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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.100 no.254 Brasília jan./abr. 2019

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i254.4037 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

Pesquisa-formação: díade que permeia o exercício da docência em contexto socioeducativo

Research-training: a dyad that permeates the carrying of teaching in a socio-educational context

Investigación-formación: díada que permea el ejercicio de la docencia en contexto socioeducativo

Mirian Abreu Alencar NunesI  II 
http://orcid.org/0000-0003-3505-9937

Maria da Glória Carvalho MouraIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-3686-9133

I Universidade Estadual do Piauí (UEPI). Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: <mirialencar@hotmail.com>;

II Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina, Piauí, Brasil.

III Universidade Federal do Piauí (UFPI). Teresina, Piauí, Brasil. E-mail: <glorinha_m@yahoo.com>;

IV Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.


Resumo:

Este artigo apresenta discussões preliminares de pesquisa de doutorado que tem como temática os saberes docentes e visa ao aprofundamento de estudos referentes à educação de jovens e adultos desenvolvida com adolescentes em conflito com a lei. Realiza investigação com professores que atuam em uma unidade que abriga adolescentes privados de liberdade e que é norteada pela questão-problema: qual a relação existente entre os saberes docentes mobilizados em espaço socioeducativo e a contribuição para a formação cidadã de adolescentes privados de liberdade? No intuito de aliar pesquisa e formação, são utilizados os pressupostos da pesquisa colaborativa, adotando como procedimento metodológico para a produção dos dados as narrativas dos diálogos das oficinas de formação. Os resultados mostram a relevância da pesquisa-formação como ferramenta que possibilita o avanço do conhecimento de forma colaborativa e articula teoria e prática profissional, favorecendo a autoformação na docência socioeducativa.

Palavras-chave: educação de jovens e adultos; medida socioeducativa; saberes do docente

Abstract:

This paper presents preliminary discussions on a doctoral research whose theme is the educational knowledge, and it aims to broaden studies on non-children education carried with teenaged offenders. A research is conducted with teachers working on a juvenile correctional facility and is steered by the research issue/problem: what is the relation between the educational knowledge wielded in socio-educational venues and its contribution for the training of teenaged-offenders in citizenship? Wishing to combine research and training, postulates of collaborative research are employed, and the dialogues established in training workshops were adopted as methodological procedures for data production. The results revealed the significance of research-training as a tool for a collaborative knowledge advancement that articulates professional theory and practice, favoring self-training in socio-educational teaching.

Keywords: non-children education; socio-educational rehabilitation measures; educational knowledge

Resumen:

Este artículo presenta discusiones preliminares de investigación de doctorado que tiene como tema los conocimientos docentes y busca profundización de estudios referentes a la educación de jóvenes y adultos, desarrollada con adolescentes en conflicto con la ley. Realiza investigación con profesores que actúan en una unidad que abriga adolescentes privados de libertad y que es norteada por la cuestión-problema: ¿cuál relación existente entre los saberes docentes movilizados en espacio socioeducativo y la contribución para la formación ciudadana de adolescentes privados de libertad? En el intuito de aliar investigación y formación, son utilizados los presupuestos de la investigación colaborativa, adoptando como procedimiento metodológico para la producción de los datos y las narrativas de los diálogos de los talleres de formación. Los resultados muestran la relevancia de la investigación-formación como herramienta que posibilita el avance del conocimiento de modo colaborativo y articula teoría y práctica profesional, favoreciendo la autoformación en docencia socioeducativa.

Palabras clave: educación para jóvenes y adultos; medidas socioeducativas; saberes del docente

Notas introdutórias

A investigação da educação escolarizada, particularmente quando foca o saber docente na condução da práxis, desvela a complexidade do trabalho pedagógico e suas implicações na formação geral de estudantes jovens e adultos como, por exemplo, adolescentes privados de liberdade. São os saberes docentes que orientam as ações do professor; no entanto, percebemos que existem lacunas em estudos voltados para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), revelando a necessidade de intensificação em investigações nessa área, minimizando, assim, o fosso entre a academia e o chão da sala de aula.

O presente estudo apresenta um recorte de pesquisa de doutorado que tem como objetivo central analisar os saberes docentes mobilizados em espaço socioeducativo e a contribuição para a formação cidadã de adolescentes privados de liberdade. A investigação tem como locus o Centro Educacional Masculino (CEM), unidade que abriga adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa com privação de liberdade em Teresina - Piauí, e conta com a colaboração de quatro professores que atuam no anexo escolar em funcionamento nas dependências da instituição.

Neste trabalho, as discussões no âmbito da análise expõem o percurso metodológico adotado no processo investigativo, destacando a relevância do princípio pesquisa-formação como instrumento capaz de mediar o desenvolvimento de práticas sociais em âmbito socioeducativo.

Como forma de organização, o texto está estruturado em três seções, excetuando as notas introdutórias e conclusivas. Na primeira seção, apresentamos uma revisão de literatura que tem como destaque um estudo sobre a EJA e a função da escola, bem como sobre saberes docentes e a educação socioeducativa. Na segunda seção, abordamos a estrutura metodológica, discorrendo sobre os pressupostos da pesquisa colaborativa, além de esclarecermos o porquê de adotarmos a oficina de formação como instrumento basilar para a produção dos dados. Na terceira seção, fez-se a análise dos resultados, destacando o desenvolvimento das atividades que possibilitaram a composição do corpus analítico.

A Educação de Jovens e Adultos e a função social da escola

Discussões envolvendo a educação de jovens e adultos têm recebido atenção especial nas últimas décadas em função das mudanças sociais e da valorização da educação como um direito social assegurado a todo cidadão brasileiro. Neste cenário, a educação passa a ser vista como instrumento de transformação social e de desenvolvimento pessoal pleno. No entanto, para que esse pleno desenvolvimento ocorra, vários elementos são destacados: o professor, o estudante, o espaço escolar, o processo de ensino e de aprendizagem e as políticas que viabilizam uma educação de legítima qualidade.

Ao estudar a história, desde os primórdios da humanidade, nos deparamos com relatos de fatos referentes ao que os homens foram, fizeram e fazem, e isso nos ajuda a compreender o que podemos também vir a ser e a fazer. Com base no estudo que realizamos acerca da educação, percebemos que sua função nem sempre se configurou como processo de formação dos homens como sujeitos históricos, vistos com condições de engajar-se crítica e criativamente em seu processo formativo.

De acordo com Ponce (1994), os fins da educação na idade primitiva derivavam do ambiente social e identificavam-se com os interesses comuns do grupo, em que os membros de cada tribo incorporavam o saber que era possível receber e elaborar nas referidas comunidades. Não existia educação na forma de escola, e o objetivo era ajustar a criança ao seu ambiente físico e social por meio da aquisição de experiências repassadas primeiramente pelos chefes de família e, posteriormente, por sacerdotes. A educação dos jovens era o instrumento central para a sobrevivência do grupo e a atividade fundamental para a transmissão e para o desenvolvimento da cultura.

Na transição da sociedade primitiva para a civilização antiga, os ideais educacionais passaram a ter um novo formato, que se deu a partir das mudanças da vida em sociedade. Na Grécia, as escolas eram consideradas elitizadas, geralmente funcionavam em templos ou em algumas residências e eram frequentadas por jovens de famílias tradicionais da antiga nobreza ou de comerciantes. A educação espartana, por exemplo, tinha como objetivo a formação militar e era baseada na aquisição do poder e da coragem, o que acontecia pela inserção das crianças dos 7 aos 16 anos de idade em escolas-ginásio.

A educação ateniense, por sua vez, valorizava a formação intelectual e deixava de ser restrita à família. Aos 7 anos de idade, a criança iniciava a educação propriamente dita, com ênfase na educação física, poesia, canto, dança, oratória e filosofia, desprezando o trabalho manual e comercial.

Com o advento da sociedade capitalista, a forma de organização social muda, e as relações sociais de produção, as concepções de homem, de trabalho e de educação assumem nova configuração. Segundo Charlot (2013), a lógica da ideologia capitalista se expressa pelo conceito de globalização e proporciona um sistema universal de ensino em que o saber está perdendo seu valor de uso para virar somente saber de troca. A educação, segundo a ótica dominante, tem como finalidade habilitar técnica, social e ideologicamente os diversos grupos de trabalhadores para servir ao mundo do trabalho. Trata-se de subordinar a função social da educação de forma controlada para responder às demandas do capital.

A dinâmica da sociedade capitalista direciona a organização das políticas educacionais segundo as transformações e as exigências do contexto atual, sendo a educação um ponto estratégico para o desenvolvimento econômico e social apenas de uma minoria da população. As inovações pedagógicas contemporâneas, as políticas assistencialistas e compensatórias são estratégias de uma educação produtivista que não contribui para a formação de estudantes críticos e conscientes de suas ações, mas funciona como mecanismo de dominação, exclusão e manutenção de status.

Quanto à especificidade da educação voltada para jovens e adultos inserida no contexto capitalista, assim afirma Rodrigues (2009, p. 16):

Compreender a educação de jovens e adultos junto aos sistemas de ensino e às unidades escolares significa partir de uma relação estruturante com a universalização do trabalho como atividade humana autorrealizadora. Aponta, portanto, para o desenvolvimento de uma relação que vai além dos valores meramente parciais com os voltados para uma formação propedêutica ou técnica, cujos fundamentos na lógica individualista, competitiva e desigual do capitalismo pouco contribuem com os interesses, expectativas e concepções de mundo daqueles que frequentam a educação de jovens e adultos.

É necessário partir do princípio de que o direito a uma educação de qualidade deve ser concebido como a dimensão central de ações político-pedagógicas que regem os sistemas de ensino, distanciando-se de práticas alienantes, hierarquizadas e fragmentadas que perpetuam uma linha abissal1 entre os educacionalmente privilegiados, como os corpos docente e administrativo que comandam as ações escolares, e aqueles que têm de ser educados. Essas articulações ideológicas têm reforçado, nas instituições escolares brasileiras, a função de aparelho reprodutor das condições sociais de existência na sociedade capitalista, e precisamos lutar para que a educação, em todos os níveis de ensino, seja vista como um bem e um traço histórico com possibilidade de transformação de vida e de sociedade.

Por vezes, temos percebido a ênfase atribuída ao aspecto cognitivo presente no espaço escolar, distanciando-se da finalidade da escola em promover a formação integral dos estudantes por meio das relações construídas a partir de experiências vividas, tanto dos estudantes quanto dos outros atores do cenário educacional. Nesse viés, compreendemos ser a prática educativa uma modalidade específica de ensino que se dá por meio de atividades pedagógicas que têm como finalidade promover a formação crítica e transformadora do ser humano, que considera a vivência entre os sujeitos como condição essencial à educação.

Esta concepção de prática educativa possui estreita relação com a função social da escola, que é, a nosso ver, formar sujeitos históricos, considerando sua integralidade. A educação precisa ser vista como prática que se dá nas relações sociais, e a escola como um espaço que possibilita a construção e a socialização do conhecimento vivo, que se caracteriza como processo de construção e não de aquisição. Dito de outra forma, a escola deve possibilitar ao estudante as condições para ele compreender o mundo, suas contradições, e enfrentar com responsabilidade os problemas que se apresentam no cotidiano.

Liberali (2008, p. 78) afirma que a função da escola é construir valores cidadãos, fato muitas vezes negligenciado em detrimento da supervalorização do acúmulo de conhecimento. Nesse sentido, “a educação para a cidadania pressupõe não só o aprender conhecimentos, mas o transformar a ação e a sociedade a partir disso”. A educação, por esse prisma, não tem como foco apenas o desenvolvimento cognitivo, mas leva em consideração a condição formadora necessária ao próprio desenvolvimento do sujeito como cidadão.

Para Brandão (2002), a educação cidadã parte do reconhecimento de que os processos educativos devem ocorrer como um projeto de trocas de saber e de sentidos que estão no próprio interior das pessoas. É uma educação destinada a formar pessoas capazes de viver em busca da realização plena de seus direitos humanos, mediada por um processo de conscientização crítica da construção de um mundo e de uma sociedade mais justa e igualitária.

Nessa perspectiva, “cidadão é aquele que sempre pode estar se transformando, ao tempo em que participa da construção coletiva dos saberes das culturas de ser no mundo social” (Brandão, 2002, p. 92). Ou seja, é um sujeito que aprende fazendo a si mesmo, atuando como coautor do mundo social em que vive. Assim, a educação voltada para a formação cidadã caracteriza-se pela troca de conhecimentos, de valores, de sensibilidades e de sociabilidade, o que implica a formação do sujeito aprendente como ator crítico, criativo, solidário e participante.

A visão de uma escola comprometida com a formação cidadã remete-nos a pensar sobre a oferta da EJA em espaços socioeducativos e prisionais como um ponto positivo em seu percurso histórico, embora ainda cercada de desafios. Cabe aqui apresentarmos elementos que consideramos relevantes para compreender o que é essa modalidade de ensino, seus elementos constitutivos, seus avanços e desafios.

Diferentemente da visão que se tem da EJA como segmento educacional que tem como fio condutor apenas a alfabetização daqueles que não sabem ler ou escrever, ou que necessitam concluir determinado nível da educação básica, ou ainda como uma proposta de aceleração dos estudos, precisamos compreendê-la na perspectiva de educação ao longo da vida.

Embora predomine, no conceito de aprendizagem ao longo da vida, a visão instrumental da educação permanente, voltada para a eficácia e a competitividade que surgiu como resposta aos desajustes dos sistemas educativos de 1968, sua concepção deve estar vinculada à participação, à cidadania e à autonomia dos sujeitos em uma visão integral e inclusiva. Abicalil (2016), ao discutir sobre alfabetização e aprendizagem ao longo da vida, afirma que é necessário haver avanço em todas as modalidades educativas para as pessoas jovens e adultas, sendo imprescindível uma reformulação de propostas que permitam dar respostas às múltiplas necessidades de conhecimento, habilidades dos sujeitos e à heterogeneidade de contexto do qual estes fazem parte.

O ensino escolarizado direcionado a adolescentes que cumprem medida socioeducativa com privação de liberdade é outro ponto que consideramos relevante no percurso da EJA. A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, assegura que “a criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho” (Brasil, 1990, art. 53).

Nesse bojo, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), Lei nº 12.594, sancionada em janeiro de 2012, estabelece parâmetros para o atendimento socioeducativo, enfatizando o direito à educação como fundamento para a formação educacional e profissional de adolescentes em conflito com a lei. No entanto, para que as medidas socioeducativas tenham natureza essencialmente pedagógica, respeitando, efetivamente, sua nomenclatura, surgem práticas pedagógicas como meio de promover a completude pessoal.

Para tanto, torna-se necessário que o professor que atua na EJA, em espaços socioeducativos, assuma uma postura não baseada na racionalidade técnica, mas que reconheça sua capacidade de confrontar suas ações cotidianas com produções teóricas, bem como rever e pesquisar práticas e teorias de forma a produzir novos caminhos e novas práticas de ensinar. Nessa perspectiva, Volpi (1999) destaca que o processo escolar deve possibilitar aos adolescentes socioeducandos aprender um conjunto de conhecimentos que os ajude a se localizar no mundo, colaborando com o seu regresso, permanência ou continuidade na rede regular de ensino.

Compreendemos que a prática da escolarização como estratégia de reinserção social plena, o desenvolvimento progressivo de habilidades, os saberes e as competências dos adolescentes, assim como o desenvolvimento de estratégias pedagógicas adequadas às necessidades de aprendizagem dos socioeducandos possuem estreita relação com a formação do professor socioeducador, apresentando-se como mais um dos desafios a ser superado no âmbito educacional da EJA.

O professor, embora já licenciado para exercer tal função, enfrenta cotidianamente situações que exigem dele uma gama de habilidades, muitas vezes ainda não contempladas na formação inicial. O processo contínuo de formação apresenta-se, então, como ferramenta que pode propiciar ao professor ver sua prática a partir de um novo ângulo, ou seja, como possibilidade de ressignificação de práticas acríticas e fossilizadas.2

Reconhecendo a necessidade de saberes específicos dos educadores de EJA, Arroyo (2006, p. 24) afirma:

Se caminharmos no sentido de que se reconheça as especificidades da educação de jovens e adultos, aí sim teremos de ter um perfil específico de educador de EJA e, consequentemente, uma política específica para a formação desse educador.

Ou seja, é necessário que se dê atenção a questões nucleares na formação desse educador, principalmente no que tange à necessidade de ele conhecer o perfil do estudante jovem e/ou adulto com quem vai trabalhar.

Por ser a educação uma atividade criativa, necessita de processos contínuos de preparação que contribuam para uma sólida formação multidisciplinar do professor, com um padrão de qualidade que corresponda verdadeiramente à carência de uma educação cidadã. Assim, as práticas de formação continuada devem ser vistas não apenas como ação que se dá em decorrência da legislação em vigor, mas também como oportunidade para que os professores desenvolvam saberes que possam suprir suas necessidades formativas, consolidando seu exercício profissional.

O princípio básico para uma prática docente socioeducativa seria, portanto, compreender que o homem não é concebido pronto, porque se constrói sob três formas: na esfera da espécie humana, que é construída por ele mesmo no decorrer da história, diferenciando-se de outras espécies; como membro de uma determinada sociedade e cultura, que também é construída ao longo do tempo; e como sujeito marcado pela singularidade de sua história. Assim, a educação deve ser vista como processo triplo, que é único porque associa humanização, socialização e subjetivação/singularização.

Outro aspecto essencial na educação socioeducativa é a compreensão de que o estudante precisa se apropriar de conhecimentos que tenham sentido para ele, que façam parte de seu currículo oculto, e que o levem a esclarecer o mundo por meio de atividades que envolvam situações que favoreçam a apropriação de um saber. Isso porque a educação é um movimento interno alimentado pelo que o educando encontra fora de si mesmo. De outra forma, afirma Charlot (2013), o processo de ensino-aprendizagem pode vir a fracassar ou, caso o estudante não queira entrar em uma atividade intelectual, ele é quem fatalmente vem a fracassar.

Nesse cenário, cabe ao professor articular não apenas os saberes da experiência que vão sendo construídos com base no conhecimento tácito, mas também uma sólida formação que assegure a apropriação dos saberes pedagógicos e específicos, além de conhecimentos que são particulares de adolescentes em conflito com a lei.

Moura (2015, p. 8) afirma que “os saberes e competências adquiridos na formação inicial não são mais suficientes para o enfrentamento da complexidade das novas exigências da sociedade [...]”, ficando clara a necessidade de mecanismos de formação profissional permanente. Ou seja, diante do desafio de educar jovens e adultos com o intuito de que eles cresçam e mudem como pessoa, torna-se necessário preparar a formação de professores de forma integral, formação essa baseada na construção de saberes que fundamentem um ensino que contemple a aprendizagem em três dimensões: cognitiva, centrada no aspecto mental; física, ligada aos estilos de aprendizagem; e emocional, vinculada aos fatores psicológicos e fisiológicos.

Frente ao exposto, destacamos que, diante das peculiaridades da prática do professor da EJA, desenvolvida em espaços socioeducativos, percebemos a necessidade de uma reflexão crítica que conduza à mobilização de saberes docentes que deem conta da singularidade do fazer pedagógico na educação social, pois é por meio da articulação desses saberes que em seu cotidiano o professor terá condições de responder a situações concretas de sala de aula e (re)construir saberes essenciais à relação de ensino, aprendizagem e desenvolvimento humano.

A próxima seção expõe a trajetória metodológica que norteou a investigação, destacando os aspectos referentes à pesquisa colaborativa.

Caracterizando o processo epistemológico-metodológico

A pesquisa científica, de modo geral, tem sido reconhecida como atividade capaz de mediar o desenvolvimento de práticas sociais. No campo educacional, tem contribuído significativamente para a compreensão de questões referentes à educação, bem como para a formação de professor pesquisador. No entanto, é necessário que as pesquisas sejam realizadas com rigor e seriedade, além de pautadas em procedimentos metodológicos que viabilizem produções científicas comprometidas com a teoria científica e com a prática social.

Para compreender as particularidades dos saberes docentes articulados em contexto socioeducativo e suas características subjetivas, optamos por uma abordagem de pesquisa que, de forma contextualizada, permita fazer conexão entre a vida real dos acontecimentos e o percurso investigativo. Nessa ótica, incorremos em uma fundamentação teórico-metodológica que orientou nosso percurso investigativo e se coadunou com a perspectiva qualitativa, pois é por meio desta que compreendemos e explicamos o que já sabemos sobre o objeto de estudo e, ainda, o tipo de conhecimento a ser obtido no processo investigativo. Assim, nossa pesquisa tem se respaldado na epistemologia construcionista e na perspectiva teórico-crítica.

Desse modo, o objeto não é descoberto, mas construído durante o processo investigativo, levando-nos a rejeitar a ideia da existência de uma verdade objetiva esperando ser descoberta. O objeto de estudo emerge de nossa interação com a realidade, conforme afirma Esteban (2010, p. 51): “não existe significado sem uma mente. O significado não se descobre, mas se constrói.” Ou seja, os dados produzidos durante a pesquisa não foram vistos como objeto pronto e acabado, esperando ser capturado, mas como conhecimento com significado construído na interação entre os professores e as experiências de mundo deles, fato que contribuiu para que a análise de nosso estudo partisse da premissa de que os saberes docentes, por serem fenômenos mutáveis, deveriam ser estudados como processo em desenvolvimento e não como produtos a serem coletados e vistos como inalteráveis e estáticos.

Adotamos, portanto, a pesquisa colaborativa, porque, além de atender aos critérios oficiais de cientificidade, foi possível promover o crescimento mútuo dos colaboradores e despertar o interesse de parte dos docentes para prosseguir sua formação em projetos mais amplos. A pesquisa colaborativa é uma configuração da pesquisa-ação, e nossa opção se deu porque sua natureza colaborativa ocorreu em parceria com os professores partícipes da pesquisa, que estão diretamente envolvidos com o contexto das medidas socioeducativas.

Pimenta (2005) afirma que a pesquisa colaborativa é um relevante percurso de superação da divisão entre pesquisados e pesquisadores que precisa se configurar em uma pesquisa-ação. No entanto, para que seja possível compreender a realidade social e, simultaneamente, a produção de conhecimento, é necessário estabelecer uma relação de parceria entre esses sujeitos, que é um dos princípios fundantes da pesquisa colaborativa.

Referindo-se às modalidades de pesquisa, André (2006) afirma que houve propagação da pesquisa-ação no início dos anos 1980 e da pesquisa colaborativa a partir de 2002, mudando o perfil da pesquisa em educação ao abrir espaço para abordagens críticas. A pesquisa colaborativa, na perspectiva da pesquisa-ação, tem como pressuposto o envolvimento de um grupo de sujeitos que tenham objetivos e metas em comum e interesse por determinado problema que emerge em um dado contexto no qual eles desempenham papéis diversos, tais como pesquisadores universitários e professores pesquisadores da escola locus da pesquisa.

Compreendemos a necessidade de nossa pesquisa desenvolver-se com um caráter crítico, em que a transformação fosse previamente planejada com a participação dos colaboradores, caso contrário, ela se constituiria apenas como pesquisa colaborativa estratégica, como denominam Ghedin e Franco (2008). Assim, as práticas e as mudanças negociadas e geridas no coletivo deram um caráter de criticidade à pesquisa porque nossa pretensão não foi apenas compreender ou descrever o mundo da prática docente em ambiente socioeducativo, mas contribuir para que houvesse transformação dela por meio de ações docentes emancipatórias.

Na construção metodológica de nossa investigação, buscamos procedimentos que se coadunassem com a proposta de pesquisa colaborativa, de forma que contribuíssem para que a trajetória investigativa fosse possível. Assim, optamos pela prática da observação participativa realizada durante as oficinas de formação.

A observação participativa, definida por Cardano (2017, p. 107) como “uma técnica de pesquisa na qual a proximidade com o objeto transforma-se no campo de compartilhamento da experiência das pessoas envolvidas no estudo”, difere de práticas de observação cotidianas do ser humano, pois se trata de uma estratégia metodológica de investigação que exige um trabalho complexo e sistematizado.

Adotamos a observação participativa como procedimento metodológico porque a reconhecemos também como um estilo de pesquisa interativa, o que nos permitiu estudar o agir de nossos colaboradores por meio da observação direta do seu fazer, e não apenas os relatos de quem participa desse processo interativo. No percurso, a observação ocorreu em um contexto natural em que entrelaçamos participação, observação e diálogo, quando nos familiarizamos com os relatos narrativos do objeto estudado. Por meio do diálogo, as ideias e as intenções dos interlocutores foram enunciadas, e as observações nos oportunizaram ouvir, escutar e ver os fatos que ocorreram espontaneamente, bem como fazer uso de registro e interpretação pertinentes e coerentes com a realidade estudada.

De forma estratégica, os partícipes foram observados durante as oficinas de formação que estavam atreladas ao curso de extensão intitulado Educação de Jovens e Adultos Privados de Liberdade, que é voltado para a formação continuada de profissionais no efetivo exercício do magistério da educação básica, com atuação na modalidade EJA, nos sistemas público de ensino, estadual e municipal e no CEM.

O curso teve por objetivo ampliar o acesso à formação continuada de profissionais com atuação na EJA, visando a contribuir para a oferta de uma educação de qualidade, contextualizada à realidade das populações e em conformidade com as diretrizes para as turmas de EJA em ambientes privados de liberdade.

Do CEM, 23 professores participaram do curso, incluindo a coordenadora pedagógica da unidade, que atuou como formadora e que, juntamente conosco, foi responsável por planejar e executar as oficinas de formação. Essas oficinas efetivam um dos princípios da pesquisa colaborativa denominado dupla função pesquisa-formação. Os encontros formativos, além de contribuir para que houvesse a integração do grupo e o compartilhamento dos sentidos e significados, também permitiram a coprodução do saber, quando, por meio da mediação de um par mais experiente, novos conhecimentos foram construídos.

Segundo Desgagné (1997), enquanto o pesquisador busca o conhecimento coconstruído com foco no objeto de sua investigação, para os professores colaboradores, a pesquisa é vista como uma ocasião de aperfeiçoamento, isto é, uma atividade de formação. Como mediadora do processo formativo-investigativo, assumimos a díade formadora-investigadora, pois, ao tempo em que estudamos os saberes docentes no quadro da pesquisa científica, procuramos contribuir para o interesse que os professores colaboradores tinham em aprimorar a prática por eles desenvolvida em sala de aula. Nesse processo, a articulação entre pesquisa e formação ofereceu uma oportunidade insubstituível para a coconstrução de conhecimentos sobre as práticas de ensino, fato que dificilmente seria possível com outra metodologia.

Discutindo a análise dos resultados

A pesquisa colaborativa tem como princípio partir do real em que as práticas se realizam, tentando compreender, com os professores, as bases que dão sustentabilidade às suas práticas. Nessa modalidade de pesquisa, a formação de professores ocorre no processo investigativo-formativo, que compreende os docentes como sujeitos que podem construir conhecimento sobre o ensinar mediante reflexão crítica sobre sua prática.

O objetivo da formação que desenvolvemos durante o processo investigativo foi mobilizar os saberes da teoria da educação necessários à compreensão da prática docente, de forma a desenvolver nos professores a competência de investigar a própria atividade e, a partir dela, constituir os seus saberes-fazeres em um processo contínuo de construção de novos saberes.

A seguir, apresentamos descrições e interpretações referentes a duas categorias analíticas de nossa pesquisa: os saberes docentes identificados e as contribuições do processo formativo para as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos colaboradores. Para tanto, destacamos os dados produzidos, ao tempo que sintetizamos os procedimentos adotados em duas das seis oficinas de formação realizadas na trajetória da pesquisa.

Ressaltamos que, embora tenhamos contado com a participação de 23 professores no processo formativo, optamos por analisar os dados a partir das narrativas de três docentes, que no texto são denominados como professores A, B e C, os quais são servidores que atuaram nas etapas I, II e IV da EJA, que correspondem aos anos iniciais e finais do ensino fundamental.

Quanto à identificação dos saberes docentes, destacamos um recorte da segunda oficina de formação que tinha como objetivo promover a reflexão compartilhada acerca das diferenças existentes entre o professor e o mediador que atua na educação de pessoas jovens e adultas. Na oportunidade, iniciamos o encontro refletindo sobre a situação de exclusão que sofre parte dos estudantes da EJA, em virtude de o professor não considerar os estilos de aprendizagem. Durante a discussão que promovemos acerca da andragogia como arte de orientar adultos a aprender, no intuito de identificar os saberes docentes articulados por nossos colaboradores, indagamos aos participantes sobre as ferramentas que eles utilizavam para promover o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes. Entre as narrativas enunciadas, destacamos as seguintes afirmativas:

[...] eu uso muito do que já tenho na experiência que a gente adquire aqui no CEM porque formação mesmo, formação, só da vida. Aqui é diferente e, às vezes, não dá pra aplicar o que aprendemos na universidade. (Profª. A)

[...] aqui cada aluno aprende de um jeito, por isso, a gente tem de correr atrás de aprender outras formas de ensinar, usar a criatividade pra que eles possam se interessar. (Prof. B)

É, cada um aprende no seu tempo. Aí, a aula que a gente quer trabalhar um conteúdo nem sempre acontece como planejamos. É preciso ter mais conhecimento; por exemplo, eu nunca tinha ouvido falar em andragogia e é diferente a forma que eu uso pra ensinar. (Prof. C)

Nas enunciações é possível perceber um destaque considerável dado pelos participantes da pesquisa à mobilização dos saberes experienciais no desenvolvimento da prática docente. Os professores A, B e C afirmam que utilizam a experiência adquirida no campo de atuação porque a formação inicial não contempla as necessidades deles e destacam a necessidade de “correr atrás” de outras formas de ensinar para conseguir a adesão dos alunos às aulas. Ou seja, um deles afirma que necessita buscar outras fontes de saberes que correspondem à peculiaridade de lecionar para adolescentes privados de liberdade.

Acerca dos saberes docentes, Pimenta (1999) afirma que estes são constituídos por três categorias: saberes do conhecimento, que se referem a conhecimento específico; saberes pedagógicos, ferramentas que viabilizam a ação de ensinar; e saberes da experiência, que ocorrem em dois níveis: saberes oriundos da vida escolar e saberes produzidos pelos professores no fazer pedagógico.

Ao discutir sobre o trabalho dos professores, Tardif (2012, p. 12) afirma que “ensinar é empregar determinados meios para atingir certas finalidades.” Nesse sentido, é possível compreender as exigências de constantes adaptações dos professores às particularidades de seu campo de trabalho. Educar em espaço socioeducativo, portanto, requer uma ação docente baseada em saberes atentos às diferenças e habilidades de cada estudante, com foco no processo de ensino-aprendizagem pautado pela criticidade, diálogo, afetividade, cognição, sociabilidade, convicção de mudança, criatividade, liberdade e autonomia.

Com base nas narrativas descritas, identificamos também deficiência nos saberes específicos, quando a professora C afirma ter necessidade de mais conhecimento, pois reconhece não ter ouvido falar anteriormente de andragogia. Por sua vez, a professora A destaca que, às vezes, não consegue aplicar em sala de aula os saberes adquiridos na formação inicial, demandando a busca de outras fontes de conhecimento.

A andragogia, definida como a arte e a ciência de ajudar os adultos a aprender, é a proposta mais adequada para a educação direcionada a adolescentes em conflito com a lei, isto porque estudantes dessa modalidade de ensino já avançaram no nível de maturidade física e cognitiva e possuem a capacidade de autodirecionamento e um ensino pautado em suas vivências. É imprescindível entender que adultos aprendem de forma distinta das crianças e, mesmo em processo de alfabetização, necessitam de práticas educativas que condigam com seu estágio de desenvolvimento.

Segundo Knowles, Holton e Swanson (1998), os princípios pedagógicos diferem dos andragógicos por desconsiderarem as experiências dos aprendizes adultos, submetendo-os a situações educativas semelhantes às das crianças. No entanto, por já possuir um estágio de maturação física e psicológica, o estudante adulto tem capacidade para assumir responsabilidades pela própria vida, seja no âmbito social, familiar ou profissional. Por essas razões, a educação de adultos demanda filosofia, conceitos e métodos específicos que valorizam a autonomia do aprendiz e promovem a participação ativa do aluno, como ressalta a professora B, ao se referir à necessidade de utilizar aulas criativas que despertem o interesse do aluno.

Quando a professora C afirma que “nunca tinha ouvido falar em andragogia, e é diferente a forma de ensinar”, dá-nos subsídios para compreender que a oficina de formação contribuiu para que o conhecimento que ela possuía sobre educação fosse expandido, isto é, ao mediarmos a reflexão sobre os princípios andragógicos nas oficinas de formação, propiciamos que a professora não somente adquirisse novo saber, mas que compreendesse a importância da teoria andragógica para o ensino direcionado a pessoas jovens e adultas.

Na sequência, enfatizamos dados produzidos em outro encontro formativo que teve como objetivo analisar os elementos estruturantes de um plano de ensino, considerando as dimensões conceituais, procedimentais e atitudinais. Como procedimento metodológico, iniciamos entregando a cada participante da oficina silhuetas de mãos para que descrevessem as contribuições que davam ao processo de ensino-aprendizagem a partir das ferramentas educacionais que possuíam. Essa atividade nos oportunizou identificar os saberes docentes que os professores reconheciam possuir, assim como diagnosticar as concepções acerca do plano de ensino.

Para direcionar as produções, fizemos a seguinte indagação: o que você tem em suas mãos que contribui para a educação no CEM? Das narrativas enunciadas acerca dos saberes, destacamos os seguintes dados:

Eu trago nas mãos habilidade pra alfabetizar e oportunidade pra ajudar a melhorar a vida dos meus alunos porque quem não lê é alguém que vive no escuro. No planejamento normalmente aparece o conteúdo, aí trabalho os problemas sociais e levo a reflexão sobre os atos deles. (Profª. A)

O que eu trago em minhas mãos são o conhecimento, experiências, paciência e perseverança, e trabalho trazendo a realidade pra identificar e trabalhar as necessidades de meus alunos. (Profª. B)

Coloquei aqui em minhas mãos conhecimento, planejamento, disposição, amor, dedicação e comprometimento. Eu também uso muito a motivação pra trazer a discussão, como, por exemplo, uma reportagem [...]. (Profª. C)

O saber experiencial foi enfatizado nas enunciações das três professoras participantes da pesquisa. Encontramos subsídios para essa compreensão quando a professora A afirma trazer nas mãos a habilidade de ensinar, haja vista que trabalhava com alfabetização antes de lecionar no CEM. Na narrativa da professora B, além da paciência e da perseverança, que são características específicas dos docentes que atuam em sistema socioeducativo, a experiência surge nos relatos da professora como um recurso adotado em sala de aula.

Também foi possível identificar o saber pedagógico quando a professora C afirma que tem em mãos o planejamento, que é uma prática pedagógica indispensável ao trabalho docente, além da discussão mediada por leitura de reportagens que ela adota como metodologia para conduzir sua prática.

O saber específico é evidenciado nas narrativas das três professoras, quando B e C se referem ao conhecimento sistematizado e na narrativa da professora A, quando ela menciona o conteúdo que descreve no planejamento. Desta feita, as partícipes destacam a relevância do conhecimento científico para a condução da prática docente, que é um saber específico em cada área da formação de professores, particularmente nos cursos de licenciatura em pedagogia e biologia, em que as professoras colaboradoras possuem formação.

Quanto aos saberes docentes, Franco (2006) afirma ser a ação dos saberes pedagógicos o instrumento responsável por transformar uma prática educativa em práxis pedagógica. Dito de outra forma, é a mobilização dos saberes pedagógicos que caracteriza a prática educativa como uma prática intencional, relevante e transformadora.

Os saberes articulados por professores que atuam em contexto socioeducativo podem diferenciar-se dos saberes inerentes a outros espaços escolares, visto que os estudantes que cumprem medida socioeducativa também apresentam necessidades e histórias de vida diversificadas. São saberes que fundamentam uma ação docente que considera preceitos eminentemente educativos e não prisionais, tal como destaca Portugues (2009): desenvolvimento de autonomia, diálogo, estabelecimento de vínculos afetivos, troca de experiências, respeito e tolerância.

Visando a avaliar a contribuição das oficinas de formação para a vida dos colaboradores de nossa pesquisa, encerramos o encontro formativo entregando novas silhuetas de mãos para que eles respondessem ao seguinte questionamento: das oficinas realizadas, o que você leva em suas mãos para a prática docente? Entre as respostas, destacamos as seguintes:

O curso teve grande contribuição, pois aprimorou bastante o meu conhecimento, levando-me a refletir e melhorar mais a minha prática pedagógica, analisando em que eu estou acertando e no que preciso melhorar. (Profª. A)

O curso contribuiu de forma positiva para as aulas aplicadas no CEM, pois descobrimos novas formas de aplicar atividades. (Profª. B)

A formação contribuiu para minha vida profissional de forma positiva. Ela proporcionou a aquisição de novos conhecimentos e novas experiências relevantes para minha prática docente. (Profª. C)

Um dos objetivos da pesquisa colaborativa que adota o princípio da pesquisa-formação é contribuir para que haja expansão do conhecimento, tanto por parte do pesquisador, quanto dos colaboradores. Nas enunciações anteriormente descritas, percebemos a valorização que as professoras deram ao processo formativo mediado por nós. Entre os contributos identificados, ressaltamos a expansão do conhecimento, que aparece em destaque nos fragmentos narrados pelas professoras A e C, assim como o desenvolvimento profissional alcançado mediante novos procedimentos metodológicos com que as professoras mantiveram contato durante o processo formativo.

Ao adotar as oficinas de formação como procedimento, partimos do pressuposto de que contextos formativos são ferramentas contemporâneas que contribuem para que haja aperfeiçoamento dos saberes necessários à atividade docente. Entendemos que a formação continuada é uma necessidade a ser suprida dos professores que atuam em contexto socioeducativo, em virtude das novas circunstâncias em que as práticas pedagógicas se desenvolvem. Assim, durante as oficinas de formação, procuramos vincular as discussões teóricas às vivências dos colaboradores, de forma que, ao entrar em contato com o novo, eles refletissem criticamente sobre a docência como um processo constante de mudança e de intervenção na realidade em que se insere.

Destarte, Imbernón (2010) esclarece que a formação continuada contribui para a consolidação do saber profissional docente a partir da aquisição de conhecimentos teóricos e da análise crítica sobre o fazer pedagógico, envolvendo o processo avaliativo e a reformulação da ação.

Diante dessa preliminar análise dos dados, afirmamos que aliar pesquisa e formação durante o processo investigativo é uma postura desafiadora porque demanda compromisso do pesquisador com ações pedagógicas que conduzam não apenas a discussões teóricas, mas que, acima de tudo, estimulem a reflexão do colaborador sobre sua realidade, assim como o repensar sobre a necessidade de ressignificação de práticas. Por sua vez, a pesquisa colaborativa é um instrumento investigativo enriquecedor, pois nos permitiu não apenas produzir dados acerca dos saberes docentes que atuam em espaço socioeducativo, mas também contribuir para o processo de formação contínua dos colaboradores de nossa pesquisa.

Notas finais

Nossa intenção ao propormos a realização da pesquisa de doutorado em uma unidade que abriga adolescentes privados de liberdade não foi somente produzir dados a respeito da prática docente desenvolvida nessa instituição, mas também compreendê-la por meio do duplo movimento pesquisa-formação. Na tentativa de superar abordagens positivistas de investigar a educação, adotamos a pesquisa colaborativa como ferramenta que valoriza o processo investigativo ao aliar pesquisa e formação de professores. Compreendemos que os docentes e o pesquisador, mediados pela reflexão crítica, podem construir conhecimento sobre o ensinar e a partir dessa ferramenta, se necessário for, ressignificar suas práticas.

Embora neste texto tenhamos apresentado uma prévia das análises da relação existente entre os saberes mobilizados por professores e a formação cidadã de adolescentes em conflito com a lei, é possível afirmar que os saberes pedagógicos, específicos e experienciais, fazem parte dos conhecimentos adquiridos pelos colaboradores da pesquisa. A análise aponta a relevância do conhecimento experiencial para a mobilização no desenvolvimento da prática docente, quando as professoras procuram respostas para situações vivenciadas no cotidiano.

O saber experiencial tem importância significativa para a prática do professor que atua em medida socioeducativa, porque além de possibilitar que ele reflita sobre a própria ação, a experiência vivida se torna conhecimento e desenvolve competências não construídas em outros espaços formativos.

Ressaltamos que é com base nessa reflexão e no compartilhamento do conhecimento tácito entre os professores que surge a reestruturação da prática e, nesse caminho, a formação continuada atrelada à pesquisa oportuniza que outros saberes sejam aprimorados, reformulados e construídos, contemplando as lacunas deixadas na formação inicial quanto aos saberes pedagógicos e específicos.

Com esse intuito, durante as oficinas de formação, procuramos propiciar a teorização da prática mediante a reflexão crítica que permeou nosso processo investigativo. O contexto formativo, além de contribuir para que houvesse expansão do conhecimento já adquirido pelos professores, favoreceu a conscientização da necessidade de se utilizar metodologias alternativas e inovadoras que facilitem a construção do novo conhecimento.

Em síntese, tendo a atividade docente como objeto de nossa investigação, colocamos em questão a relevância da dupla função pesquisa-formação como ferramenta que, do ponto de vista metodológico-formativo, possibilita o avanço do conhecimento de forma colaborativa, ao tempo em que propicia a autoformação profissional, articulando teoria e prática.

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1 A expressão “linha abissal” faz referência ao pensamento abissal conceituado por Santos (2007) como uma característica da modernidade ocidental, que consiste em um sistema de distinções visíveis e invisíveis que dividem a realidade social em dois universos ontologicamente diferentes, fazendo com que a realidade do lado dos menos privilegiados se dê em função de um grupo detentor de poder, mediante dominação econômica, política e cultural

2Adotamos a expressão “fossilizadas” com base em Vygotsky (2000), que diz respeito ao comportamento intelectual imutável, automatizado.

Recebido: 10 de Julho de 2018; Aceito: 23 de Novembro de 2018

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