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Motrivivência

On-line version ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.33 no.64 Florianópolis  2021  Epub Nov 24, 2021

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2021.e82879 

Porta Aberta

Educação cidadã e saúde na Educação Física escolar: a humanização em tempos líquidos

Citizen education and health in school Physical Education: humanization in liquid times

Educación ciudadana y salud em la Educación Física escolar: la humanización en tiempos líquidos

Mauren Lúcia Braga de Araújo1 
http://orcid.org/0000-0002-8266-0744

Daniel Teixeira Maldonado2 
http://orcid.org/0000-0002-0420-6490

1Universidade Federal do Pampa, Licenciatura em Educação Física, Uruguaiana, RS, Brasil.

2Instituto Federal de São Paulo, Diretoria de Humanidades, São Paulo, SP, Brasil.


RESUMO

O objetivo desse relato de experiência foi problematizar temas relacionados com a saúde nas aulas de Educação Física com uma turma de 2º ano do Ensino Médio, no primeiro semestre de 2021, durante o ensino remoto emergencial. A partir da produção pautada nas Ciências Humanas, foram debatidos com os discentes artigos que abordavam três temas geradores, tais como “corpo, saúde e padrões de beleza”, “esporte, atividade física e saúde” e “saúde, condições socioeconômicas, envelhecimento e diversidade”, rompendo a relação mecanicista entre exercício e qualidade de vida. Fazendo um diálogo entre as contribuições teóricas de Zygmunt Bauman, Boaventura de Sousa Santos e Paulo Freire, evidenciamos que esse projeto educativo problematizou uma ecologia de saberes contra-hegemônicos sobre a saúde, na intencionalidade de ampliar a leitura de mundo dos estudantes, buscar a sua conscientização e a formação da cidadania em tempos líquidos, de avanço das políticas neoliberais e da individualização da vida.

PALAVRAS-CHAVE: Modernidade líquida; Cidadania; Educação física escolar; Ensino médio; Saúde

ABSTRACT

The objective of this experience report was to problematize themes related to health in Physical Education classes with a 2nd year high school class, in the first half of 2021, during emergency remote teaching. Based on the production based on the Human Sciences, articles that addressed three generative themes were debated with the students, such as "body, health and standards of beauty", "sport, physical activity and health" and "health, socioeconomic conditions, aging and diversity”, breaking the mechanistic relationship between exercise and quality of life. Making a dialogue between the theoretical contributions of Zygmunt Bauman, Boaventura de Sousa Santos and Paulo Freire, we show that this educational project problematized an ecology of counter-hegemonic knowledge about health, with the intention of expanding students' reading of the world, seeking their own awareness and formation of citizenship in liquid times, of advancement of neoliberal policies and individualization of life.

KEYWORDS: Net modernity; Citizenship; School physical education; High school; Health

RESUMEN

El objetivo de este informe de experiencia fue problematizar temas relacionados con la salud en las clases de Educación Física con una clase de segundo año de secundaria, en el primer semestre de 2021, durante la enseñanza remota. A partir de la producción basada en las Ciencias Humanas, se debatieron con los estudiantes artículos que abordaron tres temas generativos, como "cuerpo, salud y estándares de belleza", "deporte, actividad física y salud" y "salud, condiciones socioeconómicas, envejecimiento y diversidad”, rompiendo la relación mecanicista entre ejercicio y calidad de vida. Haciendo un diálogo entre los aportes teóricos de Zygmunt Bauman, Boaventura de Sousa Santos y Paulo Freire, mostramos que este proyecto educativo problematizó una ecología de conocimientos contrahegemónicos sobre la salud, con la intención de ampliar la lectura del mundo de los estudiantes, buscando su conciencia y formación de ciudadanía en tiempos líquidos, de políticas neoliberales e individualización de la vida.

PALABRAS-CLAVE: Modernidad líquida; Ciudadanía; Educación física escolar; Escuela secundaria; Salud

INTRODUÇÃO

Imersos num cenário social que vem manifestando os efeitos da passagem paradigmática da sociedade industrial para a sociedade do consumo, experimentamos transformações que conferem cada vez mais insegurança ao cotidiano dos brasileiros e brasileiras. O capitalismo e o consumismo como guia de comportamento na vida social fabricam um ambiente de incertezas que, combinados com os movimentos articulados para a imposição de um Estado Mínimo, intensificam os aspectos individualistas, elitistas e sectaristas em todas as dimensões da sociedade, que tem sua democracia enfraquecida pela falência progressiva da cidadania. Analisar a saúde nos possibilita conjecturar os diferentes cenários sociais, econômicos, políticos, históricos que configuram os modos de vida da humanidade.

Neste ensaio, a lente para analisar o tema saúde parte da escola, particularmente da Educação Física escolar, buscando elementos para compreender e questionar os condicionantes do processo saúde-doença que engendram as formas de abordar o cuidado de si e as práticas de saúde que se tornaram hegemônicas a partir de uma experiência político-pedagógica com uma turma do Ensino, na perspectiva epistemológica que as aulas de Educação Física fazem parte da área de Linguagens e possuem como função social a ampliação da leitura de mundo dos/das estudantes sobre os saberes de resistência produzidos pela comunidade científica relacionados com as práticas corporais e o corpo.

CIÊNCIA DOMINANTE E EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA EM TEMPOS LÍQUIDOS

A construção do pensamento moderno é marcada pelo rompimento com o pensamento escolástico e o estabelecimento da razão como forma autônoma de construção de conhecimento, desligado de preceitos teológicos. O pensamento racional e o método cartesiano são a base de construção da filosofia moderna e abriram caminho para a Revolução Industrial, considerada como marco da era moderna, modificando toda a estrutura social que havia existido até então (BAUMAN, 2001). É na Modernidade também que ocorre a consolidação do capitalismo, onde, sob direção da burguesia, se engendram condições para a construção de uma sociedade regida pelas leis do capital e pautada na abordagem positivista de ciência1, baseada num modelo mecanicista de conhecimento2 (BARROS, 2002). A modernidade, em tempos sólidos, cultivou uma lógica que partilhava uma visão de cultura “universal”, onde todos aqueles que não assimilavam a ordem, eram tratados com suspeita e com franca hostilidade pelo Estado jardineiro3, na intenção de padronizar comportamentos. Esta padronização da sociedade foi tarefa primordial de uma ciência que se entendia responsável pela classificação, ordenação e prescrição de comportamentos.

É nesta visão positivista de ciência que fica ancorado o entendimento dominante de saúde, nesse modelo, de natureza individualista, que entende o sujeito como um ser independente da cultura, tendo todo o seu comportamento passível de prescrições e normatizações e seu corpo passível de mensurações. O pensamento racional era defendido como um eficiente instrumento para a resolução dos problemas humanos e a felicidade humana dependia do quanto a razão fosse utilizada pelas instituições, que eram fontes de segurança e solidez. Alinhada com o pensamento racional, característico dos tempos sólidos da modernidade, a saúde era mais um conceito normativo da sociedade dos produtores, demarcada e protegida pelos limites entre "normal" e "anormal".

Segundo Bauman (2001, p. 91), ser saudável em tempos sólidos significava “ser empregável: ser capaz de um bom desempenho na fábrica, de "carregar o fardo" com que o trabalho pode rotineiramente onerar a resistência física e psíquica do empregado”. Será que nos tempos líquidos, a saúde tem o mesmo sentido? Como se dá a tematização da saúde na escola dos tempos líquidos?

Se o paradigma da sociedade anterior gerava consciência de coletividade - pois era baseado na cultura, nas instituições e nos valores que nasciam na produção da vida material na sociedade industrial; o novo paradigma - baseado no consumo, pode exacerbar o individualismo. Bauman (2001) adverte que todas as estruturas sociais da sociedade industrial, baseadas na estabilidade da “modernidade sólida”, se liquefazem. Esta liquefação a que Bauman (2001) se refere deriva da diluição das referências socialmente construídas, constituindo um contexto de insegurança e individualismo. No cenário da “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001), a mudança é a única coisa permanente, e a incerteza, a única certeza. As pessoas não tomam posições articuladas com a vida em sociedade e as “verdades” são autorreferentes.

Somam-se ao conjunto de efeitos da liquidez as práticas neoliberais de educação de mercado, que reforçam o sistema de homogeneização da cultura e das identidades, privilegiando interesses que movimentam o mercado econômico. Bossle (2019) destaca a terceirização do ensino público, a mercadorização da educação e do currículo, bem como corte de recursos do Estado e a individualidade se sobrepondo às coletividades como efeitos das práticas neoliberais que se impõem através da política curricular da BNCC, por exemplo. Estas práticas convergem com interesses no uso da avaliação PISA, na reforma do Ensino Médio, no Novo Ensino Médio (lei 13.415/2017), que preconiza percursos individuais de escolha do educando, reforça a hierarquia de disciplinas e privilegia conhecimentos da cultura hegemônica (BOSSLE; BOSSLE, 2018). Na lógica da liquidez, em que tudo precisa ficar obsoleto, o conhecimento em profundidade e a aprendizagem a longo prazo perdem espaço para uma agenda de educação empreendedora, o que implica uma submissão ao principal elemento da lógica de mercado: o consumo (BAUMAN, 2001).

Na lógica da gestão empresarial da educação (RAVITCH, 2011), há uma liquefação dos currículos, onde se fragmenta a formação cidadã e a formação para o trabalho, orientada por marcos legais que acabam precarizando a escola pública, pois negam a humanização em detrimento de uma estrutura tecnicista de formação de “empreendedores”. Com a liquefação dos currículos escolares, há uma política de individualização da aprendizagem que engessa o agir no mundo. Bauman (2001, p.26) esclarece que o agir no mundo é “literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir”. Mover-se ou agir com liberdade é, nesse sentido, não experimentar resistência ou dificuldades ao seu querer.

A motivação da libertação, nesse sentido, está nesta estabilidade: quando não enfrento resistências do mundo ao meu querer, não percebo aquilo que me prende, me sinto “livre”. A partir daí, Bauman (2001) explica a liberdade subjetiva e a objetiva (e também a necessidade de libertação subjetiva e objetiva). A liberdade subjetiva envolve a ação do indivíduo na realidade, percebida em relação ao princípio de realidade4, caso as possibilidades práticas de ação estejam dentro das possibilidades deste princípio, tem-se um indivíduo que se sente livre, mas essa liberdade não é objetivamente comprovada, uma vez que a liberdade objetiva depende sempre de possibilidades práticas reais e limitações impostas externamente (pelas relações sociais) e internamente (pelas próprias aspirações de cada indivíduo).

Nesta perspectiva, é possível que, na constante manipulação do querer e das vontades, as pessoas nunca experimentem de fato seu potencial de agir, colocando suas vontades abaixo dos limites da liberdade objetiva, ou seja, é possível que, vivendo na escravidão, se sintam livres e não percebam a necessidade de libertação, perdendo as chances de se tornarem genuinamente livres. Ou ainda, é possível que as pessoas simplesmente não queiram ser livres e rejeitem a perspectiva de libertação pelas dificuldades que o exercício da liberdade pode acarretar. Talvez porque o combustível para isso seja o consumo. Nesse sentido, a ciência a partir da produção recorrente de classificações, acaba impondo normas sociais, incentivando a produção de conhecimento, regulando o consumo de produtos que doam expressiva difusão social de sentidos ao cuidado de si: consuma para ser aceito (bonita, magro, cuidadoso, atraente, etc). Provocativo, Bauman (2001) questiona: “a libertação é uma bênção ou uma maldição?”

O questionamento de Bauman no início dos anos 2000 é um dilema permanente na agenda política da modernidade e, particularmente para as juventudes, que têm sua busca afetada pelos efeitos do consumo, já que se expressam pela experimentação e dependem de aceitação (BAUMAN, 2013). Nesse sentido, a escola, como instituição moderna assume o desafiador papel de educar as juventudes para a contemporaneidade ao mesmo tempo que sustente um projeto de sociedade que subverta a lógica das relações sociais vigentes nos tempos líquidos. Pois, caso assuma intencionalidades determinadas por uma ciência classificatória, acaba reforçando os sentidos de consumo para as juventudes. Mas como formar cidadãos em tempos onde “atitudes globais” ganham status de verdade e seguir as “diretrizes globais” é estar inserido como “cidadão” (GIDDENS, 2002)? Qual a função social da escola, numa sociedade em constante transformação?

Compreendendo a escola como espaço para a construção da conscientização, da cidadania e da transformação social sob a perspectiva de uma educação problematizadora, vislumbramos caminhos possíveis dentro de uma perspectiva de formação cidadã. Para isto, buscamos amparo na perspectiva dialética-dialógica de Freire (1994), onde não existe argumentação que seja predominante, mas um espaço para o compartilhar com o outro e permitir a chegada do novo, ou seja, pode ser que exista a recriação e a transformação para que possa se construir a conscientização.

O DEBATE DA SAÚDE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: em cena a produção científica contra-hegemônica

A Educação Física Escolar buscou legitimidade social e pedagógica demonstrando cientificamente a sua importância para a saúde da população, vinculando um forte discurso que o exercício físico precisa ser considerado um dos remédios mais eficazes contra toda e qualquer forma de doença. Essa realidade se constitui porque a produção acadêmica biomédica sobre saúde se torna majoritária na construção de práticas político-pedagógicas dos docentes desse componente curricular na Educação Básica (ARAÚJO et al., 2020).

Portanto, na compreensão de Araújo et al., (2020), esse contrato sólido com a área biomédica gerou muitas intervenções didáticas que se caracterizaram pela busca de um corpo considerado saudável e obediente pelo olhar das Ciências Naturais, modelando uma escola que promovia a disciplinarização dos corpos para manter os interesses das elites dirigentes e uma aula de Educação Física organizada a partir de práticas escolares para forjar um corpo que reproduz e obedece.

Em diálogo com Araújo et al. (2020), defendemos que as experiências político-pedagógicas realizadas nas aulas do componente curricular que problematizam temas relacionados com a saúde e a qualidade de vida precisam ser organizadas fazendo resistência as formas de poder dominantes das Ciências da Saúde, que historicamente colonizaram as intervenções pedagógicas das professoras e professores de Educação Física, a partir de uma ruptura epistemológica da visão normativa de saúde.

Para atingir essa intencionalidade é necessário que educadores e educadoras coloquem em evidência uma ecologia de saberes contra-hegemônicos (SOUSA SANTOS; MENESES, 2010; SOUSA SANTOS, 2020) sobre as práticas corporais, o corpo e a saúde nas suas aulas de Educação Física no Ensino Médio, na perspectiva de possibilitar que os/as estudantes leiam o mundo sobre esses temas, se conscientizando (FREIRE, 2016).

Assim, dialogando com Bossle et al. (2020) e Maldonado (2021), vivenciamos uma experiência político-pedagógica com estudantes de uma turma do 2º ano do curso de Eletrônica integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de São Paulo, no primeiro semestre de 2021, durante o ensino remoto emergencial, que colocou em evidência os conhecimentos produzidos por grupos que são oprimidos pela racionalidade técnica, turva, ingênua e pobre de saúde produzida pelas Ciências Biomédicas, tentando superar essa visão colonizadora e fatalista de mundo. Dessa forma, procuramos problematizar com os/as discentes outras visões da relação entre práticas corporais, corpo e saúde, que fazem parte da literatura científica contra-hegemônica sobre essas temáticas.

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: por uma ecologia de saberes contra-hegemômicos sobre as práticas corporais, o corpo e a saúde

Na perspectiva de romper com o discurso biomédico que colonizou as práticas educativas da Educação Física na Educação Básica (MANTOVANI; MALDONADO; FREIRE, 2021), analisamos com os/as jovens a produção científica sobre práticas corporais, corpo e saúde, fundamentada nas Ciências Humanas, na intencionalidade de problematizar uma ecologia de saberes contra-hegemônicos sobre essas temáticas com esses/essas estudantes. Nesse contexto, organizamos coletivamente com os/as discentes temas geradores (FREIRE, 2015) que possibilitaram a problematização de saberes relacionados com “corpo, saúde e padrões de beleza”, “esporte, atividade física e saúde” e “saúde, condições socioeconômicas, envelhecimento e diversidade.

Esses temas geradores foram construídos nos diálogos que tivemos com os/as jovens durante todo o ano letivo de 2020, onde vivenciamos diversas experiências educativas com a tematização de esportes, jogos, brincadeiras, ginásticas, lutas e danças. Nesse momento, percebemos que eles e elas tinham uma visão biomédica e normativa de saúde, construída durante o seu percurso escolar nas aulas de Educação Física no Ensino Fundamental.

Após a constituição dos temas geradores, selecionamos 10 artigos científicos que se fundamentaram na produção acadêmica contra-hegemônica das Ciências Humanas para refletir sobre essas temáticas, formamos grupos entre os jovens da turma e solicitamos que eles e elas realizassem a leitura dos textos para futura apresentação. Em grupos de whats, tiramos dúvidas sobre os artigos e marcamos as datas das apresentações. Por conta da pandemia de COVID 19 instalada no Brasil, as aulas foram realizadas de forma remota por videoconferências no google meet.

Depois da realização de encontros síncronos para tirar dúvidas, os jovens apresentaram os artigos escolhidos para o restante da turma, na perspectiva de que todos e todas passassem a ler o mundo de forma crítica (FREIRE, 2011) sobre temas relacionados com a saúde pública, os determinantes sociais da saúde, o padrão de beleza instalado na sociedade contemporânea, a relação entre práticas corporais e a qualidade de vida, a diversidade cultural e saúde e a relação entre atividade física, envelhecimento e saúde. Além disso, os principais resultados do estudo foram evidenciados em forma de charge, tirinha ou história em quadrinhos, com a intencionalidade de produzir conhecimentos a partir de diferentes linguagens.

Na perspectiva de respeitar os procedimentos éticos em estudos que envolvem seres humanos, a identidade dos estudantes não foi mencionada e os trabalhos produzidos por eles nas aulas foram utilizados meramente para ilustrar as reflexões realizadas. Durante o processo de matrícula nessa unidade escolar, todos os jovens e seus responsáveis aceitam que produções acadêmicas realizadas na referida instituição podem ser referenciadas em publicações científicas.

Assim, nas próximas páginas, iremos apresentar as reflexões realizadas em cada uma das aulas em que os/as jovens realizaram as suas apresentações. A escrita foi realizada tendo como base os trabalhos que foram produzidos pelos/pelas estudantes, os debates realizados e os próprios artigos científicos que foram utilizados para fundamentar os temas geradores.

CIÊNCIA DOMINANTE E EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA EM TEMPOS LÍQUIDOS

A construção do pensamento moderno é marcada pelo rompimento com o pensamento escolástico e o estabelecimento da razão como forma autônoma de construção de conhecimento, desligado de preceitos teológicos. O pensamento racional e o método cartesiano são a base de construção da filosofia moderna e abriram caminho para a Revolução Industrial, considerada como marco da era moderna, modificando toda a estrutura social que havia existido até então (BAUMAN, 2001). É na Modernidade também que ocorre a consolidação do capitalismo, onde, sob direção da burguesia, se engendram condições para a construção de uma sociedade regida pelas leis do capital e pautada na abordagem positivista de ciência5, baseada num modelo mecanicista de conhecimento6 (BARROS, 2002). A modernidade, em tempos sólidos, cultivou uma lógica que partilhava uma visão de cultura “universal”, onde todos aqueles que não assimilavam a ordem, eram tratados com suspeita e com franca hostilidade pelo Estado jardineiro7, na intenção de padronizar comportamentos. Esta padronização da sociedade foi tarefa primordial de uma ciência que se entendia responsável pela classificação, ordenação e prescrição de comportamentos.

É nesta visão positivista de ciência que fica ancorado o entendimento dominante de saúde, nesse modelo, de natureza individualista, que entende o sujeito como um ser independente da cultura, tendo todo o seu comportamento passível de prescrições e normatizações e seu corpo passível de mensurações. O pensamento racional era defendido como um eficiente instrumento para a resolução dos problemas humanos e a felicidade humana dependia do quanto a razão fosse utilizada pelas instituições, que eram fontes de segurança e solidez. Alinhada com o pensamento racional, característico dos tempos sólidos da modernidade, a saúde era mais um conceito normativo da sociedade dos produtores, demarcada e protegida pelos limites entre "normal" e "anormal".

Segundo Bauman (2001, p. 91), ser saudável em tempos sólidos significava “ser empregável: ser capaz de um bom desempenho na fábrica, de "carregar o fardo" com que o trabalho pode rotineiramente onerar a resistência física e psíquica do empregado”. Será que nos tempos líquidos, a saúde tem o mesmo sentido? Como se dá a tematização da saúde na escola dos tempos líquidos?

Se o paradigma da sociedade anterior gerava consciência de coletividade - pois era baseado na cultura, nas instituições e nos valores que nasciam na produção da vida material na sociedade industrial; o novo paradigma - baseado no consumo, pode exacerbar o individualismo. Bauman (2001) adverte que todas as estruturas sociais da sociedade industrial, baseadas na estabilidade da “modernidade sólida”, se liquefazem. Esta liquefação a que Bauman (2001) se refere deriva da diluição das referências socialmente construídas, constituindo um contexto de insegurança e individualismo. No cenário da “modernidade líquida” (BAUMAN, 2001), a mudança é a única coisa permanente, e a incerteza, a única certeza. As pessoas não tomam posições articuladas com a vida em sociedade e as “verdades” são autorreferentes.

Somam-se ao conjunto de efeitos da liquidez as práticas neoliberais de educação de mercado, que reforçam o sistema de homogeneização da cultura e das identidades, privilegiando interesses que movimentam o mercado econômico. Bossle (2019) destaca a terceirização do ensino público, a mercadorização da educação e do currículo, bem como corte de recursos do Estado e a individualidade se sobrepondo às coletividades como efeitos das práticas neoliberais que se impõem através da política curricular da BNCC, por exemplo. Estas práticas convergem com interesses no uso da avaliação PISA, na reforma do Ensino Médio, no Novo Ensino Médio (lei 13.415/2017), que preconiza percursos individuais de escolha do educando, reforça a hierarquia de disciplinas e privilegia conhecimentos da cultura hegemônica (BOSSLE; BOSSLE, 2018). Na lógica da liquidez, em que tudo precisa ficar obsoleto, o conhecimento em profundidade e a aprendizagem a longo prazo perdem espaço para uma agenda de educação empreendedora, o que implica uma submissão ao principal elemento da lógica de mercado: o consumo (BAUMAN, 2001).

Na lógica da gestão empresarial da educação (RAVITCH, 2011), há uma liquefação dos currículos, onde se fragmenta a formação cidadã e a formação para o trabalho, orientada por marcos legais que acabam precarizando a escola pública, pois negam a humanização em detrimento de uma estrutura tecnicista de formação de “empreendedores”. Com a liquefação dos currículos escolares, há uma política de individualização da aprendizagem que engessa o agir no mundo. Bauman (2001, p.26) esclarece que o agir no mundo é “literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir”. Mover-se ou agir com liberdade é, nesse sentido, não experimentar resistência ou dificuldades ao seu querer.

A motivação da libertação, nesse sentido, está nesta estabilidade: quando não enfrento resistências do mundo ao meu querer, não percebo aquilo que me prende, me sinto “livre”. A partir daí, Bauman (2001) explica a liberdade subjetiva e a objetiva (e também a necessidade de libertação subjetiva e objetiva). A liberdade subjetiva envolve a ação do indivíduo na realidade, percebida em relação ao princípio de realidade8, caso as possibilidades práticas de ação estejam dentro das possibilidades deste princípio, tem-se um indivíduo que se sente livre, mas essa liberdade não é objetivamente comprovada, uma vez que a liberdade objetiva depende sempre de possibilidades práticas reais e limitações impostas externamente (pelas relações sociais) e internamente (pelas próprias aspirações de cada indivíduo).

Nesta perspectiva, é possível que, na constante manipulação do querer e das vontades, as pessoas nunca experimentem de fato seu potencial de agir, colocando suas vontades abaixo dos limites da liberdade objetiva, ou seja, é possível que, vivendo na escravidão, se sintam livres e não percebam a necessidade de libertação, perdendo as chances de se tornarem genuinamente livres. Ou ainda, é possível que as pessoas simplesmente não queiram ser livres e rejeitem a perspectiva de libertação pelas dificuldades que o exercício da liberdade pode acarretar. Talvez porque o combustível para isso seja o consumo. Nesse sentido, a ciência a partir da produção recorrente de classificações, acaba impondo normas sociais, incentivando a produção de conhecimento, regulando o consumo de produtos que doam expressiva difusão social de sentidos ao cuidado de si: consuma para ser aceito (bonita, magro, cuidadoso, atraente, etc). Provocativo, Bauman (2001) questiona: “a libertação é uma bênção ou uma maldição?”

O questionamento de Bauman no início dos anos 2000 é um dilema permanente na agenda política da modernidade e, particularmente para as juventudes, que têm sua busca afetada pelos efeitos do consumo, já que se expressam pela experimentação e dependem de aceitação (BAUMAN, 2013). Nesse sentido, a escola, como instituição moderna assume o desafiador papel de educar as juventudes para a contemporaneidade ao mesmo tempo que sustente um projeto de sociedade que subverta a lógica das relações sociais vigentes nos tempos líquidos. Pois, caso assuma intencionalidades determinadas por uma ciência classificatória, acaba reforçando os sentidos de consumo para as juventudes. Mas como formar cidadãos em tempos onde “atitudes globais” ganham status de verdade e seguir as “diretrizes globais” é estar inserido como “cidadão” (GIDDENS, 2002)? Qual a função social da escola, numa sociedade em constante transformação?

Compreendendo a escola como espaço para a construção da conscientização, da cidadania e da transformação social sob a perspectiva de uma educação problematizadora, vislumbramos caminhos possíveis dentro de uma perspectiva de formação cidadã. Para isto, buscamos amparo na perspectiva dialética-dialógica de Freire (1994), onde não existe argumentação que seja predominante, mas um espaço para o compartilhar com o outro e permitir a chegada do novo, ou seja, pode ser que exista a recriação e a transformação para que possa se construir a conscientização.

O DEBATE DA SAÚDE NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: em cena a produção científica contra-hegemônica

A Educação Física Escolar buscou legitimidade social e pedagógica demonstrando cientificamente a sua importância para a saúde da população, vinculando um forte discurso que o exercício físico precisa ser considerado um dos remédios mais eficazes contra toda e qualquer forma de doença. Essa realidade se constitui porque a produção acadêmica biomédica sobre saúde se torna majoritária na construção de práticas político-pedagógicas dos docentes desse componente curricular na Educação Básica (ARAÚJO et al., 2020).

Portanto, na compreensão de Araújo et al., (2020), esse contrato sólido com a área biomédica gerou muitas intervenções didáticas que se caracterizaram pela busca de um corpo considerado saudável e obediente pelo olhar das Ciências Naturais, modelando uma escola que promovia a disciplinarização dos corpos para manter os interesses das elites dirigentes e uma aula de Educação Física organizada a partir de práticas escolares para forjar um corpo que reproduz e obedece.

Em diálogo com Araújo et al. (2020), defendemos que as experiências político-pedagógicas realizadas nas aulas do componente curricular que problematizam temas relacionados com a saúde e a qualidade de vida precisam ser organizadas fazendo resistência as formas de poder dominantes das Ciências da Saúde, que historicamente colonizaram as intervenções pedagógicas das professoras e professores de Educação Física, a partir de uma ruptura epistemológica da visão normativa de saúde.

Para atingir essa intencionalidade é necessário que educadores e educadoras coloquem em evidência uma ecologia de saberes contra-hegemônicos (SOUSA SANTOS; MENESES, 2010; SOUSA SANTOS, 2020) sobre as práticas corporais, o corpo e a saúde nas suas aulas de Educação Física no Ensino Médio, na perspectiva de possibilitar que os/as estudantes leiam o mundo sobre esses temas, se conscientizando (FREIRE, 2016).

Assim, dialogando com Bossle et al. (2020) e Maldonado (2021), vivenciamos uma experiência político-pedagógica com estudantes de uma turma do 2º ano do curso de Eletrônica integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de São Paulo, no primeiro semestre de 2021, durante o ensino remoto emergencial, que colocou em evidência os conhecimentos produzidos por grupos que são oprimidos pela racionalidade técnica, turva, ingênua e pobre de saúde produzida pelas Ciências Biomédicas, tentando superar essa visão colonizadora e fatalista de mundo. Dessa forma, procuramos problematizar com os/as discentes outras visões da relação entre práticas corporais, corpo e saúde, que fazem parte da literatura científica contra-hegemônica sobre essas temáticas.

EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO: por uma ecologia de saberes contra-hegemômicos sobre as práticas corporais, o corpo e a saúde

Na perspectiva de romper com o discurso biomédico que colonizou as práticas educativas da Educação Física na Educação Básica (MANTOVANI; MALDONADO; FREIRE, 2021), analisamos com os/as jovens a produção científica sobre práticas corporais, corpo e saúde, fundamentada nas Ciências Humanas, na intencionalidade de problematizar uma ecologia de saberes contra-hegemônicos sobre essas temáticas com esses/essas estudantes. Nesse contexto, organizamos coletivamente com os/as discentes temas geradores (FREIRE, 2015) que possibilitaram a problematização de saberes relacionados com “corpo, saúde e padrões de beleza”, “esporte, atividade física e saúde” e “saúde, condições socioeconômicas, envelhecimento e diversidade.

Esses temas geradores foram construídos nos diálogos que tivemos com os/as jovens durante todo o ano letivo de 2020, onde vivenciamos diversas experiências educativas com a tematização de esportes, jogos, brincadeiras, ginásticas, lutas e danças. Nesse momento, percebemos que eles e elas tinham uma visão biomédica e normativa de saúde, construída durante o seu percurso escolar nas aulas de Educação Física no Ensino Fundamental.

Após a constituição dos temas geradores, selecionamos 10 artigos científicos que se fundamentaram na produção acadêmica contra-hegemônica das Ciências Humanas para refletir sobre essas temáticas, formamos grupos entre os jovens da turma e solicitamos que eles e elas realizassem a leitura dos textos para futura apresentação. Em grupos de whats, tiramos dúvidas sobre os artigos e marcamos as datas das apresentações. Por conta da pandemia de COVID 19 instalada no Brasil, as aulas foram realizadas de forma remota por videoconferências no google meet.

Depois da realização de encontros síncronos para tirar dúvidas, os jovens apresentaram os artigos escolhidos para o restante da turma, na perspectiva de que todos e todas passassem a ler o mundo de forma crítica (FREIRE, 2011) sobre temas relacionados com a saúde pública, os determinantes sociais da saúde, o padrão de beleza instalado na sociedade contemporânea, a relação entre práticas corporais e a qualidade de vida, a diversidade cultural e saúde e a relação entre atividade física, envelhecimento e saúde. Além disso, os principais resultados do estudo foram evidenciados em forma de charge, tirinha ou história em quadrinhos, com a intencionalidade de produzir conhecimentos a partir de diferentes linguagens.

Na perspectiva de respeitar os procedimentos éticos em estudos que envolvem seres humanos, a identidade dos estudantes não foi mencionada e os trabalhos produzidos por eles nas aulas foram utilizados meramente para ilustrar as reflexões realizadas. Durante o processo de matrícula nessa unidade escolar, todos os jovens e seus responsáveis aceitam que produções acadêmicas realizadas na referida instituição podem ser referenciadas em publicações científicas.

Assim, nas próximas páginas, iremos apresentar as reflexões realizadas em cada uma das aulas em que os/as jovens realizaram as suas apresentações. A escrita foi realizada tendo como base os trabalhos que foram produzidos pelos/pelas estudantes, os debates realizados e os próprios artigos científicos que foram utilizados para fundamentar os temas geradores.

CORPO, SAÚDE E PADRÕES DE BELEZA

A partir da apresentação do artigo intitulado “Discurso, culto ao corpo e identidade: representação do corpo feminino em revistas brasileiras”, foi possível compreender que o padrão de beleza está em constante mudança e que há um mercado por trás deste estereótipo. Além disso, esse mercado hora vende a ideia de um corpo magro como o “ideal”, e outrora vende a ideia do corpo musculoso como sinônimo de belo, gerando, assim, um dinâmico e intenso consumismo que incentiva a busca cega e desenfreada pelo “corpo perfeito”. A instituição que, supostamente, faz com que esse mercado venda a ideia de tal “padrão de beleza”, é a mídia por meio das revistas, redes sociais e propagandas audiovisuais que usam a imagem do um corpo de mulher considerada dentro dos padrões socioculturais impostos como o intuito de promover a venda de algum serviço ou produto (FIGUEIREDO; NASCIMENTO; RODRIGUES, 2017).

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 1 Discurso, culto ao corpo e identidade: representação do corpo feminino em revistas brasileiras 

Já a produção científica “Sociedade de Controle e Redes Sociais na internet: saúde e corpo no Instagram” mostrou que muitos influenciadores digitais condicionam o pensamento de seus seguidores para alcançar o “corpo perfeito”, assimilando o corpo magro como saudável e bonito e corpo gordo como feio e maléfico à saúde. As grandes marcas patrocinam essas pessoas com produtos que disseminam cada vez mais a ilusão de uma vida perfeita e ideal, e estes que divulgam nem sempre levam uma vida feliz, mas maquiam suas decepções e mostram o que lhes convém (LEITZKE; RIGO, 2020). Portanto, de acordo com a charge organizada pelos integrantes do grupo que apresentaram esse artigo, as pessoas viram manequins da rede social, ou das postagens dos influenciadores com o intuito de alcançar essa tal aclamada “perfeição”. Isso proporciona uma ideia de "vida feliz e perfeita", que levam todas as outras pessoas a se sentirem extremamente tristes, achando que todos tem uma vida ideal, quando na verdade mostram apenas o que querem que os outros vejam sobre sua vida.

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 2 Sociedade de Controle e Redes Sociais na internet: saúde e corpo no Instagram 

O debate sobre a influência do padrão de beleza na busca de um corpo considerado perfeito para pessoas transexuais também foi realizado a partir do artigo “(Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza”. Essa reflexão levou a compreensão de que as pessoas trans acabam tão inferiorizadas que lhes resta apenas a prostituição como forma de trabalho em muitos contextos, num meio onde o corpo padrão é tido mais ainda como perfeito, nos moldes dos padrões sociais. Dessa forma, para tornar seus corpos aceitos e parecidos ao padrão, tanto quanto feminino ou masculino, eles e elas passam por procedimentos cirúrgicos, ou até se medicam com hormônios para fazer com que seu corpo adquira uma aparência “mais masculina” ou “mais feminina”. Ademais, há o gradativo aumento de homens ou mulheres trans que se submetem a cirurgias de alto risco para aplicação de silicone e redução de gorduras, muitas vezes em clínicas mais acessíveis, onde não há a devida precaução com a saúde do paciente, levando-os a sérios problemas e ainda colocando suas vidas em risco (ROCON et al., 2017).

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 3 (Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza 

As análises sobre o tema gerador relacionado com o corpo, a saúde e os padrões de beleza foram finalizadas com o artigo “Os “pesos” de ser obeso: traços fascistas no ideário de saúde contemporânea”, na perspectiva de refletir sobre a forma que as pessoas obesas são tratadas na sociedade. A partir a fala do fundador de uma rede alimentícia famosa, publicada em um jornal de grande circulação, se afirma que os obesos são vistos como culpados pela sua condição de saúde e ao mesmo tempo se critica os gastos com essas pessoas nos hospitais por conta das doenças crônicas adquiridas pela sua alimentação inadequada e sedentarismo. Todavia, esse discurso se torna hipócrita no ponto em que num paradoxo esse sujeito critica as pessoas obesas e o gasto da saúde com elas, no entanto banca seus luxos com o lucro de restaurantes fast food (PALMA et al., 2012). Assim, sua imagem como pessoa pública, incentiva erroneamente a propagação da gordofobia. Além disso, a partir da charge produzida pelos estudantes conseguimos debater sobre a forma que os obesos são julgados, como que se fossem criminosos, discriminando-os com um olhar julgador e preconceituoso.

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 4 Os “pesos” de ser obeso: traços fascistas no ideário de saúde contemporânea 

Após as quatro apresentações, finalizamos esse debate com os estudantes fazendo algumas reflexões sobre o tema em tela. Os padrões de beleza são uma falsa imagem vendida pela mídia para que seus consumidores fiquem insatisfeitos com seus corpos, querendo assim comprar diversos produtos e sofrendo vários riscos a sua própria saúde para ter um “corpo ideal”. Exemplos de “corpo ideal” estão nas revistas, que utilizam a imagem de pessoas influentes na mídia para atingir o público, “instituindo” um padrão de beleza impossível de ser alcançado naturalmente pela grande maioria da população. Assim, as pessoas que desejam esses corpos são influenciadas e incentivadas consumirem procedimentos estéticos, dietas extremas, e usar produtos que são prejudiciais à saúde. Isso gera um mercado muito grande que vende determinados tipos de corpos como ideais.

Outra mídia muito influente neste grande mercado são as redes sociais, utilizadas como meio de “divulgação” de estilos de vida, que influenciam pessoas, compartilhando na internet receitas de “vida fitness”. Ou seja, a beleza mostrada no Instagram por exemplo, não tem relação com saúde e, por vezes manipulam os usuários desse meio de comunicação, levando-os a uma vida não saudável para a tentativa de chegar num padrão de beleza imposto pela sociedade virtual. Outro ponto de debate foi sobre o padrão de beleza implícito na comunidade transexual e, para isso, eles e elas precisam passar por diversos procedimentos perigosos, correndo riscos para alcançar esses padrões, buscando o conforto próprio e encaixar-se na sociedade. Ao falar de padrões de beleza e saúde, os e as jovens mencionaram o tema da obesidade e sobre como, muitas vezes é tratada como um crime ou usada como culpabilização do indivíduo. Além disso, os próprios empresários do ramo alimentício promovem discursos contra esses sujeitos, mas lucram com a venda de alimentos altamente calóricos e que fazem muito mal para a saúde.

Segundo Bauman (2013), por meio da força educacional de uma cultura que comercializa todos os aspectos da vida, através das tecnologias de mídia, as instituições empresariais buscam imergir os jovens num mundo de consumo em massa, de maneiras mais amplas e diretas que qualquer coisa que possamos ter visto no passado. É nesse ponto que as juventudes estão vulneráveis, pois buscam identidade através da experimentação e aceitação.

ESPORTE, ATIVIDADE FÍSICA E SAÚDE

As reflexões relacionadas com a temática de esporte, atividade física e saúde foram iniciadas com a produção científica “Pelo meu histórico de atleta [...]: a análise do discurso e a linearidade esporte-saúde” com a intencionalidade de problematizar o discurso realizado durante a pandemia pelo presidente Jair Bolsonaro: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria, ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha”. Segundo Prata, Silva e Alves Júnior (2020) essa fala foi criticada por profissionais da saúde e gerou uma despreocupação da população em relação à doença. Os efeitos de uma fala descomprometida com a ciência foram refletidos na população, que banalizou estratégias coletivas de cuidados para o enfrentamento da pandemia, o que repercutiu no número de mortes. Possuir um “histórico de atleta” não garante imunidade absoluta acerca do Covid-19 e outras doenças. Nesse contexto, com a análise desse artigo foi possível concluir que a desinformação pode gerar graves danos à população, especialmente quanto ao número de pessoas atingidas e influenciadas pela mensagem. E a relação entre atividades físicas e saúde não é direta, porque tem interferência de outros fatores.

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 5 Pelo meu histórico de atleta [...]: a análise do discurso e a linearidade esporte-saúde 

Com a intencionalidade de continuar a discussão sobre a realização de atividades físicas e esportivas durante a pandemia da COVID 19 utilizamos o artigo "O novo normal" na atividade física e saúde: pandemias e uberização?”. Podemos definir a uberização, como um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mudanças qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim como às formas de controle, gerenciamento e exploração do trabalho, originado pela empresa uber e seus ramos semelhantes como ifood, ubereats etc. Na uberização, o trabalhador se torna gestor/empresário de si mesmo, favorecendo o discurso da autonomia, no entanto, os indivíduos iniciam sua jornada sem saber ou poder definir qual será sua carga horária de trabalho, seu salário e qual o tempo necessário para obter a remuneração que considera necessária. Com isso, o trabalhador precisa prestar serviço para mais de uma empresa/aplicativo, que detém o poder de definir regras e o valor da remuneração (CARVALHO; FREITAS; AKERMAN, 2021).

Quando falamos de uberização, temos uma falsa ilusão de que, se formos trabalhar o horário que queremos, será considerado como algo bom. Mas o que realmente acontece é que o empregado perde seus direitos, porque essas pessoas não terão carteira assinada, muito menos algum direito necessário, caso algo venha a acontecer. Muitas vezes, esses trabalhadores exercem a sua função no mercado de trabalho com o próprio corpo, sem uma previsão total de horas para encerrar a sua jornada. Isso exige um esforço físico muito grande e uma remuneração inadequada. Nesse contexto, temos uma pandemia de um vírus que mata muitas pessoas, mas os problemas trabalhistas que a uberização vem trazendo, é uma outra pandemia, pois fará com que esses trabalhadores percam seus direitos e sua qualidade de vida (CARVALHO; FREITAS; AKERMAN, 2021).

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 6 "O novo normal" na atividade física e saúde: pandemia e uberização? 

O terceiro texto problematizado com os/as estudantes foi o “Espraiamento discursivo da cultura do fitness na contemporaneidade”, analisando o que tanto atrai as pessoas para esse mundo. Primeiramente, fitness significa uma pessoa ser fisicamente saudável e o espraiamento significa espalhar/dissipar, uma ideia, por exemplo. E com isso a questão do culto ao corpo, que é fundamentada pela obsessão e fixação dos corpos musculosos, influencia ainda mais a questão do padrão social. Isso é feito através da moda e das mídias sociais, além de estar dentro de um contexto sociocultural. Mas o que leva esse movimento ter tanta credibilidade e ser tão grande? Isso pode estar ligado ao apoio de cientistas e estudos, que dizem que a atividade física pode ajudar em um melhor estilo de vida e na prevenção de doenças (SCHWENGBER; BRACHTVOGEL; CARVALHO, 2018).

Mas essa cultura do fitness pode ir além disso, pelo fato da biopolítica que atinge um público-alvo, onde se consiste na criação de um mercado por trás desse movimento. E é aí que começa a criação daqueles famosos produtos milagrosos e métodos mirabolantes de emagrecimento, tudo com um objetivo de lucro, ao invés da saúde. Finalizamos o debate mencionando que esse movimento surgiu pela fisiologia, incentivado pelo consumismo liberal, usando o discurso fitness e seu alto número de adeptos junto com o cunho emergencial como atrativos. Ou seja, um discurso que faz com que o indivíduo goste do mundo fitness (através de propagandas e discursos de vida) e comece a praticar por uma questão física e não para melhorar a saúde (SCHWENGBER; BRACHTVOGEL; CARVALHO, 2018).

No consumo de conselhos das ‘autoridades’, os exemplos que contribuem para o cultivo do estilo de vida de cada indivíduo provém da vigilância dos estilos de vida de outros, o que pode ser percebido na influência que as “celebridades das redes sociais” assumem na orientação de condutas na contemporaneidade. O consumo ganha força na comodificação, pois, para ter fluidez de acessos (ser aceito em grupos sociais, empregos, relações…), é preciso “encaixar-se”. Bauman (2008) adverte que “ninguém pode tornar-se sujeito sem antes virar mercadoria e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável” (BAUMAN, 2008, p. 20).

O artigo intitulado “Experiência de dor e lesão no desporto feminino” foi apresentando para finalizarmos a discussão sobre a relação (im)pertinente entre esporte, atividade física e saúde. Para Pinheiro et al. (2011) atualmente no esporte, a vitória é cada vez mais valorizada, o que enfraquece a importância da participação das pessoas nas modalidades esportivas com o objetivo de lazer ou melhorar a saúde. Para vencer a todo custo, muitos atletas têm demonstrado grande preparação para treinar e competir mesmo sofrendo de dores e lesões, e muita das vezes, quando não estão suportando as dores, eles e elas investem no uso de analgésicos, negligenciando os efeitos colaterais que tais substâncias terão sobre a sua saúde ao longo prazo. Com isso, os/as estudantes conseguiram compreender que a persistência em treinos excessivos pode colocar em risco a saúde do atleta, e que futuramente será visível todas as consequências que esse esforço corporal em excesso pode proporcionar ao corpo dos sujeitos.

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 7 Experiência de dor e lesão no desporto feminino 

Concluímos as reflexões sobre o tema gerador “esporte, atividade física e saúde” mencionando que, com o passar do tempo, a ideia de saúde sofreu significativas alterações. O que, antigamente, era apenas uma questão de manter uma alimentação saudável, praticar exercícios para a saúde mental e física, entre outros, hoje é apresentado de forma mais tóxica, contribuindo até para a imposição dos padrões de beleza na sociedade. Essas mudanças decorrentes têm também ligação com novos ideais de termos populares, como o termo “fitness” (“ginástica" em inglês), que hoje, ao invés de desconstruir a noção de aptidão física como saúde ou da associação direta entre esporte de rendimento e saúde, impõe padrões de “corpos saudáveis” como corpos malhados e definidos, trazendo à sociedade a necessidade de manter rotinas de exercício não mais pela saúde e bem-estar, mas pelo alcance de corpos que estão de acordo com o que é, supostamente, mais esbelto.

Também ressaltamos o discurso equivocado de que esporte, de forma geral, é sinônimo de saúde. Podemos, por exemplo, lidar com o eixo econômico da uberização. O termo questiona muitos tópicos relacionados ao esporte, pois, embora tenha sido bom para a economia dos donos das grandes empresas, está se tornando algo prático que afeta a vida de muitas pessoas. Esse tipo de vida costuma ser adotado por aqueles que não têm escolha, pois, ao contrário de outras profissões, esses trabalhadores não possuem um vínculo permanente com a empresa que os contrata. Tais trabalhadores, fazem e recolhem as entregas, contudo alguns requisitos básicos trabalhistas, como previdência social, são negligenciados nesse campo, fazendo com que essas pessoas exerçam suas funções mesmo quando eles estão doentes, pois seus recursos diários têm impacto em suas condições de vida. Nesse sentido, a turma ampliou o entendimento de que não é possível afirmar que o esforço físico laboral que esses trabalhadores fazem é bom para sua saúde.

Destarte, quando dialogamos sobre o excesso de exercícios físicos, é inevitável que investiguemos, também, sobre temas relacionados a dores e lesões na prática do ato. É sabido que, para ter um alto desempenho, os atletas, geralmente, se dedicam ao máximo nos treinos, o que pode gerar, dependendo do contexto, muitas questões relacionadas à sua identidade e à sua saúde. Assim, em muitos casos, os treinadores acabam incentivando os atletas a treinarem mesmo com o indivíduo sentindo muita dor. Logo, com toda pressão para obter um alto desempenho, o praticante de determinado esporte acaba por se sentir incapaz de realizar o seu papel dentro da equipe.

As discussões sobre o assunto se estenderam por uma grande variedade de tópicos. Um deles foi protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro que, durante um dos seus discursos sobre a pandemia, associou a prática esportiva com uma suposta maneira de evitar/imunizar-se de doenças, como a COVID-19. Dessa forma, através do estudo analisado, sobretudo, pelo momento em essa fala aconteceu, anterior ao início da vacinação, entendemos que ela foi problemática porque o risco de contaminação em academias e clubes, e consequente aumento do risco de agravamento, mortes e saturação do sistema de saúde, era maior do que a proteção (sobre a qual ainda não se tinham informações, apenas possíveis associações que o exercício poderia oferecer). Destarte, ressaltamos que a prática de atividade física, apesar de não evitar que a pessoa contraia o coronavírus, pode melhorar a resposta imunológica e mais estudos precisam ser realizados sobre o tema para trazer mais elementos científicos sobre essa questão.

Jair Bolsonaro, como presidente do Brasil e, consequentemente, como a pessoa com maior influência no país, teve uma atitude totalmente irresponsável em seu ato público, levando muitas pessoas a acreditarem que a Covid-19 não é uma doença que mereça alto teor de preocupação e cautela.

Assim sendo, compreendemos que muitas das associações compartilhadas pela sociedade sobre “esporte, atividade física e saúde” podem ser problematizadoras e reinterpretadas. E que as relações de poder que atravessam esses temas produzem “verdades” nem tão verdadeiras.

SAÚDE, CONDIÇÕES SOCIOECONÔMICAS, ENVELHECIMENTO E DIVERSIDADE

O último tema gerador debatido com os/as jovens tratou sobre a relação entre “saúde, condições socioeconômicas, envelhecimento e diversidade”. Assim, começamos essas reflexões com o artigo intitulado “Reflexões acerca da adesão aos exercícios físicos: comportamento de risco ou vulnerabilidade?”. Analisando os resultados da pesquisa, foi possível perceber que existem diversos fatores que se caracterizam como obstáculos para as pessoas que buscam uma vida saudável, mas por apresentarem certa vulnerabilidade física, acabam sendo impedidas de vivenciar os gestos de diversificadas práticas corporais devido aos padrões que a sociedade impõe sobre estes. Podemos citar como exemplo, o preconceito dos frequentadores de academias contra os obesos que estão buscando um estilo de vida mais ativo. Por apresentarem sobrepeso, recebem olhares e comentários julgadores e inconvenientes, que os fazem não se sentir pertencentes a um ambiente que deveria acolher todo aquele que busca melhorar a sua qualidade de vida. Temos ainda o exemplo dos idosos, que erroneamente são subjugados como sedentários, “velhos demais” e inúteis para praticar atividades físicas e/ou esportes que têm em seu número de adeptos um público jovial, quando na realidade, buscam fugir do sedentarismo e melhorar sua saúde. Além destes, ainda podemos citar a capacidade econômica individual como uma barreira para a prática regular de atividade física em academias. Nesse aspecto, o valor desses espaços é um ponto de dificuldade perante tal situação, uma vez que a qualidade da academia está diretamente ligada ao valor pago, sendo as melhores sempre mais caras. Portanto, esses valores que variam de dois a três dígitos fazem com que as pessoas com menor poder socioeconômico não vivenciem uma experiência nesses locais (PALMA et al., 2003).

Para tanto, essa vulnerabilidade ocasiona a exclusão de outros tipos de pessoas e grupos sociais como os supracitados, apenas pelo motivo de não se “enquadrarem” nos padrões físico-sociais impostos para a prática de determinada modalidade. O que muitas vezes acaba ficando implícito é a real intenção dos inferiorizados, que são rotulados como preguiçosos e sedentários, quando na verdade, o real motivo para evitarem tais práticas e ambientes está no medo e vergonha dos olhares e comentários negativos, e não em sua falta de vontade.

Como podemos observar, a proclamação dos benefícios da vida saudável e ativa numa sociedade de consumo (BAUMAN, 2001) produz significados que vão além da venda de produtos e serviços, mas cultivam fundamentalmente, a ideia, o estilo, o imaginário. Isso reflete na solidificação de significados como a valorização de quem se movimenta em detrimento de quem é sedentário, de quem é jovem em detrimento de quem é idoso, por exemplo. Imprimindo, nessas classificações, sentidos que recaem sobre o próprio indivíduo: irresponsabilidade, desleixo, displicência; indicando que o “sedentário”, por exemplo, não cuidou suficientemente da própria saúde.

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 8 Reflexões acerca da adesão aos exercícios físicos: comportamento de risco ou vulnerabilidade? 

Como reflexão da apresentação do estudo “O doce amargo sabor do envelhecimento”: discursos, práticas corporais e experiências geracionais foi possível perceber o nível de exclusão que são expostos os idosos, que buscam e não se encaixam, ou ainda evitam frequentar lugares de prática esportiva pelo julgamento e rejeição das demais pessoas que frequentam estes lugares, simplesmente pela idade que têm. Por parte das academias, a grande maioria - se não todas - evitam a admissão de idosos por não serem seu público-alvo e não se enquadrarem nos padrões impostos para frequentar tais ambientes; o idoso é tratado por quase todos os mais novos como “velhos” e sem valor, não tendo um acolhimento necessário nas academias, que por sua vez deveriam abranger seus espaços com equipamentos que ajudem os idosos a ter um estilo de vida mais ativo e saudável, e não restringi-lo de forma que se sinta julgado como incapaz (SOARES; MOURÃO; ALVES JÚNIOR, 2015).

Para mudar essa realidade, essa pesquisa mostrou os ganhos que são gerados pela vivência das práticas corporais em mulheres idosas a partir do incentivo de um projeto social. O mesmo funciona da seguinte maneira: elas são submetidas a narrarem conflitos marcantes que ocorreram em suas experiências de vida, de modo com que o processo de envelhecimento se desfaça de forma positiva. Assim, os métodos utilizados pelas idosas são nas atividades físicas, incluindo a dança, o alongamento e inúmeras outras propostas. Apesar de tudo, infelizmente existe um preconceito muito grande de quem é mais novo em relação à queles que já são considerados idosos (SOARES; MOURÃO; ALVES JÚNIOR, 2015).

Fonte: Produzido pelos(as) estudantes nas aulas de Educação Física Escolar

Charge 9 “O doce amargo sabor do envelhecimento”: discursos, práticas corporais e experiências geracionais 

Ao finalizar o projeto educativo com o último tema gerador problematizado nas aulas (saúde, condições socioeconômicas, envelhecimento e diversidade) foi possível compreender que muitas pessoas ainda acreditam que a ausência de doenças significa uma saúde boa e confundem as ideias do que é um grupo de risco e o que são comportamentos de risco (que no caso são hábitos que a pessoa tende a ter, atitudes e costumes do dia a dia que podem acarretar doenças a longo ou curto prazo) e como sobre tudo isso, entra a parte socioeconômica também. Através das pesquisas analisadas, podemos ver que tudo está ligado a sociedade, inclusive a adesão aos exercícios físicos está relacionada com a situação profissional, estado civil, escolaridade e várias outras questões sociais. Entendemos que esse estado de vulnerabilidade pode ter relação com os comportamentos de risco, mas se relaciona principalmente com a parte mais desprivilegiada da sociedade, com menos condições, isso leva a falta de recursos, desigualdade de classes e maior taxa de doenças entre esses sujeitos, como foi demonstrado em um recente estudo realizado por Ribeiro et al. (2021), que pesquisaram mortes por covid-19 em São Paulo e encontraram dados que expressam a desigualdade através dos falecimentos por essa doença.

A partir deste debate, entendemos que a idade cronológica pode influenciar na relação dos idosos com as práticas corporais, o que evidencia a importância de políticas públicas que rompam as barreiras para as práticas corporais observadas em nossas discussões.

REFLEXÕES SOBRE A EXPERIÊNCIA POLÍTICO-PEDAGÓGICA

Após a finalização do projeto educativo, destacamos que os estudantes receberam muito bem a proposta e se envolveram nas aulas. Ainda mencionamos que para todos e todas se envolverem nas atividades propostas, enquanto alguns grupos apresentavam os seus trabalhos relacionando as temáticas com o tema gerador problematizado naquele momento, os outros jovens produziam perguntas e uma análise crítica daquela temática. Após a finalização da aula, eles e elas enviavam essa atividade para o docente pelos grupos de whats, possibilitando que o educador compreendesse até onde acontecia a tomada de consciência desses alunos sobre os saberes contra-hegemônicos relacionados com a saúde sistematizados.

Outro ponto importante a ser analisado foi o processo de construção das imagens e das apresentações. Durante todo o semestre letivo, fizemos plantões com os discentes para tirar dúvidas sobre termos técnicos dos artigos e pensarmos juntos na organização das charges, tirinhas e historinhas em quadrinhos. Como foi a primeira vez que a maioria desses alunos trabalhou com publicações científicas, esses procedimentos didáticos eram muito importantes para a tomada de consciência sobre os saberes debatidos nas aulas.

Também percebemos que, ao final do processo, alguns estudantes manifestavam uma consciência ingênua sobre a relação das práticas corporais com o padrão de beleza, a relação (im)pertinente sobre a prática esportiva e a saúde e as questões que envolvem a condições socioeconômicas e diversidade cultural na vivência de diversificadas manifestações da cultura corporal. Assim, daremos continuidade ao projeto pois mais um semestre solicitando que todos e todas produzam um documentário relacionando os conhecimentos sobre saúde problematizados com os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos das práticas corporais (parkour, capoeira, dança do ventre, rugby, frevo, samba, futebol feminino, sumô, jongo, tênis, maracatu e yoga).

Para finalizar, apontamos dificuldades de muitos jovens com o pacote de dados para participarem das aulas síncronas durante o ensino remoto emergencial. Embora o governo federal tenha disponibilizado (apenas no ano de 2020) chips para acesso a internet, alguns estudantes tinham dificuldade para se manter conectados durante todo o tempo das aulas. Por conta disso, após a finalização de cada apresentação, compartilhamos as análises críticas realizadas entre todos e todas, na perspectiva de possibilitar acesso aos temas discutidos.

Aprendemos nesse processo que o ensino remoto emergencial precisa ser tratado dessa forma quando voltarmos as aulas presenciais, pois nem todos os estudantes da escola pública brasileira possuem condições financeiras e estruturais para acompanhar aulas a distância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como avanço epistemológico dessa produção, em diálogo com Zygmunt Bauman, Boaventura de Sousa Santos e Paulo Freire, defendemos que a formação da cidadania nas escolas públicas em tempos líquidos, de consumo exacerbado, avanço das políticas neoliberais e individualização da vida dos sujeitos, precisa ser pensada em projetos educativos que problematizem uma ecologia de saberes contra-hegemônicos, na intencionalidade de ampliar a leitura de mundo dos/das estudantes, buscando a sua conscientização.

Evidenciamos essa defesa a partir do relato da experiência de um projeto educativo que evidenciou a possibilidade de se efetivar práticas político-pedagógicas nas aulas de Educação Física onde os temas relacionados com a saúde são problematizados para além dos determinantes biológicos e da relação mecanicista entre exercício e qualidade de vida. Nessa perspectiva, as aulas do componente se tornam um espaço de vivências, debates, reflexões e análises sobre saberes contra-hegemônicos sociais, políticos, econômicos, históricos, biológicos e fisiológicos produzidos pelas Ciências Humanas sobre as práticas corporais, o corpo e os diversificados marcadores sociais da diferença que atravessam essas temáticas, incluindo os conhecimentos relacionados com a saúde.

Portanto, defendemos que uma formação cidadã, caminha para, no reconhecimento da realidade produzir, a partir da dimensão coletiva, transformações, aproximando o saber e o fazer, remetendo a uma reflexão permanente sobre as pessoas e os elementos sociais que influenciam suas existências e modos de viver em sociedade, superando os gargalhos históricos da nossa época. Desse modo, vemos a necessidade de voltarmos o nosso foco para a educação que acontece no contexto das escolas, especificamente das escolas públicas, e no movimento em busca da conquista da garantia de uma escola pública de qualidade

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1Esta abordagem de ciência está calcada nos princípios da observação, experimentação e comparação e que ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX naturalizou os fatos sociais, criando um “ser biologizado”. É a visão dominante de ciência.

2O modelo mecanicista de conhecimento é de natureza individualista, onde o sujeito aparece isolado da sociedade e alheio a sua ação, ou seja, um ser independente da cultura.

3Matáfora de Bauman (2001) para explicar como o Estado, à semelhança de um jardineiro, transforma a sociedade num canteiro de jardim, onde o esforço está em incentivar a cultura, os comportamentos que se quer, não havendo espaço para as ervas daninhas, que são os elementos dissonantes do projeto inicial do jardineiro, já que, em todo o jardim, é o jardineiro quem decreta de antemão o que é legítimo ou não para ser cultivado.

4Exercido, segundo Freud, sobre a busca humana do prazer e da felicidade (BAUMAN, 2001, p.26).

5Esta abordagem de ciência está calcada nos princípios da observação, experimentação e comparação e que ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX naturalizou os fatos sociais, criando um “ser biologizado”. É a visão dominante de ciência.

6O modelo mecanicista de conhecimento é de natureza individualista, onde o sujeito aparece isolado da sociedade e alheio a sua ação, ou seja, um ser independente da cultura.

7Matáfora de Bauman (2001) para explicar como o Estado, à semelhança de um jardineiro, transforma a sociedade num canteiro de jardim, onde o esforço está em incentivar a cultura, os comportamentos que se quer, não havendo espaço para as ervas daninhas, que são os elementos dissonantes do projeto inicial do jardineiro, já que, em todo o jardim, é o jardineiro quem decreta de antemão o que é legítimo ou não para ser cultivado.

8Exercido, segundo Freud, sobre a busca humana do prazer e da felicidade (BAUMAN, 2001, p.26).

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITOR DE SEÇÃO Silvan Menezes dos Santos

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Keli Barreto Santos; Juliana Rosário

Recebido: 02 de Agosto de 2021; Aceito: 22 de Novembro de 2021

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