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INTRODUÇÃO
Este artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado profissional na área de ensino e tem por objetivo identificar a influência das abordagens renovadoras (DARIDO, 2003) em concursos públicos realizados no município do Rio de Janeiro. Desde a introdução da disciplina na escola com o termo adestramento físico na Constituição Federal de 1937, à sua integração a proposta pedagógica da escola com os Parâmetros Curriculares Nacional - PCN (BRASIL, 1998) e a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2018), a Educação Física passou por momentos históricos que buscaram a ampliação da visão físico-técnica da disciplina para uma visão do ser humano como um ser holístico.
Nesse cenário, surgiram diversas maneiras de se entender a Educação Física. Darido (2003) e Darido e Rangel (2008) organizaram as abordagens basicamente em dois grupos, as Tradicionais e as Renovadoras, estas buscavam romper com o legado tecnicista da disciplina. As autoras destacam que as Abordagens Renovadoras surgem a partir do final dos anos 1970, e início da década de 1980, conhecido como período de crise da Educação Física (DARIDO, 2003), aumentando-se a produção de pesquisas e estudos na tentativa de fundamentar a Educação Física Escolar, visando romper com o ensino técnico (linear) esportivista e biológico, envolvendo-se com questões política pedagógicas da Educação Física.
Abordagens Renovadoras da Educação Física
As Abordagens Renovadoras possuem um ponto em comum, a tentativa de romper com o legado esportivista/tecnicista da disciplina (COLETIVO DE AUTORES, 2012; DARIDO; RANGEL, 2008; VICENTE, 2019), porém, se diferenciam em suas bases teóricas. Assim, procuramos agrupar as Abordagens a partir do nosso entendimento sobre a Pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2012) e a Tendência Crítico-Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 2012) em acríticas, críticas e pós-críticas.
Reiteramos que nosso objetivo não é criar uma hegemonia em relação aos estudos da área ou classificar uma abordagem como melhor ou pior, partimos do ideal de um olhar voltado para a realidade social do aluno, para tanto, dividimos as abordagens de acordo com sua descrição em relação à luta de classes.
Abordagens acríticas
Neste grupo estão inseridas as abordagens que não se propõem a tecer críticas sobre a organização da sociedade em classes. Consideramos renovadoras por buscarem romper com o modelo hegemônico esportivista/tecnicista, porém, o rompimento não se deu pela discussão da organização da sociedade, da exploração da classe trabalhadora ou da interferência da ideologia capitalista no ensino. Assim, entendemos que elas superaram a visão Tradicional da mesma forma como a Escola Nova superou, influenciando os professores que trabalhavam em escolas tradicionais, mas, sem alterar significativamente a realidade social (SAVIANI, 2012).
Como exemplos podemos citar a Psicomotricidade (BRASIL, 1998; DARIDO; RANGEL, 2008), que se preocupa com o ato de aprender na totalidade (psicomotor, afetivo e cognitivo); a Desenvolvimentista (GALLAHUE; OZMUN, 2005; ROCHA, 2006; TANI, 2008), que tem o movimento como principal meio e fim da Educação Física; e a Construtivista (BRASIL, 1998), levando em consideração a construção do conhecimento partindo da interação do sujeito com o meio.
Abordagens críticas
Essas abordagens também romperam com o modelo hegemônico esportivista/tecnicista, mas fizeram isso a partir da discussão da organização da sociedade, da exploração da classe trabalhadora ou da interferência da ideologia capitalista no ensino.
Tendo em comum o fato de utilizarem um abordagem marxista, podemos citar como exemplo: as abordagens crítico-superadora (COLETIVO DE AUTORES, 2012) - fundamentada no materialismo dialético, e que se propõe a questionar um suposto caráter alienante da Educação Física por meio da superação da estrutura social imposta por grupos dominantes, utilizando o discurso da justiça social como ponto de apoio - e a crítico-emancipatória (KUNZ, 2004), que defende o ensino crítico pois é a partir dele que os alunos podem compreender a estrutura autoritária dos processos institucionalizados da sociedade, visando encaminhar o ensino para a emancipação, possibilitada pelo uso da linguagem, que tem papel importante no agir comunitário; e os PCN (BRASIL, 1998; DARIDO, 2003; DARIDO; RANGEL, 2008) que se fundamentam na formação da cidadania dos alunos, de modo que eles atuam na sociedade de maneira crítica e autônoma.
Abordagens pós-críticas
Denominamos abordagens pós-críticas aquelas que tecem críticas sobre a organização da sociedade ou a hegemonia de conteúdos europeus partindo do ponto de vista do sujeito, da sua identidade e diversidade. Nem sempre falam sobre a dominação burguesa, embora, na maioria das vezes, esse tema esteja diluído na discussão.
Como exemplo temos a citar a Cultural (DAÓLIO, 2004), propondo uma abordagem que vá além da visão reducionista de cultura das outras abordagens, considerando seu sentido amplo porque todas as manifestações corporais humanas são geradas na dinâmica cultural; os Jogos Cooperativos (BROTTO, 2001; SOLER, 2003), entendem que família, escola e a mídia, condicionam as pessoas a aceitarem a competição como algo natural, por isso utilizam os jogos para ensinar a cooperação (DARIDO, 2003); a Saúde Renovada (BRASIL, 2000; MATTOS; NEIRA, 2007), que busca o ensino para o desenvolvimento da aptidão física e da saúde no seu sentido amplo; o Multiculturalismo ou Estudos Culturais (NEIRA, 2018), propondo um ensino não-sistematizado, defendendo um currículo composto por grupos minoritários e majoritários.
Tipo Ideal
Utilizamos o conceito de tipo-ideal weberiano para interpretar as respostas sobre currículo que os participantes da pesquisa deram ao questionário. O tipo-ideal é a construção de um fragmento ou reflexo da realidade, ou seja, uma construção teórica que não existe no concreto, por isso, ele não é utilizado como um modelo a ser seguido, mas como compreensão da realidade investigada (ALVARENGA, 2019; ARAÚJO, 2019; BATISTA, 2019; TORMIN, 2019).
Utilizamos três tipos-ideais, a saber: professor tradicional - privilegia o ensino de elementos técnicos e táticos dos esportes e da ginástica, buscando o melhor rendimento; professor acrítico - se preocupa em trabalhar com os aspectos psicomotores ou motores dos alunos e com o desenvolvimento dos aspectos cognitivo, afetivo e motor. Suas aulas envolvem o trabalho com valências físicas; professor crítico - procura promover possibilidades para que os alunos possam desenvolver o raciocínio crítico, faz uso de rodas de conversa pois acredita no diálogo como forma de emancipação, tem a Cultura Corporal como conteúdo (grifo nosso).
MÉTODO
Procuramos, através dos instrumentos de coleta de dados, conhecer as características da população composta por professores de Educação Física, procurando entender a relação entre teoria e prática das Abordagens Renovadoras. Tratou-se de um estudo de tipo transversal, por analisar um ponto específico num dado momento, desenvolvido por levantamento de dados e questionário em uma perspectiva qualitativa.
Escolhemos a perspectiva qualitativa procurando levantar suposições consistentes com a sociedade, o ser humano, o objeto de estudo e o método (MOREIRA, 2011). Assim, estabelecemos três pontos: 1. damos ênfase a interpretação; 2. não existe neutralidade na pesquisa; 3. procuramos levar em consideração a totalidade (IVENICKI; CANEN, 2016).
Iniciamos analisando a bibliografia dos editais de concursos públicos voltados para professores de Educação Física. Os critérios de inclusão para análise das bibliografias foram: 1. ser concurso para provimento de cargos efetivos; 2. ter sido realizado nos últimos 10 anos (2010-2019); 3. ter unidades escolares no município do Rio de Janeiro.
Após a consideração dos critérios de inclusão, definimos os editais dos concursos do Colégio Pedro II, nos anos de 2013, 2014, 2016 e 2018, da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro 2011, 2013, 2014 e da Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro 2010, 2015. Ao analisar os editais, consideramos a temática principal da fonte e procuramos contar o número de ocorrências, identificando um total de 187 referências bibliográficas na parte específica dos concursos.
Separamos as referências em cinco grandes grupos: 1. Abordagens Renovadoras apresentadas por Darido (2003), a saber: Desenvolvimentista, Construtivista, Crítico-Superadora, Sistêmica, Psicomotricidade, Crítico-Emancipatória, Cultural, Jogos Cooperativos, Saúde Renovada e PCN, acrescentamos o Multiculturalismo como Abordagem; 2. Concepções abertas; 3. Literaturas que analisam múltiplas dimensões do esporte; 4. Literaturas que apresentem, além de outros assuntos, as Abordagens Renovadoras, descrevendo-as e/ou discutindo-as; 5. outras temáticas (Fisiologia, Corpo, Inclusão, Referencial, Avaliação, Didática, Gênero, Currículo, Saúde, Orientações Curriculares, Temas Transversais).
Para a segunda parte utilizamos um questionário fechado por possibilitar a “obtenção de dados a partir do ponto de vista dos pesquisados” (GIL, 2010, p. 103). Como critérios de inclusão estabelecemos: possuir formação na área de Educação Física; aceitar o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE); e ter disponibilidade para responder o questionário. Para os critérios de exclusão observamos: professores que não responderam 90% das perguntas; professores que não tinham formação na área; e professores que não concordaram com o termo de consentimento livre e esclarecido.
Testamos o instrumento aplicando a professores do Laboratório de Pesquisa e Extensão em Educação Física e Sociedade (LAPEEFS) do Colégio Pedro II para que avaliassem as questões e sugerissem alterações na redação3 o grupo é composto por dois doutores e quatro mestres. Feita essa etapa, corrigimos a redação de algumas questões e inserimos na plataforma survey monkey, que possibilita a análise dos dados e os cruzamentos entre questões.
O questionário foi compartilhado através de plataformas de relacionamento como Facebook e WhatsApp aplicando a técnica conhecida por bola de neve (ALVES-MAZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2004) que compreende a indicação de participantes para esta etapa por outros participantes até que seja redundante, ou seja, até que os indicados sejam os mesmos. Essa aplicação ocorreu entre os dias 03/06/2019 e 31/07/2019. O campo de pesquisa foi composto por escolas públicas das esferas federal, municipal, estadual e privadas.
Para responder as questões, os participantes deveriam marcar a opção “sim” na primeira questão e confirmar a aceitação dos termos do TCLE, com a possibilidade de baixá-lo. Naquele documento apresentamos os riscos e benefícios da participação na pesquisa. Toda pesquisa oferece algum tipo de risco. Nesta, o risco pode ser avaliado como mínimo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Sobre os concursos públicos
Após separarmos as 187 referências nos cinco grupos apresentados encontramos o seguinte quantitativo: Abordagens Renovadoras com 95 ocorrências, Apresentação das Abordagens com 14, Concepções Abertas com 6, Esporte com 16 e o grupo com outras temáticas com 56, representados pela figura 1:
Analisando exclusivamente as referências sobre as Abordagens Renovadoras, das 95 ocorrências, encontramos a seguinte distribuição: Desenvolvimentista com 18, construtivista com 8, Crítico-Superadora com 10, Sistêmica com nenhuma ocorrência, Psicomotricidade com 7, Crítico-emancipatória com 9, Cultural com 13, Jogos Cooperativos com 6, Saúde Renovada com 5, PCN com 15 e o Multiculturalismo com 4, representadas pela figura 2:
Fonte: Elaborado pelo Autor (2019)
Figura 2 Porcentagem de cada abordagem dentro do grupo das Abordagens Renovadoras.
Sobre o quadro geral das referências: 50,8% delas envolvem as Abordagens Renovadoras, ou como apresentação da abordagem, ou como influência direta no embasamento da literatura; outros 7,5% procuram apresentar, descrevendo e/ou as discutindo.
Especificamente sobre Abordagens Renovadoras, as que mais aparecem em concursos são: a Desenvolvimentista, com 19 %; os PCN, com 15,8%; a Cultural, com 13,7%; e a Crítico-Superadora, com 10,5%. Não encontramos ocorrências da abordagem Sistêmica. É provável que, por ser a mais nova, a abordagem Multiculturalismo tenha apresentado poucas ocorrências, porém, aparece em 4% da literatura das abordagens.
Sobre a aplicação prática das Abordagens Renovadoras, Correia (2012, p. 175) constata que
[...] a maioria das abordagens e tendências implica uma precária densidade exemplificadora, prescritiva e elucidativa, cujas linguagens e estruturas são demasiadamente generalistas do ponto de vista do esclarecimento dos objetivos, conteúdos, estratégias, métodos, avaliação etc. Aqui ressaltamos que não se trata de nenhuma apologia às chamadas “receitas de bolo”, o que para o processo evolutivo da área, não seria um absurdo.
É necessário que as Abordagens partam da vivência de todos os envolvidos no processo considerando a relação dialógica do processo ensino/aprendizagem pois “o exercício é da construção das abordagens de ensino a partir da escola, e não do gabinete ou departamento, sem querer se constituir em tendência ou hegemonia” (CORREIA, 2012, p. 177). Assim, todo projeto que se propõe uma concepção de ensino, deve considerar seu público-alvo, procurando estabelecer relações com o mundo vivido do sujeito.
Sobre o questionário
Participaram da pesquisa 97 pessoas, sendo 60 homens e 37 mulheres. 43 participantes se formaram entre 2001 e 2009, 22 a partir de 2010, 16 entre 1991 e 200 e outros 16 entre 1971 e 1990. 51 participantes se formaram em instituição privada, 45 em pública e 1 participantes cursou parte em instituição privada e parte em pública.
Sobre a esfera em que trabalham, a maioria trabalha na rede municipal, sendo 46 participantes (13 também trabalham na rede estadual e 7 na rede privada), 31 participantes trabalham na rede privada (5 também trabalham na rede estadual e 7 na municipal), 29 na rede estadual (13 também na rede municipal e 5 na privada) e 12 na rede federal.
Encontramos um dado interessante ao cruzar as respostas sobre as redes de ensino e o tipo de instituição de formação. Dos 46 participantes da rede pública municipal 23 se formaram em instituição pública e 23 em instituição privada; dos 29 participantes da rede pública estadual, 14 (48,28%) se formaram em instituição pública e 15 (51,72%) se formaram em instituição privada; dos 31 participantes que trabalham na rede privada, 74,19% se formaram em instituições privadas, 22,58% em instituições públicas e 3,23% fez parte da sua formação em pública e parte em instituição privada; e dos 12 participantes da rede federal, 9 (75%) se formaram em instituição pública e 3 (25%) em instituição privada. Para compreender as diferenças percentuais entre o serviço público e o privado é necessário um estudo mais aprofundado na temática, por hora, o que podemos entender é que existe diferença entre os currículos das universidades públicas e as privadas.
Sobre o nível de formação dos participantes, a maioria possui especialização (43 participantes), 23 possuem o mestrado, 6 o doutorado, 17 a licenciatura plena (antes da divisão do currículo era a formação que contemplava conjuntamente os cursos de licenciatura e bacharelado), 5 a licenciatura e 2 o bacharelado. 96 participantes responderam essa questão e 1 se absteve. Ao serem perguntados sobre os níveis de ensino em que trabalham os participantes puderam escolher mais de uma opção de resposta, assim, 95 participantes responderam e dois se abstiveram. Totalizando: 73 participantes no Ensino Fundamental, 45 no médio, 30 da Educação Infantil, 16 na Graduação, 8 na lato senso, 4 na stricto senso, 3 no ensino profissionalizante
Perguntamos aos participantes qual seria a visão de currículo que eles possuem, podendo marcar mais de uma opção, assim, tivemos uma abstenção e 96 respondentes, destes, 66 participantes (68,75%) dizem que Conhecimento cultural se encaixa em sua visão de currículo, 62 participantes (64,58%) a Função Social, 51 participantes (53,13%) o Desenvolvimento de habilidades motoras, 42 participantes (43,75%) o Conhecimento sobre os esportes e 24 participantes (25%) a explicação de técnicas desportivas.
Separamos por rede de ensino e elaboramos a tab. 1, comparando as visões que os participantes têm sobre o currículo. Ao observarmos separadamente por rede de ensino, as respostas praticamente se assemelham. No município 21,74%, bem como no estado 20,69% e na rede privada, 32,26%, a ‘explicação de técnicas desportivas’ continuou sendo a que menos foi marcada como visão de currículo. Na rede Federal foi identificada como sendo a de menor ocorrência sobre visão de currículo o ‘conhecimento sobre esportes’ com 16,67%.
Acompanhando a visão de currículo com maior percentual no geral, todas os participantes das diversas redes de ensino apontaram o ‘conhecimento cultural’ sendo a mais marcada, o municipal com 78,26% e o estadual 65,52%, porém, foi encontrada uma diferença nas redes privada e federal que colocaram como o mesmo valor para conhecimento cultural e função social, na rede privada 64,52% e na rede Federal 66,67%.
Tabela 1 Comparação, por redes de ensino, da visão de currículo
| Visão de currículo | Geral | Municipal | Estadual | Rede privada | Federal | |||||
| f* | n** | f | n | f | n | f | n | f | n | |
| Explicação das técnicas desportivas | 25,00% | 24 | 21,74% | 10 | 20,69% | 6 | 32,26% | 10 | 25,00% | 3 |
| Desenvolvimento de habilidades motoras | 53,13% | 51 | 52,17% | 24 | 51,72% | 15 | 67,74% | 21 | 25,00% | 3 |
| Conhecimento cultural | 68,75% | 66 | 78,26% | 36 | 65,52% | 19 | 64,52% | 20 | 66,67% | 8 |
| Função Social | 64,58% | 62 | 63,04% | 29 | 62,07% | 18 | 64,52% | 20 | 66,67% | 8 |
| Conhecimento sobre esportes | 43,75% | 42 | 47,83% | 22 | 37,93% | 11 | 61,29% | 19 | 16,67% | 2 |
| Total de respostas | 96 | 46 | 29 | 31 | 12 | |||||
| Abstenções | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | |||||
Fonte: Elaborado pelo Autor (2019)
* Frequência de Respostas
**Número de participantes
Aprofundamos as questões sobre currículo para compreender o que os professores consideram importante para as aulas e o que de fato utilizam. Nesse momento utilizamos o tipo-ideal para ajudar na interpretação dos dados. Elaboramos frases derivadas das abordagens renovadoras e embaralhamos as assertivas para evitar a indução de respostas, como podemos observar no Quadro 1.
Fonte: Elaborado pelo autor (2019)
Quadro 1 Relação entre tipo-ideal e os graus de importância e utilização
Sobre o que os participantes consideravam importante para as aulas de Educação Física, eles poderiam classificar as frases sendo 5, se consideram importantíssimo, e 1, para a nada importante. Consideramos a média ponderada entre os cinco pontos de cada frase sendo os pesos divididos de 1 a 5 de acordo com a classificação dada pelo respondente. Se nada importante, peso 1, se importantíssimo, peso 5.
Em aspecto geral, a frase que obteve a média ponderada mais alta foi a ‘promover a ampliação do raciocínio crítico e da autonomia dos alunos’ que a princípio foi classificada como pertencente a tendência crítica. A que obteve a média ponderada mais baixa foi ‘Repetição do gesto motor com vistas ao movimento padrão’ considerada ser de uma tendência tradicional. A seguir, na Tab. 3, podemos observar as médias ponderadas de todas as frases. As frases das tendências críticas foram as que obtiveram as maiores médias, porém, as consideradas acríticas também obtiveram média acima de 4 pontos. Todas as frases das tendências tradicionais marcaram abaixo dos 4 pontos.
É importante destacar que, ao posicionarmos as frases em uma das tendências, o fizemos para facilitar a análise da questão. Tomando como exemplo a frase ‘Ensino de técnicas e táticas desportivas’. Se, isoladamente, pode ser considerada uma frase pertencente a tendência tecnicista, ao combinarmos com a frase ‘história do conteúdo com vistas a contextualização e compreensão da realidade’ pode ser que o professor que trabalha a técnica e a tática não o faça a partir da tendência tradicional.
Pelo total das médias ponderadas podemos considerar os participantes mais próximos do tipo-ideal professor crítico, com 88,66% marcando como muito importante. Os participantes se distanciaram do tipo-ideal professor tradicional, marcando, em maioria, como pouco importante ou nada importante. Acreditamos que o alto índice nas frases das tendências críticas se deve ao fato da massiva divulgação dos PCN e pela bibliografia dos concursos. Para identificar o último item, a relação dos concursos com as respostas sobre a importância das frases destacadas, combinamos as redes de trabalho com o grau de importância, consideramos que, para trabalhar na rede pública, o professor necessariamente passa por um concurso público de provas e títulos e, como mostramos anteriormente, a bibliografia é baseada nas abordagens da Educação Física, tendo o PCN como uma das referências mais utilizadas.
Tabela 2 Comparação entre os graus de importância das frases por rede de ensino
| Grupos das tendências | Tendências | Frases | Médias ponderadas | ||||
| Geral | Municipal | Estadual | Privada | Federal | |||
| Tradicionais | Higienista | Ginástica calistênica (flexões, barra, abdominais, polichinelos, agachamentos) | 2,69 | 2,72 | 3 | 2,97 | 1,83 |
| Tecnicista | Ensino de técnicas e táticas desportivas | 3,56 | 3,5 | 3,72 | 3,81 | 2,92 | |
| Repetição do gesto motor com vistas ao movimento padrão | 2,64 | 2,67 | 2,76 | 3,03 | 1,92 | ||
| Correção dos movimentos esportivos em busca do melhor rendimento | 2,88 | 2,78 | 2,97 | 3,32 | 2,42 | ||
| Acríticas | Psicomotricidade | Aspectos psicomotores (lateralidade, esquema corpora limagem corporal, equilíbrio, coordenação motora e noção espaço-temporal) | 4,52 | 4,54 | 4,59 | 4,71 | 3,83 |
| Desenvolvimento dos aspectos cognitivo, afetivo e motor do aluno | 4,57 | 4,63 | 4,62 | 4,77 | 3,67 | ||
| Desenvolvimentista | Habilidades motoras (básicas e específicas) | 4,27 | 4,26 | 4,38 | 4,61 | 3,33 | |
| Valências físicas (potência, RML, força máxima, flexibilidade, agilidade, velocidade) | 3,51 | 3,48 | 3,55 | 3,84 | 2,67 | ||
| Críticas | Superadora/ emancipatória | Rodas de conversa e/ou abertura para o diálogo sobre a influência do conteúdo no cotidiano | 4,69 | 4,72 | 4,69 | 4,68 | 4,33 |
| Promover a ampliação do raciocínio crítico e da autonomia dos alunos | 4,89 | 4,89 | 4,83 | 4,94 | 4,75 | ||
| Superadora/PCN | Conhecimento sobre a cultura corporal através dos jogos, ginásticas, danças, esportes e lutas. | 4,73 | 4,76 | 4,69 | 4,81 | 4,5 | |
| Superadora | História do conteúdo com vistas a contextualização e compreensão da realidade. | 4,51 | 4,59 | 4,52 | 4,45 | 4,25 | |
Fonte: Elaborado pelo Autor (2019)
Ao fazer essa combinação, encontramos poucas diferenças em relação ao geral. A rede privada de ensino foi a que mais pontuou nas frases do grupo das tendências tradicionais, somente ‘ginástica calistênica (flexões, barra, abdominais, polichinelos, agachamento)’ pontuou abaixo de 3 pontos. Algumas escolas da rede privada possuem um programa de desenvolvimento esportivo baseado na competição interescolas como o Intercolegial e os Jogos Estudantis, além disso, os professores das redes privadas não passam por concurso público de provas e títulos com a bibliografia voltada para as abordagens e tendências da Educação Física.
A rede Federal de ensino foi a que pontuou mais baixo para as frases tradicionais, com média ponderada, para todas as frases, abaixo de 3 pontos, e abaixo de 4 para as frases acríticas, isso pode ter ocorrido por conta da influência da abordagem multicultural. Os participantes da pesquisa que trabalham nessa rede são do Colégio Pedro II que apresenta em seu Projeto Político Pedagógico Institucional (PPPI), a abordagem mencionada, com referencial de base sendo Neira (2018).
Perguntamos aos participantes quais frases utilizavam no processo de ensino utilizando o mesmo critério da questão anterior, porém, reescrevemos as frases e fizemos um novo embaralhamento. Praticamente não foram encontradas diferenças entre o que consideram importante e o que de fato utilizavam. A maior média este no grupo das abordagens críticas, ‘procuro promover a ampliação do raciocínio crítico e da autonomia dos alunos através do diálogo’, e a menor média no grupo das abordagens tradicionais, ‘utilizo exercícios como flexões, barra, abdominais, polichinelos e agachamentos para aquecimento e/ou para desenvolvimento físico’. A rede privada apresenta como abordagem mais utilizada a da psicomotricidade.
Tabela 3 Comparação entre os graus de utilização das frases por rede de ensino
| Grupos das tendências | Tendências | Frases | Médias ponderadas | ||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Geral | Municipal | Estadual | Privado | Federal | |||
| Tradicionais | Higienista | Utilizo exercícios como flexões, barra, abdominais, polichinelos e agachamentos para aquecimento e/ou para desenvolvimento físico | 1,93 | 1,85 | 2,14 | 2,27 | 1,58 |
| Tecnicista | Busco por um melhor rendimento esportivo | 2,13 | 2,07 | 2,07 | 2,53 | 1,64 | |
| Corrijo movimentos visando o padrão de movimento | 2,63 | 2,48 | 2,76 | 3,19 | 2,08 | ||
| Explico as técnicas e táticas desportivas | 2,92 | 2,71 | 2,83 | 3,45 | 2,75 | ||
| Acríticas | Psicomotricidade | Dou ênfase no desenvolvimento de habilidades como lateralidade, esquema corpora limagem corporal, equilíbrio, coordenação motora e noção espaço-temporal | 4,01 | 4,07 | 4,07 | 4,39 | 2,92 |
| Planejo as aulas pensando no desenvolvimento dos aspectos cognitivo, afetivo e motor do aluno | 4,38 | 4,37 | 4,45 | 4,58 | 3,58 | ||
| Desenvolvimentista | Me preocupo com o desenvolvimento das habilidades motoras (básicas e específicas) | 3,89 | 3,96 | 4 | 4,29 | 2,75 | |
| Procuro proporcionar o desenvolvimento das valências físicas (potência, RML, força máxima, flexibilidade, agilidade, velocidade) | 2,89 | 2,89 | 3 | 3,45 | 2 | ||
| Críticas | Superadora/ emancipatória | Utilizo rodas de conversa, possibilitando o diálogo, para discutir sobre a influência do conteúdo no cotidiano | 4,32 | 4,24 | 4,48 | 4,32 | 4,5 |
| Procuro promover a ampliação do raciocínio crítico e da autonomia dos alunos através do diálogo | 4,56 | 4,57 | 4,72 | 4,45 | 4,5 | ||
| Superadora/PCN | Planejo a aula visando os elementos da cultura corporal (jogos, ginásticas, danças, esportes e lutas) | 4,4 | 4,3 | 4,45 | 4,45 | 4,33 | |
| Superadora | Ao iniciar um conteúdo procuro exemplificar a história do mesmo com vistas a contextualização e compreensão da realidade. | 4,21 | 4,2 | 4,38 | 4,03 | 4,5 | |
Fonte: Elaborado pelo Autor (2019)
Em relação ao grau de importância, os participantes se aproximam do tipo-ideal professor crítico, entendemos ser por conta da influência dos PCN. Sobre o grau de importância, os participantes mantêm o professor crítico, porém, os participantes da rede privada de ensino, se aproximam mais do professor acrítico, principalmente pela abordagem da Psicomotricidade.
CONCLUSÃO
Levando em consideração os trabalhos publicados nas diferentes áreas da Educação Física e o crescente número relacionado a pesquisas de áreas não biológicas (ROSA; LETA, 2010; SILVA, 2013, CORRÊA et al, 2017), consideramos pertinente o estudo sobre a prática das Abordagens Renovadoras. Mais da metade da literatura utilizada em concursos públicos no Rio de Janeiro que tenham escolas no município, exigem que seus professores, ao prestarem o concurso, dominem as Abordagens Renovadoras.
Com exceção da rede privada, que se aproxima do professor acrítico, em relação ao grau de utilização, e apresenta um uso maior de frases relacionadas ao esporte, os participantes da pesquisa se aproximaram do professor crítico, independentemente do tipo de instituição de formação. Ora, o professor crítico é aquele que, além de proporcionar aos alunos a possibilidade da leitura crítica da realidade, também o faz. Assim, poderíamos considerar que o ensino é baseado na perspectiva crítica, porém, observando empiricamente, não conseguimos identificar uma aprendizagem crítica. Por isso destacamos a necessidade de duas frentes de pesquisa, uma voltada a aprendizagem crítica, onde seria interessante verificar como os alunos compreendem e apreendem o ensino crítico; e outra pesquisa voltada ao professor, como é sua formação, como se deu a relação com o estágio supervisionado, identificar se foi uma formação crítica e qual a relação dela com o seu cotidiano.
Sobre as frases que geralmente utilizam com o conteúdo esporte, como “explicação das técnicas desportivas”, compreendemos que o ensino do que é considerado clássico da Educação Física não pode ser esquecido, os conteúdos clássicos devem ser ensinados a classe trabalhadora para que tenham acesso ao mesmo saber que a burguesia com a finalidade de instrumentação para a luta de classes (SAVIANI, 2012). Nos posicionamos a favor do ensino público, por isso procuramos compreender como a aplicação das abordagens influencia o ensino em Educação Física Escolar.
Procuramos não hierarquizar as abordagens como melhores ou piores, ou completas e incompletas. Nosso intuito foi o de estabelecer a relação teoria (o que é pedido nos concursos) com a prática (o que acontece no chão da escola), assim, concluímos que, ainda que confusas, as abordagens aparecem no discurso dos participantes, principalmente aquelas que se relacionam direto com os PCN e com a Psicomotricidade.
