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Motrivivência

versão On-line ISSN 2175-8042

Rev. Motriviv. vol.33 no.64 Florianópolis  2021  Epub 30-Mar-2021

https://doi.org/10.5007/2175-8042.2021.e78698 

Seção Temática

Avante! 10 anos de um caminho se faz caminhando...

Avante! you can only forge a path of 10 years by walking...

Avante! 10 años de camino se hacen andando...

Pedro Fernando Avalone Athayde1 
http://orcid.org/0000-0001-7219-3444

Lino Castellani Filho2 
http://orcid.org/0000-0003-1022-3489

Roberto Liáo Junior3 
http://orcid.org/0000-0003-0614-9941

Juarez Oliveira Sampaio3 
http://orcid.org/0000-0002-2054-6487

Fernando Mascarenhas1 
http://orcid.org/0000-0003-0265-502X

Edson Marcelo Húngaro1 
http://orcid.org/0000-0002-7230-0155

1Universidade de Brasília, Faculdade de Educação Física, Brasília, DF, Brasil.

2Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP, Brasil.

3Secretaria de Educação do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.


RESUMO

Este artigo relata a trajetória de dez anos do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer da Universidade de Brasília (Avante-UnB). Para caracterização deste período, aborda a dimensão histórica, a abordagem teórico-metodológica e a agenda de pesquisa voltada ao estudo das políticas públicas de esporte e lazer. O texto destaca a tentativa do grupo de conciliar a produção cientifica, a formação de quadros e a militância acadêmica, o que implicou em alterações em sua organização e funcionamento. Ao mesmo tempo, realiza uma sucinta apresentação dos elementos epistemológicos e ontológicos do método de Marx. Esse referencial teórico-metodológico ilumina as pesquisas desenvolvidas pelo Avante sobre as seguintes temáticas: (i) a política de esporte nos governos Lula e Dilma; (ii) a política de esporte do Distrito Federal; (iii) o financiamento público para o esporte; e, (iv) análise e avaliação de políticas esportivas.

PALAVRAS-CHAVE: Políticas públicas; Esporte; Lazer; Método; Marx

ABSTRACT

This article reports on the ten-year trajectory by the Socio-critical Research and Training Group in Physical Education, Sports and Leisure at the University of Brasília (Avante-UnB). To characterize that period, it adresses historical dimensions, the theoretical-methodological approach, and the group’s research agenda, focused on the study of public policies on sports and leisure. The text highlights the group's attempt to reconcile scientific production, staff training and academic activism, which caused changes in its organization and functioning. At the same time, a brief presentation on the epistemological and ontological elements in Marx's method. This theoretical-methodological framework illuminates the research carried out by Avante on the following themes: (i) sports policies during Lula’s and Dilma’s tenures in the Brazilian presidency; (ii) sports policies in the Federal District; (iii) public funding for sports; and (iv) analysis and evaluation of sports policies.

KEYWORDS: Public policies; Sport; Leisure; Method; Marx

RESUMEN

Este artículo reporta la trayectoria de diez años del Grupo de Investigación y Formación Sociocrítica en Educación Física, Deportes y Ocio de la Universidad de Brasilia (Avante-UnB). Para caracterizar este período, se aborda la dimensión histórica, el enfoque teórico-metodológico y la agenda de investigación centrada en el estudio de las políticas públicas en materia de deporte y ocio. El texto destaca el intento del grupo por conciliar la producción científica, la formación del personal y el activismo académico, que implicó cambios en su organización y funcionamiento. Al mismo tiempo, hace una presentación sucinta de los elementos epistemológicos y ontológicos del método de Marx. Este marco teórico-metodológico ilumina la investigación realizada por Avante sobre los siguientes temas: (i) política deportiva en los gobiernos de Lula y Dilma; (ii) la política deportiva del Distrito Federal; (iii) financiación pública del deporte; y (iv) análisis y evaluación de políticas deportivas.

PALABRAS-CLAVE: Políticas públicas; Deporte; Recreación; Método; Marx

INTRODUÇÃO

A chamada da revista Motrivivência (UFSC) para um número temático voltado aos grupos de pesquisa dedicados à temática das políticas de esporte e lazer exatamente no mesmo ano em que o Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer (Avante-UnB)1 completa seus dez anos de existência, apresentou-se como uma “convocação” dada a importância e seriedade deste periódico para a Educação Física brasileira e, ao mesmo tempo, uma “provocação” para realizarmos um balanço crítico deste período. Em uma analogia imperfeita, reconhecemos no exercício da autoavaliação os desafios que Souza (1984) destacou para uma análise de conjuntura, quais sejam: trata-se de uma mescla entre conhecimento e descoberta, o reconhecimento de que não é uma atividade neutra ou desinteressada e que, portanto, se configura como um ato político. Por todas essas características, se consubstancia em uma tarefa complexa e difícil, que exige simultaneamente o conhecimento dos fatos históricos e a capacidade de compreender, reconhecer e descobrir sentidos, relações e tendências frente aos desafios presentes.

Antes de abordar a história do Avante-UnB e, mais especificamente, relacioná-la com o campo das políticas públicas, faz-se necessário situar e caracterizar nosso grupo. O Avante-UnB é um grupo vinculado a uma Universidade pública - a Universidade de Brasília (UnB) - e situado no interior de sua Faculdade de Educação Física (FEF). Nesse sentido, carrega consigo os obstáculos e as características inerentes à educação superior pública brasileira e à área de conhecimento na qual estabelece seus vínculos e atividades acadêmico-científicas.

Dentre os objetivos do grupo localizam-se: (i) consolidar atividades de pesquisa e estudos sociocríticos referentes às temáticas da Educação Física, Esporte e Lazer na UnB, com trabalho junto a pesquisadores e estudantes, especialmente, da Faculdade de Educação Física, estendendo ações à universidade e outras instituições; (ii) desenvolver atividades voltadas à articulação de ensino, pesquisa e extensão, com destaque para práticas de investigação científica, estágios, intercâmbios, formação continuada, seminários e organização de banco de dados sobre a Educação Física, o Esporte e o Lazer; (iii) ofertar disciplinas na graduação e pós-graduação aprofundando estudos sociocríticos sobre a Educação Física, o Esporte e o Lazer, articulando a formação profissional inicial e continuada na Faculdade de Educação Física da UnB; (iv) estimular a produção, sistematização e difusão do conhecimento sobre Educação Física, o Esporte, o Lazer, a Política e a Formação; e, (v) disponibilizar um espaço laboratorial, organizando, reunindo e socializando recursos materiais e didáticos aos pesquisadores e estudantes da UnB e outras instituições.

O grupo se estrutura em duas linhas de pesquisa: a) Educação Física, Formação e Trabalho, que visa analisar as relações de suas temáticas com investigações sobre a intervenção profissional, tomando as variadas formas de organização do trabalho na área, bem como sobre os aspectos teórico-metodológicos que envolvem a Educação Física como prática pedagógica e campo acadêmico; e, b) Políticas de Esporte e Lazer, que objetiva analisar as relações de suas temáticas com investigações sobre a gestão e as políticas públicas de esporte e lazer, dedicando-se às concepções, princípios e metodologias de investigação adotados em sua consecução, bem como sobre o financiamento e os processos de formulação, implementação e avaliação inerentes à sua objetivação.

Atualmente, considerando os membros ativos e egressos, o Avante-UnB possui 11 doutores, 21 doutorandos, 20 mestres (sendo 3 egressos do mestrado profissional em rede), 4 mestrandos e 3 graduados. Essa composição, por um lado, destaca a forte vinculação do grupo junto à pós-graduação, mas, por outro lado, demonstra um histórico e atual desafio ao grupo que diz respeito a sua maior inserção junto aos estudantes de graduação, para além das disciplinas ministradas. Outro aspecto que merece destaque é o impacto ou inserção social do grupo, sobretudo no que se refere à educação básica e à democratização do acesso a pós-graduação. A título de exemplo, mais de 48% do grupo é composto por professores que atuam em redes públicas de ensino (estaduais e municipais) ou na rede federal de educação profissional, científica e tecnológica. Além disso, aproximadamente 33% são oriundos das regiões Norte, Nordeste e do estado de Goiás, onde há uma baixa oferta de pós-graduação stricto sensu na Educação Física.

Realizada essa sucinta caracterização, retomamos a observação quanto ao enraizamento do grupo no âmbito da Universidade pública brasileira. Este acento parece-nos um elemento central para pensarmos histórica e dialeticamente a atuação do grupo. Na esteira do que nos ensina Chauí (1998), o Avante-UnB reconhece na universidade moderna o espaço de conquista da autonomia do saber e, portanto, de formação, reflexão, criação e crítica. Ao mesmo tempo, considerando as lutas sociais e políticas e condição desigual brasileira, a universidade se converte em instituição social inseparável da ideia de democracia, de democratização do ensino e da necessidade de responder, positiva ou negativamente, ao ideal socialista, condição que a vincula à luta de classes e ao debate das questões ideológicas.

No entanto, como destaca Chauí (1998, s/n):

À fragmentação econômica, social e política, imposta pela nova forma do capitalismo, corresponde uma ideologia autonomeada pós-moderna. Essa nomenclatura pretende marcar a ruptura com as ideias clássicas e ilustradas, que fizeram a modernidade. Para essa ideologia, a razão, a verdade e a história são mitos totalitários; o espaço e o tempo são sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compressão dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga todo contato com o espaço-tempo enquanto estrutura do mundo; a subjetividade não é a reflexão, mas a intimidade narcísica, e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso de estratégias montadas sobre jogos de linguagem, que representam jogos de pensamento. A história do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de “paradigmas”, sem que o conhecimento jamais toque a própria realidade.

Diante desse cenário contemporâneo, a autora nos lança indagações sobre o que venha a ser a pesquisa no interior da denominada “universidade operacional”, espaço caracterizado pela “recusa da perspectiva heurística da totalidade, o trabalho acadêmico estandardizado, empobrecido e marcado pelo ‘produtivismo’, as tentativas mais ou menos bem-sucedidas de isolamento da crítica radical do mundo do capital, a influência do pós-modernismo e a hipervalorização das micronarrativas” (CHAUÍ, apud BEHRING, 2015, p. 38).

O Avante-UnB se coloca no interior desta universidade operacional, mas, operando com as contradições deste ambiente e baseado nos pilares da tradição marxista, desafia-se a um fazer científico amparado pela visão compreensiva de totalidade e sínteses abertas a interrogações, as quais exigem o exercício da reflexão, crítica, enfrentamento com o status quo, descoberta, invenção e criação (CHAUI, 1998). Ao mesmo tempo, sua atividade no campo científico mescla-se à militância acadêmica caracterizada pela ação civilizatória contra a barbárie social e política. Tais predicados, além de pouco presentes, são, por vezes, estigmatizados na chamada universidade operacional.

Face ao exposto, este artigo tem como objetivo apresentar a trajetória de um grupo de pesquisa vinculado à temática das políticas públicas de esporte e lazer, destacando a opção pela abordagem teórico-metodológica marxista em suas atividades acadêmico-científicas. Para a consecução deste objetivo, o texto estrutura-se em quatro partes. A primeira realiza uma contextualização histórica dos 10 anos de atuação do Avante-UnB, a segunda parte aborda a utilização do método marxiano nos estudos e pesquisas do grupo, o terceiro momento destaca a vinculação do grupo à temática das políticas públicas, sem perder de vista a perspectiva revolucionária como horizonte de trabalho tangível e incessante e, por fim, tecemos algumas considerações finais sobre a trajetória do grupo e apontamentos prospectivos.

10 ANOS DO AVANTE-UNB: PRIMEIROS PASSOS...

Idealizado no ano de 2009 e criado em 2010, o Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer (Avante-UnB) completa, em meio a este ano de 2020 que não começou e que provavelmente não se encerrará brevemente, sua primeira década. Além de resposta a uma demanda de nucleação em pesquisa e formação sociocrítica no âmbito da FEF/UnB, sua criação carrega influências das experiências acadêmicas anteriores de seus primeiros coordenadores, especialmente aquelas vivenciadas no âmbito da Universidade Federal de Goiás (UFG) e da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS), bem como junto à pós-graduação em Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A denominação do grupo, decidida coletiva e democraticamente, simboliza a concepção gnosiológica que o orienta, destacando a importância da perspectiva crítica e da articulação entre o fazer científico2 e a formação de quadros3. Ao mesmo tempo, essas características permeiam a estruturação, organização/gestão e composição do Avante-UnB.

No tocante à constituição do grupo, conforme destacado nos apontamentos introdutórios deste texto, acentua-se a inserção social junto à rede pública de educação básica e superior. Mais especificamente, registra-se a relevante presença de professores da rede pública de ensino do Distrito Federal e dos institutos federais, que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (IF de Goiás, IF do Ceará, IF do Maranhão e IF do Sertão Pernambucano). Já no ensino superior, além da coordenação do grupo, fazem-se presentes docentes de universidades públicas de regiões do país preteridas na oferta da pós-graduação stricto sensu (Universidade Federal de Goiás, Universidade Federal do Acre e Universidade do Estado da Bahia). Por fim, destaca-se também a participação de técnicos e gestores que atuam diretamente junto às políticas de esporte e lazer locais e federais (Secretarias de Estado do GDF, DAC/UnB e Secretaria Especial do Esporte etc.).

É importante destacar o fato de que uma parcela dos pesquisadores teve sua trajetória de formação continuada desenvolvida no interior do Avante-UnB durante esses dez anos, obtendo a aprovação em concurso público após a entrada no grupo. Conquanto não seja possível estabelecer uma relação de causalidade direta entre esses fatores, pontua-se essa informação como sinalização da importância do papel formativo deste coletivo. Ademais, ressalta-se que tais pesquisadores, por vezes, adotam seus espaços de atuação profissional como lócus de estudo e pesquisa, consubstanciando um processo de retroalimentação em que o fazer científico apresenta-se sob a forma de valorização e qualificação da educação e gestão públicas.

Em relação à organização/gestão do grupo, a preocupação com o vínculo entre pesquisa e formação se dá em dois sentidos. O primeiro deles diz respeito à democratização da coordenação do grupo, ampliada ao longo desses anos com a incorporação de novos quadros formados dentro do próprio Avante-UnB. O segundo sentido refere-se à própria dinâmica de funcionamento. Inicialmente realizadas semanalmente e atualmente quinzenais, as reuniões do grupo se caracterizam como um tempo e espaço de estudo, discussão e produção coletiva.

A partir de um processo de autoavaliação permanente a cada semestre, as dinâmicas de ações e reuniões se alteram. Neste período de dez anos, destacam-se: (i) realização de curso de formação vinculados à abordagem teórico-metodológica marxista; (ii) compartilhamento de projetos de pesquisa desenvolvidos no interior das linhas; (iii) leitura e análise coletiva de obras de referência e artigos científicos da área de conhecimento; (iv) apresentação prévia dos projetos de qualificação, dissertações e teses; (v) diálogo com convidados externos; e (vi) realização de seminários temáticos e de validação das pesquisas.

Complementarmente, é importante ressaltar o envolvimento direto do Avante-UnB na organização de importantes eventos da Educação Física e Ciências do Esporte. Dentre eles, destacam-se: Congresso Centro-Oeste de Ciências do Esporte (2010 e 2018); Conferência Livre e Popular de Esporte e Lazer do DF (2010); Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte e Congresso Internacional de Ciências do Esporte (2013). Conscientes do papel emancipatório e revolucionário que a ciência pode exercer, essas atividades se combinam e se alternam com a militância acadêmica e política junto às entidades científicas, estudantis e de classe4, bem como no exercício da gestão universitária.

Não obstante a diversidade de suas ações e o enfoque temático de suas linhas, cabe ressaltar a existência de uma unidade identitária no AVANTE-UnB, que se refere à incorporação dos referenciais do materialismo histórico-dialético em suas pesquisas - aspecto visível no conteúdo deste texto. É necessário destacar que essa característica não significa uma mera opção teórico-metodológico, mas sim a síntese das orientações sociopolíticas e das concepções de mundo, sociedade, homem e ciência compartilhadas pelos integrantes do grupo (OLIVEIRA; ATHAYDE; HÚNGARO, 2017).

O Método em Marx nos estudos do Avante-UnB

A expressão adotada no título deste artigo de que “o caminho se faz caminhando” é menos uma remissão ao poema Caminhante de Antônio Machado e mais um recurso para simbolizar as dimensões processual e dialética que permeiam a gênese e desenvolvimento do Avante-UnB, bem como sua atuação científica e formativa. Ao mesmo tempo, o exercício da caminhada impõe a necessidade de uma bússola que nos guie em relação a um horizonte ou propósito. Nesse sentido, o farol que vem iluminando as ações deste grupo tem sido o da abordagem teórico-metodológica materialista dialética, sobretudo o método de Marx.

Netto (2009) ressalta que a questão do método se localiza entre os problemas centrais da teoria social, sendo alvo do esforço intelectual dos clássicos das Ciências Sociais. De acordo com o autor, a problemática acerca da discussão do método acentua-se na teoria social de Marx, quando ao debate de natureza teórica e/ou filosófica somam-se elementos ideopolíticos, uma vez que a teoria social de Marx se vincula a um projeto revolucionário. Lowy (1975) destaca que o caráter crítico e revolucionário da ciência de Marx expressa-se na sua oposição à ciência conservadora e burguesa dos economistas clássicos. Além disso, seu método busca a compreensão objetiva e a negação/superação da sociedade vigente.

Em relação ao processo de construção e sistematização, conquanto Marx não tenha uma obra específica para condensar seus aspectos metodológicos, é importante destacar que o método de Marx resulta de quase quinze anos de análise concreta da sociedade moderna (burguesa) dentro de uma trajetória de aproximadamente quarenta anos de dedicação aos estudos deste objeto (NETTO, 2009). Uma temporalidade completamente adversa e distinta do açodamento imposto pela exigência produtivista contemporânea. Uma bela síntese deste árduo trabalho localiza-se no conhecido texto introdutório aos manuscritos que, publicados postumamente, foram intitulados Elementos fundamentais para a crítica da economia política. Rascunhos. 1857-1858 (MARX, 1982).

Para além da complexidade intrínseca à concepção teórico-metodológica de Marx, sua compreensão e aplicação tem sido dificultada por interpretações equivocadas, incluindo autores que se localizam no chamado “campo marxista”. Segundo Netto (2009, p. 669), tais deformações engendram uma representação simplista da obra marxiana, a circunscrevendo aos “‘princípios fundamentais’ do materialismo dialético e do materialismo histórico” de aplicação universal a despeito da natureza e da sociedade. Acrescentam-se, ainda, leituras que simplificam a abordagem teórico-metodológica marxiana a partir de estigmatizações como: fatorialista, determinista ou monocausal e - mais recentemente - eurocêntrica5.

Na contramão desses equívocos interpretativos, Sweezy (1983) destaca que muitas das contribuições mais significativas apresentadas por Marx são de caráter metodológico. Nesta mesma direção, Lukács (1989, p. 15) esclarece o significado de ortodoxia vinculado à teoria marxiana e, ao mesmo tempo, destaca a relevância de seu método.

O marxismo ortodoxo não significa, pois, uma adesão sem crítica aos resultados da pesquisa de Marx, não significa uma ‘fé’ numa ou noutra tese, nem a exegese de um livro ‘sagrado’. A ortodoxia em matéria de marxismo refere-se, pelo contrário, e exclusivamente ao método. (grifo no original).

Outro aspecto que garante ao método de Marx enorme potencial analítico dos fenômenos e conjunturas sociais refere-se ao fato de que sua teoria tem como pressuposto o conhecimento do objeto na sua existência real e efetiva. Segundo Netto (2009, p. 673), a “teoria é, para Marx, a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa”. Aqui faz-se necessário distinguir sua concepção de “ideal” da obra hegeliana.

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento [...] é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado (MARX, 1968, p. 16).

De acordo com Húngaro (2008, p. 85):

O ponto de partida, para Marx, é o concreto, (a realidade empírica, o real) - a aparência fenomênica do real, sua materialidade imediata. Porém, essa expressão fenomênica do real (a aparência) não corresponde à verdade (a essência). [...] Para conhecer a essência faz-se necessário a superação dessa expressão fenomênica do real, faz-se necessário, inicialmente, negá-la (e negar não representa o cancelamento dela). Assim, a descrição, a sistematização e a organização da expressão fenomênica (empiria) não constituem o conhecimento do real, mas são momentos importantes do processo investigativo, pois essa expressão fenomênica é um marco, um indicativo de processos que estão por “trás dela”.

Essa caracterização da construção teórica em Marx já permite apresentar categorias fundamentais para a compreensão da realidade: a abstração e a totalidade, que se somam a outras como, por exemplo a historicidade, contradição e mediação. Complementarmente, destaca-se o trabalho de Marx com as categorias da economia política, a partir de uma crítica ontológica e a vinculação à totalidade do social e à história. Essa potente engenharia de categorias analíticas diferenciam a teoria marxiana do relativismo6 e dos consensos intersubjetivos característicos da agenda pós-moderna, porém são igualmente por ela (pós-modernidade) refutadas.

O arcabouço categorial - acima descrito - é mobilizado para elaborar a reprodução ideal (a teoria) do objeto real (para o Avante-UnB a política de esporte e lazer). Todavia, esse exercício de abstração possui um método que:

[...] começa-se “pelo real e pelo concreto”, que aparecem como dados; pela análise, um e outro elementos são abstraídos e, progressivamente, com o avanço da análise, chega-se a conceitos, a abstrações que remetem a determinações as mais simples. [...] Com efeito, depois de alcançar aquelas “determinações mais simples”, “teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar de novo com a população, mas desta vez não como uma representação caótica de um todo, porém como uma rica totalidade de determinações e relações diversas” (NETTO, 2009, p. 683-4, grifos do autor).

O “retorno da viagem” permitirá que as “abstrações mais tênues” e as “determinações as mais simples” sejam saturadas das relações e dimensões que objetivamente possuem e necessárias para reproduzir idealmente (no plano do pensamento) as múltiplas determinações que constituem o concreto real (NETTO, 2009).

O Avante-UnB é um grupo que se localiza na área da Educação Física e isso representa uma parte de sua identidade epistemológica, mas outra parcela é garantida pela opção teórico-política pelo método de Marx, que também confere unidade entre suas linhas de pesquisa. Não obstante, uma das primeiras ações do grupo foi a realização do curso de Introdução ao Método de Marx7 . Embora cientes de que para Marx o método não se circunscreve a conjunto de regras formais que se “aplicam” a um objeto recortado, seu complexo categórico constitui um alicerce aos pesquisadores deste grupo na elaboração do delineamento metodológico com o qual buscam dar conta de seus estudos.

Dentro os diferentes objetos de pesquisa do Avante-UnB, em função da natureza específica da chamada deste número da Motrivivência, o foco será na influência do método de Marx no âmbito dos estudos relacionados às políticas públicas de esporte e lazer.

As incursões do Avante-UnB nas políticas públicas de esporte e lazer

Os primeiros passos do Avante-UnB no caminho das políticas públicas de esporte e lazer antecedem a própria existência formal do grupo. Essa trilha foi incialmente percorrida na formação pós-graduada e na experiência junto a gestões locais e nacionais, especialmente, de seus coordenadores. Mais especificamente, registram-se os estudos de mestrado e doutorado desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-graduação em Educação Física da Unicamp e o trabalho realizado em gestões democrático-populares junto às políticas de esporte do Distrito Federal e do (extinto) Ministério do Esporte, sobretudo as ações no âmbito da Secretaria Nacional de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer.

Destaca-se, inicialmente, que esse contato anterior com as políticas públicas também se remete ao Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE)8, nomeadamente seu Grupo de Trabalho Temático de Políticas Públicas (GTT 12). A relação orgânica construída entre o Avante-UnB e o CBCE é antecedida pela presença de seus membros na Direção Nacional, incluindo a presidência da entidade e a coordenação do GTT 12. O CBCE representa um espaço fundamental para a prática da militância acadêmica, corroborando o entendimento de Castellani Filho (2019) de que o CBCE deve ser protagonista no Movimento Progressista de Renovação da EF/Ciências do Esporte brasileira.

Ao mesmo tempo, o CBCE e seus eventos científicos caracteriza-se como um continuum de formação dos nossos pesquisadores seja pela socialização da produção do Avante-UnB, seja pelas interfaces estabelecidas com outros grupos de pesquisa e instituições de ensino. Atualmente, cabe destacar que seis membros grupo atuam no Comitê Científico do GTT 12, além da presença de membros em outros GTTs e na vice-presidência do CBCE. A título de ilustração, no último Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte (Conbrace) de 2019, o Avante-UnB esteve presente na programação científica do GTT 12 com a apresentação de onze trabalhos9, excluindo aqueles com presença de membros do grupo, porém referentes a parcerias com outras instituições e grupos de pesquisa.

Outra precursora passagem de membros do Avante-UnB no trajeto das políticas de esporte e lazer localiza-se nas incursões junto ao órgão gestor da política nacional de esporte e lazer. Destacam-se nesse caminho algumas passagens como as duas primeiras edições das Conferências Nacionais de Esporte e Lazer (2004 e 2006), a criação do Programa Esporte e Lazer da Cidade (2003/2004), a participação, desde 2005, na Rede de Centros de Desenvolvimento de Esporte e de Lazer (Rede CEDES). Esse conjunto de iniciativas foram realizadas durante a primeira gestão (2003-2006) do antigo Ministério do Esporte (2003-2019), atualmente denominado de Secretaria Especial do Esporte, vinculada ao Ministério da Cidadania.

Das ações acima destacadas, considerando os limites deste texto, opta-se pelo enfoque na Rede CEDES. Concebida para fomentar - de forma predominante - pesquisas capazes de qualificar a formulação e gestão de políticas públicas de Esporte e Lazer, que na compreensão de seus idealizadores caracterizava-se por carência no tocante à sustentação de bases teóricas (CASTELLANI FILHO, 2017), transformou-se em importante espaço de formação de pesquisadores e de ampliação, qualificação e difusão da produção de conhecimento da Educação Física, vinculada ao campo das humanidades.

O Avante-UnB, enquanto coletivo, ingressou na Rede CEDES do Distrito Federal a partir de 2010, logo após a sua criação. Entretanto, seus membros já participavam da Rede, quando esta era coordenada pelo Núcleo de Estudos do Corpo e Natureza (Necon-UnB)10, sobretudo na organização de produções bibliográficas e de eventos científicos. Destaca-se a organização e realização da Reunião de Especialistas sobre o Sistema Nacional de Esporte e Lazer (2007) de duas edições do Seminário de Políticas Públicas em Esporte e Lazer (SPPEL), em 2008 e 2010. Desde 2016 a Rede CEDES DF foi reestruturada e adotou o formato de Centro de Pesquisa, sob coordenação geral do Avante-UnB, juntamente com mais quatro grupos de pesquisa11, vem atuando na formação de jovens pesquisadores e na realização de ações voltados à qualificação dos projetos de pesquisa e à constituição de intercâmbios nacionais e internacionais.

Os passos descritos até o momento foram basilares para a pavimentar uma estrada autoral do Avante-UnB no campo das políticas públicas de esporte e lazer. Para destacar e caracterizar essa trajetória, faz-se importante destacar os grandes temas que compõe a agenda da linha de pesquisa “Política de Esporte e Lazer”. As temáticas ora destacadas são: (i) a política de esporte nos governos Lula e Dilma; (ii) a política de esporte do Distrito Federal; (iii) o financiamento público para o esporte; e, (iv) análise e avaliação de políticas esportivas.

A chegada de uma gestão democrático popular ao Governo Federal alimentou a esperança de que um outro Brasil seria possível (LOWY, 2008), desejo retratado em um conjunto de expectativas sobre mudanças no cenário político, social e econômico nacional. Essa lufada de aspirações soprou sobre os setores progressistas da Educação Física acerca do devir da política de esporte e lazer. Essa expectativa fez com que muitos pesquisadores da área olhassem e investigassem com muita atenção a configuração da política delineada para este setor.

Não cabe no espaço deste texto realizar análise do que foi a política de esporte durante as gestões da coalização liderada pelo Partido dos Trabalhadores. A despeito das contradições e limites, é inegável que se tratou de um período efervescente da política esportiva no Brasil, marcado por conjunto de ações que buscaram construir uma agenda e uma orientação programática para este setor. Entretanto, o objetivo neste artigo é destacar de forma panorâmica os estudos do Avante-UnB sobre a política pública de esporte e lazer deste período12. Para essa exposição, podemos organizar os estudos em três blocos temáticos, a saber: os programas e projetos sociais e esportivos; os megaeventos esportivos; e o financiamento público, este abordaremos mais adiante de forma específica.

Entre as ações integrantes do Programa Orçamentário Esporte e Lazer da Cidade do Plano Plurianual (PPA), o Ministério do Esporte - criado em 2003 - incluiu dois programas esportivos de caráter social, o Programa Segundo Tempo (PST), vinculado ao esporte educacional, e o Programa Esporte e Lazer da Cidade (PELC), vinculado ao esporte recreativo ou de participação. Esses programas foram estudados pelo Avante-UnB sob a ótica do esporte e lazer como direitos de cidadania e do entendimento que as políticas públicas (sociais) tem o papel precípuo de atender às necessidades humanas e sociais (PEREIRA, 2009). Os estudos realizados dedicaram-se apontar e problematizar as contradições entre o modelo conceitual e a forma de gestão, destacar o papel e o processo de formação dos agentes sociais e analisar a implantação destes programas em contextos locais.

A agenda das políticas de esporte e lazer que sinalizava (com limites) para uma abertura e atenção ao esporte social, incluindo os programas citados acima, passou por reorientação, que a redirecionou para a realização dos grandes eventos esportivos. Essa ruptura inicia-se a partir de 2007 com a realização dos XV Jogos Pan-Americanos e consolida-se em 2009 com as confirmações oficiais do Brasil como sede da Copa do Mundo FIFA de Futebol 2014 e a cidade do Rio de Janeiro como local de realização dos XXXI Jogos Olímpicos de Verão 2016. Influenciados por esse desvio de rota da agenda governamental, a agenda científica das políticas de esporte e lazer direcionou sua análise para os megaeventos esportivos, o que se comprova pela crescente produção ligada a essa temática em período mais recente. A título de exemplo, em 2013, em Brasília, com significativa participação do Avante-UnB na coordenação geral do evento, o CBCE promoveu o XVIII Conbrace cuja temática central foi “Identidade da Educação Física e Ciências do Esporte em Tempos de Megaeventos”.

De forma mais específica, o Avante-UnB foi um dos grupos precursores no estudo dos megaeventos esportivos dentro da Educação Física brasileira, apontando-os como princípio organizador da agenda esportiva. As primeiras pesquisas do grupo encarregaram-se de analisar: as implicações dos megaeventos esportivos em diferentes âmbitos da realidade nacional, incluindo a Educação Física/ Ciências do Esporte (MASCARENHAS, 2012); e as relações de hegemonia que perpassaram a candidatura do Rio de Janeiro à cidade sede (MASCARENHAS et al., 2012). Para além desses trabalhos iniciais, o Avante-UnB constituiu uma larga produção sobre os impactos dos megaeventos sobre o orçamento público para o esporte, problematizou a concepção de desenvolvimento econômico e de planejamento urbano por trás da chegada desses eventos no país e apontou quais sujeitos individuais e coletivos eram e foram os reais vencedores e perdedores dos Jogos Olímpicos de 2016, a partir dos determinantes políticos e econômicos presentes13.

Com relação à política de esporte circunscrita à dimensão local, mais especificamente o Distrito Federal, o Avante-UnB vem envidando esforços para contribuir com uma lacuna na produção de conhecimento acerca deste tema. Seguindo os passos dos estudos seminais e pioneiros de Liáo Junior (2003, 2013), o grupo desenvolveu trabalhos sobre as relações entre o terceiro setor e os Centros Olímpicos na promoção de uma política focalista (CARNEIRO, 2013), problematizou as contradições entre a trajetória histórica, proposta pedagógica e seus marcos jurídico e institucional do Projeto Centro de Iniciação Desportiva (SANTOS, 2015), além de ampliar sua análise para o conjunto de políticas locais vinculadas ao esporte educacional (LOPES, 2019).

Possivelmente, dentre os vários temas que organizam a agenda de pesquisa do Avante-UnB, aquele que deu maior visibilidade, projeção e reconhecimento junto à comunidade acadêmico-científica seja o do financiamento público. A escolha desta temática teve iniciou pela percepção de sua relevância na definição das políticas públicas de esporte. Entretanto, ao mesmo tempo, a aproximação com outras áreas de conhecimento, possibilitou a compreensão de que a disputa pelo fundo público expressa a luta de classes contemporânea. Isso porque, por um lado, se configura como esfera de mediações na própria repartição da mais-valia, politicamente disputada pelas frações burguesas e, por outro lado, permite a participação dos trabalhadores na forma de salários indiretos (políticas sociais) ou na forma de bens públicos de maneira geral (BEHRING, 2010).

Considerando o pressuposto acima, o Avante-UnB compreendeu que o fundo público, e sobretudo sua parte mais visível - o orçamento público, não poderia ser interpretado como uma mera peça orçamentária e tampouco o seu estudo se limitar-se-ia à dimensão técnica e contábil, uma vez que se constituía em uma arena de disputa política.

Na verdade, a decisão sobre os objetivos de gastos do Estado e a definição sobre a origem dos recursos para financiá-los obedecem a critérios não somente econômicos, mas predominantemente políticos, espelhando a direção tomada na sua definição e a correlação das forças sociais e políticas atuantes na sociedade (OLIVEIRA, 2009, p. 84).

Diante dessa compreensão, o Avante-UnB realizou suas primeiras aproximações ao tema analisando o comportamento dos gastos com o esporte na gestão do governo Lula. A análise longitudinal do financiamento possibilitou identificar a ausência de um padrão e uma tendência à priorização ao esporte de alto rendimento (ATHAYDE; MASCARENHAS; SALVADOR, 2015). Essas características foram ratificadas por estudos posteriores do grupo. No entanto, o refinamento metodológico e a ampliação do recorte cronológico possibilitaram outras conclusões, como a identificação de que o financiamento das políticas esportivas direcionadas à vivência do esporte, bem como para a construção de infraestrutura esportiva no país, esteve mais ligado a uma função integradora14, a partir do governo Lula. Já no governo Dilma, aproximou-se da função diretamente econômica, criando as condições gerais de produção e realização dos grandes eventos esportivos (MASCARENHAS, 2016).

Mais recentemente, os estudos sobre o financiamento do Avante-UnB, mantendo o ciclo de aperfeiçoamento e alargamento do escopo de pesquisa, chegou a fase importante deste processo com a construção da matriz do financiamento público para o esporte brasileiro (CARNEIRO, 2018). Um estudo de fôlego que mapeou todas as fontes (orçamentárias, extraorçamentárias e indiretas) do financiamento público para o esporte entre os anos de 2004 a 2015, identificando um perfil regressivo dos gastos públicos com o esporte no país. Cabe destacar que de forma inovadora este estudo foi acompanhado pela elaboração de uma tecnologia social, que - entre outros objetivos - visa “facilitar a compreensão da atuação do Estado em relação ao esporte, demonstrando o que tem sido priorizado e, a partir disso, reivindicar os investimentos necessários para que o esporte seja reconhecido como direito social”15.

Finalmente, o último ponto da agenda de pesquisa do avante diz respeito à análise e avaliação das políticas públicas. Não obstante a relevância da discussão teórica acerca do sentido e papel da análise das políticas públicas, aqui destaca-se a construção de proposta analítica, que, ao mesmo tempo, respeitasse a abordagem teórico-metodológica do grupo e garantisse um instrumental capaz de avaliar as múltiplas dimensões das políticas de esporte e lazer. Nesse sentido, destaca-se o contato do grupo com a proposição de Boschetti (2009), que concilia elementos estruturais de análise das políticas sociais (determinantes econômicos, políticos, sociais, culturais e históricos), o quadro institucional (conformação) da política social e o plano de análise de indicadores empíricos.

Após esse contato, o Avante-UnB tem adotado essa proposição em muitas das suas pesquisas voltadas ao exame das políticas de esporte e lazer. Entretanto, respeitando a sua perspectiva teórica e o caráter dialético e processual do fazer científico, toma os devidos cuidados para fugir de apriorismos categóricos e de modelos únicos ou ideais. E, portanto, realiza permanentemente cotejamento desta proposta analítica com seus objetos de pesquisa, no sentido de avaliar quais categorias podem ser incorporadas e quais devem ser criadas a partir do contato com o objeto e a realidade concreta na qual ele se insere. Esta trajetória tem sido relatada e compartilhada com a comunidade científica no intuito de abrir um diálogo com os pares. Ao mesmo tempo, o grupo desafia-se à construção de uma proposta autoral, reconhecendo que a questão metodológica se mantém como elemento importante na qualificação dos estudos sobre políticas públicas no âmbito da Educação Física.

PASSOS FINAIS, MAS O CAMINHAR CONTINUA...

Este artigo apresentou a trajetória de um grupo que se situa no campo marxista, sobretudo no que tange à adoção do método de Marx por suas linhas de pesquisa. Complementarmente, à luz deste referencial teórico-metodológico, pontuou-se investida sobre o tema das políticas públicas de esporte e lazer. Nesta caminhada foram destacadas temáticas que versaram sobre (i) a análise - na esfera nacional e local - da política de esporte contemporânea; (ii) o estudo sobre o financiamento público para o esporte e (iii) o delineamento metodológico atinente ao exame das políticas de esporte e lazer.

Esses temas continuam na agenda de pesquisa do Avante-UnB com um conjunto de estudos se debruçando sobre eles e, ao mesmo tempo, os atualizando ou propondo novos recortes destes objetos. No entanto, nesses passos finais, que marcam apenas uma pausa para respiro, é importante destacar temáticas que mais recentemente passaram a compor o itinerário do grupo. Ressalta-se, por exemplo, os estudos sobre a economia do esporte, sobretudo do futebol, que procuram compreender o fenômeno esportivo dentro do modo de produção capitalista e o papel exercido pelo Brasil na relação centro e periferia do mercado esportivo. Outras pautas importantes referem-se à necessidade de atualização das pesquisas sobre a política de esporte nacional, compreendendo melhor as características do período pós-megaeventos esportivos, incorporando as especificidades do modelo federalista brasileiro e aprofundando os estudos comparados com outras realidades nacionais.

No prefácio à primeira edição alemã de O Capital, Marx afirmou “Todo começo é difícil, em qualquer ciência”. Dar os primeiros passos na construção de um grupo científico caracterizado pela abordagem crítica em uma área historicamente marcada pelo espírito conservador poderia ser observado como um grande desafio - ou até mesmo um equívoco. No entanto, passada uma década de caminhada, uma parada para respirar e uma olhada para trás confirma o acerto desta decisão. Uma certeza (se é possível adotarmos esse termo em ciência) que se comprova menos pelas temáticas e pesquisas destacadas neste texto e mais pelo compartilhamento de um projeto utópico, mas extremamente humano, fruto de laços de amizade, solidariedade e afetividade que transcende a rigidez e formalidade do ambiente acadêmico.

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1Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/31817#repercussao. Acesso em: 14 set. 2020.

2Para conhecer melhor a produção acadêmico-científica do Avante-UnB, ver Liáo Junior et al. (2020).

3Desde 2010 até o momento de redação deste texto, registram-se 36 bancas de defesa no interior do Avante-UnB, sendo 30 de mestrado acadêmico, 3 de mestrado profissional e 3 de doutorado acadêmico.

4Destacam-se a participação dos membros do Avante-UnB junto ao Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), ao CAEdF-UnB, à EXNEEF, ao Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) e na Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB).

5Em relação à crítica de que o marxismo possui uma abordagem eurocêntrica, recomenda-se a leitura do livro “Marx nas margens: nacionalismo, etnias e sociedades não ocidentais”, de Kevin Anderson (2019). Nesta obra o autor, a partir do estudo de textos de Marx, demonstra que ele superou o eurocentrismo, inclusive se dedicando ao estudo de sociedades não-ocidentais, nas quais seria possível identificar um desenvolvimento distinto daquele observado nos países europeus, refutando qualquer concepção etapista ou linear da história.

6 Lenin (1982) reconhece no materialismo dialético de Marx e Engels a presença de um relativismo, porém não se trata da negação à verdade objetiva, mas sim o reconhecimento dos limites apresentados pelas condicionalidades históricas à aproximação de nosso conhecimento à realidade. Uma condição já disposta pelo próprio Marx em célebre passagem do “18 de Brumário de Louis Bonaparte”.

7Referência aos vídeos do curso “O Método em Marx”, ministrado pelo professor José Paulo Netto, em 2002, ao Programa de pós-graduação em Serviço Social da UFPE.

8Para conhecer melhor a história (gênese e desenvolvimento) do CBCE, consultar os livros da Coleção 40 anos da entidade. Disponível em: http://www.cbce.org.br/colecao-40anos.php. Acesso em: 27 nov. 2020.

9Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/anais/tracks/2019/468. Acesso em: 26 nov. 2020.

10Disponível em: http://necon.unb.br/. Acesso em: 27 nov. 2020.

11Além do Avante-UnB e do Necon, fazem parte da Rede CEDES no DF os seguintes grupos: Grupo de Pesquisa sobre Corpo e Educação (Imagem); Grupo de Estudos em Educação Física e Saúde Coletiva; e Grupo de Estudos Socioculturais e Pesquisa em Educação Física (GESPEF). Disponível em: http://www.redecedesdf.unb.br/. Acesso em: 27 nov. 2020.

12Para conhecer de forma mais detalhada os estudos do Avante-UnB sobre a política de esporte dos governos Lula e Dilva, ver Matias, Athayde e Mascarenhas (2015).

13Ver Matias, Athayde e Mascarenhas (2015).

14De acordo com Mandel (1982), a função integradora do Estado corresponde ao papel da legitimação. Refere-se à integração das classes subalternas ou dominadas sem o uso da repressão direta. Nesta função, o Estado incorpora as reivindicações das classes trabalhadoras e movimentos sociais, inclusive com um avanço/crescimento da legislação social, porém - concomitantemente - fragmenta e desorganiza os movimentos coletivos de resistência.

15Disponível em: http://www.transparencianoesporte.unb.br/#/inicio. Acesso em: 28 nov. 2020.

AGRADECIMENTOS Este texto jamais seria possível sem a experiência e aprendizado, garantidos no convívio com todos(as) que fizeram parte do Avante-UnB nestes dez anos. Nossos maiores e sinceros agradecimentos aos(às) professores(as), pesquisadores(as) e estudantes deste grupo

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PUBLISHER Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. LaboMídia - Laboratório e Observatório da Mídia Esportiva. Publicado no Portal de Periódicos UFSC. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da universidade

EDITORES Mauricio Roberto da Silva, Giovani De Lorenzi Pires, Rogério Santos Pereira

EDITORES ASSOCIADOS DA SEÇÃO TEMÁTICA Fernando Henrique Carneiro; Marcelo de Paula Melo

REVISÃO DO MANUSCRITO E METADADOS João Caetano Prates Rocha; Keli Barreto

Recebido: 08 de Dezembro de 2020; Aceito: 24 de Março de 2021

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CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA Concepção do manuscrito: P.F.A. Athayde, L. Castellani Filho, R. Liáo Junior, J. O. Sampaio, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro Coleta de dados: P.F.A. Athayde, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro Análise de dados: P.F.A. Athayde, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro Discussão dos resultados: P.F.A. Athayde, L. Castellani Filho, R. Liáo Junior, J. O. Sampaio, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro Produção do texto: P.F.A. Athayde, L. Castellani Filho, R. Liáo Junior, J. O. Sampaio, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro Revisão e aprovação: P.F.A. Athayde, F. Mascarenhas, E. M. Húngaro

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