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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.33 no.64 Florianópolis  2021  Epub 15-Jul-2021

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2021.e81858 

Artigo Original

Família, suor e lágrimas: o início de uma (possível) trajetória de profissionalização para jogadoras de categorias sub-15 e sub-17 de um clube do Rio Grande do Sul

Family, sweat and tears: the beginning of a (possible) professionalization trajectory for under-15 and under-17 players at a club from Rio Grande do Sul

Familia, sudor y lágrimas: el inicio de una (posible) trayectoria de profesionalización de jugadores menores de 15 y menores de 17 en un club de Rio Grande do Sul

1Universidade Federal de Pelotas, Escola Superior de Educação Física, Pelotas, RS, Brasil.

2Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Ciências Sociais, Santa Maria, RS, Brasil.


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a constituição “profissional” de carreiras esportivas de jogadoras das equipes sub-15 e sub-17 no Esporte Clube Pelotas/Phoenix, no interior do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, utilizando-se de observação participante e entrevistas semi-estruturadas realizadas em 2017. Ao longo deste estudo, identificou-se que fatores como recursos financeiros, mudanças no calendário de competições, apoio familiar afetam diretamente as perspectivas de consolidação da carreira de jovens atletas. Conclui-se, pelos relatos ouvidos, que a constituição “profissional” da carreira dessas atletas era perpassada por atos de resiliência e rebeldia, tendo em vista que, para persistir na modalidade, precisavam constantemente reforçar seu desejo de continuidade na prática e, por vezes, estabelecer conflitos com os desejos de suas famílias de origem.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol de mulheres; Formação profissional; Juventude

ABSTRACT

Based on participant observation and semi-structured interviews carried out in 2017, this article aims to analyze the “professional” constitution of sports careers of players from under-15 and under-17 teams at Esporte Clube Pelotas / Phoenix, in the interior of the state from Rio Grande do Sul, Brazil. Throughout this study, it was identified that factors such as: financial resources, changes in the competition calendar and family support directly affect the prospects for consolidating the career of young athletes. Concluded that the "professional" constitution of these athletes' career was permeated by acts of resilience and rebellion, considering that in order to survive in the sport, they constantly needed to reinforce their desire for continuity. in practice, and sometimes to conflict with the desire of their families of origin.

KEYWORDS: Women's soccer; Professional qualification; Youth

RESUMEN

A partir de observación participante y entrevistas semiestructuradas realizadas en 2017, este artículo tiene como objetivo analizar la constitución “profesional” de las carreras deportivas de jugadores de equipos sub-15 y sub-17 en el Esporte Clube Pelotas / Phoenix, en el interior del estado de Rio Grande do Sul, Brasil. A lo largo de este estudio se identificó que factores como: recursos económicos, cambios en el calendario de competición y apoyo familiar inciden directamente en las perspectivas de consolidación de la carrera de los jóvenes deportistas. Concluye, a través de los relatos de los deportistas y la investigación investigada, que la constitución "profesional" de la carrera de estos deportistas estuvo impregnada de actos de resiliencia y rebeldía, considerando que para sobrevivir en la modalidad, necesitaban constantemente reforzar su deseo. para la continuidad en la práctica y, a veces, para entrar en conflicto con los deseos de sus familias de origen

PALABRAS-CLAVE: Fútbol de mujeres; Formación profesional; Juventud.

INTRODUÇÃO

No Brasil, o futebol de mulheres historicamente conviveu com períodos de ascensão e de interrupção, em grande parte devido a contextos sociais e políticos em que as mulheres foram excluídas de espaços públicos considerados inadequados para elas. Enquanto práticas sociais, os esportes refletiram os valores sócio-históricos e impuseram determinados vetos às mulheres (MOURA, 2003). A inexistência das mulheres em livros que registravam a história oficial (do mundo ou até mesmo de modalidades esportivas) não era mero acaso ou descuido. Os homens, em especial os brancos e de classes mais abastadas, tornaram-se relevantes figuras no espaço público e na historiografia. Sob um viés androcêntrico foram exaustivamente representados em postos de prestígio e liderança, apresentando “a História” como se fosse algo único e livre de tensões. Entretanto,

[...] o fato de não serem nomeadas, evidenciadas, mostradas e narradas não significa, em absoluto, que as mulheres não estivessem, há muito tempo, presentes nas quadras, arenas, campos, parques, ginásios e ruas. Simplesmente a elas não se conferiu luz nem voz. Foram lançadas nas zonas de sombras e de esquecimentos por razões políticas, éticas, ideológicas, religiosas, culturais, entre outras (GOELLNER, 2011, p. 7).

É importante ressaltar que quando começou a ser praticado, no final do século XIX, o futebol era um esporte praticado pelos homens brancos da elite brasileira que dispunham de dinheiro e de tempo livre para praticá-lo e estabelecer vínculos de sociabilidade. Eles eram os nobres representantes da figura distintiva do sportman (JESUS, 1998). O futebol era uma atividade aristocrática e praticada no interior de clubes. Para integrar esse grupo seleto, os sócios pagavam a jóia e anuidades (OLIVEIRA, 2012). A presença de filhas e esposas da aristocracia brasileira era muito frequente na representação como torcedoras nos matchs do futebol de homens. Inclusive, pode-se destacar uma peculiaridade nesta presença, pois o termo “torcedora” se originou a partir da presença das mulheres nas partidas, na década de 1910. Segundo Hollanda (2009) as mulheres compareciam aos estádios com lenços e fitas das cores de seus times. Suas emoções eram demonstradas por meio de expressões faciais e no ato de torcer o lenço em momentos tensos das partidas. Foi dessa forma que se originou o termo “torcedora” e, consequentemente, o verbo “torcer”, tão praticado Brasil afora com as suas diferentes peculiaridades.

Conforme Souza, Maux e Rebouças (2019), as filhas solteiras dos associados dos clubes de futebol vestiam-se de maneira elegante e gritavam o nome de seus atletas favoritos. Entretanto, a partir de 1920, quando houve a inserção de classes populares no esporte, esse grupo social passou a ser responsabilizado em relação às expressões de violência, levando ao afastamento de pessoas da elite que levavam suas famílias, especialmente as mulheres, a esses espaços destinados às torcidas (SOUZA; MAUX; REBOUÇAS, 2019).

A entrada de um grupo social com uma cor de pele diferente da branca provocou disputas que se acentuaram devido ao contexto sócio-histórico pós-escravidão e que buscava ares de uma modernidade ligada ao regime republicano. Com o aumento do interesse e com a popularização do futebol nos subúrbios das principais cidades, o público praticante e torcedor foi se modificando. Além do futebol praticado nos clubes, conforme Jesus (2002), também se deve entender que o futebol varzeano, praticado em espaços diferentes da aristocracia, era classificado de maneira diferente, considerado um “encontro de vadios” e até mesmo perseguido pela polícia.

Conforme o crescimento do futebol acontecia, a imprensa nacional começava a noticiar as partidas entre mulheres. Em termos de contribuições para ampliação do discurso historiográfico, torna-se imprescindível destacar pesquisas acadêmicas que abordam os primeiros registros sobre as mulheres no “football feminino”. Na Europa, por exemplo, há registros de jogos praticados por operárias de fábricas desde 1895. No Brasil, Bonfim (2019) informa indícios de partida do Villa Isabel FC (no Rio de Janeiro) em 1915 e uma partida entre as equipes Sport Club Natalense e ABC Sport Club de Natal, em 1920 (no Rio Grande do Norte). A dissertação de Moura (2003) apresenta como marco inicial um “match” realizado entre equipes de bairros paulistanos Tremembé e Cantareira, em 1921.

No início do século XX, os conhecimentos médicos desaconselhavam determinadas modalidades esportivas por poderem prejudicar a fisiologia das “futuras mães”. Conforme Franzini (2005), além dos médicos, a mídia também criticava a prática do futebol pelas jovens, baseando-se na compreensão de que poderiam ter prejuízos irreparáveis. Este movimento contrário à prática esportiva por mulheres gerou efeitos e mudanças na legislação nacional.

Durante a presidência do gaúcho Getúlio Vargas (1930-1945 e 1950-1954) foi aprovado o Decreto-lei nº 3.199/41 que impedia as mulheres de praticarem determinados esportes, dentre eles, o futebol. Em parte, se poderia pensar que com a profissionalização do futebol a presença de mulheres neste espaço poderia resultar em uma maior competição por recursos, mas não era apenas isso. Desde 1932, as brasileiras podiam votar e cada vez mais as mulheres ocupavam espaços públicos, o que gerava incômodo. A proibição legal foi revogada em 1979, mas as décadas de impedimento deixaram marcas sócio-históricas e culturais, atrapalhando o desenvolvimento da organização futebolística profissional para mulheres daquela época até os tempos atuais.

O restabelecimento das competições no futebol de mulheres aconteceu no início dos anos 1980, mas com uma grande carga de discriminação. A partir dos anos 2000, perceberam-se mudanças mais significativas em direção ao desenvolvimento de um futebol com estrutura mais assemelhada ao dos homens, principalmente a partir dos anos de 2010.

Tratar a especificidade da profissionalização nas categorias de base é fundamental para entender não apenas o início da adequação de corpos às técnicas e treinamentos futebolísticos, mas também para compreender processos que se referem à gestão esportiva e questões sociais referentes ao gênero. A profissionalização de jogadoras é central na discussão deste artigo, embora nem todas as complexidades e nuances possam ser aqui trazidas. As oportunidades de se formarem atletas fazem com que as adolescentes se engajem em treinamentos físicos, táticos e técnicos, os quais refletem aspectos estruturais da modalidade e influenciam na inserção delas e na permanência, bem como na instituição do futebol como um possível projeto profissional. Utilizamos, portanto, a categoria “profissional”, não como algo fixo, mas como uma expressão que se refere tanto a desejos pessoais quanto à estrutura do futebol em si.

De mais a mais, observando o processo numa temporalidade mais alongada, que inclui a década de 1980, nota-se como os termos amadorismo e profissionalismo ressurgem nos discursos de dirigentes, cronistas e torcedores, embora com sentidos diversos daqueles vigentes na primeira metade do século. Como são categorias nativas de uso recorrente, o mais indicado é observá-las à certa distância, pois assim se pode acompanhar melhor as flutuações em termos de significados, como tem sido a tendência contemporânea (DAMO, 2018, p. 41).

O presente artigo está estruturado da seguinte forma: após algumas breves considerações contextuais sobre o futebol e a presença de mulheres neste esporte, apresentamos a pesquisa etnográfica realizada no Esporte Clube Pelotas/Phoenix e abordamos elementos referentes à constituição das jogadoras, falando sobre a temporada e o Campeonato Gaúcho realizado em 2017. Por fim, tentamos alinhavar algumas reflexões sobre a formação “profissional” de jogadoras de futebol.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa foi realizada no Esporte Clube Pelotas/Phoenix, localizado na cidade de Pelotas, na região sul do estado do Rio Grande do Sul, a uma distância de 250 quilômetros da capital do estado (Porto Alegre), ocupando a quarta colocação em termos populacionais, com cerca de 343 mil habitantes (IBGE, 2016). O Esporte Clube Pelotas foi fundado em 11 de outubro de 1908. Em termos futebolísticos, a cidade de Pelotas possui três clubes tradicionais no futebol de homens: Esporte Clube Pelotas, Grêmio Esportivo Brasil e Grêmio Atlético Farroupilha.

A fundação do “departamento feminino” do Esporte Clube Pelotas/Phoenix aconteceu em 25 de julho de 1995, em um cenário em que o interesse em treinar mulheres ou pensar em constituir algo como uma “profissionalização” era uma realidade distante. O atual técnico e coordenador da equipe buscou formas de fazer com que essa modalidade tivesse seu início. Além de treinar a equipe, ele é responsável por administrar os trâmites administrativos e logísticos. Esse departamento ganhou reconhecimento regional e estadual, sendo considerado um dos mais antigos em atividade. Em 2020, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix completou 25 anos de atividades no futebol de mulheres, tendo como principais títulos o Campeonato Gaúcho de 2008 e o Campeonato Gaúcho Sub-17 de 2016.

Em termos metodológicos, a presente pesquisa possui caráter etnográfico e análise qualitativa dos dados, sendo resultado de observações participantes e entrevistas semiestruturadas realizadas com integrantes da equipe de futebol de mulheres do Esporte Clube Pelotas/Phoenix durante a temporada 2017. Por meio da análise qualitativa, os dados observados na pesquisa foram registrados em diário de campo, realizando o acompanhamento das atividades e permitindo uma melhor compreensão sobre a formação das atletas dentro daquele contexto. Durante sete meses houve o acompanhamento das categorias sub-15 e sub-17 do clube.

A inserção no clube aconteceu a partir do contato com o coordenador/técnico da equipe. Por meio de uma conversa por celular foi solicitada a realização de observação participante com a equipe, para fins de pesquisa acadêmica. Uma das pesquisadoras integrou a equipe de preparação física da equipe durante a temporada de 2017 (BURCH, 2018). Foram coletados registros em treinamentos, viagens, seletiva de novas atletas, amistosos e jogos oficiais, totalizando 27 dias de observações, entre março e setembro de 2017. Houve também o acompanhamento das jogadoras no ônibus fretado pelas atletas para treinamentos no Parque Esportivo Lobão (Centro de Treinamento do Esporte Clube Pelotas), com viagens partindo do estádio Boca do Lobo.

No ano em que a observação foi realizada, a categoria “adulto” havia sido suspensa e, por isso, a pesquisa restringiu-se às categorias sub-15 e sub-17. Quando o técnico foi questionado sobre a ausência da equipe principal, afirmou que: “Se o clube tivesse um patrocinador master, não teria problema, mas como não tem, eu não quero que a falta de compromisso das jogadoras mais velhas sejam ‘espelhos’ para as categorias menores”. Essa afirmação talvez traga elementos que demonstram como a política do clube atuava, tendo o técnico/coordenador como o responsável por tomar as decisões na temporada. Há ainda outros elementos que podem ser considerados nessa decisão, mas que não cabem ao escopo da análise deste artigo.

A escolha da amostra para entrevistas se deu de forma intencional, com a seleção de atletas que representavam diferentes perfis: a) atleta com experiência pela seleção brasileira de base; b) atleta experiente no clube; c) atleta que é de fora da cidade de Pelotas e joga no clube; d) atleta que foi selecionada para participar de um projeto de intercâmbio entre o Esporte Clube Pelotas/Phoenix e universidades dos Estados Unidos.

As entrevistas foram realizadas em janeiro de 2018, três meses após a pesquisa de campo, sendo três presenciais e uma realizada por meio da ferramenta de comunicação Skype. As entrevistas presenciais foram realizadas na sede do Esporte Clube Pelotas e na Escola Superior de Educação Física-ESEF/UFPEL. A média de duração de cada entrevista foi de 30 minutos. Com relação aos aspectos éticos foi assinado um termo de autorização pelo Esporte Clube Pelotas/Phoenix permitindo realizar a investigação. Além disso, os familiares de cada uma das três das entrevistadas menores de 18 anos foram convidados a voluntariamente assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Dentre as entrevistadas, duas tiveram passagens pela seleção brasileira de base. A atleta Daniela jogou na categoria sub-20 da seleção brasileira, enquanto Rafa obteve quatro passagens pelas seleções sub-15 e sub-17. Em parte, pode-se atribuir essas convocações também ao trabalho realizado em 2009 pelo treinador da equipe na seleção brasileira de futebol de mulheres sub-17, proporcionando oportunidades e visibilidade para várias atletas que sonhavam com a carreira futebolística.

Das 25 jogadoras do clube que haviam sido convocadas para as seleções de base, 24 delas foram convocadas após a passagem do técnico pela seleção. Para algumas jogadoras do clube isso significava uma porta aberta, uma chance de convocação. Cristina, por exemplo, disse que acreditava que o técnico tinha uma grande influência para a chegada das “meninas” na seleção.

Possivelmente em virtude da visibilidade gerada por esse trabalho, nos últimos anos o clube tem investido exclusivamente nas categorias de base. A partir de 2017, o técnico/coordenador decidiu priorizar a formação esportiva de jovens atletas. O investimento na formação de jogadoras perdura até os dias de hoje. Em entrevista concedida a Tavares (2020), o treinador do Pelotas/Phoenix comentou que o campeonato adulto seria em agosto (e não havia interesse da equipe em disputá-lo) e as categorias de base (consideradas prioridade desde 2017) competiriam em setembro.

Para Rafa, atleta de 17 anos, isso é visto como um fator positivo: “Foi um ganho muito grande, porque eu creio que trabalhar com as meninas mais novinhas seja muito mais vantajoso do que, no caso, fazer um time adulto. Não que não possa ter [o adulto], mas eu acho que dá muito mais retorno pro clube” e ainda acrescentou:

Rafa: Eu creio que é vantajoso em relação à qualidade e na ajuda de construir carreira, na ajuda de construir novos talentos. Então, eu acho que quando tu começa da base, pega as guriazinhas mais novas, tu tem isso como vantagem, tem como ajudar, como construir a maneira como aquela jogadora vai jogar, tu tem como auxiliar, tu tem como lapidar a maneira como ela joga.

Embora seja um clube formador de atletas e tenha conquistado títulos regionais e estaduais, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix tem convivido com contínuas dificuldades financeiras e estruturais. Quando analisamos essa situação no futebol de mulheres no Brasil, percebemos que essa não é uma novidade. Essas dificuldades foram encontradas em outros estudos etnográficos, tais como os realizados por Osmar Souza Júnior (2013), Kessler (2015), Mariane Pisani (2018), Caroline Almeida (2018), entre outros.

Durante o período da pesquisa, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix não pagava salários às atletas. Os recursos financeiros provinham de patrocínios, convênios e, principalmente, contribuições de familiares das jogadoras. Em termos financeiros, parte dos custos eram provenientes de uma mensalidade paga pelas famílias das atletas para custear os deslocamentos ao centro de treinamento, viagens para partidas (competitivas ou amistosas), bem como materiais (bolas) e equipamentos novos (camisetas e moletons da equipe). Segundo a atleta Iara, em 2017 iniciou-se o pagamento de mensalidades. A entrada das atletas mais jovens trouxe o apoio de familiares que contribuíam finaneiramente e com apoio motivacional.

Familiares das jogadoras investiam tempo e dinheiro realizando viagens, financiando o transporte, registrando os jogos e preparando lanches (tais como salada de frutas) em treinos e jogos. Segundo a atleta Rafa, quando sua mãe conseguia doação de frutas, fazia a salada e levava para dividir entre o grupo, “porque era bem melhor do que as frutas em si”. Alguns pais aconselhavam o grupo de jogadoras em termos comportamentais, conforme anotação do diário de campo:

Depois das fotos tiradas por um pai de uma atleta (para apresentação do elenco do campeonato gaúcho sub-15 e sub-17 nas redes sociais do clube), o treinador da equipe falou durante 1 hora e 30 minutos sobre como o time deveria se comportar no campeonato gaúcho sub-15 e sub-17. Além da sua fala, ele também teve o auxílio de outro pai que quis dar dicas sobre como a equipe deveria se preparar para as partidas (Diário de Campo, 21 abr. 2017).

Os familiares eram peças-chave na logística das atletas provenientes de outras cidades. Algumas viajavam para os treinos somente na véspera de campeonatos. Alguns dos lugares que poderiam servir para acomodar as 13 atletas que integravam a equipe eram: o alojamento do Exército (a partir de uma parceria estabelecida com o clube), a sala do clube na sede administrativa ou a residência de outras atletas (com um limite de três atletas por casa, a pedido do técnico).

A postura do técnico era alvo de críticas pelas atletas, as quais entendiam que ele realizava um controle excessivo sobre questões particulares. Daniela disse o seguinte: “Eu não gostava da parte do técnico se preocupar mais com a vida pessoal das atletas do que dentro de campo. Eu acho que ele dava muita atenção pra isso e acabava atrapalhando de certa forma dentro de campo”. Sobre o excesso de controle, Cristina acrescentou: “Muitas vezes também ele ia atrás das atletas, tipo nas festas, nos aniversários de 15 anos das atletas, já fiquei sabendo de muitas histórias em que o treinador ficava até o final só para garantir que a atleta não vai beber”. Neste mesmo sentido, Iara considerava que a multiplicidade de funções desempenhadas pelo treinador era prejudicial: “Eu acho que deveria ter alguém que se preocupasse só com o bastidor e ele só com o futebol, porque fica muito pesado pra ele coordenar os dois juntos”. Além da questão técnica, o treinador preocupava-se também com o regramento das condutas das jogadoras, para que se adequassem ao visual, comportamental e gestual que considerava como adequada à imagem do “produto” que ele desejava “vender”. Essa preocupação, dizia ele, se referia à dificuldade de aceitação de setores conservadores, a grande mídia e os patrocinadores.

Além do técnico e dos familiares, o clube contava com uma rede voluntária de apoiadores(as) formada por: estudantes de Educação Física, Medicina, Nutrição, Fisioterapia, Assistência Social e Psicologia das universidades públicas e privadas da cidade de Pelotas/RS. A colaboração do Esporte Clube Pelotas, se restringia à parte estrutural, disponibilizando permanentemente uma sala para o departamento administrativo; semanalmente o centro de treinamentos e; raramente concedendo o uso do estádio.

A maioria dos treinamentos e jogos eram realizados no centro de treinamento da equipe, o Parque Lobão. Durante o período de observação, foram realizados apenas quatro treinamentos no estádio principal do clube. Em termos logísticos, a distância entre a estrutura administrativa e o estádio principal da equipe (localizados no centro da cidade) e o centro de treinamento (localizado no bairro Três Vendas) é de aproximadamente 8 quilômetros. O transporte das jogadoras e da comissão técnica ao Parque Lobão era custeado com recursos dos familiares das jogadoras ou patrocínios esporádicos. Sobre a questão dos patrocínios, quando o técnico foi questionado, respondeu: “Se dependesse de patrocinador para começar a temporada, o Pelotas/Phoenix não existiria mais”.

Para além dos problemas financeiros encarados pelo clube, os treinamentos eram compostos por uma mescla entre atletas das categorias sub-15 e sub-17, tendo em vista o baixo número de atletas presentes em treinamentos aos finais de semana. Ao todo, a equipe sub-15 era composta por oito atletas residentes em Pelotas/RS e 12 em outras cidades do Rio Grande do Sul. A equipe sub-17 tinha oito atletas residentes na cidade e 16 em outras localidades. Na equipe também havia uma jogadora que se deslocava de Chapecó (SC), cidade que fica a cerca de 687 quilômetros de distância. Em grande parte, os deslocamentos dessas atletas podiam indicar a ausência de equipes e oportunidades, podendo ser um dos fatores que influenciam nessa busca. Pode-se também cogitar a influência de um modelo esportivo de sucesso que foi formado nesse clube, a jogadora “Andressinha”, meio-campista da seleção principal.

Outra questão que merece destaque é a troca de jogadoras com outras equipes do estado durante o andamento dos campeonatos. O Esporte Clube Pelotas/Phoenix conseguiu três “empréstimos” de atletas para a fase final do campeonato gaúcho sub-17 e um empréstimo na fase final do campeonato gaúcho sub-15. Esses empréstimos eram realizados sem custo financeiro, apenas mediante acerto verbal entre os treinadores das equipes. As jogadoras não recebiam nenhuma compensação financeira pela “transação”. Ao total, o elenco da temporada 2017 do Esporte Clube Pelotas/Phoenix era composto por 20 atletas no sub-15 e 24 atletas no sub-17. Além destas, havia a participação de quatro atletas acima de 17 anos, que integravam a equipe com o intuito de transmitir conhecimentos e experiências às atletas mais jovens, bem como estavam em busca de oportunidade de realizar um intercâmbio internacional.

Devido à ausência de campeonatos, o clube tinha uma agenda futebolística escassa, pois os únicos campeonatos disponíveis eram o Campeonato Gaúcho sub-15 e o sub-17. Esporadicamente, eram organizados jogos amistosos em cidades da região sul e competições regionais, como por exemplo: a Copa Integração Sub-15 e o Quadrangular Feminino de Morro Redondo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o período de observação na temporada, pôde-se perceber que as jogadoras do Esporte Clube Pelotas/Phoenix não tinham contrato e precisavam investir recursos próprios em suas carreiras esportivas. “Eu tive que investir, na verdade. A gente nunca recebeu nada para estar ali, então é realmente pelo amor, pela camisa”, confessou a atleta Rafa.

Semelhante às descobertas de Souza Júnior (2013), que realizou pesquisa com jogadoras do Santos - SP, elas reafirmavam o “amor pelo jogo” e minimizavam a falta de recursos. Algumas delas recebiam alguns benefícios como bolsas de estudos, moradia, alimentação e transporte. Iara, de 16 anos, estava na equipe desde 2014. Dentre seus ganhos, destacou: “Eu recebia bolsa [de estudos] no colégio e tratamento [médico] quando eu me machucava, essas coisas”. Para as jogadoras, as viagens estavam dentre alguns dos atrativos que motivavam a permanência na equipe:

Rafa: Eu penso que o que eu não recebi em valor financeiro, eu recebi de outras maneiras, em outros gestos, em outras perspectivas. Eu já fui a vários lugares do Rio Grande do Sul, que eu não imaginava ir. Eu já tive reunião com o prefeito, com a vice-prefeita (atualmente a prefeita), então são coisas que vão muito além do dinheiro, são coisas que vão ficar na memória, que contribuem para a tua bagagem cultural.

Ao pensar o futebol como um investimento, são frequentes as afirmações de que ele não teria um retorno seguro e, na maioria das vezes, não era percebido como um investimento desejável para as famílias das atletas. As entrevistadas afirmaram que ninguém as impediu de seguir uma carreira futebolística, mas não receberam muitos incentivos para permanecer no esporte. Em grande parte, devido à falta de um mercado estabelecido, as famílias preferiam que as filhas realizassem investimentos em outras carreiras profissionais.

Cristina: Olha, impedir nunca ninguém impediu... Mas as críticas sempre tem, né?! Por ser guria, a gente sempre tem muita crítica por pessoas que não convivem contigo, que não sabem do teu amor pelo futebol, que não te acompanham, que nunca te viram jogar [...] A crítica é em relação a ser guria e estar jogando futebol. Ser guria e jogar no meio dos guris. Ser guria e a pessoa não acreditar que tu possas chegar em algum lugar no futebol feminino, por ele não ter tanta visibilidade.

Daniela: Alguns parentes não gostavam muito da ideia, mas nunca me impediram de jogar. Diziam que o futebol não é coisa pra guria, que não ia me dar nada, dinheiro... Alguns, mas não eram todos, porque, como eu disse, a minha família gosta de jogar futebol, então tinha uns casos à parte.

Desafiar a lógica sexista da nossa sociedade, que confina corpos de mulheres em espaços privados, é uma atitude de rebeldia. Mais do que um desejo de jogar futebol, elas precisavam apresentar resiliência e enfrentar os preconceitos, inclusive dos próprios familiares.

O futebol de mulheres no Rio Grande do Sul (e poderíamos ampliar também para o contexto da América Latina) obteve ganhos com uma normativa divulgada no final de 2016. A partir dessa data, a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), entidade responsável pela organização do futebol no continente, instituiu uma nova obrigatoriedade para a participação de equipes “masculinas” em suas competições (Libertadores da América e Copa Sul-Americana). Tornou-se necessário que a equipe de homens mantenha ou se associe a uma equipe “feminina” adulta e juvenil, fornecendo suporte técnico, equipamentos e estrutura. Desde 2019, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) impôs essa obrigatoriedade para equipes de homens que participem do Campeonato Brasileiro A1 (BARLEM, 2018).

Embora existissem muitas dificuldades financeiras e estruturais, essa obrigatoriedade reascendia a esperança de que o futebol de mulheres se transformaria com o ingresso de equipes de “camisa”, tradicionais no futebol de homens. À época, Rafa demonstrava empolgação: “Eu creio que vá melhorar [o campeonato] agora com o ingresso de Grêmio e Internacional, creio que tenha uma maior visibilidade, um investimento maior, então isso de certa forma valoriza os outros clubes que estão participando”.

CAMPEONATO GAÚCHO SUB-15 E SUB-17

O Campeonato Gaúcho sub-15 e sub-17 foi organizado pela Associação Gaúcha de Futebol Feminino (AGFF). Essa entidade foi fundada no dia 28 de abril de 2010 com o objetivo de desenvolver o futebol feminino (NEVES e AZAMBUJA, 2017). Em princípio, essa responsabilidade deveria ficar a cargo da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), entidade que organiza o futebol de homens em nível estadual e que de certa forma “terceirizou” (concedeu a chancela) para a AGFF, por não ter interesse em criar um departamento de futebol feminino (ou algo que assim se assemelhe).

Em 2017, a AGFF foi responsável por organizar os campeonatos gaúchos das categorias sub-15, sub-17 e adulto. Segundo dados dessa associação, participaram equipes nas seguintes categorias: Sub-15: Rio Grande (Rio Grande); Pelotas/Phoenix (Pelotas); Paumar (Rio Grande); João Emílio (Candiota); Mundo Novo (Três Coroas); Black Show (Guaíba); Estrela (Estrela); Internacional (Porto Alegre); Atlântico (Erechim) e Adergs (Tapejara). Sub-17: Rio Grande (Rio Grande); Pelotas/Phoenix (Pelotas); Paumar (Rio Grande); João Emílio (Candiota); Black Show (Guaíba); Estrela (Estrela); Internacional (Porto Alegre); Atlântico (Erechim) e Palestra (Carazinho). Adulto: Rio Grande (Rio Grande); João Emílio (Candiota); Mundo Novo (Três Coroas); Black Show (Guaíba); Estrela (Estrela); Internacional (Porto Alegre); Grêmio (Porto Alegre); Ijuí (Ijuí); Guarani (Venâncio Aires); Sapucaiense (Sapucaia do Sul); Oriente (Canoas); Santaritense (Nova Santa Rita); Atlântico (Erechim) e Palestra (Carazinho).

A fonte dos recursos financeiros da AGFF era proveniente de patrocinadores e de ua “anuidade” (taxa financeira) paga pelas equipes filiadas à AGFF. A associação, entretanto, não oferecia premiação em dinheiro. Ofertava às equipes bolas Kagiva (patrocinadora da competição). Cada equipe recebia três bolas e, para equipes registradas em mais de uma categoria, eram ofertadas seis bolas.

As equipes filiadas tinham gastos com a anuidade, o custeio das viagens e a arbitragem oficial das partidas. Além dos custos referentes à competição, era necessário também custear os gastos realizados com transportes. As viagens para outras cidades requeriam maiores quantias de dinheiro e, caso contratassem um ônibus e a rodada fosse cancelada devido a condições meteorológicas adversas, tal como excesso de chuvas, o dinheiro literalmente iria “por água abaixo”. Os gastos geravam insatisfação para as jogadoras: “Então, eu não sei para onde vai todo o dinheiro que é pago nas inscrições, porque não é possível que a gente ainda tenha que pagar inscrição e pagar anuidade, e em dia de jogos ainda pagar a arbitragem. Eu acho isso errado”, comentou Daniela. Essa dificuldade não era exclusiva do Esporte Clube Pelotas/Phoenix. Para obter a renda necessária, outras equipes do Rio Grande do Sul realizavam rifas, jantares e até mesmo a venda de refrigerantes e salgados durante as partidas.

A seguir, para entender alguns aspectos referentes à formação das jogadoras, traremos algumas informações sobre o campeonato gaúcho sub-15 e sub-17 de 2017, organizados em três etapas. A primeira foi caracterizada como “turno”, a segunda etapa como “returno” e a terceira etapa como “final”. O campeonato foi dividido em três regiões, com o intuito de facilitar e baratear os custos das equipes participantes. Na região sul, em que o time investigado disputou a competição, as equipes participantes foram: João Emílio (Candiota), Paumar (Rio Grande), Rio Grande (Rio Grande) e Esporte Clube Pelotas/Phoenix (Pelotas).

Essa primeira etapa foi disputada na cidade de Rio Grande, a qual localiza-se a 38 quilômetros de Pelotas. A equipe residente na cidade-sede era responsável pela organização da primeira etapa do campeonato, cuidando da alimentação das equipes e da manutenção dos campos das partidas (um campo de aquecimento e dois campos para a realização das partidas).

Inicialmente, a previsão era de que a primeira etapa seria realizada em dois dias, porém, foi realizada somente num domingo. Devido a essa mudança, houve a redução do tempo dos jogos. Além disso, a estrutura apresentou-se aquém da desejada, com problemas na iluminação do estádio e um gramado em estado ruim (sem marcações e com a presença de buracos, areia e desnível), com potencial risco de quedas e lesões. De maneira improvisada, a equipe de preparação física do Esporte Clube Pelotas/Phoenix colocou cones que guiaram as atletas sobre os limites do campo. As atletas demonstraram insatisfação em relação à organização e à estrutura do evento:

Cristina: A estrutura que a gente jogou, nossa, foi horrível. O campo que eles nos botaram pra jogar foi horrível, acho que o campinho de uma rua qualquer tinha melhores condições. Não tinha marca, não tinha aonde era pênalti, não tinha aonde era lateral, não tinha nada. A gente tinha que se guiar pelo o que conhecemos de um campo de futebol [...]. É juiz se atrasando, umas coisas assim que tu não encontra no masculino. Aí tu vê que é por causa de ser feminino, tu sente isso.

Na primeira fase, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix venceu as três partidas da categoria sub-17, e na categoria sub-15 venceu uma partida e empatou as outras duas. Para conseguir a classificação da categoria sub-17, o clube precisava de apenas uma vitória na etapa do returno; a categoria sub-15 precisava de duas vitórias.

Embora o planejamento do returno indicasse a realização na cidade de Rio Grande, houve a transferência para a cidade de Pelotas. Dessa forma, a equipe do Esporte Clube Pelotas/Phoenix teria que se reorganizar para arcar com custos atribuídos à equipe sede, tais como: água, luz, alimentação, segurança, ambulância, hospedagem das equipes, etc. A etapa do returno ocorreu em Pelotas, no Parque Lobão, entre os dias 24 e 25 de junho de 2017. O clube precisou contar com uma “equipe de apoio”, formada por familiares, um funcionário do clube e a comissão técnica.

Dentre as atribuições que os familiares tiveram na organização do evento, estavam: cozinhar o almoço das equipes participantes e atuarem como gandulas e seguranças nos jogos. Além disso, eles ajudavam custeando alimentos, água e materiais de higiene. Ao final da etapa, as duas equipes do Esporte Clube Pelotas/Phoenix se classificaram: a sub-15 para a fase final em Três Coroas e a sub-17 para a etapa final em Porto Alegre.

No dia 5 de agosto, domingo, os jogos iniciaram às 9 horas da manhã, no campo da ESEFID-UFRGS. As seis equipes participantes foram divididas em dois grupos. No primeiro, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix, Palestra e Estrela, que jogaram no campo da ESEFID-UFRGS. As outras três equipes (Internacional, Paumar e Atlântico) jogaram no campo da Brigada Militar de Porto Alegre. As equipes vencedoras de cada grupo realizariam o jogo final na Pontifícia Universidade Católica (PUC), local reconhecido por sua qualidade de gramado, capacidade de público e iluminação. Ou seja, as equipes finalistas jogariam três jogos num mesmo dia.

O jogo da equipe do Esporte Clube Pelotas/Phoenix que deveria começar às 11 horas e 30 minutos da manhã, acabou ocorrendo com uma hora de atraso, porque o jogo anterior, entre Palestra e Estrela, terminou perto do horário agendado para o segundo jogo do dia. Outras falhas na organização puderam ser observadas, como por exemplo, a ausência da ambulância, que aconteceu na primeira fase disputada na cidade de Rio Grande e no dia da disputa final.

[...] a goleira do Estrela saiu do gol de carrinho e se chocou com uma jogadora do Esporte Clube Pelotas/Phoenix. No momento do choque, a goleira sofreu uma pancada no ombro. Naquele instante, perguntei para o técnico do Esporte Clube Pelotas/Phoenix: “E cadê a ambulância?” Ele me garantiu que a ambulância estava sob aviso, e caso precisasse chegaria em 5 minutos. Por sorte, o médico do Esporte Clube Pelotas/Phoenix e a fisioterapeuta do clube atenderam a goleira e não aconteceu nada de mais grave (Diário de Campo, 6 set. 2017).

A equipe sub-17 do Esporte Clube Pelotas/Phoenix conseguiu se classificar para a final do campeonato, após vencer o Estrela (pelo placar de 2 a 0) e o Palestra (por 3 a 1). A equipe conseguiu chegar à final do torneio. Após a partida final, a equipe do Internacional se consagrou campeã, obtendo uma vitória por 1 a 0. Ao observar aspectos técnicos da partida, era visível a vantagem física, técnica e tática da equipe da capital, que tinha em seu grupo jogadoras mais bem preparadas. Pode-se também pensar que a equipe do Pelotas/Phoenix precisava também lidar com desvantagens estruturais que afetavam não somente a atuação das jogadoras, tais como jogar em campos desnivelados (que aumentam os riscos de lesões), mas também influenciavam na participação de familiares (que precisavam estar dispostos a auxiliar nas mais diversas funções, para que as partidas ocorressem).

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A NOÇÃO DE PROFISSIONALIZAÇÃO

De acordo com Mayor (2017), no início do século XX, houve uma fase do futebol de homens brasileiro que foi caracterizada como “marronismo” ou “amadorismo marrom”, “amadorismo de fachada”, em que se sustentava uma condição ambígua, em que embora possuíssem status de amador, os jogadores recebiam compensação financeira ou outras recompensas pela vitória de jogos (tais como os “bichos”, que eram partes de animais, como vacas, ovelhas, porcos). Entretanto, além de uma disputa pautada em questões econômicas, os embates referentes à profissionalização retratavam um confronto classista e racial, entre a aristocracia, em sua maioria branca, e as camadas populares excluídas, em sua maioria sendo compostas por negros.

Para Mayor (2017, p. 130) não podemos nos apegar ao binarismo “elitismo-amadorismo” e “popularização-profissionalismo”. O esgotamento do amadorismo mascarado era evidente. Entretanto, havia medo em relação à autonomia de jogadores para escolher os clubes e uma possível união em busca de direitos. O marco da profissionalização no Brasil aconteceu na década de 1930, no período entre guerras, em que o futebol era utilizado para fomentar as bases de uma unidade brasileira. O futebol (praticado por homens) representava, portanto, a força e a cultura nacional.

A história do futebol de mulheres brasileiro é diferente da dos homens, sendo marcada pelas questões de gênero. O desenvolvimento de um mercado de vendas e trocas, bem como o estabelecimento de contratações, ainda parece estar se organizando. No futebol de mulheres brasileiro o uso de definições como “profissional” ou “amador” deve ser analisado de maneira contextual. Por exemplo, no Esporte Clube Pelotas/Phoenix, embora a maioria das jogadoras se considerassem “profissionais” (por todo esforço e treinamento que realizavam), algumas integrantes do grupo viam-se como “amadoras” (por apenas praticarem o futebol por prazer, sem visar ao lucro ou ascensão futebolística). Como exposto pela atleta Rafa, dentro da própria equipe, o comprometimento era diferenciado “nos treinos mesmo, iam umas gurias que jogavam porque gostavam do esporte, queriam estar ali, gostavam das companhias que tinham. E dava pra ver também as que faziam daquilo a vida delas”. Para alcançar o desempenho esperado, essas jogadoras precisavam se submeter a uma rotina de treinamentos, ou seja, suar muito, empreender esforços que as levariam à vitória.

Conforme explicitado por Kessler (2015), essas categorias podem também variar dentro de uma mesma cidade, em relação às competições de que se participa ou pelo status atribuído a uma jogadora, tendo em vista seu histórico esportivo e benefícios que recebe ao fazer parte de uma equipe. Cabe questionarmos se os parâmetros para as considerar profissionais seria apenas ter uma carteira assinada. Em termos legais, poder-se-ia dizer que sim. Entretanto, em relação aos termos êmicos, ou seja, aqueles utilizados pelos grupos de jogadoras, outros fatores podem também influenciar.

A construção das trajetórias futebolísticas são diferentes e variam em relação a objetivos e o contexto social. Conforme suas performances apresentam-se mais vitoriosas, recebem outras oportunidades ou, quando preteridas, mudam suas perspectivas para outros esportes ou outras atividades que possam render um futuro melhor. Iara, por exemplo, após ter sofrido diversas lesões, acabou mudando seu objetivo na carreira: “Antes eu pensava em seguir na profissão, mas aí, as lesões foram agravando cada vez mais e agora, só por lazer mesmo”.

A heterogeneidade de características presentes no elenco das equipes não permitia prever quais seriam os investimentos de tempo e dinheiro que cada jogadora faria no futebol como uma “futura carreira”. Enquanto algumas estavam preocupadas com oportunidades de ascensão e futuros ganhos contratuais, outras entendiam o futebol como “atividade de lazer”, saúde e divertimento, com o estabelecimento de um pertencimento ao grupo, exemplificados por expressões como “amor” e “amizade”.

Daniela: Se não fosse o grupo, eu já teria saído antes do Pelotas. E aí toda vez que renovava a gente pensava: ‘Bah, que droga, vai todo mundo embora’. Aí chegava o ano seguinte e estava 2, 3 e já chegava gente nova que chegava se enturmando. Muitas gurias falavam que queriam ser jogadoras, mas também tinha uma boa parte que não queria sair do Pelotas por causa das amizades.

Importante pontuar que após o término do campeonato gaúcho sub-15 e sub-17, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix decidiu que na temporada seguinte não iria mais contar com a categoria sub-17. A descontinuidade nos trabalhos realizados pode ser explicada, devido a uma série de fatores, tais como a escassez de investimento financeiro por empresas governamentais e privadas, resultando no desânimo das jogadoras. Os investimentos realizados parecem não obter um resultado na mesma proporção, o que faz com que não consigam justificar para seus familiares essa continuidade como um projeto profissional, mas apenas como um passatempo.

Cristina: Eu entendo os fatores pra ter acabado com a categoria sub-17, mas eu acho que é um pecado porque tem muitas gurias que tinham muita qualidade, talento e que tipo, perdeu um pouco da motivação por não ter a categoria mais. Porque não tem outro time onde tu possas jogar e ter a grande influência do técnico pra te levar pra seleção, não tem. No futebol de campo da região, o maior é o Pelotas. Então, tu te desmotiva um pouco no teu sonho da carreira de futebol. Mas, vida que segue, né ?!.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da investigação realizada, consegue-se perceber que a constituição de trajetórias esportivas de jovens no futebol perpassa diversos aspectos, tais como a equipe técnica, a estrutura do clube, benefícios recebidos e incentivos familiares. Ao longo do texto, verifica-se que apesar de ser uma equipe tradicional no futebol de mulheres do Rio Grande do Sul, o Esporte Clube Pelotas/Phoenix lida com diversos empecilhos. Alguns deles se devem à distância da cidade em relação à capital. Outros, podem ser atribuídos à falta de recursos financeiros do clube tradicional de homens, que apesar de tradicional, não é tão grande quanto a dupla Grêmio e Internacional (referência no Rio Grande do Sul). Nesse sentido, a captação de novos/as torcedores/as poderia ser uma oportunidade para a ampliação de recursos, tendo em vista que a equipe ainda não explora mercadologicamente a possibilidade de produzir materiais esportivos com o nome das jogadoras ou para torcedores/as da equipe de mulheres.

Dentre as opções possíveis para o futuro das praticantes, estavam: intercâmbios, transferência de clube ou abandono da prática. O amadorismo na organização dos campeonatos era evidente, o que refletia também na maneira como as equipes eram tratadas pelos seus patrocinadores/investidores. Ao longo do tempo, agora com a inserção dos clubes tradicionais no futebol de homens, espera-se que haja a constituição de um mercado de trocas de jogadoras, tal como acontece há várias décadas no “masculino”.

Por meio de relatos das atletas e da pesquisa realizada, conclui-se que a formação “profissional” da carreira dessas atletas era perpassada por atos de resiliência e rebeldia, tendo em vista que para sobreviver na modalidade, as futebolistas precisavam constantemente reforçar que desejavam continuar jogando, atitude que por vezes resultava no estabelecimento de conflitos com os desejos familiares. A partir do relato de Rafa, por exemplo, percebe-se o empenho de algumas jogadoras para alcançar a projeção dentro do futebol, enquanto esses esforços poderiam resultar em lágrimas de alegria (com a vitória em partidas) ou até mesmo lágrimas de tristeza (nas derrotas) ou refletir as dores sentidas por jogadoras como Iara (com lesões que promovem o afastamento da prática esportiva). Essas jovens são o símbolo de contestação da proeminência androcêntrica e demonstram que práticas não hegemônicas também podem reivindicar um lugar ao sol, literal e metaforicamente.

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITOR DE SEÇÃO Juliano Silveira

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Keli Barreto Santos

Recebido: 22 de Maio de 2021; Aceito: 07 de Julho de 2021

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