociais. A concretização dos objetivos do Programa e, consequentemente, das concepções que o norteiam, requer metodologias de trabalho condizentes com o discurso implementado.

O escopo de trabalho é concebido durante a formulação dos convênios a serem celebrados entre prefeituras e união. Sua materialização se dá por meio dos Projetos Técnicos Pedagógicos (PTPs), que materializam todo o planejamento da execução do Programa, ao qual direcionamos nossas análises. Logo, fica evidente que falhas na presente etapa poderiam desencadear efeitos negativos em todas as etapas subsequentes. Portanto, é preciso valorizar o processo de construção dos PTPs, não os concebendo como mera formalidade ou mecanismo burocrático. Todavia, após a análise dos dados, foi possível identificar diferentes usos e concepções sobre a ferramenta de gestão em tela. Em muitos casos, sua construção foi desconsiderada ou utilizada apenas como documento obrigatório para formalização de convênios.

PERCURSO METODOLÓGICO

Para analisar os Projetos Técnicos Pedagógicos, realizou-se uma análise documental dos referidos documentos, que se constituem como mecanismos oficiais. Para isso, na busca por assertividade em relação às informações relevantes ao objeto de análise, optou-se por focalizar aquelas descritas no campo “Municipalização”. Conforme orientações descritas nas diretrizes do PELC a partir de 2012, neste item os municípios devem apresentar suas estratégias para a continuidade das ações de esporte e lazer, após o encerramento das parcerias junto ao Governo federal. Cabe ressaltar que, sobre a pesquisa documental, May (2004) destaca seu potencial em informar e estruturar as decisões que instituições e pessoas tomam diariamente e ao longo do prazo, constituindo-se, inclusive, em leituras particulares dos eventos sociais.

Tendo em vista a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da UFMG e o consentimento do então Ministério do Esporte (ME)1, realizou-se a coleta dos dados. Para tal, foi utilizado o “Mimboé” - sistema de Monitoramento e Avaliação do Ministério do Esporte (ME) - que monitora e avalia periodicamente a execução e os resultados de todos os convênios firmados no âmbito do PELC, por meio de coleta, alimentação, armazenamento e processamento de informações online. Com isso, foram acessados 105 Projetos Técnicos Pedagógicos inseridos no referido sistema. Tendo em vista a fase de coleta de dados da pesquisa, bem como a necessidade de encerramento dos convênios para tal, o limite de análise foram os convênios com encerramento previsto para, no máximo, dezembro de 2017. De todas as informações prestadas nos documentos analisados, selecionou-se apenas aquelas que de alguma maneira poderiam se relacionar ao objeto de estudos. Considerando os dados obtidos, sua análise foi realizada de forma descritiva, organizando-os em categorias definidas à posteriori.

REFLEXÕES SOBRE O NÃO PLANEJAMENTO

Tendo como pano de fundo o planejamento dos convênios realizados no âmbito do PELC, compartilha-se as reflexões realizadas a partir da análise documental dos projetos técnicos pedagógicos (PTPs) dos municípios que implementaram o Programa entre 2013 e 2017. Sobre isso, é relevante mencionar que o preenchimento dos referidos documentos é de inteira responsabilidade das administrações municipais, bem como a efetiva adoção dos preceitos e informações neles contidas. As informações são prestadas no momento da inscrição dos projetos que participam dos processos seletivos.

Os PTPs correspondem a uma série de informações projetivas, que são sistematizadas no modelo preconizado pelo PELC, na intenção de organizar o planejamento das ações norteadoras de cada convênio. Logo, pode-se inferir que os referidos documentos são apenas o alicerce estrutural do Programa, ou seja, apontam as intenções de intervenção social, mas não garantem sua efetiva execução. Todavia, como apontam Ungheri e Isayama (2020), apesar de não garantir os resultados esperados, o planejamento das estratégias de municipalização pode levar os gestores a refletirem efetivamente sobre a questão. Isso poderia induzi-los a contemplarem em seus convênios, iniciativas que os aproximem do sucesso em relação à apropriação das políticas de esporte e lazer. Este caminho pode traçar apontamentos sobre as concepções dos gestores acerca das tomadas de decisão com maior potencial de enfrentamento dos entraves à institucionalização dessas políticas.

Isso porque, sob uma perspectiva lógica, ao elaborar estratégias para institucionalização local de uma política federal, é preciso avaliar os principais fatores que impediram ou limitaram o poder público municipal de executá-la anteriormente de forma autônoma. A esse cenário, atribui-se o processo de municipalização que, como aponta Franzese (2010), ganha destaque nos anos 90 a partir da necessidade de descentralização das políticas públicas, provocada por uma conjuntura de crise fiscal, sucedida pela chamada “primeira onda” de reformas do Estado. Para Abrucio (2007), ocorre um processo de coordenação federativa, orientado pela redução de desigualdades e introdução de padrões nacionais, sem restringir a autonomia dos estados e municípios. Todavia, é preciso compreender que a municipalização não ocorre considerando-se somente os atributos estruturais das unidades locais de governo, como sua capacidade fiscal, administrativa e cívica.

Arretche (1999) aponta que este processo varia de acordo com requisitos institucionais postos pelas políticas a serem assumidas pelos governos locais, tais como o legado das políticas prévias, as regras constitucionais e a engenharia operacional de cada política social. No entanto, a ação política deliberada, ou seja, estratégias de indução eficientemente desenhadas para delegar a outro nível de governo a responsabilidade pela gestão destas políticas, pode compensar obstáculos à descentralização derivados daqueles fatores de natureza estrutural ou institucional. Logo, é preciso ter em mente que a análise documental realizada, contempla apenas as ideias destacadas pelos municípios no campo “municipalização”2 de seus respectivos projetos técnicos pedagógicos. Dessa maneira, aponta-se a seguir, as reflexões traçadas a partir da análise das ações que cada cidade sinalizou como norteadoras do processo de municipalização do Programa.

Destarte, é preciso abordar os projetos técnicos pedagógicos que nem chegaram a mencionar as iniciativas possíveis de serem implementadas em relação à apropriação do Programa. Infelizmente, observou-se que parte dos municípios não se mostrou efetivamente atenta à continuidade das ações de esporte e lazer em seus territórios, uma vez que não indicaram nenhum projeto de continuidade ou apropriação das oficinas e eventos realizados em função do PELC. Desse modo, apesar de terem implementado o PELC, 32 municípios não apontaram em seus respectivos projetos técnicos pedagógicos, nenhuma ação concreta capaz de nortear a continuidade do Programa após o encerramento dos convênios. De forma ainda mais preocupante, quatro deles formalizaram nos próprios projetos técnicos pedagógicos, que desconheciam a possibilidade de continuidade das ações do Programa, ou seja, deixaram claro que não compreendiam uma de suas principais diretrizes.

Esse é um fator preocupante sob diversos aspectos. Primeiro porque a própria entidade convenente demonstra certo grau de desconhecimento do projeto em que está se candidatando a desenvolver, uma vez que as diretrizes do PELC são claras em relação à indução de continuidade do Programa. Segundo porque demonstra falhas na análise de viabilidade dos convênios, na medida que o governo federal autoriza a execução de parcerias que, de alguma maneira, apresentam um desnivelamento em relação ao entendimento de princípios básicos do Programa. Ao identificar lacunas estruturais nos projetos técnicos pedagógicos, a esfera federal poderia estabelecer um diálogo junto aos municípios, na intenção de elucidá-las e, consequentemente, criar momentos para alinhamento de expectativas entre os atores envolvidos. Por apresentar expertise na condução do Programa, o então Ministério do Esporte seria capaz de se antecipar em relação às falhas de planejamento identificadas, aumentando o potencial de sucesso dos convênios. Tal iniciativa potencializaria, por exemplo, a redução do volume de dúvidas e incertezas comuns de serem verificadas nos processos de formação do Programa.

A esse respeito, cabe esclarecer que uma das diretrizes do PELC é a formação continuada de todos os seus atores, inclusive aqueles que, mesmo indiretamente, o influenciam, como lideranças comunitárias, legisladores e demais parceiros da esfera pública. Trata-se de um momento para disseminação das diretrizes e concepções que nortearão as ações do Programa, potencializando seu entendimento por par da população e, possivelmente, seu sucesso operacional. É importante ressaltar que a formação é uma dimensão central à proposta do PELC, uma vez que se configura como ferramenta pedagógica para o desenvolvimento de políticas locais que tratem o esporte e o lazer como direitos sociais. Pintos (2018) esclarece que essa iniciativa envolve a formação por meio de módulos presenciais ao longo da vigência dos convênios, tendo incorporado recentemente as capacitações gerenciais e a formação à distância.

Na esteira dessa reflexão, Echer (2017) destaca a necessidade de maior aproximação do órgão federal gestor do Programa, junto às entidades proponentes. Isso, além de viabilizar celeridade na execução dos convênios, favorece que as formações sejam mais plenas em suas especificidades, sem que se faça necessário o trato de aspectos burocráticos. Logo, o volume das cargas horárias de cada formação seria preenchido predominantemente pela ação pedagógica do formador, potencializando-a como catalizadora dos objetivos a serem engajados junto aos agentes sociais, gestores e até mesmo beneficiários. A simples inserção de propostas de continuidade para as atividades do Programa não pode ser tida como garantia para tal. Entretanto, de alguma maneira, sistematizam, orientam e geram certo comprometimento nos atores envolvidos, e fornecem elementos às próprias entidades de controle social, sobre os caminhos possíveis de serem seguidos.

Todavia, todo o processo de estruturação do planejamento deve ser levado em consideração, tendo em vista que sua construção se dá de forma gradativa e, em alguma medida, é fruto das experiências pregressas do município em relação às políticas de esporte e lazer. Nessa perspectiva, uma questão em particular chamou atenção, quando da análise dos projetos desenvolvidos pelas cidades do estado do Piauí. Dos 18 projetos técnicos pedagógicos analisados deste estado, 16 deles apresentaram conteúdo praticamente idêntico, variando apenas os dados demográficos de cada município. Tal constatação pode apontar para alguns problemas gerenciais das administrações locais, sendo o principal deles, a dificuldade de se estabelecer nos PTPs, a identidade cultural dos municípios que, por serem diferentes, apresentam características e demandas diversificadas.

Unificar, portanto, as estratégias gerenciais das administrações públicas, pode afastar as políticas locais do interesse coletivo e da valoração do processo histórico que constitui os hábitos, símbolos e significados atribuídos às práticas de esporte e lazer nos diferentes territórios nacionais. O panorama identificado sugere que não houve, de fato, um debate crítico sobre a questão, sendo possível inferir que a elaboração dos documentos de planejamento foi desenvolvida apenas para o atendimento de exigências burocráticas. Somado a isso, também é possível especular a existência de entes privados com expertise na formulação de projetos, que podem atuar na captação de municípios para mercantilizarem seus processos de formulação. É preciso ter em mente que a presença de relações comerciais / profissionais em si, não pode ser vista como problema, afinal, a atuação de consultores em políticas de esporte e lazer seria capaz de qualificar as reflexões locais acerca das estratégias a serem adotadas no campo.

Não obstante, o possível emprego de uma abordagem intencionada apenas na captação de recursos financeiros, por meio da reprodução integral de projetos, sugere o afastamento do interesse público, não se apresentando como uma iniciativa desejável. Trata-se de um problema grave, na medida que a execução dos convênios não passa, efetivamente, por um planejamento profissional e comprometido com a qualificação das políticas sociais. Para mais, a adoção deste expediente aponta para um possível limite nas próprias administrações municipais, especialmente em cidades de pequeno porte, que apresentam dificuldades em compor quadros profissionais qualificados para elaborarem e planejarem, autonomamente, os projetos pedagógicos que celebram. Mais do que isso, também é preciso avaliar a presença de conflitos éticos entre os atores políticos da gestão pública, o que poderia reduzir a participação social no processo.

Os dados apresentados ferem as diretrizes do PELC, que prezam pela valorização da cultura local, a participação e a educação popular. Nesse sentido, sugere-se a criação de mecanismos que evitem a ocorrência desse tipo de iniciativa, e que também confiram maior rigidez e critério aos processos de construção e análise dos projetos técnicos pedagógicos. Sob esse prisma, é preciso refletir sobre o impacto causado pela ocorrência de projetos modelo, a serem implementados em diferentes cidades. A ocorrência desse tipo de situação resulta na ideia de que os atores que planejam as ações, não são os mesmos que a executam, o que pode abrir espaço para lacunas gerenciais e operacionais que limitem, ou até mesmo impeçam, o alcance dos objetivos almejados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das informações e análises compartilhadas, entende-se ser necessário abordar as políticas públicas de esporte e lazer de maneira ampla, sobretudo no que diz respeito aos resultados e impactos sociais esperados a partir de sua implementação nos municípios brasileiros. Não se tem a pretensão, ou a ingenuidade, de sugerir a busca por consensos acerca do tema, mas atualmente o cenário político e institucional requer a ruptura com a cultura das políticas de governo. Isso significa dizer que, no Brasil, é preciso retomar a lógica do desenvolvimento de políticas sociais pautadas pela justiça social e, principalmente, pelo bem-estar social de toda a população. Não existe, ou deveria existir, espaço para substituições de projetos e programas, simplesmente pela capitalização de capital político ou de qualquer natureza. O PELC, por se tratar de um programa institucionalizado desde 2003, aproxima-se desta concepção e tem apresentado evoluções significativas em relação às políticas de esporte e lazer.

Todavia, não se pode negar que ainda existem caminhos possíveis de serem percorridos, para o enfrentamento e a resolução das mazelas que persistem em permear o cotidiano do Programa. É nesse bojo que se consideram possíveis as contribuições dessa pesquisa, em relação ao aprimoramento das ações até aqui desenvolvidas. O pano de fundo para as análises em curso está na diretriz de municipalização do PELC, ou seja, na lógica de indução por parte do governo federal, para que os municípios desenvolvam suas políticas sociais autonomamente. Nessa perspectiva, é preciso valorizar o processo de planejamento das políticas públicas, não o concebendo como mera formalidade ou mecanismo burocrático. Isso vale para os proponentes, mas também para os responsáveis por avaliar as propostas encaminhadas ao governo federal. Após a análise de todos os documentos, ficou evidente que muitas lacunas operacionais poderiam ser previstas antes mesmo do início das ações pactuadas nos convênios. Afinal, como é possível almejar por algo que sequer foi considerado em um planejamento?

REFERÊNCIAS

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1É imperativo destacar que, no interregno desta pesquisa, a transição de governo em nível federal, ocorrida em 2019, promoveu mudanças significativas acerca da estrutura gerencial do esporte e do lazer no Brasil. Em janeiro de 2019, o governo bolsonariano extinguiu algumas pastas administrativas, sendo uma delas o Ministério do Esporte, que adquiriu status de secretaria especial do esporte no recém criado Ministério da Cidadania.

2Nos projetos técnicos pedagógicos de cada convênio, aponta-se o campo de municipalização que, em síntese, é destinado à descrição das estratégias que serão adotadas pelos municípios para assumirem autonomamente políticas, programas e projetos de esporte e lazer.

AGRADECIMENTOS Sem agradecimentos especiais

FINANCIAMENTO Não se aplica

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Apesar do recorte expresso no presente artigo não envolver pesquisas diretas com seres humanos, o projeto de pesquisa global foi aprovado pelo CEP da Universidade Federal de Minas Gerais via CAAE 60385316.1.00005149, sob o nº. 2.131.962

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITOR DE SEÇÃO Bianca Poffo

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Kelli Barreto

Recebido: 28 de Abril de 2020; Aceito: 17 de Agosto de 2020

bruno.ungheri@ufop.edu.br

helderisayama@yahoo.com.br

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica

CONFLITO DE INTERESSES

Não existem conflitos de interesses expressos a partir da pesquisa em tela

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