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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.100 no.254 Brasília jan./abr. 2019  Epub 30-Abr-2019

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i254.3804 

ESTUDOS

A percepção do pedagogo sobre o desenvolvimento psicomotor na educação infantil

The pedagogue´s perception on the psychomotor development in childhood education

La percepción del pedagogo sobre el desarrollo psicomotor en la educación infantil

Ana Luisa SacchiI  II 
http://orcid.org/0000-0001-5966-4977

Andreia Cristina MetznerIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-8403-3824

I Cooperativa Educacional de Pirangi (Coepi). Pirangi, São Paulo, Brasil. E-mail: <analuisasacchi@hotmail.com>.

II Especialista em Educação Especial e Inclusiva com ênfase em deficiência intelectual e múltipla pelo Instituto Souza. Ipatinga, Minas Gerais, Brasil.

III Centro Universitário Unifafibe. Bebedouro, São Paulo, Brasil. E-mail: <acmetzner@hotmail.com>.

IV Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Este artigo verifica e discute os conhecimentos dos pedagogos acerca da importância do desenvolvimento psicomotor na educação infantil. Este estudo é de natureza qualitativa, para tanto, foi realizada um estudo empírico. Dez professoras que lecionam na educação infantil participaram da pesquisa. O instrumento definido para a coleta dos dados foi um questionário composto por sete questões. Como resultado, constatou-se que as professoras possuem conhecimentos sobre psicomotricidade e consideram as atividades psicomotoras primordiais para o desenvolvimento das crianças. Entretanto, as atividades ministradas por elas envolvem, basicamente, o equilíbrio e a coordenação motora.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; educação infantil; psicomotricidade

Abstract:

This research verifies and discusses the knowledge gathered by pedagogues on the importance of psychomotor development to childhood education. It is a qualitative study and was carried by means of a empirical research. Ten childhood education teachers took part in this research. Furthermore, the chosen instrument to collect data was a seven-question survey. The findings show that the educators had psychomotor-skill knowledge, and they regarded psychomotor activities as primordial to the children’s development. However, the activities they prescribed entail, basically, balance and motor coordination.

Keywords: psychomotricity; childhood development; childhood education

Resumen:

Esta investigación tuvo como objetivo verificar y discutir los conocimientos de los pedagogos acerca de la importancia del desarrollo psicomotor en la educación infantil. Este estudio es de naturaleza cualitativa, para lo cual se realizó un estudio empírio. Diez profesoras que enseñan en la educación infantil participaron en la investigación. El instrumento definido para la recolección de los datos fue un cuestionario compuesto por siete cuestiones. Como resultado, se constató que las profesoras poseen conocimientos sobre psicomotricidad y consideran las actividades psicomotoras primordiales para el desarrollo de los niños. Sin embargo, las actividades impartidas por ellas involucran, básicamente, el equilibrio y la coordinación motora.

Palabras clave: desarrollo infantil; educación infantil; psicomotricidad

Introdução

Este texto apresenta reflexões e resultados significativos para o estudo do cotidiano da educação infantil e tem como foco a percepção do pedagogo acerca do desenvolvimento psicomotor da criança pequena.

A educação infantil é considerada a primeira etapa da educação básica e, de acordo com a Lei nº 9.394/1996 (Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 anos de idade “em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (Brasil, 1996, art. 29). Portanto, esse nível de ensino necessita promover o desenvolvimento da criança em todos os seus aspectos, de forma integral, constituindo-se alicerce para o pleno desenvolvimento infantil.

A primeira infância é um período importante para a formação das crianças, pois é nessa época que elas irão se constituir como seres humanos mediante diferentes estímulos dos meios em que estão inseridas. Além disso, “a infância apresenta-se como fase crucial para o desenvolvimento de um repertório motor que favorecerá o aprimoramento de outras habilidades no decorrer da vida adulta” (Fin; Barreto, 2010, p. 5). Nesse sentido, um dos recursos que pode ser utilizado para a promoção do desenvolvimento integral das crianças são os trabalhos que envolvem atividades psicomotoras.

Esse tema é oportuno, sobretudo, porque ainda não se encontra superada a necessidade de estudar corpo/corporeidade/movimento/ludicidade na infância. A “imobilização” dos corpos de adultos e crianças na educação infantil ainda aparece em dados de pesquisas, por vezes, sob a rasa desculpa de que os professores e as crianças só brincam se tiverem tempo, porque estão muito ocupados com a alfabetização, entre outros interesses oriundos de déficits formativos e/ou políticas educacionais pouco focadas nessa questão.

A psicomotricidade, de acordo com Le Boulch (1992), se dá mediante ações educativas de movimentos espontâneos e atitudes corporais da criança, proporcionando-lhe uma imagem do corpo e contribuindo para a formação de sua personalidade. É uma prática pedagógica que visa contribuir para o desenvolvimento integral da criança no processo de ensino-aprendizagem, dessa forma, ocupa um lugar importante na educação infantil, favorece os aspectos físicos, mentais, afetivo-emocionais e socioculturais, e busca estar sempre condizente com a realidade dos educandos. Nesse contexto, em relação ao corpo, destacam-se o correr, o pular e as atividades corporais amplas e finas, como recortar, escrever e outras produções psicomotoras que se ocupam do corpo em movimento.

As atividades psicomotoras englobam tanto o motor quanto o afetivo e cognitivo - elementos primordiais para o desenvolvimento infantil. Mattos e Neira (2006) corroboram com essas informações ao dizerem que as atividades psicomotoras trabalham os aspectos afetivos, motores e intelectuais. Para Alves (2007), essas atividades oferecem aos alunos condições para desenvolverem suas capacidades básicas em diversos aspectos do desenvolvimento humano.

De acordo com De Meur e Staes (1989), definem-se como elementos da psicomotricidade, também chamados de fatores psicomotores, o esquema corporal, a lateralidade, a tonicidade, a orientação espacial e temporal, o equilíbrio e a coordenação motora.

O esquema corporal é a porta de entrada para os outros elementos, pois de acordo com Oliveira (1997, p. 47):

O corpo é uma forma de expressão da individualidade. A criança percebe-se e percebe as coisas que a cercam em função de seu próprio corpo. Isto significa que, conhecendo-o, terá maior habilidade para se diferenciar, para sentir diferenças.

O esquema corporal está ligado diretamente à criança, dessa forma, ela será capaz de simbolizar seu próprio corpo, interiorizar sua imagem e, assim, contribuir para que consiga se diferenciar do mundo que a rodeia. Fonseca (1995) complementa que o esquema corporal é influenciado pela linguagem e pelas interações sociais, portanto, ele não integra apenas informações corporais, mas também afetos e conceitos.

A lateralidade é definida por Oliveira (1997) como sendo a propensão que a criança possui de utilizar mais um lado do corpo do que o outro - são três os níveis: mão, olho e pé. Ou seja, a lateralidade revela que os dois lados do corpo não são exatamente iguais e que uma das mãos, um dos pés e um dos olhos é usado mais facilmente do que o outro (Holle, 1979).

A estruturação espacial refere-se à possibilidade que o homem tem de se movimentar e de agir nos diferentes espaços existentes. É por meio do espaço e das relações espaciais que nos situamos no meio em que vivemos e no qual estabelecemos relações entre as coisas. Fonseca (1995) acredita que a estrutura espacial é responsável pela localização, orientação, reconhecimento espacial etc.

De Meur e Staes (1989, p. 13) definem a estruturação espacial como:

- a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em um meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação as pessoas e coisas; - a tomada de consciência da situação das coisas entre si; - a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las.

A orientação temporal pode ser determinada como a capacidade de situar-se em função da sucessão de acontecimentos - antes, durante, após - e da duração de intervalos - noção de tempo longo e curto, noção de cadência rápida e lenta (De Meur; Staes, 1989). A estrutura temporal intervém diretamente nas relações de ordem, duração, processamento, armazenamento e rememorização (Fonseca, 1995). É importante ressaltar que a orientação espacial é inseparável da orientação temporal nos processos de aprendizagens, por isso, em muitos casos, elas são tratadas como orientação espaço-temporal.

Outro fator psicomotor é a tonicidade. Para Fonseca (1995), a tonicidade é o estado de contração básica dos músculos que permite a ativação de um músculo ou grupo muscular. De acordo com Oliveira (1997, p. 27), o “tônus muscular está presente em todas as funções motrizes do organismo como o equilíbrio, a coordenação, o movimento, etc.”.

Pode-se dizer que o equilíbrio é a base da coordenação dinâmica global do corpo parado ou em movimento. Ele permite que a criança mantenha-se parada, de modo estável, ou em movimento, de maneira harmônica e precisa, e ajuda a criança a ficar mais segura e confortável em relação ao próprio corpo no espaço (Oliveira, 1997). Luria (1981) aponta que o equilíbrio é o responsável pelos ajustes antigravitários, mantendo o controle nas posturas estáticas e dinâmicas.

Já a coordenação motora pode ser classificada em coordenação motora fina e coordenação motora grossa. Na coordenação motora fina, os movimentos são realizados por pequenos grupos musculares, ou seja, são movimentos refinados e precisos, usados para realizar atividades que exigem um alto nível de destreza como tocar piano, costurar, recortar, escrever, desenhar, pintar etc. A coordenação motora grossa diz respeito à realização de atividades com movimentos amplos, ou seja, que mobilizam os maiores grupos musculares do corpo. É o caso de caminhar, saltar, subir e descer escadas, correr, rastejar etc. (Oliveira, 1997; Crepeau; Neistadt, 2002).

O desenvolvimento psicomotor requer o auxílio constante do professor por intermédio de diferentes estimulações, tornando possível à criança dominar o seu corpo e os comandos motores dentro do contexto social e afetivo em que vive.

Estudos apontados por Silva e Beltrame (2011) mostram que 30% a 50% das crianças que apresentam problemas de desenvolvimento motor também apresentam dificuldades de aprendizagens associadas e, dentre essas, encontramos na leitura e na escrita os problemas mais comuns associados às dificuldades motoras. Fin e Barreto (2010, p. 6) corroboram com essas informações e afirmam que “a criança com dificuldade nos movimentos apresenta quase sempre problemas de aprendizagem”.

Por isso, acredita-se que o aperfeiçoamento dos aspectos psicomotores na tenra infância pode proporcionar diversos benefícios ao ser humano ao longo da vida, nos momentos de atividades diárias, na escola, no lazer, entre outros. Nessa perspectiva, apesar de a aula de educação física ser uma importante aliada no desenvolvimento motor das crianças, o trabalho envolvendo a psicomotricidade não pode ser exclusividade desse professor, e sim, de todos os profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, principalmente na educação infantil.

Assim, a presente pesquisa tem como foco principal verificar os conhecimentos dos pedagogos sobre a importância do desenvolvimento psicomotor na educação infantil. Especificamente, objetivou-se: 1) discutir a percepção que o professor que atua na educação infantil tem sobre as atividades psicomotoras para as crianças desse nível de ensino; e 2) apresentar as contribuições das atividades psicomotoras para a educação infantil.

Os caminhos metodológicos percorridos

O presente estudo é uma pesquisa exploratória, de natureza qualitativa. A pesquisa exploratória tem como foco proporcionar maior familiaridade com o problema pesquisado (Gil, 2002).

Participaram do estudo dez professoras de educação infantil, efetivas, que atuam na pré-escola com crianças de 4 a 6 anos de idade em uma instituição pública municipal, localizada em uma cidade do interior do estado de São Paulo.

O instrumento metodológico utilizado foi um questionário composto por sete questões, contendo uma pergunta fechada e seis abertas. Segundo Andrade (2006), o questionário é um conjunto de perguntas que o informante responde sem necessidade da presença do pesquisador. Por conseguinte, optamos por uma maioria de perguntas abertas, com o intuito de permitir que o professor exponha o seu conhecimento acerca do que foi solicitado.

Para garantir o anonimato e a confidencialidade dos dados, o projeto de pesquisa foi submetido à aprovação do Comitê de Ética do Centro Universitário Unifafibe. Após a sua aprovação, no documento CAAE nº 55534016.0.0000.5387, os docentes escolhidos foram convidados para participar do estudo. Ao aceitarem, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Em seguida, foi agendado um dia para a entrega dos questionários. As professoras receberam o documento e, em uma data estipulada pela pesquisadora, o devolveram devidamente preenchido. A coleta dos dados foi realizada no período compreendido entre setembro e outubro de 2016.

Após o recebimento dos questionários, os dados foram analisados, verificando as respostas dadas pelas professoras com base na técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011). Essa técnica engloba as seguintes fases: pró-análise (fase de organização), exploração do material (fase de codificação) e resultados (fase da análise propriamente dita).

Considerações sobre a psicomotricidade na educação infantil

Os dados coletados nesse estudo foram organizados com base nas informações presentes nos questionários aplicados às dez pedagogas que atuam na educação infantil. Com o intuito de preservar a identidade das participantes da pesquisa, elas foram numeradas de 1 a 10.

A primeira questão abordada foi sobre o conhecimento das professoras de educação infantil em relação ao conceito de psicomotricidade. Os resultados mostraram que todas as participantes da pesquisa sabem o que é psicomotricidade e definiram de forma coerente o seu conceito: “psicomotricidade são todas as atividades que envolvem a parte psíquica e motora” (Professora 1), e “a psicomotricidade é uma prática pedagógica que visa contribuir para o desenvolvimento integral da criança no processo de ensino-aprendizagem, favorecendo os aspectos físicos, mental, afetivo-emocional e sociocultural” (Professora 3).

Nota-se que as participantes da pesquisa têm um conhecimento coerente sobre a temática da psicomotricidade, pois, de acordo com a Associação Brasileira de Psicomotricidade (ABP):

Psicomotricidade é a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto (ABP, [s. d.]).

Campão e Cecconello (2008) complementam essa definição dizendo que a psicomotricidade procura educar o movimento ao mesmo tempo em que desenvolve os aspectos afetivos, sociais e cognitivos do ser humano. Portanto, é uma ciência que tem como objeto de estudo a relação do ser humano com o corpo em movimento (Nicola, 2004).

Para que haja uma evolução adequada do desenvolvimento psicomotor é importante proporcionar uma variedade de experiências motoras. Assim, a segunda e a terceira questão referem-se às atividades psicomotoras desenvolvidas em sala de aula.

Os resultados apontam que as dez professoras trabalham com atividades relacionadas à psicomotricidade, conforme apresenta a tabela abaixo:

Fonte: Elaboração própria

Quadro 1 Atividades psicomotoras desenvolvidas pelas professoras 

Sobre as atividades realizadas em salas de aula, a Professora 6 complementa dizendo que “na educação infantil, as atividades psicomotoras são desenvolvidas o tempo todo. Eles estão o tempo todo em movimento, desenvolvendo coordenação motora fina e grossa, desde eles pegarem no lápis, criando desenhos, contando estórias, participando de jogos etc.”. Nota-se que as atividades citadas pelas professoras envolvem alguns aspectos psicomotores que são importantes para o desenvolvimento infantil. Apenas a Professora 10 respondeu que trabalha a psicomotricidade “em todas as formas”, mas não especificou quais são as atividades que ela ministra em suas aulas. Assim, não podemos afirmar que ela trabalha os aspectos psicomotores.

Nina (1999) aponta que é necessário, desde a educação infantil, oferecer às crianças atividades motoras direcionadas ao fortalecimento e à consolidação das funções psicomotoras.

Como citado, os aspectos psicomotores, de acordo com De Meur e Staes (1989), abrangem o esquema corporal, a lateralidade, a tonicidade, a orientação espacial e temporal, o equilíbrio e a coordenação motora. Por meio das respostas das professoras, percebe-se que os fatores trabalhados com maior intensidade são: coordenação motora fina e grossa, equilíbrio e esquema corporal.

As coordenações motoras finas e grossas são citadas pelas participantes da pesquisa por meio de atividades, por exemplo, de modelar, rasgar, pintar (coordenação fina) e pular, andar, dançar, chutar (coordenação grossa). Já o esquema corporal é trabalhado com base em atividades de montar as partes do corpo e na utilização do espelho. O equilíbrio é desenvolvido ao solicitar às crianças que andem sobre linhas e pulem em um pé só.

Os conteúdos listados pelas professoras são considerados atividades psicomotoras. No entanto, elas não abrangem a totalidade dos aspectos psicomotores apontados por De Meur e Staes (1989). Além disso, da forma como as atividades foram citadas, ou seja, sem ser referenciado o contexto de trabalho das professoras, não foi possível detectar se essas atividades são ministradas em um contexto lúdico ou se são realizadas de forma descontextualizada.

Existe uma gama de atividades psicomotoras que podem ser ministradas na educação infantil de forma individual, em duplas, em grupos e utilizando ou não objetos como cordas, bolas, cones, bambolês, jornais e bexigas. O importante é que essas atividades não sejam feitas de forma repetitiva, como solicitar que as crianças pulem em um pé só durante 2 minutos no pátio, mas que sejam realizadas de maneira lúdica, como brincar de pega-pega, em que as crianças devem fugir do pegador pulando em um pé só. Ao trabalhar os aspectos psicomotores de forma lúdica, as crianças terão a oportunidade de explorar os movimentos de forma prazerosa e divertida. Dessa forma, o professor pode propor brincadeiras que envolvam as diversas áreas psicomotoras, pois a junção entre o brincar e os aspectos psicomotores é fundamental para o desenvolvimento infantil.

Ao questionar sobre a importância do desenvolvimento psicomotor para as crianças na educação infantil, percebe-se que todas as professoras demonstraram opiniões similares, destacando que a psicomotricidade é a base do desenvolvimento da criança. Dentre as respostas, encontra-se o comentário da Professora 8, ela aponta ser necessário “que as crianças passem por todas as etapas em seu desenvolvimento, respeitando os limites, individualidades e estimulando sua autonomia”. A Professora 1 reforça esses apontamentos e considera que a “psicomotricidade é muito importante, pois a educação infantil é a base de tudo e o desenvolvimento psicomotor é de extrema importância”.

Le Boulch (1992, p. 24) corrobora com esses comentários ao afirmar que:

A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares e escolares; leva a criança a tomar consciência de ser corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas.

O autor acredita que as atividades psicomotoras devem ser trabalhadas desde a infância, de forma contínua, permitindo o pleno desenvolvimento da criança e proporcionando resultados satisfatórios em situações de dificuldades no processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, as atividades psicomotoras contribuem para o processo de aprendizagem das crianças, enriquecendo os aspectos cognitivos por meio de atividades de movimento. Dessa forma, no contexto escolar, é necessário ampliar o repertório motor infantil para que as crianças obtenham progresso em suas capacidades básicas, como também em aspectos mais complexos do desenvolvimento humano que proporcionam uma melhor assimilação das aprendizagens escolares.

Martinez, Peñalver e Sánchez (2003) validam essas ideias ao afirmarem que as atividades psicomotoras necessitam compor o cotidiano das crianças, pois quando bem trabalhadas na infância, levam a um desenvolvimento equilibrado e harmônico.

A próxima questão refere-se às maiores dificuldades para trabalhar a psicomotricidade em sala de aula. Sobre esse aspecto, os resultados apontaram uma divisão de opiniões: cinco professoras (P1, P2, P3, P5, P9) relataram não ter dificuldades nos trabalhos, e outras cinco (P4, P6, P7, P8, P10) disseram encontrar certas dificuldades em trabalhar a psicomotricidade na educação infantil.

As educadoras que relataram não ter dificuldades em trabalhar com atividades psicomotoras justificaram: “na educação infantil, todas as atividades trabalham a psicomotricidade” (Professora 5); “não tenho dificuldade para trabalhar psicomotricidade, porque tenho um grande suporte na parte gestora” (Professora 9).

Gentile (2005) ressalta que o desenvolvimento psicomotor pode ser um processo vagaroso, sendo de extrema importância o apoio direto da coordenação pedagógica que deve orientar e dar suporte aos educadores para que o trabalho englobando a psicomotricidade possa ser bem executado.

Portanto, acredita-se que as docentes que disseram não ter dificuldades em trabalhar a psicomotricidade talvez necessitem de suporte ou orientação pedagógica a respeito desse assunto, pois apesar dos conteúdos psicomotores fazerem parte de todas as atividades realizadas no dia a dia das crianças, é necessário que haja um desenvolvimento efetivo desses fatores, ou seja, é preciso que as atividades sejam conduzidas pelas professoras de forma intencional e comprometida.

Em relação às professoras (P4, P6, P7, P8, P10) que disseram encontrar algumas dificuldades em trabalhar a psicomotricidade, elas apontaram que sentem esse desconforto quando ministram atividades envolvendo materiais de sucata para estimular a coordenação motora, pois as crianças são muito pequenas. Essa dificuldade aumenta quando há na sala de aula algum aluno com necessidades especiais ou que tenha um “ritmo” de aprendizagem muito diferente dos demais. Para ilustrar essas questões, apresentamos a resposta da Professora 6: “acredito que umas das maiores dificuldades enfrentadas é quando trabalhamos com crianças que apresentam algum distúrbio, ressaltando que, pra me auxiliar, existe ajuda de outros profissionais”.

Essas dificuldades apresentadas pelas educadoras são encontradas ao ministrar qualquer atividade na educação infantil, não somente as atividades psicomotoras. Portanto, essas respostas mostram que as participantes da pesquisa, apesar de saberem o conceito de psicomotricidade, não a consolidaram na prática.

Para que o trabalho das professoras com as atividades psicomotoras aconteça de forma efetiva, é preciso que sejam oferecidos estímulos variados e que as professoras tenham consciência dos objetivos das atividades realizadas (Alves, 2007).

Ao questionar sobre a influência da psicomotricidade no processo de ensino e aprendizagem da criança, verificou-se que as dez professoras acreditam que a psicomotricidade é fundamental para o desenvolvimento do trabalho escolar, pois, como apresenta a Professora 3, “o desenvolvimento do esquema corporal, da lateralidade, da estruturação espacial, da orientação temporal e da pré-escrita são fundamentais na aprendizagem, um problema em um desses elementos irá prejudicar uma boa aprendizagem”. Além disso, a Professora 4 expõe que não ter os elementos psicomotores bem desenvolvidos “poderá apresentar problemas na escrita, leitura, direção gráfica, na distinção das letras (como por exemplo: b/d)”.

Consequentemente, percebe-se que a psicomotricidade é um fator essencial ao desenvolvimento global e uniforme da criança, pois quando ela apresenta dificuldades de aprendizagem, muitas vezes o real problema está no nível das bases do desenvolvimento psicomotor.

Quando, então, ocorrem falhas no desenvolvimento motor poderá também ocorrer falhas na aquisição da linguagem verbal e escrita. Faltando à criança um repertório de vivências concretas que serviriam ao seu universo simbólico constituído na linguagem, consequentemente, afetando o processo de aprendizagem (Silva; Navarro, 2012, p. 51).

Borges e Rubio (2013, p. 1) confirmam essas informações ao apontarem que a psicomotricidade é a base fundamental para o processo de aprendizagem da criança. Para as autoras, “quando uma criança apresenta dificuldades de aprendizagem, o fundo do problema, em grande parte, está no nível das bases do desenvolvimento psicomotor”.

A última questão abordada procurou investigar a formação inicial dos professores com o intuito de verificar se ela ofereceu a base teórico-prática necessária para que a docente desenvolvesse atividades psicomotoras com maior facilidade.

Sobre esse questionamento, nota-se que, de acordo com as respostas das participantes, a formação inicial ofereceu o suporte básico e necessário para que elas pudessem desenvolver as atividades psicomotoras em sala de aula, como afirma a Professora 1: “na minha primeira formação já foi mencionada a importância de saltar, pular, rastejar, alinhavar, recortar, perfurar etc.”. Duas professoras ressaltam que, além da preparação recebida na formação inicial, “estamos sempre nos capacitando e não paramos só no curso de pedagogia, ao longo de minha carreira venho me capacitando” (Professora 9), “o curso ofereceu algumas atividades e um suporte básico, fui me aperfeiçoando através de trocas de experiências, pesquisas, convivências e estudos em capacitações continuadas e especializações” (Professora 2).

A formação inicial, de acordo com Reis (2009, p. 47), é o momento em que o futuro professor, de forma institucionalizada, “relaciona o aspecto teórico apoiado em conhecimentos científicos, técnicos e pedagógicos com os aspectos práticos”. A autora complementa que a formação inicial é um passo fundamental na formação dos docentes, pois promove a articulação entre teoria e prática.

Além de uma boa formação inicial, Silva et al. (2011) consideram que a formação continuada possibilita que o professor adquira conhecimentos específicos e se aperfeiçoe ao longo de sua carreira, sendo capaz de se adaptar e tornar sua prática flexível às diversas e rápidas exigências que se modificam com o passar do tempo.

Portanto, não tem como falar de educação de qualidade sem mencionar uma formação continuada dos professores, a qual vem sendo considerada, com a formação inicial, uma questão fundamental nas políticas públicas para uma educação de qualidade.

Não é novidade que a escola está em constante mudança, por isso, os professores necessitam ter uma boa base de formação e devem buscar constantemente novos conhecimentos para que possam estar preparados frente aos desafios do dia a dia. Nesse contexto, acredita-se que essa busca pelo conhecimento proporciona novas reflexões e aprimoramento do trabalho pedagógico, e isso é fundamental, pois, como afirmam Formosinho e Ferreira (2009, p. 32), na profissão docente existe uma grande diferença entre “estar professor” e “ser professor”.

A discussão sobre questões relacionadas à formação inicial e continuada de professores é bem ampla. Por isso, como esse não é o foco deste estudo, não cabe aqui aprofundar-se no assunto. É importante apenas ressaltar que a formação do professor interfere na sua atuação profissional, podendo colaborar de forma positiva em sua prática pedagógica.

Conclusão

Após a realização deste estudo, constatou-se que o pedagogo possui uma grande responsabilidade no desenvolvimento psicomotor das crianças, portanto, é fundamental que ele tenha conhecimento a respeito desse tema para que possa realizar atividades de forma intencional e comprometida com a formação integral dos alunos.

Os resultados obtidos por meio dos questionários mostraram que as professoras participantes da pesquisa possuem conhecimentos sobre psicomotricidade e consideram as atividades psicomotoras primordiais para a formação das crianças na educação infantil. Além disso, incluem, no dia a dia escolar, jogos e atividades que contribuem, por exemplo, para o desenvolvimento do equilíbrio corporal e da coordenação motora.

Portanto, a psicomotricidade deveria ocupar um lugar de destaque na educação infantil e na formação dos professores, não só como um conteúdo importante para dar suporte à aprendizagem, mas também como instrumento de construção de unidade corporal, identidade e conquista da autonomia intelectual e afetiva das crianças.

É prudente mencionar a necessidade de criar, na contemporaneidade, um novo modus de tratar o trabalho envolvendo a psicomotricidade na educação infantil - quando as crianças e os adultos se permitem brincar e tratar do lúdico, primordialmente. Isto é, quando a brincadeira tem lugar fundamental nesse nível de ensino, ainda que se faça essencial salientar, ao mesmo tempo, a precisão de se ampliar a relevância da intencionalidade docente nessa perspectiva.

Por fim, este estudo permitiu fazer uma breve reflexão, não só sobre os conhecimentos dos pedagogos, mas também sobre o papel do pedagogo em relação à psicomotricidade. As limitações do estudo referem-se ao número pequeno de participantes e ao não acompanhamento das atividades descritas no questionário. Por isso, sugere-se que sejam realizadas outras pesquisas relacionadas a essa temática com o intuito de aprofundar as discussões nessa área e também presenciar a atuação dos professores na prática do dia a dia.

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Recebido: 10 de Março de 2018; Aceito: 27 de Novembro de 2018

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