INTRODUÇÃO
Várias áreas do conhecimento ou artísticas oferecem premiações para as suas melhores realizações, o prêmio Nobel, por exemplo, é dividido em cinco categorias: Química, Física, Fisiologia ou Medicina, Literatura e Paz. No cinema, existe o Oscar, a Palma de Ouro e o Urso de Ouro. Na publicidade, existe o Ame Awards e na música o Grammy. Tais premiações são uma forma de valorização dos feitos profissionais e são amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Na educação, os prêmios internacionais para professores não têm tanta tradição, somente em 2015 é que foi criado pela fundação Varkey, o Global Teacher Prize (Prêmio Professor Global), que oferece a premiação de um milhão de dólares para um professor que realiza um trabalho de alto impacto social.
No Brasil, há prêmios para professores como o “Professores do Brasil”, do Ministério da Educação, a premiação do programa “Construindo a igualdade de gênero” do CNPq, que tem uma categoria de práticas pedagógicas e o prêmio Educador Nota 10. Este último foi criado em 1998, pela Fundação Victor Civita, e tem como propósito reconhecer, valorizar e divulgar experiências educativas inclusivas, equitativas e de qualidade. Podem se candidatar gestores e professores de diferentes componentes curriculares, que atuam na Educação Infantil, no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio.
No campo acadêmico da educação física é possível encontrar pesquisas que analisaram as práticas consideradas inovadoras, exitosas, boas, mas existe uma lacuna em relação as práticas pedagógicas que receberam premiações. No que tange as práticas inovadoras na educação física, pesquisas anteriores (ALMEIDA, 2017; FARIA et al., 2010; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; GODOI et al., 2021; MALDONADO et al., 2018; SILVA; BRACHT, 2012) revelaram algumas características comuns dessas práticas, como: a ampliação dos conteúdos para além dos esportes tradicionais; a adaptação dos conteúdos ao contexto escolar por meio da problematização, contextualização, transposição didática e articulação teoria e prática; a organização dos conteúdos de forma progressiva e sistematizada; a consideração dos alunos como sujeitos de conhecimento, envolvendo-os na cogestão das aulas e implicando-os nas decisões do que, do como ensinar e no ato de avaliar; a utilização de diferentes estratégias didáticas de planejamento, de ensino e de avaliação; articulam a educação física de forma mais orgânica ao projeto político-pedagógico da escola.
Essas características não precisam estar presentes em sua totalidade, mas quando emergem nas práticas pedagógicas caracterizam uma ruptura com a concepção tradicional de educação física e com a noção de “atividade”, evoluindo para uma concepção de disciplina curricular (ALMEIDA, 2017; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; SILVA; BRACHT, 2012). Vale notar que que a inovação não é obra do acaso, mas é um investimento dos professores e um processo, os docentes que inovam ou que estão em busca da inovação alteram suas competências e expandem seus conhecimentos e habilidades sobre o ensino continuamente. Além disso, eles têm um forte compromisso educacional com seus alunos e comunidades (GODOI et al., 2021).
Com base nestas considerações, o propósito deste estudo foi investigar as práticas pedagógicas e a didática dos professores vencedores. Notadamente, as unidades temáticas (conteúdos) e as estratégias didáticas utilizadas em relação ao planejamento, ao ensino e à avaliação, buscando identificar se tais práticas se caracterizam como inovadoras, segundo a literatura da área. A relevância desse estudo pode ser apresentada tendo em vista o processo de análise de casos de ensino validados e socialmente reconhecidos, bem como pela escassez de estudos abordando esse tema especificamente.
METODOLOGIA
Quanto a metodologia, este é um estudo qualitativo, descritivo, de casos múltiplos ou multicasos, o que possibilita uma confiabilidade maior que os estudos de casos únicos. Este tipo de estudo permite descobrir convergências ou semelhanças entre vários casos ou as particularidades de cada caso (YIN, 2015).
Nesta pesquisa, os casos serão constituídos pela descrição da prática pedagógica dos vencedores do Educador Nota 10. A organização desse prêmio produz um vídeo de cada finalista, com duração média de três minutos, apresentando o professor e sua prática pedagógica, o que permitiu identificar a sequência didática dos projetos desenvolvidos.
Neste sentido, estes vídeos constituiram o material de análise das práticas declaradas nos vídeos dos professores vencedores do Prêmio Educador Nota 10, disponibilizados no site deste prêmio (premioeducadornota10.org) e também no YouTube. É importante notar que as práticas pedagógicas dos professores nas escolas provavelmente foram mais abrangentes do que as que foram retratadas nos vídeos.
O quadro 1 a seguir, apresenta os vencedores do prêmio na disciplina de educação física.
Dentre os vencedores, cinco são mulheres e cinco são homens, nove são do estado de São Paulo e apenas uma professora é de Minas Gerais. Não foi possível localizar os vencedores dos anos 2016, 2014, 2012, 2008 no site do evento, ou ainda, não houve premiados na área de educação física. Ademais, o site do prêmio não informa os vencedores desta área em 2007 ou anteriormente. Todos os projetos premiados foram desenvolvidos com turmas do Ensino Fundamental, até hoje não houve vencedores da educação física com projetos na Educação Infantil ou no Ensino Médio.
Para complementar as informações sobre os vencedores, foi realizada uma busca no currículo Lattes e no site Escavador sobre a formação profissional dos vencedores e o tempo de experiência no magistério no ano da premiação. Estas informações são apresentadas no quadro 2.
Todos os dez vencedores são licenciados em educação física e alguns deles também têm bacharelado na área e outras formações como por exemplo, em pedagogia. Seis professores estudaram em instituições públicas e quatro em instituições privadas. No ano em que foram premiados, dois professores tinham até cinco anos de experiência, cinco deles tinham entre seis e dez anos e dois professores tinham 12 anos no magistério.
Neste sentido, os professores premiados tinham passado a fase de entrada na carreira, caracterizada pelas dificuldades de sobrevivência e descoberta do ofício. Em termos cronológicos, estavam num momento de estabilização, caracterizado pelo sentimento de competência pedagógica crescente, ou na fase de diversificação e experimentação de novos métodos de trabalho (HUBERMAN, 1995; GONÇALVES, 1995). Outro aspecto que chama a atenção é o fato dos vencedores terem investido na formação de pós-gradução, seja lato-sensu (especialização) ou strictu-sensu (mestrado e doutorado).
Para a análise das informações, num primeiro momento, os vídeos com as práticas dos vencedores foram transcritos e revisados. Em seguida, realizou-se a leitura do material e utilizou-se a análise temática continuada (PAILLÉ; MUCHIELLI, 2012), para constituir quadros temáticos a partir das categorias emergentes do corpus, ou seja, a medida que novas categorias surgiam, elas eram acrescentadas na análise. Esses quadros, foram construídos para analisar as unidades temáticas (conteúdos da educação física) abordadas e as estratégias didáticas utilizadas pelos professores, estas que foram divididas em estratégias de planejamento, de ensino e de avaliação. Estes quadros permitiram uma comparação entre os casos estudados. Posteriormente, os resultados foram discutidos com base na literatura sobre a inovação na educação física escolar.
Caso 1: professora Suzi Rocha, vencedora em 2020
A professora Suzi Dornelas Rocha desenvolveu o projeto “Jogos e brincadeiras africanas nas aulas de educação física” com turmas do Ensino Fundamental I. Ela explicou as bases e o objetivo do projeto, que foi:
[...] buscar a valorização das culturas africanas e afro-brasileira no contexto escolar, mais precisamente nas aulas de educação física, onde esse conhecimento era muito restrito. A cada aula eles “viajavam” para um país do continente africano e aprendiam por meio de um jogo, uma brincadeira, uma dança, elementos históricos, culturais e, junto com esses conhecimentos eles aprendiam uma brincadeira ou um jogo diferente (ROCHA, 2020).
Dentre as estratégias utilizadas pela professora, ela presentou os alunos com um caderno de desenho que serviu como diário de bordo, onde eles desenhavam e anotavam suas pesquisas, experiências e aprendizado, aprofundando assim, seus conhecimentos sobre a cultura africana. Além disso, neste projeto, Suzi integrou outras áreas do conhecimento de forma interdisciplinar e contou com a colaboração de familiares e outras professoras.
O vídeo do projeto mostra Suzi folheando livros de literatura infantil sobre a cultura africana, um varal com fotografias do projeto, painéis com pinturas e desenhos das bandeiras dos países africanos, uma mesa com objetos e artefatos, um cardápio de comidas típicas e fotos de pessoas se servindo numa mesa com comidas de origem africana ou afro-brasileira na escola.
Segundo a professora, os jogos e brincadeiras eram um meio para apresentar o conteúdo de forma lúdica e interessante. Ela também organizou um festival para que os alunos compartilhassem suas experiências com o projeto, eles foram divididos em comissões que tomavam decisões e trabalharam na organização deste evento. Suzi ainda disse: “Eu acredito que esse festival contribuiu para que as crianças reconhecessem as raízes brasileiras e valorizassem a ancestralidade cultural africana presente no cotidiano de famílias negras e não negras” (ROCHA, 2020), ou seja, é uma experiência significativa para os alunos. Ademais, ela acrescenta que as aulas de educação física não podem ficar restritas às práticas esportivas, defende que os professores precisam contribuir para a mudança social, por meio do diálogo com os alunos.
Caso 2: professor Luiz Gustavo, vencedor em 2019
O professor Luiz Gustavo desenvolveu o projeto “Ressignificando as visões de corpo”, com turmas do Ensino Fundamental I. Ele explicou o início deste projeto:
Tradicionalmente as aulas de educação física compreendem o corpo de diferentes formas vinculadas a aspectos biológicos, anatômicos, partes do corpo, mas eu queria ir além, queria que os alunos compreendessem mais os próprios corpos, então eu realizei uma pesquisa perguntando sobre o que eles achavam dos próprios corpos, e as respostas dos alunos foram muito negativas e isso me motivou a desenvolver um projeto que compreendesse mais esse corpo (RUFINO, 2019).
Para isso, o professor organizou o projeto em eixos, o primeiro intitulado “Eu, meu corpo e a minha história” foi iniciado com uma roda de conversa sobre um trecho do poema “Janela sobre o corpo”, de Eduardo Galeano. Os alunos leram o poema: “A igreja diz: o corpo é uma culpa. A ciência diz: o corpo é uma máquina. A publicidade diz: o corpo é um negócio. E o corpo diz, eu sou uma festa”. Ainda nessa etapa, foram realizadas atividades de corrida, ginástica e circo, especificamente, os malabares, nos quais o corpo é desafiado a novas formas de se movimentar.
No eixo do projeto “O outro e seu corpo” o objetivo foi relacionar como a identidade do corpo é construída na relação com o outro. Para isso, os alunos desenharam as silhuetas dos próprios corpos na quadra e foram realizadas atividades com perna de pau, em que os alunos necessitavam da ajuda do colega para se movimentar e se expressar.
No terceiro eixo, que teve como título “O corpo e suas potencialidades e limitações”, foram desenvolvidos exercícios com restrição de mobilidade e visão, algumas práticas de parkour, objetivando que os alunos percebessem que existem muitas potencialidades dentro das possíveis limitações. Segundo o professor Luiz Gustavo:
Em todas as etapas foi muito importante que os alunos refletissem sobre todas as atividades desenvolvidas, então, nós amarramos as diferentes temáticas com atividades de reflexão e de construção de novas formas de compreender a si mesmo, e aos seus próprios corpos (RUFINO, 2019).
O professor Luiz Gustavo termina o vídeo defendendo que os professores de educação física desenvolvam ações vinculadas a autoestima e autoimagem dos alunos, pois desse modo, poderão contribuir para que eles tenham uma visão mais construtiva em relação aos próprios corpos, e dessa forma, ter um significado em suas vidas.
Caso 3: professor Marcos Ribeiro das Neves, vencedor em 2018
O professor Marcos Ribeiro desenvolveu o projeto “A desconstrução dos preconceitos”, com suas turmas de educação física de educação de jovens e adultos (EJA). Marcos explicou as bases do seu projeto: “Então, esse trabalho, ele não é muito convencional no currículo de educação física. Não se trata apenas do trabalho com o Maracatu, se trata também de uma desconstrução de narrativas coloniais e valorização das culturas periféricas presentes no currículo” (NEVES, 2018).
O professor mostrou para a turma um vídeo de uma apresentação de Maracatu e perguntou para os alunos o que vinha à mente quando eles observaram essa dança. Marcos explicou que naquele momento, ele percebeu uma comunicação bem preconceituosa em relação ao Maracatu, e que, a partir disso, durante as atividades pedagógicas ele mobilizou diferentes estratégias de ensino para abordar o tema do Maracatu.
Na sequência do projeto, ele exibiu um vídeo de Maracatu para que os alunos começassem a aprofundar no tema e para eles entenderem o contexto histórico da escravidão. Em seguida, começaram um processo de desconstrução dos preconceitos e realizaram as vivências. Ele e os alunos convidaram uma professora para uma entrevista e para socializar com a turma algumas brincadeiras que remetiam ao estudo e a aproximação da gestualidade do Maracatu. Depois, começaram a analisar dentro da sala de aula as letras das músicas utilizadas nessa dança, que tem relação com a escravidão. A partir disso, o professor e a turma começaram um processo de elaboração de novos versos e prosas, característico do Maracatu.
No momento seguinte, o professor convidou alguns brincantes, de Maracatu, para irem até à escola. Lá, os alunos e o professor os entrevistaram. Uma aluna fala sobre esta aula: “O Maracatu é sim uma ferramenta de combate ao preconceito, dentro de todas as comunidades, dentro de todos os projetos e dentro de cada indivíduo”. O professor Marcos faz a seguinte avaliação e explicação do encerramento do projeto:
Depois de um encontro com os brincantes de Maracatu, os estudantes já anunciavam um outro olhar sobre o Maracatu, né? Depois disso a gente já começa a pensar no trabalho final, apresentando um cortejo de Maracatu, desde a criação da música, da construção do estandarte, até a criação dos passos (NEVES, 2018).
O professor Marcos Ribeiro, finaliza o vídeo, argumentando que a educação física pode favorecer uma formação mais crítica e politizada dos alunos, o que tem influência sobre o significado do conhecimento para suas vidas.
Caso 4: professora Cristiane Pereira Francisco, vencedora em 2017
A professora Cristiane, desenvolveu o projeto “Bolinhas de gude: descobrindo outras formas de ensinar, aprendendo outros jeitos de aprender” com turmas do Ensino Fundamental I. Ela explicou as bases e o início deste projeto:
Eu pensei em valorizar o protagonismo da criança na hora de aprender um novo jogo com regra que eles não tivessem conhecimento, e me baseei nas bolinhas de gude para resgatar essa brincadeira que vem se perdendo. Primeiro fiz um levantamento prévio com eles, sobre experiências que já tiveram com a bolinha de gude. Eles apontaram muitas vezes que não tinham conhecimento da brincadeira. Alguns tinham esse conhecimento, mas não eram tantos né? A maioria nem tinha tocado numa bolinha de gude. (FRANCISCO, 2017).
Cristiane explicou que desenvolveu esse projeto através de uma sequência didática. Porém, essa sequência não era algo fechado, tinha momentos que ela planejava, mas as atividades podiam ser construídas conjuntamente com as crianças. Por exemplo, o primeiro momento foi uma aula livre, sem intervenção da professora, em que os alunos brincaram com as bolinhas de gude da forma que eles queriam. A professora acompanhava o que estava acontecendo e fazia anotações. Os alunos exploraram a bolinha de gude de diferentes maneiras.
Na etapa semi-livre, ela realizou pequenas intervenções na maneira dos alunos se agruparem, mas ainda não apresentou nenhuma forma pré-estabelecida de jogo. Alguns alunos comentam sobre a aula: “O problema era que o círculo era grande e quando a gente tacava a bolinha, a bolinha não ia para fora, então ninguém ganhava ponto. Para resolver isso, a gente diminuiu o tamanho do círculo e ficou mais fácil”. A professora Cristiane faz a seguinte avaliação desta etapa: “Eu acho que foi o mais enriquecedor, porque eles foram construindo pouco a pouco essas regras, mas partindo deles mesmos os combinados deles, das regras deles, da criatividade deles.” (FRANCISCO, 2018).
No terceiro momento do projeto, a professora desenvolveu uma aula mediada, em que realizou intervenções nos jogos. Ela levou os alunos para a sala de vídeo, sendo que ela mostrou experiências de formas diferentes de brincar com a bolinha de gude. Depois, levou os alunos para a quadra, e apresentou uma forma estruturada de brincar. Segundo a professora, este momento foi interessante porque as crianças se reconheceram e se identificaram, porque eles já estavam construindo esse conhecimento com as regras que ela estava apresentando para eles. Segundo a professora Cristiane, foi encantador: “como eles [os alunos] se apropriam desses conhecimentos, interagindo entre eles, interagindo com as professoras, interagindo com os pais [...]” (FRANCISCO, 2018), ou seja, parece ter sido uma experiência significativa para os alunos.
Caso 5: professor Marcos Vilas Boas, vencedor em 2015
O professor Marcos Vilas Boas desenvolveu o projeto “RopeSkipping: do individual ao coletivo” com turmas do Ensino Fundamental I, mais precisamente com o 5o ano. Segundo o professor:
A escolha dessa modalidade esportiva ocorreu porque a essência desse esporte é trabalhar o olhar para o outro, o projeto deu início com uma avaliação diagnóstica, então a intenção era observar o que os alunos o que os alunos conheciam em relação a pular corda, após a avaliação diagnóstica eu trouxe os alunos para a quadra com atividade onde eles tinham que registrar os jogos e brincadeira de pular corda que eles conheciam com o nome, a descrição dessa brincadeira e uma ilustração (VILAS BOAS, 2015).
Na segunda etapa do projeto, ele abordou o “RopeSkipping”, iniciou exibindo o filme “Jump In!”. Depois, ele dividiu os alunos em grupos e pediu para que eles realizassem variações do ropeskipping: roda chinesa partilha de corda, corda dupla, corda individual e corda longa. O objetivo era que os alunos produzissem cultura, construindo seus jogos e brincadeiras de pular corda. Dessa forma, os alunos passaram de meros reprodutores para produtores de cultura. No dia da família na escola, o grupo “Pé de mola ropeskipping” realizou uma apresentação e uma oficina junto com os alunos. Neste momento, os alunos puderam ampliar os seus conhecimentos sobre o ropeskipping junto com esse grupo.
Na quarta etapa do projeto os alunos realizaram uma auto-avaliação do desempenho deles e uma avaliação do professor, com o objetivo de desenvolverem a metacognição em relação ao processo educativo. Segundo o professor, a importância desse trabalho foi a valorização pessoal dos alunos e a ampliação dos conhecimentos relacionados ao pular corda, com suas diferentes manifestações e variações.
Caso 6: professora Jacqueline Martins, vencedora em 2013
A professora Jacqueline Martins desenvolveu o projeto “Ginásticas: saúde e lazer x competição” com turmas do Ensino Fundamental I. Jacqueline explicou as bases e o início deste projeto:
O que me motivou a realizar esse trabalho na escola é o fato do trabalho estar relacionado ao projeto especial de ação, que naquele ano estava trabalhando com as relações entre as pessoas, as relações de convivência. O trabalho foi realizado em diversas etapas, a primeira delas a gente fez uma eleição de quais seriam as práticas, ginásticas seriam possíveis de serem feitas na escola, estudamos alongamento e a massagem, corrida e caminhada, a hidroginástica, ginástica aeróbica, musculação, ioga e a ginastica artística (MARTINS, 2013).
A professora explicou que escolheu a ginástica como conteúdo da educação física para o projeto porque esta modalidade aborda a questões relacionadas à estética corporal (magro, gordo, baixo, alto), pois isso estava muito presente no cotidiano dos alunos na escola. Inicialmente, a professora focou no estudo das estruturas e sistemas internos do corpo. Ela começou com um desenho a respeito cômoda forma com que eles entendiam como era o corpo por dentro. Depois, ela levou para sala de aula um esqueleto humano e alguns mapas que mostram o funcionamento o corpo.
Posteriormente, a professora desenvolveu atividades de corridas e caminhadas com os alunos. Eles discutiram as alterações que ocorrem no corpo, com relação ao batimento cardíaco, ao suor e ao cansaço, para demostrar como funciona o corpo em movimento. Essa aula de campo realizada no Clube para fazer uma vivência de hidroginástica, foi bastante significativa para os alunos. No final, eles disseram: “Professora, foi o melhor dia da minha vida! Eu nunca tinha entrado na piscina, se realizou um sonho!” (MARTINS, 2013). Para a professora Jacqueline, é importante que os professores não se limitem ao espaço escolar, é importante procurar outros espaços para proporcionar uma experiência significativa para os alunos. Dessa forma, contribui para o protagonismo e ocupação dos espaços sociais.
Caso 7: professora Fernanda de Paula, vencedora em 2011
A professora Fernanda desenvolveu o projeto “Respeitável público: um circo na escola” com turmas do Ensino Fundamental I. Ela explicou as bases o início deste projeto:
Esse projeto ele surgiu da necessidade de romper com práticas tradicionais nas aulas de educação, exclusivamente esportivas, inserindo então a temática do circo que é algo que faz parte da cultura corporal de movimento e que na escola é muito pouco explorado (PAULA, 2011).
Na sala de aula a professora perguntou para os alunos o que tem no circo. Eles responderam palhaço, leão, apresentações com animais, etc. A partir daí o projeto se desenvolveu com um planejamento inicial e uma etapa de exploração junto com os alunos para depois fundamentar os conteúdos que seriam trabalhados. Ainda na sala de aula, a professora pediu para os alunos anotarem as sugestões das modalidades que eles gostariam de aprender sobre o circo. Então, eles escolheram atividade referentes à acrobacias, com as cordas, rolamentos, pontes, velas e paradas de mão. As atividades de manipulação, envolveram a manipulação de bolas lenços, arcos, balangandãs e a atividade de equilíbrio sobre o tambor.
Durante o desenvolvimento das aulas, a professora utilizou um diário de aula, onde registrava as aprendizagens dos alunos e as dificuldades durante o processo, para verificar se os objetivos planejados foram alcançados. Em uma das aulas, a professora organizou-os em grupos em estações ou ateliers, sendo que as atividades desenvolvidas em cada estação foram: equilíbrio no tambor, pirâmide humana, balangandãs e a posição de vela.
Segundo a professora Fernanda, uma preocupação muito grande foi com a inserção dos alunos com necessidades educativas especiais. Então ela teve o cuidado de observar em cada prática, quais as adaptações que seriam possíveis de fazer para que esses alunos pudessem participar das atividades propostas. A culminância desse projeto foi uma apresentação dos alunos para toda a comunidade escolar. Nesse momento os alunos puderam expor todo o aprendizado que eles adquiriram nas aulas durante o projeto.
Foi perceptível a melhora deles em relação a aquisição das habilidades motoras que a gente trabalhou. Foi um ressignificar a educação física e de uma série de práticas. É uma coisa que eles vão levar para o resto da vida no sentido de poder encarar determinadas situações com esse espírito de superação: “Porque eu já fiz coisas muito mais difíceis”. (PAULA, 2011).
É importante destacar, que além de ganhar o prêmio “Educador Nota 10” de educação física, a professora Fernanda também foi eleita a Educadora do ano de 2011, ou seja, o trabalho dela se destacou entre os demais vencedores das outras áreas.
Caso 8: professora Joice Nozaki, vencedora em 2010
A professora Joice desenvolveu um projeto “Lutas nas aulas de educação física” com turmas do Ensino Fundamental II. Segundo ela:
No começo do ano fiz um levantamento com os alunos sobre o que eles tiveram de educação física. Eles disseram que tiveram acesso a poucos conteúdos e estes estavam relacionados às modalidades esportivas coletivas. Então, eu queria mostrar que existe esse conteúdo de lutas, que não era briga, mas um conteúdo diferenciado (NOZAKI, 2010).
Inicialmente a professora fez um diagnóstico, pediu para os alunos escolherem cinco jogos de ataque e defesa, com poucas regras e depois com mais regras, para que eles começassem a levantar questões relacionadas a falta de regras no jogo. Depois Joice explicou que ia trabalhar com os elementos básicos das lutas, em especial as técnicas das lutas, sendo que o primeiro tema abordado foi equilíbrio e desequilíbrio, mas foi trabalhado também rapidez, agilidade, atenção e força.
Depois, a professora organizou, com os alunos, um seminário de lutas, no qual eles montaram uma apresentação com slides baseados em uma pesquisa prévia na Internet, com o histórico, as regras, as técnicas, os golpes e os ídolos das modalidades de lutas. Em seguida, os alunos foram desafiados a fazer uma apresentação de luta, na qual eles tinham que se envolver, que fosse motivante e ela também os envolveu no processo avaliativo.
Caso 9: professor Ademir Testa Junior, vencedor em 2009
O professor Ademir Testa Junior desenvolveu o projeto “Movimento, saúde e qualidade de vida na educação física”, com alunos do Ensino Fundamental II. Ele explicou as bases e o início deste projeto:
Eu cheguei a escola, as aulas de educação física eram encaradas como uma opção de lazer, um momento de lazer. Pensei em elaborar um projeto ou uma ação que mudasse a concepção da educação física na mente dos alunos, que fizesse ter essa consciência na prática de exercícios físicos e também na busca e manutenção da saúde e consequentemente o alcance na qualidade de vida, expliquei para eles o que seriam esses três termos movimento, saúde e qualidade de vida (TESTA JUNIOR, 2009).
Ademir solicitou aos alunos que realizassem pesquisas relacionadas a prática de exercícios físicos, a melhoria da postura corporal etc. Depois, o professor os proporcionou uma série de vivências, exercícios de alongamento, exercícios aeróbicos, exercícios anaeróbios e ioga. Em seguida, os alunos tinham que fazer uma apresentação. Além disso, tiveram que desenvolver uma ação comunitária na frente da escola, realizando uma entrevista e uma avaliação física com uma pessoa da comunidade. Esse contato com a comunidade fez com que eles percebessem a dificuldade das pessoas em colocar as atividades físicas em prática. Os alunos aprenderam a valorizar todas as práticas e conseguiram entender que a pesquisa é necessária para aprimorar os conhecimentos e compreender a realidade.
Caso 10: professor José Carlos, vencedor em 2007
O professor José Carlos desenvolveu o projeto “Esportes de tacos e raquetes” com as turmas de Ensino Fundamental II. José explicou as bases iniciais do seu projeto pedagógico:
Eu queria promover um projeto para que o aluno ampliasse o repertório da cultura desportista, para que ele possa fazer escolhas, já que nós somos influenciados pela cultura futebolística. Apresentei meu planejamento anual para a classe, que teve oportunidade de fazer alterações e mudanças (SANTOS, 2007).
O primeiro jogo pré desportivo desenvolvido foi o taco. Depois, o professor voltou com os alunos para sala para explicar e resgatar algumas regras. Em seguida, abordou o críquete, buscando estimular a interação para promover a troca de experiências entre os alunos. A próxima modalidade abordada foi o beisebol.
Fomos conhecer os espaços de cada categoria [beisebol], observar os treinamentos, foi o momento de eu estar explicando as diferenças e semelhanças do softbol com o beisebol. Com essa comparação e semelhança foi possível nós elaboramos uma proposta fora dos muros da escola, eu queria que meus alunos valorizassem o espaço que eles têm no bairro (SANTOS, 2007).
O próximo esporte de raquete abordado pelo projeto foi o frescobol, para isso, um aluno pediu para o seu pai fazer raquetes de madeira para doar para a escola. Em seguida, o professor abordou o tênis de quadra. Ele explicou que: “O que me interessava, não era ensinar as regras rígidas de cada esporte, mas sim promover ressignificações dessas regras, adapta-las” (SANTOS, 2007). Para o professor José Carlos, quanto mais diversificadas forem as oportunidades para a prática esportiva, maiores serão as chances de que os estudantes se tornarem amantes ou praticantes de algum esporte ao longo da vida.
UNIDADES TEMÁTICAS E ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS UTILIZADAS
O quadro 3, a seguir, mostra as unidades temáticas de educação física abordadas nos projetos vencedores, segundo a classificação da Base Nacional Comum Curricular, com exceção do conteúdo conhecimentos sobre o corpo e do tema transversal Saúde, baseados nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
As unidades temáticas mais abordadas nos projetos foram os esportes e a ginástica, seguido de jogos e brincadeiras e conhecimentos sobre o corpo e saúde. As menos tratadas foram dança, lutas e esportes de aventura. Vale notar que a maioria dos professores tematizou apenas uma unidade temática, mas houve três professores que abordaram duas no mesmo projeto e um professor que mobilizou quatro.
A esse respeito, os estudos sobre a inovação na educação física, colocaram em evidência a diversificação e ampliação dos conteúdos/unidades temáticas para além das modalidades esportivas tradicionais, a articulação teoria-prática e o caráter crítico e problematizador no trato dos conteúdos (MALDONADO et al., 2018; ALMEIDA, 2017; SILVA; BRACHT, 2012; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; FARIA et al., 2010). Os dois últimos aspectos dependem também das estratégias didáticas utilizadas pelos professores.
Todos os professores premiados desenvolveram projetos pedagógicos temáticos, com uma sequência didática dividida em etapas, fases ou eixos. Quatro projetos premiados adotaram a estratégia didática de planejamento participativo, envolvendo os alunos junto com os professores no planejamento dos projetos de ensino. Além disso, um professor deixou evidente que o projeto de ensino estava vinculado ao projeto político-pedagógico da escola e outra docente declarou que se trata de um projeto interdisciplinar.
O quadro 4, a seguir, apresenta as estratégias didáticas relacionadas ao planejamento do ensino.
As pesquisas sobre a inovação na educação física mostraram que a organização dos conteúdos/unidades temáticas em projetos temáticos, de maneira progressiva e sistematizada, bem como a utilização do planejamento participativo com o envolvimento dos alunos e a articulação da proposta pedagógica com o currículo e projeto político-pedagógico da escola, permitem estabelecer um sentido contextualizado para as práticas pedagógicas dos professores (MALDONADO et al., 2018; CARLAN; KUNZ, FENSTERSEIFER, 2012; SILVA; BRACHT, 2012; FENSTERSEIFER; SILVA, 2011; FARIA et al., 2010).
No quadro 5, mais adiante, fica evidente que os vencedores do prêmio Educador Nota 10 utilizaram estratégias didáticas de ensino diversificadas para desenvolver seus projetos, sendo que as mais utilizadas foram: experimentação, reflexão e reelaboração do conteúdo com variações; problematização do conteúdo; e a realização de uma apresentação de culminância do projeto na escola ou para a turma que participou do projeto. Vale notar também, que muitas estratégias didáticas de ensino utilizadas pelos professores contribuem para a articulação teoria e prática.
Corroborando esses resultados, a literatura da área já mostrou que os professores com práticas inovadoras, ou que estão em busca da inovação em suas aulas, utilizam diversas estratégias de ensino, como: a problematização dos conteúdos, sua adaptação e modificação; realização de pesquisas e seminários; construção de materiais pedagógicos; organização e participação de torneios esportivos; produção de fotos, vídeos, desenhos e utilização de filmes; inclusão de alunos com deficiência; aulas abertas à experiência, dentre outras (GODOI et al., 2021; MALDONADO et al., 2018; ALMEIDA, 2017; SILVA; BRACHT, 2012; CARLAN; KUNZ; FENSTERSEIFER, 2012).
O quadro 6, abaixo, mostra as estratégias didáticas de avaliação utilizadas pelos professores vencedores do prêmio “Educador Nota 10”.
As duas estratégias didáticas de avaliação mais utilizadas pelos vencedores foram a realização de avaliação diagnóstica, para levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos, e a realização de apresentações teóricas ou práticas para a comunidade escolar ou para a turma. Os estudos sobre as práticas inovadoras na área também identificaram a utilização de diferentes formas de avaliação: diagnóstico do conhecimento dos alunos, observação sistematizada e planilha de registro, relatórios, produção de textos escritos ou imagéticos (charges, tirinhas), envolvimento dos alunos no processo avaliativo, realização de uma apresentação como evento de culminância, dentre outras (MALDONADO et al., 2018; SILVA; BRACHT, 2012; CARLAN; KUNZ; FENSTERSEIFER, 2012; FARIA et al., 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa analisou as práticas pedagógicas e as estratégias didáticas de professores de educação física premiados. Em relação às práticas premiadas na área de educação física do prêmio “Educador Nota 10”, a maioria dos professores abordou apenas uma unidade temática/conteúdo, mas houve projetos que abordaram mais de uma. Os esportes, a ginástica e os jogos e brincadeiras foram as mais abordadas nas práticas dos professores vencedores. As lutas, a dança, as práticas corporais de aventura e os conhecimentos sobre o corpo e saúde foram as menos abordadas.
Em relação ao planejamento, todos os professores desenvolveram projetos temáticos, com uma sequência didática. Quatro professores utilizaram o planejamento participativo. As estratégias de ensino utilizadas foram diversificadas, as mais utilizadas foram a experimentação e reflexão sobre o conteúdo, bem como a sua reelaboração, a problematização do conteúdo e a realização de uma apresentação de culminância do projeto. As estratégias de avaliação foram menos diversificadas, com predomínio da avaliação diagnóstica e apresentações como forma de culminância do projeto.
Um dos limites deste estudo é não ter acessado às práticas efetivas por meio da observação direta das aulas, mas os vídeos analisados permitiram visualizar as práticas declaradas e a sequência didática. Porém, os vídeos deixam escapar as dificuldades e algumas das sutilezas vivenciadas durante o processo de ensino-aprendizagem. Apesar disso, os resultados deste estudo evidenciam uma educação física inovadora, dinâmica, criativa e diversificada. Revelam que os saberes da ação pedagógica dos vencedores do prêmio, em especial, os saberes relacionados ao que, e ao como ensinar, são diversos e estão sendo mobilizados nos contextos escolares.
É importante continuar identificando, analisando e divulgando as experiências de ensino de educação física inovadoras. Do mesmo modo, seria interessante desenvolver estudos que conectem a prática dos professores considerados inovadores e as experiências de seus estudantes, buscando captar suas experiências, aprendizagens e os significados mobilizados na educação física.
Os professores enfrentam muitos desafios e problemas no quotidiano escolar, até por isso é importante reconhecer o mérito daqueles e daquelas que conseguem superar as condições muitas vezes ruins e realizam um trabalho com compromisso e qualidade. Lançando luz, valorizando e divulgando o trabalho destes professores e professoras, talvez seja possível inspirar outros docentes, impactando positivamente na qualidade do processo de ensino-aprendizagem, bem como produzindo reflexões que qualifiquem a ação pedagógica, com vistas a proporcionar experiências de educação física significativas e comprometidas com o desenvolvimento dos estudantes.