SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33 número64Educação cidadã e saúde na Educação Física escolar: a humanização em tempos líquidos“É preciso ver?”: práticas de ensino inclusivas na Educação Física escolar índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.33 no.64 Florianópolis  2021  Epub 23-Set-2021

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2021.e81112 

Porta Aberta

Programa de Residência Pedagógica: vivências e percepções dos residentes

Pedagogical Residence Program: residents' experiences and perceptions

Programa de Residencia Pedagógica: experiencias y percepciones de los residentes

1Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Diamantina, MG, Brasil.


RESUMO

O objetivo desse trabalho é relatar a vivência e percepção de acadêmicos obtida com o Programa de Residência Pedagógica (PRP), no núcleo de Educação Física 2 (EF), na Universidade Federal de Viçosa - Campus Florestal. Foi utilizada neste relato de experiência a abordagem qualitativa, norteando toda a investigação e sendo realizada a partir das observações e relatórios das vivências dos autores com a residência. Os resultados obtidos com as vivências demonstram que no decorrer do PRP os residentes tiveram alguns problemas e dificuldades, estes principalmente relacionados a organização do programa e a realidade escolar, entretanto, foram identificadas experiências docentes benéficas. Mesmo tendo alguns empecilhos, o PRP mostrou-se de grande importância para os residentes que se tornarão professores, visto que necessitam ter conhecimento do espaço que será seu futuro ambiente profissional, vivência esta proporcionada pela residência.

PALAVRAS-CHAVE: Formação inicial de professores; Atuação profissional; Residência pedagógica; Educação física; Docência

ABSTRACT

The objective of this article is to report the experience and perception of academics obtained with the Pedagogical Residency Program (PRP), in the Physical Education 2 (PE) nucleus, at the Federal University of Viçosa - Campus Florestal. A qualitative approach was used in this experience report, guiding the entire investigation and being carried out based on the observations and reports of experiences of the authors' with the residency. The results obtained with the experiences show that during the PRP, the residents had some problems and difficulties with the residency, these mainly related to the organization of the program and the school reality, however, beneficial teaching experiences were identified. Despite having some obstacles, the PRP proved to be of great importance for the residents who will become teachers, since they need to have knowledge of the space that will be their future professional environment, an experience provided by the residence.

KEYWORDS: Initial teacher training; Professional performance; Pedagogical residence; Physical education; Teaching

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es reportar la experiencia y percepción de los académicos obtenida con el Programa de Residencia Pedagógica (PRP), en el núcleo Educación Física 2 (EF), en la Universidad Federal de Viçosa - Campus Florestal. En este relato de experiencia se utilizó el enfoque cualitativo, orientando toda la investigación y siendo realizada a partir de las observaciones e informes de experiencias de los autores con la residencia. Los resultados obtenidos con las experiencias muestran que durante el PRP, los residentes tuvieron algunos problemas y dificultades con la residencia, estos principalmente relacionados con la organización del programa y la realidad escolar, sin embargo, se identificaron experiencias docentes beneficiosas. A pesar de tener algunos obstáculos, el PRP demostró ser de gran importancia para los residentes que se convertirán en docentes, ya que necesitan tener conocimiento del espacio que será su futuro entorno profesional, experiencia que les brinda la residencia.

PALABRAS-CLAVE: Formación inicial del profesorado; Actuación profesional; Residencia pedagógica; Educación física; Enseñando

INTRODUÇÃO

Nas ementas dos cursos de licenciatura verifica-se um evidente desequilíbrio na relação teoria-prática, em favor dos tratamentos mais teóricos, fundamentos, políticas e contextualização. É possível verificar também que a escola, como instituição social e de ensino, é elemento quase ausente nas ementas, o que leva a pensar numa formação de caráter mais abstrato e pouco integrado ao contexto concreto onde o profissional-professor vai atuar (GATTI, 2010). Justamente, como destaca Araújo e Martins (2020, p. 197):

A formação dos professores exige que se leve em consideração diferentes elementos que constituem os fios da relação universidade e escola básica, pois a formação docente torna-se, muitas vezes, ineficiente dependendo de como se articulam universidade e redes públicas de Educação Básica [...]

O papel da escola na formação dos licenciandos é muito importante, pelo fato de ser o espaço onde o futuro professor irá exercer sua profissão, sendo assim, torna-se necessário um conhecimento deste ambiente e de todas as suas demandas. Além, dessa pouca inserção da escola nas matrizes curriculares das licenciaturas (presente principalmente nos estágios) torna muito comum essa discussão levantada, entre a dualidade teoria-prática, entretanto quando se imerge na realidade escolar, percebesse que o ambiente é muito mais complexo que essa simples divisão.

Em muitas matrizes curriculares dos cursos de licenciatura, se percebe uma quantidade enorme de conteúdos específicos sendo ministrados durante quatro anos, enquanto as disciplinas práticas são desenvolvidas em dois ou três semestres (incluindo os estágios); assim mesmo tendo as práticas como componente curriculares nos projetos pedagógicos, essas são mal desenvolvidas pelos cursos, ocorrendo-se principalmente fora do âmbito escolar. As dificuldades começam a aparecer para os futuros professores já na própria graduação, pois quando são encaminhados para o estágio obrigatório, encontram uma realidade extremamente diferente das situações simuladas, dentro do curso de formação (ZANELLA, 2011).

Assim, a relação com a escola cumpre, um papel fundamental na formação do docente, já que ao estar imerso na realidade escolar, o licenciando poderá experimentar elementos relacionados à complexidade do trabalho docente, suas particularidades, desafios e dificuldades, aliando esse processo à experiência dos pares já iniciados, o que pode contribuir efetivamente com o desenvolvimento do profissional docente, considerando a formação no contexto da prática pedagógica e também na perspectiva da pesquisa atrelada a esse processo (SANTOS; CRISTOVÃO; FURLANI, 2018). Sobre a formação de professores Gatti (2010, p. 1375) expressa que:

No que concerne à formação de professores, é necessária uma verdadeira revolução nas estruturas institucionais formativas e nos currículos da formação. As emendas já são muitas. A fragmentação formativa é clara. É preciso integrar essa formação em currículos articulados e voltados a esse objetivo precípuo. A formação de professores não pode ser pensada a partir das ciências e seus diversos campos disciplinares, como adendo destas áreas, mas a partir da função social própria à escolarização - ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar valores e práticas coerentes com nossa vida civil.

Nesta perspectiva de rever os currículos de formação de professores, nos últimos anos surgiram vários documentos norteadores para as licenciaturas, como as diretrizes e programas governamentais com o objetivo de fomentar novas práticas no campo da formação de professores. Entre os mais importantes com abrangência nacional: o Programa de Iniciação à Docência (PIBID) e o Programa de Residência Pedagógica (PRP), sendo que este último teve sua primeira edição em 2018 (MELLO et al., 2020).

O PRP é uma das ações que integram a Política Nacional de Formação de Professores que tem por objetivo induzir ao aperfeiçoamento da formação prática nos cursos de licenciatura, promovendo a imersão do licenciando na escola de educação básica, à partir da metade de seu curso. Essa imersão deve contemplar, entre outras atividades: ambientação na escola, observação de aulas, regência e intervenção pedagógica (BRASIL, 2018). Assim, esse trabalho tem como objetivo relatar a vivência e percepção dos residentes obtida com o Programa de Residência Pedagógica, no núcleo de Educação Física 2 (EF), na Universidade Federal de Viçosa - Campus Florestal.

Percepções iniciais do Programa de Residência Pedagógica

O Programa de Residência Pedagógica foi apresentado como uma proposta que visa, dentre outros objetivos, promover o fortalecimento da formação inicial, aproximando a universidade da escola, podendo sua carga horária ser utilizada no estágio obrigatório. Tal proposta se mostra interessante, já que o estágio supervisionado constitui uma etapa de fundamental importância no processo formativo do futuro professor à medida que lhe possibilita o contato e análise da realidade escolar, sendo esse processo, supervisionado tanto pelo professor de educação básica quanto pelo professor de IES (SANTOS; CRISTOVÃO; FURLANI, 2018).

A ideia básica do PRP na concepção inicial é a de superar as limitações dos estágios curriculares, superar o modelo predominante do estágio como um contato episódico com as escolas para cumprir um ritual de obrigatoriedade e transformar essa relação num compromisso entre instituições formadoras, colocando por meta a vinculação entre a formação inicial e continuada de professores e gestores escolares, estabelecendo um diálogo permanente entre as instituições formadoras e os sistemas de ensino (GIGLIO; LUGLI, 2013).

Os programas que compõem a Política Nacional de Formação de Professores se mostram interessantes para aprimoramento do estágio curricular, visto que resultam em um processo de imersão do licenciando maior que no estágio. No edital do PRP de 2018, foram ofertadas 45.000 bolsas, para estudantes dos cursos de licenciatura das instituições de ensino públicas e privadas. Entretanto, dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), demonstram que tem mais de 1 milhão e seiscentos mil matrículas de estudantes em licenciaturas no Brasil (BRASIL, 2020).

Tendo em vista a importância e contribuição para a formação do estudante, seria interessante aumentar a oferta de vagas nesse programa, para abranger um número maior de estudantes. Pois, infelizmente, programas como este não abrange nem 10% das matrículas em licenciaturas no Brasil, além de privilegiar instituições de ensino que tem um maior número de cursos de licenciaturas, pois é necessário realizar a criação de núcleos. Cada núcleo necessita de no mínimo 24 residentes, assim se torna mais difícil instituições com uma licenciatura conseguirem participar do programa.

Cabe destacar, ainda, a limitação de recursos para programas que possuem somente um núcleo, segundo a Portaria nº 219, de 27 de setembro de 2018, excluindo as universidades com poucos licenciandos que, nos contextos cotidianos de disputas internas, já sofrem e/ou são excluídos de apoios financeiros para suas propostas, praticamente privando as possibilidades de elaboração de materiais e a participação em eventos (SANTOS; CRISTOVÃO; FURLANI, 2018).

Contrários ao modo como o PRP se materializa na prática, atendendo apenas a alguns estudantes, advogamos a importância do estágio supervisionado, que já atende a todos os estudantes, entendido como uma atividade, consubstanciada no conhecimento teórico, na reflexão, por meio do diálogo coletivo, de investigação e intervenção política na realidade experienciada (ARAÚJO; MARTINS, 2020, p. 200).

A proposta do PRP com o enfoque no aperfeiçoamento da formação prática nas licenciaturas é uma estratégia interessante, visto ocorrer um processo de imersão total em todos os âmbitos na escola, que muitas vezes não é possível com o estágio. Entretanto, sendo um programa que abrange pouquíssimas das instituições formadoras de professores, torna-se pertinente focar no melhoramento dos estágios supervisionados (componentes curriculares obrigatórios), pois estes abrangem todos os cursos de licenciaturas.

O Núcleo de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa - Campus Florestal

O edital de lançamento da Residência Pedagógica (Edital 06/2018) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), têm todos os detalhes das especificações que os licenciandos deverão cumprir para participar do programa. Para participação no PRP o discente deve estar matriculado no 5° período ou ter concluído pelo menos 50% da carga do curso. É necessário dedicar-se no mínimo a 440 horas, para o desenvolvimento do programa, no decorrer de 18 meses. A distribuição destas horas é estipulada da seguinte forma: 60 horas destinadas à ambientação na escola; 320 horas de imersão e 60 horas destinadas à elaboração de relatório final, avaliação e socialização das atividades. Dentre as horas destinadas a imersão, 100 horas são de regência, que incluirá o planejamento e execução de pelo menos uma intervenção pedagógica que contemple a sociedade e a comunidade escolar.

A Universidade Federal de Viçosa (UFV), já vinha trabalhando com programas de formação de professores, desta forma, a instituição também aderiu a este novo programa lançando seu edital para seleção de participantes (Edital 01/2018). O desenvolvimento do Programa de Residência Pedagógica/UFV tem como aspecto central articular teoria e prática dos cursos de licenciatura, por meio de uma metodologia ativa para o desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem.

O projeto do programa na UFV, se subdividiu em cinco núcleos no campus Viçosa (Língua Portuguesa 1; Educação Física 1; Arte/Pedagogia 1 (Dança e Educação Infantil); Arte/Pedagogia 2 e 3; e Física/Matemática/Química/Biologia 2) e dois núcleos no campus Florestal (Educação Física 2 e Física/Matemática/Química/Biologia 1). Um fato preocupante é perceber que mesmo tendo estes dois núcleos dentro do campus de Florestal, os mesmos, nunca compartilhavam entre si suas percepções, desenvolvendo assim suas propostas e construções de forma individualizada.

Em relação à Educação Física, o projeto indica o objetivo de desenvolvimento de novas aprendizagens e conhecimentos por meio das pesquisas, leituras e discussões para intervir na diversidade de fatores nas escolas, sendo norteadora a Cultura Corporal de Movimento, que possibilita realizar a seleção dos conteúdos considerados universais. Esses conteúdos que deverão ser ministrados na escola campo são: na educação infantil, ênfase nas brincadeiras, ritmos, e experiências sensoriais; nos anos iniciais do ensino fundamental traz as brincadeiras, jogos de cultura popular e esportes com regras, enquanto, nos anos finais o enfoque são as unidades temáticas propostas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) - brincadeiras e jogos, esportes, danças, ginásticas, lutas e práticas corporais de aventura. No ensino médio, a proposta é trabalhar esportes, escalada, slackline e jogos virtuais.

Cada núcleo poderia ter 30 residentes, sendo obrigatório ter no mínimo 24 bolsistas residentes, podendo ter 6 residentes voluntários, em Florestal na Educação Física estavam alocados inicialmente 28 bolsistas. Cada núcleo possuía um docente orientador, além disso, cada escola deveria ter um professor (preceptor) que seria responsável pelos alunos residentes do núcleo.

No ano de 2020 ocorreu o lançamento da segunda edição do PRP na UFV (Edital 01/2020), tendo algumas alterações em relação a organização dos núcleos. Os núcleos de Educação Física (Florestal/Viçosa) e Pedagogia (Viçosa) permaneceram inalterados, os outros tiveram modificações, surgindo os núcleos de Biologia e Física/Química/Matemática, ambos nos dois campus e o núcleo de Geografia, somente em Viçosa. Nesse segundo edital não contemplaram os núcleos Letras/Português e a Dança/Educação Infantil.

METODOLOGIA

Após o lançamento do edital n° 01/2018 - Residência Pedagógica, da Universidade Federal de Viçosa, foi realizada a sua divulgação. Os estudantes com interesse em participar do programa se inscreveram através de uma ficha de inscrição e posteriormente foram recrutados a partir de uma seleção, obedecendo os seguintes requisitos: estar regularmente matriculado em curso de licenciatura da UFV vinculado ao núcleo de residência; ser aprovado em processo seletivo realizado pela UFV; ter cursado no mínimo 50% da carga horária do curso ou estar cursando a partir do 5º período; ter disponibilidade de 12 horas semanais para dedicação às atividades da Residência Pedagógica e posteriormente, firmar termo de compromisso.

Nos dois núcleos pertencentes ao campus Florestal, a população de residentes participantes do programa era inicialmente de 54 acadêmicos (53 bolsistas e 1 voluntário). No núcleo de Educação Física, constavam 28 residentes, 03 preceptores (um em cada escola) e 01 docente orientador. Neste núcleo, os seus residentes foram divididos em três escolas públicas estaduais, localizadas nas cidades de Florestal, Juatuba e Pará de Minas, onde atendiam aproximadamente 900 estudantes (estimativa do total das três escolas juntas).

Neste presente relato de experiência a abordagem qualitativa norteou toda a investigação, sendo realizada a partir das observações e relatórios das vivências dos autores deste trabalho (dois acadêmicos) através de suas vivências em campo com a residência, onde estes realizavam suas anotações das práticas dentro da escola, para análises do seu conteúdo a posteriori. Os autores também analisaram as produções com a temática do projeto institucional, além dos editais do programa. Essas observações do PRP ocorreram no núcleo de Educação Física 2, do campus Florestal, durante o período dos 18 meses do programa, iniciando em Agosto de 2018 e terminando em Janeiro de 2020.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A entrada no Programa de Residência Pedagógica foi repleta de expectativas positivas, visto ser um programa com uma nova visão e estratégia, onde o residente tem uma imersão no papel de professor. Entretanto, desde o início do PRP houve uma situação de incerteza quanto às vantagens da participação no programa, principalmente por conter uma cláusula no edital indicando a obrigatoriedade de devolução do valor da bolsa, com correção e juros, em caso de desistência do residente do programa, caso não haja justificativa para o afastamento. As justificativas elencadas pela CAPES para não ocorrer a devolução da bolsa são: se motivada por caso fortuito, força maior (circunstância alheia à sua vontade) ou doença grave devidamente comprovada.

As bolsas do programa são essenciais, pois muitos dos estudantes necessitam delas para se manterem no ensino superior, como salienta Soares (2014, p. 127) “[..] portanto, são de fundamental importância as bolsas oferecidas pelo governo ou pelas próprias instituições, a fim de que os alunos tenham condições financeiras para [...] permanecer em seus cursos desejados”.

Após a efetivação da entrada no programa, as atenções se voltam ao cronograma do PRP que tem a definição de períodos para serem realizadas às 440 horas contidas no projeto, sendo assim, os residentes se organizaram para cumprir todas as etapas do programa. O projeto institucional da UFV estipulava um período inicial onde os residentes participariam em formação conjunta com os preceptores de reuniões pedagógicas formativas, além de diversas oficinas, para fundamentar a atuação do residente nos diversos níveis de ensino, mas infelizmente neste caso não houve nenhum desses momentos.

Essa falta de formação inicial pode ter ocorrido pelo fato do PRP, sugerir um calendário inadequado, que prevê o início da imersão nos meses de outubro a janeiro, sendo que parte deste período a escola paralisa suas ações didáticas, e também, a preparação de projetos e de intervenção no período em que as turmas sequer foram formadas. Desta forma, impedindo que esta preparação esteja em consonância com as necessidades e particularidades dos estudantes que serão atendidos (SANTOS; CRISTOVÃO; FURLANI, 2018).

Cabe salientar, que essa percepção vem do Núcleo Educação Física 2, que se estabelecia no campus Florestal, entretanto, no I Encontro da Residência Pedagógica da UFV que ocorreu no campus de Viçosa, em 2019, foram constatadas as mesmas problemáticas neste início na maioria dos núcleos. No II Encontro da Residência Pedagógica da UFV, que ocorreu em 2020 no mesmo local, as mesmas indecisões e inconsistências que foram relatadas no início do programa, se permaneceram durante todo o decorrer do projeto.

Mesmo sem a formação inicial começou o processo de ambientação na escola, ocorrendo no final do ano de 2018, este foi um momento para serem feitas observações das aulas do preceptor e análises de como poderiam ser as melhores maneiras de atuação com as turmas. Uma das definições dentro do programa seria a realização de reuniões semanais, com isso, no processo dos seis meses iniciais foram realizadas reuniões com o preceptor, nas quais não tinha-se quase nenhuma análise crítica do fazer docente, com pouquíssimas discussões acerca da educação, era principalmente um espaço para marcar presença, contabilizar horas e reorganizar quem deveria ministrar as aulas. As reuniões com o coordenador de núcleo seguiam as mesmas dinâmicas. Entretanto, todo esse processo de construção docente deve-se pautar por meio da discussão e análise reflexiva, pois:

[...] Assumimos que o professor vai se constituindo profissionalmente por meio de processos reflexivos e investigativos na e sobre a prática pedagógica. Esses processos culminam na construção de saberes docentes no movimento que combina conteúdos teóricos com experiências pessoais e profissionais estabelecidas no contexto escolar [...] (COELHO; AMBRÓZIO, 2019, p. 492).

Desta forma, ocorreram as imersões nas práticas docentes como residentes, sem uma formação inicial ou discussão a respeito das temáticas que poderiam ser abordadas em sala de aula. O programa estipula também o fortalecimento do campo da prática aliada com a teoria, contudo, a educação não funciona nesta dualidade, havendo muitas outras características que devem ser reforçadas. Dado que o processo de formação requer análises, investigações, debates, diálogos entre os agentes da educação, porque o fazer docente é muito mais complexo do que somente se imergir na prática, necessita de se estabelecer efetivamente na escola e entender aquele espaço, como local de construção e não somente de alinhar teoria e prática. Essa construção docente deve se relacionar com a sua realidade, como destaca Araújo e Martins (2020, p. 193):

[...] A formação dos professores, por isso, não é um processo que acontece de modo alheio à realidade social, política e cultural real. Em uma mesma perspectiva, a ação docente não pode ficar restrita ao contexto escolar, presa a uma espécie de vai e vem entre diagnóstico, planejamento e ação, mas deve se envolver politicamente na realidade existencial visando a transformá-la [...].

Logo, após as sessenta horas de ambientação foi iniciado o planejamento para 2019, nesta etapa os residentes tiveram que planejar diversos planos de aulas, sem saber sequer quais seriam as turmas para as quais estariam ministrando aula e os conteúdos que seriam empregados no próximo ano letivo. Em seguida a esse processo de planejamento de aulas para o próximo ano, iniciou-se o recesso escolar, tendo retorno em fevereiro com a etapa de regências das aulas. No início foi muito difícil, pois o fato de estarmos ali na escola, trazia uma situação de dúvida quanto ao nosso papel, visto que não éramos professores, muito menos alunos, tornando mais difícil a aceitação dos residentes pelos estudantes.

Essa vivência tida nas regências ministrando as aulas foi um processo de construção de aprendizagens, pois a perspectiva se imerge justamente em perceber como funciona os códigos dentro da escola. Uma característica da regência em Educação Física é que este componente curricular acaba sendo taxado, muitas vezes como meramente prática pela prática, sem uma construção de saberes. Sendo assim, para desconstruir pensamentos como estes acaba sendo trabalhoso e demandando certo tempo (anos), infelizmente, a residência tem um tempo determinado.

Essa visão da Educação Física ainda está muito presente na escola, mas entendemos que ser professor consiste no aprendizado e na execução dos diferentes saberes, reconhecendo que a formação docente inicia-se na formação universitária, bem como se constitui em outros momentos da trajetória profissional em que, por meio das experiências, podem oferecer a formação contínua e continuada da profissão docente (MONTE; NETA, RODRIGUES, 2018).

Em relação ao núcleo de Educação Física, de Florestal, os seus residentes foram divididos em três escolas campos (em Pará de Minas; Florestal e a outra escola em Boa Vista, distrito de Juatuba). As estruturas físicas destas escolas voltadas para EF são razoáveis, mas uma das maiores problemáticas enfrentadas foi a questão da falta de materiais para as aulas práticas, pois como estas necessitam de determinados objetos para a sua realização, os residentes tiveram que adaptar e construir seus próprios materiais. Sendo importante retratar, que essa realidade de falta de materiais para as aulas de EF acaba se tornando muito frequentes, nas escolas públicas, sendo “[...] uma prática comum dos professores de Educação Física, se verem obrigados a adaptarem suas aulas ou até mesmo os materiais disponíveis, para atingir o objetivo proposto [...]” (MONTEIRO et al., 2020, p. 6).

Além de outros desafios também bastante frequentes vivenciados no dia a dia pelos residentes como as vivências com novas turmas, novas realidades, dificuldades relacionadas à metodologia de ensino do residente que pode em algumas circunstâncias deixar de ir ao encontro das expectativas dos alunos da educação básica e situações referente ao comportamento dos alunos (MONTE; NETA, RODRIGUES, 2018).

Podemos considerar que as maiores dificuldades relatadas por muitos residentes foram a qualidade dos materiais disponíveis para utilização durante as aulas de Educação Física e os espaços físicos da escola, mais especificamente os locais onde as aulas eram realizadas, que muitas vezes se mostravam insuficientes para uma aula prática satisfatória [...] (MONTEIRO et al., 2020, p. 5).

Uma característica interessante do programa é que nesta imersão das regências os residentes eram os professores, pois eram estes quem estavam no comando/mediação das atividades, sendo possível se utilizar de outros tipos de metodologias para trabalhar os objetos de conhecimento. Essa autonomia se torna muito necessária para o processo de construção docente, além disso, a possibilidade de apoio do preceptor é muito importante.

Outro ponto positivo que pode ser destacado no PRP é o fato de conhecer a escola como um todo, desde número de salas; espaço físico; acervo de material didático; plano político pedagógico; corpo docente; acesso a sala dos professores; gestão e no caso da Educação Física, quadra e quantidade de matérias disponíveis. Se tornando muito enriquecedor, pois no estágio obrigatório, este processo normalmente não ocorre com a mesma intensidade.

Chegamos ao final das regências e plano de residentes com uma visão de que o programa tem caráter relevante para a formação docente, entretanto, no âmbito da UFV algumas falhas na organização institucional deixaram a desejar, tomando como parâmetro os diversos feedbacks positivos que recebemos de pessoas de outras instituições. Assim,

[...] já é sabido que não basta simplesmente implantar um programa que os problemas estão resolvidos, mas é preciso entender os motivos para sua implantação, bem como avaliar seus impactos, sua pertinência, validade e contribuições efetivas no tocante ao processo formativo do futuro docente (MELLO et al., 2020, p. 520).

Analisamos que o programa, em sua proposta, têm contribuições a fazer para a formação de professores, entretanto da forma como foi conduzido, tanto no que tange à sua elaboração, proposição e desenvolvimento, quanto na condução desde que implementado, demonstra muitas fragilidades e um acentuado distanciamento das reais demandas. Além disso, a forma como o processo vem sendo conduzido, com mais perguntas do que respostas, acaba deixando lacunas que necessitam ser sanadas (SANTOS; CRISTOVÃO; FURLANI, 2018).

Estas lacunas relatadas podem ser sanadas ou amenizadas, se ocorrer uma mudança no planejamento do programa, onde o residente participe mais ativamente do processo de construção dos planos de atividades; das relações entre os núcleos, principalmente, se pautando na dialogicidade para construir em conjunto. Além disso, deve-se buscar respostas aos questionamentos dos residentes que surgirem durante o programa e realizar durante o processo avaliações para ter noção daquilo que está ou não funcionando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em relação aos programas da Política Nacional de Formação de Professores, o Programa de Residência Pedagógica surge como uma ação voltada para a imersão escolar, mas acaba não sendo a estratégia de auxílio a formação inicial mais interessante, principalmente, por contemplar pouquíssimas instituições e estudantes (uma alternativa interessante seria o enfoque no melhoramento, da qualidade do estágio supervisionado).

Na análise da vivência e experiência obtida no PRP percebesse que as principais dificuldades e problemas tidos com o programa foram principalmente com sua organização, fazendo com que os residentes não obtivessem respostas concretas à respeito das suas atividades e de suas dinâmicas, tendo muitas inconsistências entre o projeto institucional e a realidade; falta de diálogos entre os núcleos; escassa formação inicial e construção coletiva; além dos poucos materiais pedagógicos para as aulas e estrutura física escolar não tão adequadas para as práticas físicas.

O PRP mesmo tendo alguns problemas e dificuldades é um programa de grande importância para os residentes que estão se formando professores, pois estes necessitam ter um conhecimento do seu futuro ambiente profissional, muito enfocado pela residência. Pelo fato de ter sido a primeira edição do programa, tudo indica que nas próximas edições, a tendência é ocorrerem melhoras. Assim, percebemos a necessidade de aprofundamento das pesquisas sobre a temática, fazendo mais análises no decorrer do programa referentes a qualidade do mesmo e realizando entrevistas com os residentes para acompanhar o desenvolvimento de suas atividades

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Osmar Hélio Alves; MARTINS, Elcimar Simão. Estágio Curricular Supervisionado como Práxis: algumas perguntas e possíveis de respostas. Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 28, n. 1, p. 191-203, jan./abr. 2020. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/12902. [ Links ]

BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Programa de Residência Pedagógica, Brasília, 2018. Disponível em: Disponível em: https://uab.capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica . Acesso em: 23/02/2021. [ Links ]

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Censo da Educação Superior 2019. Brasília, outubro 2020. Disponível em: https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2020/Apresentacao_Censo_da_Educacao_Superior_2019.pdf. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Edital Capes n. 06/2018 - Programa de Residência Pedagógica. Brasília, 2018. Disponível em: https://uab.capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-pedagogica. [ Links ]

COELHO, Geide Rosa; AMBRÓZIO, Rosa Maria. O ensino por investigação na formação inicial de professores de Física: uma experiência da Residência Pedagógica de uma Universidade Pública Federal. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 36, n. 2, p. 490-513, ago. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-7941.2019v36n2p490. [ Links ]

GATTI, Bernadete Angelina. Formação de professores no Brasil: características e problemas. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1355-1379, out./dez. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/es/v31n113/16.pdf. [ Links ]

GIGLIO, Celia Maria Benedicto; LUGLI, Rosário Silvana Genta. “Diálogos pertinentes na formação inicial e continuada de professores e gestores escolares. A concepção do Programa de Residência Pedagógica na UNIFESP”. Cadernos de Educação, Pelotas, FaE/ PPGE/ UFPel, n. 46, p. 62-82, set./dez. 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/caduc/article/view/4173. [ Links ]

MELLO, Diene Eire et al. O Programa Residência Pedagógica: experiências formativas no curso de pedagogia. RPGE - Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v. 24, n. 2, p. 518-535, maio/ago. 2020. e-ISSN: 1519-9029. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/view/13631. [ Links ]

MONTE, Thaidys da Conceição Lima do; NETA, Maria de Lourdes da Silva; RODRIGUES, Igor Lima. Formação Inicial no Programa Residência Pedagógica: expectativas e desafios. In: VII Encontro Nacional das Licenciaturas, Anais. 2018, Fortaleza: UECE. Disponível em: http://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/52190. [ Links ]

MONTEIRO, Jorge Henrique de Lima et al. O Programa Residência Pedagógica: dialética entre a teoria e a prática. HOLOS, Natal, Ano 36, v. 3, p. 1-12, e9545, 2020. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/9545. [ Links ]

SANTOS, Janaina Roberta dos; CRISTOVÃO, Eliane Matesco; FURLANI, Juliana Maria Sampaio. O Programa Residência Pedagógica na Universidade Federal de Itajubá: oportunidade ou armadilha? In: VII Encontro Nacional das Licenciaturas, Anais. 2018, Fortaleza: UECE, 2018. Disponível em: http://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/51558. [ Links ]

SOARES, Luzia da Glória. Desafios dos alunos de classes menos favorecidas para ingressar e permanecer na universidade. Revista Extensão & Cidadania, Vitória da Conquista, v. 2, n. 4, p. 119-136, jul./dez. 2014. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/recuesb/article/view/2246. [ Links ]

VIÇOSA. Universidade Federal de Viçosa. Edital nº 01/2018 - Residência Pedagógica/UFV. Viçosa, 2018. Disponível em: http://www.pre.ufv.br/wp-content/uploads/2018/06/Sele%C3%A7%C3%A3o-de-Residente-18.pdf. [ Links ]

VIÇOSA. Universidade Federal de Viçosa. Edital nº 01/2020 - Residência Pedagógica/UFV. Viçosa, 2018. Disponível em: http://www.pre.ufv.br/wp-content/uploads/2019/08/Edital-n%C2%B0-01-2020-Residente-Resid%C3%AAncia-Pedag%C3%B3gica.pdf. [ Links ]

ZANELLA, Camila. As Dificuldades Didáticas dos Professores Iniciantes e os Programas de Formação Inicial e Continuada para Docentes. In: XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH. Anais. 2011, São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300404513_ARQUIVO_ARTIGOANPUHCamilaZanella.pdfLinks ]

AGRADECIMENTOS Agradecemos a Viviane Macedo Souza pelas análises e contribuições realizadas no manuscrito

FINANCIAMENTO Não se aplica

CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM Não se aplica

APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA Não se aplica

LICENÇA DE USO Os autores cedem à Motrivivência - ISSN 2175-8042 os direitos exclusivos de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution Non-Comercial ShareAlike (CC BY-NC SA) 4.0 International. Esta licença permite que terceiros remixem, adaptem e criem a partir do trabalho publicado, desde que para fins não comerciais, atribuindo o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico desde que adotem a mesma licença, compartilhar igual. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico, desde que para fins não comerciais e compartilhar com a mesma licença

PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITOR DE SEÇÃO Rogério Santos Pereira; Leticia de Assis

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Keli Barreto Santos

Recebido: 26 de Maio de 2021; Aceito: 20 de Setembro de 2021

brunomcsouza@gmail.com

kalincagomes.mg@gmail.com

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

Não se aplica

CONFLITO DE INTERESSES

Não se aplica

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons