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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

Print version ISSN 0034-7183On-line version ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.100 no.255 Brasília May/Aug 2019

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i255.3861 

ESTUDOS

Representações de práticas inclusivas: da realidade vivida aos caminhos da inclusão no ensino superior na Amazônia paraense

Portrayals of inclusive practices: from reality to the path towards inclusiveness in higher education at Amazon from Pará

Representaciones de prácticas inclusivas: de la realidad vivida a los caminos de la inclusión en la enseñanza superior en la Amazonia paraense

Joana d'Arc de Vasconcelos NevesI  II 
http://orcid.org/0000-0002-3110-3649

Rogerio Andrade MacielIII  IV 
http://orcid.org/0000-0003-1673-5215

Marcos Vinicius Sousa OliveiraV  VI 
http://orcid.org/0000-0001-6766-8126

I Universidade Federal do Pará (UFPA). Bragança, Pará, Brasil. E-mail:<jdvasconcelosneves@gmail.com>.

II Doutora em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA) , Belém, Pará. Brasil.

III Universidade Federal do Pará (UFPA). Bragança, Pará, Brasil. E-mail: <rogeriom@ufpa.br>.

IV Doutor em Educação pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém, Pará, Brasil.

V Universidade Federal do Pará (UFPA). Belém, Pará, Brasil. E-mail: <vynny13@hotmail.com>.

VI Graduando em Pedagogia Pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Bragança, Pará, Brasil.


Resumo:

Este artigo analisa as representações dos coordenadores de cursos de licenciatura sobre as práticas inclusivas de pessoas com deficiência desenvolvidas no Campus de Bragança da Universidade Federal do Pará (UFPA). Trata-se de pesquisa de abordagem processual, no campo teórico e metodológico das representações sociais, considerando as três dimensões constituidoras: sujeitos, contextos e sentidos. As fontes mobilizadas são documentos regulatórios sobre a inclusão no ensino superior e entrevistas com quatro coordenadores dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, História, Matemática e Pedagogia. Para tratamento dos dados, utiliza-se análise do discurso do sujeito coletivo. Como resultado, identifica-se que o processo de produção e circulação das representações sociais sobre as práticas inclusivas no ensino superior configura cenários de conflitos, desafios, contradições e avanços. Os sentidos encontrados revelam como eixos potencializadores da inclusão: a) construção de uma consciência inclusiva; b) política de formação continuada; e c) redefinições do papel e das condições de trabalho do educador no ensino superior. São discursos que trazem à tona a imagem de que a inclusão da pessoa com deficiência no ensino superior apenas principiou e ainda há um longo caminho a ser construído no interior das universidades brasileiras, caminho esse que passa pela consolidação das políticas públicas e pela reinvenção do fazer pedagógico.

Palavras-chave: representação social; práticas inclusivas; ensino superior

Abstract:

This paper analyzes portrayals from teacher-training course coordinators on the practices to include people with disabilities carried out at the Bragança Campus of the Federal University of Pará (Universidade Federal do Pará - UFPA). This research follows a processual approach, within the theoretical and methodological field of social representations, taking into account three constitutive dimensions: subjects, contexts, and meanings. The sources used are regulatory documents about inclusion on higher education and interviews with four coordinators of the following licentiate courses: Biological Sciences, History, Math, and Pedagogy. For data treatment, the analysis of the discourse of the collective subject is used. As a result, it is identified that the production and circulation process for social representations about inclusive practices on higher education are made of scenes of conflict, challenges, contradictions, and advances. The meanings found point towards the following as axis of inclusion: a) the development of an inclusive awareness; b) a continuous education policy; c) the redefinition of the educator´s role and work conditions in higher education. These are discourses that elicit the image of the inclusion of people with disabilities on the superior education as a something in introductory stages with a long path to be traced within Brazilian universities. Such path goes through the consolidation of public policies and the reinvention of pedagogical practices.

Keywords: social representations; inclusive practices; superior education

Resumen:

Este artículo analiza las representaciones de los coordinadores de cursos de formación de profesores sobre las prácticas inclusivas de personas con discapacidad desarrolladas en el Campus de Bragança de la Universidade Federal do Pará (UFPA). Se trata de una investigación de enfoque procesal, en el campo teórico y metodológico de las representaciones sociales, considerando las tres dimensiones constituidoras: sujetos, contextos y sentidos. Las fuentes movilizadas son documentos regulatorios sobre la inclusión en la enseñanza superior y entrevistas con cuatro coordinadores de los cursos de formación de profesores en Ciencias Biológicas, Historia, Matemáticas y Pedagogía. Para el tratamiento de los datos, se utiliza análisis del discurso del sujeto colectivo. Como resultado, se identifica que el proceso de producción y circulación de las representaciones sociales sobre las prácticas inclusivas en la enseñanza superior configura escenarios de conflictos, desafíos, contradicciones y avances. Los sentidos encontrados revelan como ejes potenciadores de la inclusión: a) construcción de una conciencia inclusiva; b) política de formación continuada; y c) redefiniciones del papel y de las condiciones de trabajo del educador en la enseñanza superior. Son discursos que traen a la luz la imagen de que la inclusión de la persona con discapacidad en la enseñanza superior apenas empezó y aún hay un largo camino a ser construido en el interior de las universidades brasileñas, camino que pasa por la consolidación de las políticas públicas y por la reinvención del hacer pedagógico.

Palabras clave: representación social; prácticas inclusivas; enseñanza superior

Introdução

A educação inclusiva de alunos com deficiência1 é considerada por autores como Campos (2013), Fernandes (2015), Castanho e Freitas (2006) e Ferrari e Sekkel (2007) uma realidade recente nas instituições de ensino superior (IES) brasileiras, um movimento que ainda precisa ser consolidado e um campo do conhecimento que necessita ser aprofundado.

Parte-se da compreensão de que a constituição do direito da pessoa com deficiência ao ensino superior não foi algo “dado”, mas construído historicamente por meio de embates e lutas travadas em uma “arena de disputas” e, como analisa Michelotto (2006), qualquer ação de democratização do ensino superior em uma sociedade excludente como a brasileira se constitui em um grande desafio.

Entretanto, o reconhecimento do direito ao ensino superior não significa a garantia de que a pessoa com deficiência consiga exercê-lo, visto que ainda se faz necessário que as IES se reinventem nas dimensões das estruturas físicas, pedagógicas e didáticas, visando eliminar as barreiras que impedem e/ou limitam a permanência dessas pessoas.

No caso do cenário amazônico, em que a precarização das condições de existência e de trabalho e a expropriação e mercantilização dos recursos naturais têm acentuado e ampliado os processos de exclusão social da população, o debate da inclusão no ensino superior está intimamente relacionado à diversidade cultural existente nesse território e às condições de democratização e expansão das universidades públicas. Nesse sentido, parte-se da compreensão de que a inclusão educacional das pessoas com deficiência no ensino superior, na Amazônia paraense, precisa ser analisada com base nas experiências construídas no interior das universidades dessa região.

Além de serem poucos, os estudos, como os de Neves e Oliveira (2017), revelam que ainda há uma lacuna entre a realidade vivida no contexto acadêmico e os dispositivos legais. Os autores destacam que os discursos dos alunos com deficiência que ingressaram pela política de interiorização da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pelas políticas de cotas não são acompanhados de mudanças na infraestrutura física dos prédios e de reorganizações nas dimensões pedagógicas, revelando representações de que a inclusão ainda está sob a sua própria responsabilidade.

As análises das representações dos alunos com deficiência acerca das barreiras que enfrentam no contexto de seu processo formativo reforçaram o interesse em dar voz aos coordenadores dos cursos de licenciaturas sobre as experiências vivenciadas diante do ingresso desses estudantes no Campus de Bragança (UFPA). Assim, na intencionalidade de analisar as práticas inclusivas enquanto processo psicossocial, construído a partir das experiências dos coordenadores dos cursos, em um diálogo entre o passado e o presente ainda em construção, questiona-se: quais são as representações sociais dos coordenadores dos cursos de licenciatura do Campus de Bragança (UFPA) sobre as práticas inclusivas construídas diante do ingresso dos alunos com deficiência?

A pertinência teórica e metodológica das representações sociais se sustenta na compreensão de que as experiências vividas nos cursos de licenciaturas do Campus de Bragança (UFPA) a partir do ingresso de pessoas com deficiência são constituidoras e constituídas de significações que permitem manter, perverter e construir subjetividades em torno do que se entende de práticas inclusivas, orientadoras de atitudes.

Como afirma Jodelet (2002), essas representações são formas de conhecimento socialmente construídas e partilhadas, com um objetivo prático, pois tanto se apoia nas experiências das pessoas quanto as orienta em suas ações práticas e cotidianas:

[...] de fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensamento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Esse pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psíquico, social, um fenômeno natural, uma idéia, uma teoria etc.; pode ser tanto real quanto imaginário ou místico, mas sempre necessário. Não há representação sem objeto [...] além disso, conteúdo concreto do ato do pensamento, a representação mental traz a marca do sujeito e de sua atividade. (Jodelet, 2001, p. 22-23).

Essa postura teórica inscreve as representações sociais no limiar entre as condições materiais e as subjetividades geradas no contexto que as constitui, um campo teórico em que as dimensões subjetivas, objetivas e intersubjetivas se relacionam em uma dinâmica conflituosa e de integração, adquirindo uma materialidade (Neves, 2014). Dessa forma, organizou-se a pesquisa com base no referencial teórico metodológico das representações sociais, na abordagem processual de Jodelet (2001, 2002), no sentido de analisar o fenômeno no próprio dinamismo em que é gerado, considerando sujeitos, contextos de circulação e sentidos construídos.

Para tanto, o campo representacional deste estudo compreende: a) o sujeito do fenômeno, os coordenadores de curso do Campus de Bragança (UFPA) que tenha pessoas com deficiências matriculadas; b) o contexto de construção e circulação das representações sociais, que, no caso em questão, traz à tona o ingresso da pessoa com deficiência e os dispositivos legais; e c) os sentidos atribuídos às práticas inclusivas destacados a partir dos discursos dos coordenadores.

Nesse intuito, foram mobilizados como fonte os documentos que regulam a inclusão em ensino superior (Portaria nº 3.284, de 07/12/2003, e Lei nº 13.146/2015) e os discursos dos coordenadores entrevistados que vivenciaram a experiência de terem alunos com deficiência matriculados nos cursos. Assim, foram entrevistados quatro sujeitos - coordenadores dos cursos de licenciatura em Ciências Biológicas, História, Matemática e Pedagogia2.

Para análise dos dados, utilizou-se entremeio entre as representações sociais e a análise do discurso de Lefevre e Lefevre (2005) e Lefevre, Lefevre e Marques (2009), no sentido de reconstruir os elementos constituidores das representações, ou seja, as objetivações e as ancoragens. Isso implicou analisar as representações na estrutura e no processo dos discursos com base nas condições históricas e culturais em que foram construídas. Para tanto, destacou-se a ideia central (objetivações) e, em seguida, sua interpretação (ancoragens) - argumentos usados pelo sujeito para justificar as ideias centrais.

Dessa forma, os discursos dos coordenadores foram organizados, no campo representacional, com base nas significações atribuídas ao apresentarem as experiências sobre a inclusão da pessoa com deficiência nos cursos que coordenam. Assim, os resultados dessa análise são apresentados neste artigo mediante as seguintes seções: a chegada da pessoa com deficiência ao ensino superior - realidade que se apresenta em crescimento no Campus Universitário de Bragança; o despertar da inclusão - a presença dos alunos com deficiência como premissa para o fazer inclusivo no Campus Universitário de Bragança; e as significações dos processos educativos inclusivos construídos no Campus Universitário de Bragança.

A chegada da pessoa com deficiência ao ensino superior: realidade que se apresenta em crescimento no Campus Universitário de Bragança

A presente seção objetiva identificar o movimento de ingresso dos alunos com deficiência no Campus de Bragança, levando em consideração que esse acesso, inclusive em nível nacional, encontra-se em constante crescimento.

No cenário educacional brasileiro, a inclusão no ensino superior é uma realidade que se configura como um movimento recente, marcado por um crescimento contínuo, que tem seu início na luta pela garantia ao direito à educação básica, subvertendo a lógica histórica e social de exclusão escolar (Fernandes, 2015).

Romper a lógica de exclusão escolar das pessoas com deficiência, no paradoxo das sociedades atuais que, ao mesmo tempo, carregam o princípio da igualdade e promovem as práticas que ampliam as desigualdades sociais (Dubet, 2001), constitui-se, ainda, no desafio assumido pelos movimentos sociais organizados desde o final do século passado.

No paradoxo das sociedades atuais, entre o direito ao nível superior e as contínuas práticas excludentes dos alunos com deficiência, é possível dizer que o acesso destes ao ensino superior, no Brasil, tem apresentado uma evolução no número de matrículas, de 20.530 em 2009 para 38.272 em 2017. Entretanto, o reflexo do movimento desse acesso ao nível superior ainda é muito tímido, de apenas 0,35% do total de alunos matriculados nas instituições públicas e privadas (Brasil. Inep, 2018).

No caso da UFPA, especificamente no Campus de Bragança, o primeiro registro de pessoa com deficiência ocorreu no ano de 2010, com uma crescente ampliação entre os anos de 2010 a 2017, quando aumentou de um para onze alunos matriculados. Entre estes foram identificados seis com deficiência visual (cegueira total ou baixa visão), três com deficiência física/motora, um com deficiências múltiplas e um com deficiência auditiva (Neves; Oliveira, 2017).

Apesar de essa realidade ser considerada o início, no sentido do reconhecimento da garantia de direitos ao acesso à educação superior, esse quantitativo ainda é insignificante quando se considera o número de pessoas com algum tipo de deficiência no estado do Pará (1.790.259 pessoas) ou, ainda, no município de Bragança (cerca de 2.160 pessoas) (Neves; Oliveira, 2017).

Porém, embora a inclusão de pessoas com deficiência no nível superior ainda seja tímida, diante do panorama de ingresso de alunos com deficiência, as instituições de ensino superior, em seus diferentes cursos, são levadas a repensar a sua organização física e didático-pedagógica. De uma forma geral, são cobradas a assumir novas posturas perante as legislações vigentes para ter sua credencial, seus cursos reconhecidos ou autorizados - a Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, e a Lei nº 13.146/2015, no art. 30, as quais versam sobre o direito da pessoa com deficiência no processo seletivo para o ingresso na educação superior.

De acordo com a Portaria nº 3.284, de 7 de novembro de 2003, que trata dos requisitos de acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências (nomenclatura usada na referida portaria), as IES devem compreender nesses requisitos, no mínimo, três deficiências: física, visual e auditiva, conforme Quadro 1.

Fonte: Elaboração própria

Quadro 1  Requisitos de acessibilidade 

Com base nessa portaria, observa-se que os requisitos de acessibilidade dos alunos são classificados de acordo com as deficiências. Aos alunos com deficiência física, estão delineadas adequações das barreiras arquitetônicas; para os alunos com deficiência visual, estão intrínsecos equipamentos como máquina de datilografia braile, impressora braile acoplada ao computador, sistema de síntese de voz, gravador e fotocopiadora que amplie textos, software de ampliação de tela, entre outros; e, para os alunos com deficiência auditiva, os requisitos versam sobre a contratação de intérprete de língua de sinais/língua portuguesa, a flexibilidade na correção das provas escritas e a concessão aos professores de acesso à literatura e às informações sobre a especificidade linguística, que trazem à tona os requisitos de acessibilidade sob dois ângulos.

Complementando essa normativa, a Lei nº 13.146/2015, no art. 30, versa sobre o direito do aluno com deficiência no processo seletivo para ingresso na educação superior, intercruzando: a) o atendimento preferencial; b) o uso das tecnologias assistivas; e c) a presença de intérpretes para aplicação das provas.

I - atendimento preferencial à pessoa com deficiência nas dependências das instituições de ensino superior (IES) e nos serviços; II - disponibilização de formulário de inscrição de exames com campos específicos para que o candidato com deficiência informe os recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva necessários para sua participação; III - disponibilização de provas em formatos acessíveis para atendimento às necessidades específicas do candidato com deficiência; IV - disponibilização de recursos de acessibilidade e de tecnologia assistiva adequados, previamente solicitados e escolhidos pelo candidato com deficiência; V - dilação de tempo, conforme demanda apresentada pelo candidato com deficiência, tanto na realização de exame para seleção quanto nas atividades acadêmicas, mediante prévia solicitação e comprovação da necessidade; VI - adoção de critérios de avaliação das provas escritas, discursivas ou de redação que considerem a singularidade linguística da pessoa com deficiência, no domínio da modalidade escrita da língua portuguesa; VII - tradução completa do edital e de suas retificações em Libras.

Diante do novo contexto e dos marcos regulatórios, os coordenadores de cursos entrevistados reafirmam em seus discursos que os processos educativos inclusivos são uma realidade recente, que tem impulsionado um novo olhar pedagógico, em um movimento de ressignificação de sentidos, comportamentos e novas práticas nos seus cursos:

Foi um desafio grande para nós, pois foi a primeira vez que nós tivemos um aluno com deficiência visual, então, nós tivemos que primeiro aprender a lidar com isso, então, no caso dos nossos alunos cegos, a organização para recebê-los incluiu sempre que os planos de cursos e os textos seriam digitalizados e convertidos em arquivos que pudessem ser lidos pelo Duos Vox [...]. (Coordenador A).

Para os professores isso é muito novo, os professores que estão atuando aqui no Campus não têm uma formação direcionada para atender esses alunos, e cada aluno é um universo, cada um precisa de uma adaptação específica. (Coordenador B).

Destaco que nós professores não fomos treinados para isso[...], a gente não falava em inclusão, não tinha discussão sobre essa temática, então, nós estamos aprendendo, sendo treinados a nos adequarmos a essas situações e estamos tendo muita resistência com todos os professores, não resistência de não querer fazer, mas resistência das coisas acelerarem, porque a gente não tem essa formação inicial. (Coordenador C).

As realidades apontadas pelos coordenadores de curso revelam o desafio que se apresenta diante do novo e trazem à tona as contradições dos processos educativos inclusivos nas IES, ou seja, da garantia do acesso: a) ausência de formação dos servidores (professores, técnicos e coordenadores); e b) restrições orçamentárias para mudanças arquitetônicas e comunicacionais que (re)produzem as carências históricas e as limitações das instituições de ensino. Uma realidade que, ao invés de incluir, pode continuar reproduzindo as práticas de exclusão.

Na dinâmica contraditória, a partir do ingresso da pessoa com deficiência, entre a inclusão e a exclusão, que passa da invisibilidade à constatação dos limites do fazer docente, os sentidos dos discursos apontam para a necessidade da mudança de práticas, tanto na dimensão pedagógica quanto em relação às atitudes, para que ocorra a implementação de um processo de ensino inclusivo aos alunos com deficiência no Campus Universitário de Bragança.

Isso significa dizer que, na medida em que houve o ingresso dos alunos com deficiência nos cursos de licenciatura no Campus de Bragança, teve início um processo contraditório de ressignificação que permitiu a construção de uma consciência inclusiva e, por conseguinte, de novos caminhos para práticas inclusivas.

O despertar da inclusão: a presença dos alunos com deficiência como premissa para o fazer inclusivo no Campus Universitário de Bragança

Nesta seção, objetiva-se apresentar o processo de tomada de consciência e a mudança de paradigma que permeia a inclusão de alunos com deficiência no Campus de Bragança. Conforme apresentado na seção anterior, o despertar para a construção de uma consciência inclusiva dos professores universitários no Campus de Bragança ocorre por meio da presença e do envolvimento de professores e alunos com deficiência matriculados nos cursos.

O acesso dos alunos com deficiência mobilizou as faculdades e seu corpo docente a pensar e a construir estratégias de adequação para que esses alunos superassem os limites impostos por suas deficiências, conforme descreve a coordenadora:

As questões do ensino, elas são viabilizadas de acordo com os casos que vão aparecendo, nós temos agora um aluno com baixa visão nas turmas novas, e o atendimento dos alunos com baixa visão inclui a ampliação dos textos para que o aluno possa visualizar [...]. (Coordenador A).

Esse processo, conforme os discursos dos coordenadores, revela uma reorganização do fazer pedagógico em caráter ainda corretivo e imediatista, e de poucas posturas preventivas e longitudinais, ante o cenário crescente de ingresso dos alunos com deficiência no ensino superior. Embora se reconheça o esforço da faculdade e do campus diante de cada aluno e suas limitações em decorrência de sua deficiência, há de se considerar estudos como os de Bezerra e Araújo (2012, p. 281), segundo os quais a ação pautada no “imediatismo aliena o professor de sua própria práxis e o deixa estranhado de seu trabalho”, ou ainda os estudos de Barth (2000), Pozo (2002) e Durham (2010), de acordo com os quais no imediatismo o fazer pedagógico que busca a inclusão não surte o efeito devido para atender à necessidade real do aluno no sentido de romper as barreiras simbólicas e materiais que levam à exclusão no ensino superior.

Nesse contexto, o reflexo do paradoxo da inclusão/exclusão na realidade das práticas corretivas é analisado pelos próprios coordenadores como uma imagem da ausência de política de inclusão, efetivamente institucionalizada e democratizada:

O que eu vejo é que existe um desconhecimento da parte da coordenação, eu também não “tiro o corpo fora”, eu não tive nem uma disciplina sobre inclusão na minha formação, o que eu entendo é o que eu busco, o que eu estou lendo, mas eu não tenho esse arcabouço todo de informações para orientar os professores, eu preciso receber essa orientação e, a partir do momento em que a gente conhecer, a gente vai poder intervir, e está pronto para receber melhor, porque o que acontece: - ah! Chegou o aluno assim, aí que a gente vai pensar, é aí que a gente vai buscar conhecer, pra gente depois intervir, a gente não traz isso da base, isso é um processo lento, até a gente se adaptar a essa realidade dos alunos, o aluno já reprovou disciplina, o aluno já está retido no sistema, já não está mais na turma que iniciou [...], então, eu acredito que essa formação, ela é um ponto chave pra gente dar uma impulsionada nessa questão da inclusão no ensino superior, não só por curso, mas essa visão no geral. (Coordenador B).

Percebe-se no discurso do coordenador B um contexto de contradições - entre os marcos legais e as condições reais - que permite o ingresso, mas que não garante o processo formativo inclusivo. Uma reflexão que demarca o limite da inclusão é expressa nos discursos dos coordenadores D e A, ao destacarem como necessária a capacitação dos servidores e, em especial, do corpo docente para (re)significar as atividades acadêmicas em busca da inclusão:

[...] destaco uma formação específica para os docentes em cada deficiência diagnosticada no campus. (Coordenador D).

[...] se nós tivéssemos oficinas sobre as questões inclusivas [...], de como elaborar materiais didáticos específicos para pessoas com deficiência, nos ajudaria a mudar nossa prática. (Coordenador A).

Como observado nos discursos desses coordenadores, a construção de uma prática inclusiva no ensino superior requer o preparo do professor, ou seja, defende-se que a inclusão se faz a partir da capacidade docente de lidar com as diferenças entre os alunos com deficiência e da instrumentalização dos professores para a construção de recursos didáticos. Como analisa Serra (2008, p. 34), o sujeito com deficiência chegou ao ensino superior antes que o professor tivesse uma preparação adequada; nesse contexto, “[...] a solução tem sido a capacitação do profissional em serviço, através de programas de formação continuada”.

Assim, é possível dizer que a nova conjuntura do ensino superior exige capacitações, encontros, seminários, para que a inclusão seja debatida em todos os sentidos, pois, como bem destaca Malusá, Santos e Portes (2010, p. 151), independentemente de seu interesse em lidar de forma direta com esses alunos, “todo professor deveria estar informado a respeito, já que não se sabe quando se defrontará com situações de inclusão, posto que a proposta política é que tais pessoas sejam inseridas em quaisquer espaços sociais”.

Entretanto, na ausência da formação dos professores dos cursos pesquisados, a inclusão no campus tem dependido da reflexão acerca das práticas educativas, construídas com base nas questões suscitadas no cotidiano da sala de aula, de cada aluno com deficiência, direcionando o docente à flexibilização e à reinvenção dessas práticas que estão orientadas pela representação de si e do outro.

Pode-se reafirmar que a consciência inclusiva tem levado os coordenadores de curso a refletir que processos de ensino inclusivos vão requerer da instituição uma reestruturação que proceda às alterações necessárias para receber e formar o aluno.

As significações dos processos educativos inclusivos construídos no Campus Universitário de Bragança

Por meio desta seção, objetiva-se identificar o campo que constitui a realidade da inclusão no ensino superior, em especial no Campus de Bragança (UFPA), a partir dos sentidos concebidos pelos coordenadores dos cursos de licenciatura sobre o processo de ensino inclusivo que vivenciam.

Cabe destacar que, para os coordenadores dos cursos, a construção de um ensino inclusivo não ocorre por um percurso linear e tem sido marcada por quatro características: conflitos, desafios, contradições e avanços.

A primeira característica, os conflitos, corresponde ao perfil acadêmico, construído ideologicamente sobre o discente e o profissional que se quer formar, haja vista que a universidade pública normatiza os alunos, cria padrões acadêmicos a serem seguidos (Rocha; Miranda, 2009).

A segunda característica são os desafios, no que diz respeito a tornar real a inclusão, mediante a precariedade estrutural e improvisação pedagógica presenciada no Campus de Bragança. Segundo Fernandes (2015, p. 119), os desafios estão pautados em “ressignificação de preconceitos e atitudes”, seja na ressignificação da estrutura física, seja em novas atitudes pedagógicas inclusivas.

A terceira característica se situa em um campo contraditório que se concretiza quando se sabe da realidade do aluno com deficiência e não se proporciona mudanças efetivas a fim de modificar essa realidade, pois a ausência de “reflexão sobre as atitudes frente às diferenças” (Ferrari; Sekkel, 2007, p. 642) impede a promoção de medidas concretas.

Por fim, a quarta característica destaca os avanços, marcados pela superação diária de um fazer pedagógico inclusivo, diante do sentimento de insegurança causado pela ausência de conhecimentos específicos, mediante as particularidades de cada deficiência.

Esses fatores revelam que a inclusão é marcada por uma complexidade na implantação de novas práticas e de novos olhares e percepções, que se apresentam nas relações construídas entre professor-aluno com deficiência e aluno-aluno com deficiência, ressignificando o próprio sentido de inclusão, como afirma Serra (2008, p. 33):

Promover a inclusão de deficientes significa, sobretudo, uma mudança de postura e de olhar acerca da deficiência. Implica quebra de paradigmas, reformulação do nosso sistema de ensino para conquista de uma educação de qualidade, na qual o acesso, o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos os alunos, independentemente de suas diferenças e necessidades.

Essa imagem, originada com base na interpretação que se faz das realidades vivenciadas pelos sujeitos que estão inseridos nesse processo, acaba por orientar as atitudes que possibilitarão a construção de práticas inclusivas. Nessa perspectiva, os discursos dos coordenadores entrevistados apontam para três eixos possibilitadores de práticas educativas inclusivas para o ensino superior: a) construção de uma consciência inclusiva, b) política de formação continuada e c) papel e condições de trabalho do educador no ensino superior, denominados, neste estudo, de significações de eixos possibilitadores de práticas inclusivas no ensino superior, conforme se apresenta em plano imagético, na Figura 1:

Fonte: Elaboração própria

Figura 1  Significações de eixos possibilitadores de práticas inclusivas no ensino superior  

A teia imagética de eixos possibilitadores de práticas inclusivas relaciona-se à construção de uma consciência inclusiva, à política de formação continuada e ao papel e às condições de trabalho do educador no ensino superior, configurando a teia de sentidos construídos pelos coordenadores no cotidiano dos cursos sobre as representações sociais da inclusão da pessoa com deficiência nesse nível de ensino.

Construção de uma consciência inclusiva

A construção de uma consciência inclusiva é estabelecida nas relações interpessoais entre professor e aluno com deficiência que perpassam fundamentalmente pelo campo da alteridade, o qual possibilita a constituição da consciência humanizada acerca das necessidades e dificuldades que o aluno com deficiência vivencia em seu processo formativo no ensino superior.

Entende-se consciência humanizada, com base no constructo teórico de Leontiev (1978), como um movimento interno específico, gerado pelo movimento da atividade humana. Considerando essa referência, a tomada de consciência não se fundamenta nas concepções do próprio sujeito, e sim em suas ações e nas relações que estabelece com outros indivíduos, sendo dessa forma capaz de modificar sua compreensão da realidade.

Logo, a consciência inclusiva, identificada por meio das entrevistas dos coordenadores de curso, fundamenta-se no campo das vivências e experiências que se estabelecem na sala de aula; como nos diz Vygotski (1991, p. 50), “a consciência é a vivência das vivências”. Nesse sentido, entende-se que a consciência inclusiva ocorre a partir das relações estabelecidas dos alunos com deficiência, em uma relação de alteridade - colocar-se no lugar do outro levou a mudanças de atitudes, pois acarretou reflexões que contribuem para um novo olhar sobre a inclusão no Campus Universitário de Bragança.

A consciência construída nas vivências e nas relações de alteridade é identificada no discurso do coordenador A, ao destacar que as barreiras persistem quando o docente não se coloca no lugar desses alunos, quando não reflete sobre a condição do aluno com deficiência.

Eu acredito que a primeira barreira é do ponto de vista da formação humana de uma maneira geral [...], então, as barreiras partem do ponto de vista da experiência porque, se você não é cego, se não tem um parente cego, não teve um aluno cego, aquele que nos chega com deficiência, que foi o caso dos nossos alunos cegos, eles nos colocaram em desafios cotidianos, então, do ponto de vista de formação humana, isso tem um efeito na questão pedagógica. (Coordenador A).

As experiências, como as destacadas nesse discurso, são fatores que podem contribuir para a formação da consciência inclusiva, fazem com que posições mais humanas sejam adotadas, levam à desconstrução das barreiras atitudinais e a um novo fazer pedagógico, conforme enfatizam Malusá, Santos e Portes (2010, p. 148-149):

[...] somente o professor que reflita e repense poderá promover um ensino coerente com este novo tempo [...], esta postura o levará a compreender que a condição humana é definida pelo envolvimento de todos os aspectos particulares de grupos ou indivíduos. Ele precisa compreender que as experiências comuns construídas no dia-a-dia dos seus alunos é que vão determinar o tipo de apreensão que terão dos conhecimentos científicos propostos pelos currículos universitários, pois tais experiências se particularizam de acordo com sua condição socioeconômica, psicológica e física. Alunos com limitações físicas, caracterizadas por NEE sensoriais ou motoras, exigem do professor um olhar diferenciado, que tenha como princípio a construção de conhecimentos a “todos”, mesmo que, para este fim, se sinta inseguro, desafiado e incapacitado. Importante é a concepção que permeia as suas atitudes. Modificar as práticas e as propostas de ensino pode ser uma tarefa difícil, ao passo que modificar concepções pode ser impossível, caso não haja reflexão e observação constantes sobre si mesmo e sobre a necessidade de aprender, e que precisa ser suprida, fazendo deste o objetivo central da atividade docente.

Como destacam os autores, a consciência inclusiva do docente reflete sobre a realidade em que a deficiência coloca aquele sujeito que a possui. Isso implica o desafio de como fazer a inclusão e, nesse sentido, outras barreiras surgem, entretanto não mais voltadas para o que fazer, e sim para o como fazer.

a.1) Fazer para ele versus fazer com ele: que postura assumir?

As vivências, como descritas no item anterior, possibilitam que relações entre professor e aluno com deficiência sejam mais próximas e indiquem qual caminho metodológico e didático o professor deve seguir para que sua prática se configure como inclusiva. O fazer para ele e o fazer com ele são fatores que vão se intercalando à medida que as necessidades surgem e, ainda assim, são considerados um desafio pelos docentes.

As análises apontaram para uma alternância do como fazer, sendo identificada como a opção mais viável de ser executada, pois, em alguns casos, o tempo de duração das disciplinas e o apoio da rede inclusiva3 são fatores que implicam esse processo, que podem ser observáveis nos discursos dos coordenadores:

Na elaboração de materiais adequados como apostilas, para que o aluno acompanhe, às vezes, é um pouco complicado, porque são poucas as pessoas que desenvolvem trabalhos de adaptação de material, então, nós temos que mandar com muita antecedência, e o planejamento da disciplina é um pouco em cima, às vezes. A gente tem como faculdade tentado antecipar o planejamento do professor que vai ministrar para que os materiais sejam elaborados pelas pessoas que traduzem para o braile, para que o aluno consiga acompanhar a disciplina. [...] também com os próprios alunos, a gente tenta produzir materiais, como na disciplina geometria analítica, os alunos produziram materiais concretos. Mas assim, como é um curso intervalar, isso dificulta, porque o tempo é curto para desenvolver as atividades que envolvem mais conteúdo. (Coordenador C).

[...] nós tivemos a orientação aqui da coordenação pedagógica, que sempre nos orientou, sempre fizemos assim, conversamos com a coordenação e ela dá as orientações iniciais, nós também entramos em contato com a Biblioteca Central da UFPA, com o setor de braile. (Coordenador D).

Nas entrevistas, observa-se que a adaptação de materiais é precedida por orientações que vêm da Coordenadoria de Acessibilidade (CoAcss) ou de outros órgãos para os professores e coordenadores de curso. Essas orientações são, em alguns casos, a única fonte de informação sobre a especificidade do aluno com deficiência, o que acaba não sendo o suficiente. Destaca-se, mediante os discursos citados, que o fazer para ele parte da necessidade de se contar com o auxílio de outros profissionais, que contribuem para o processo de inclusão, por meio da adaptação dos materiais. O professor pode articular sozinho as suas práticas inclusivas, porém esse processo de consolidação não é “solitário” (Salgado, 2008).

Considerando o exposto pelos coordenadores, a maioria das orientações de como se portar perante a deficiência do aluno não é suficiente para tornar a adaptação de materiais didáticos eficaz, pois a deficiência é uma dimensão de muitas especificidades, o que exige que cada recurso seja pensado de acordo com as características da pessoa com deficiência. Por esse motivo, é necessário conhecer o aluno e suas capacidades e limitações, pois, para Malusá, Santos e Portes (2010, p. 152), “por meio do contato direto com o aluno aprenderão a lidar com ele em sala de aula”.

Embora a “rede inclusiva” contribua para o processo educacional do aluno com deficiência, evidencia-se que a falta de profissionais para preparar esses recursos didáticos das disciplinas prejudica o movimento de antecipação do material para que o aluno tenha acesso em tempo hábil, conforme declara o coordenador C.

Ainda no que tange ao campo do fazer com eles e para eles, observa-se, no discurso do coordenador B, que esse processo se fundamenta em uma relação entre sujeitos:

[...] por ter um apoio dos colegas, isso faz com que as atividades se tornem mais fáceis, e os professores, eles se tornam mais sensíveis a isso, porque, às vezes, o diretor orienta, fala, o antigo NIS vem falar, conversa conosco, mas os professores vendo a turma se mobilizar em prol daquele aluno também ajuda a sensibilizar o professor, e o professor passa a buscar essas metodologias. Tivemos uma disciplina agora, que os próprios alunos acabaram dizendo para a professora que se deve usar modelos de E.V.A. para falar sobre os protozoários, ele vai entender melhor a forma, aí a professora traz o material e naquele momento eles até mesmo constroem na sala de aula o material, pensando na adaptação do assunto, para ajudá-lo nas disciplinas. (Coordenador B).

Diante do exposto, a relação entre o professor, o aluno com deficiência e a turma contribui para esse processo de adequação de materiais. Nas experiências vividas, as turmas acabaram por assumir um papel importante na construção do fazer inclusivo, pois essa relação serviu de suporte motivacional para o professor, como destaca o coordenador B. Nesse sentido, Fernandes (2015, p. 131) observa que a relação de colaboração entre os alunos é um fator positivo, que acaba por contribuir para o “desenvolvimento das atividades cotidianas na vida acadêmica”. Nota-se que o fazer com eles não se aplica somente ao professor e aluno com deficiência, pois é uma necessidade que se estende a toda a turma, envolvendo todos os sujeitos presentes nesse processo.

Política de formação continuada

Os desafios que se apresentam durante a restruturação do fazer pedagógico inclusivo diante da nova conjuntura requerem, segundo Castanho e Freitas (2006), que a comunidade acadêmica esteja capacitada para receber o aluno com deficiência.

A ausência dessas formações é vista pelos entrevistados como uma barreira que compromete a qualidade das atividades acadêmicas, uma vez que os desconhecimentos sobre as especificidades das deficiências implicam o planejamento de metodologias inclusivas, conforme relatam os coordenadores:

Nunca foi realizado nada específico, não temos uma jornada direcionada para a inclusão. O que a gente recebeu foram orientações, e a gente tem esse aluno até então, mas eu fico preocupado com o surgimento de outros alunos com deficiência, porque nós não temos uma formação para isso, aí a gente vai esperar ter o problema para gente poder intervir, e isso daí a gente sabe que é muito ruim, por conta da questão do tempo, de logística, o tempo não para, tá aí, o SIGAA abre o aluno, tem que fazer disciplina, e o professor já tem que ministrar a aula, não tem tempo para ter aquela formação, já chega na sala e tem que fazer, mas eu creio que isso é muito oportuno, a gente está refletindo sobre essa formação dos que estão atuando, não só os futuros professores, mas os professores que estão em sala de aula aqui no campus, o que eles têm de formação para inclusão, para trabalhar com esses alunos? É um déficit, é um problema. (Coordenador B).

091;...] Eu acredito que falta uma política de capacitação dos professores, a gente pode até ter já uma estrutura, mas precisamos capacitar os professores em vários contextos, a libras é uma delas, precisamos capacitar os professores para atuar com pessoas com deficiências visuais, pois acredito que deveríamos trabalhar com essa capacitação, isso vindo desde a instância maior da UFPA [...]. A barreira é que não estamos tendo capacitação, e já deveríamos estar tendo. [...] Eu acredito que uma política de formação, que seja constantemente atentada [...]. Vejo que uma política que chama-se a atenção no sentido de sempre estar reafirmando essas questões, e uma política de capacitação, pois não adianta somente o professor querer fazer se ele não sabe por onde iniciar, já que a grande maioria não foi instruída para isso, acho que são as fundamentais. (Coordenador C).

Na questão da formação está tudo por fazer, [...]. A gente precisa de mais formação, de planejamento antecipado, direcionar formações para os docentes, então é uma formação que tem que vir para todos e ela tem que acontecer em uma reflexão dentro dos projetos pedagógicos dos cursos [...]. (Coordenador A).

Os discursos dos entrevistados permitem entender que a inclusão de pessoas com deficiência no ensino superior não pode ser marcada apenas pelo ingresso em um curso. A estruturação de um ensino superior inclusivo perpassa pela preparação do corpo técnico e docente e pela capacidade de responder: a) quais as barreiras que o aluno com deficiência possui em relação à trajetória formativa do curso? Quais são os papéis do aluno com deficiência no seu processo formativo no que tange a superações dessas barreiras? Quais são as ações pedagógicas instrumentais necessárias para a superação das barreiras? Como reorganizar o projeto político-pedagógico de curso, considerando as diferenças e deficiências dos sujeitos? Como garantir a participação efetiva do aluno com deficiência nos diferentes estágios obrigatórios do curso?

Esses fatores evidenciam a necessidade imediata de uma política de formação continuada na perspectiva da inclusão para os professores universitários, no sentido de capacitar seu corpo docente acerca das características e particularidades dos alunos com deficiência, para potencializar a realização de práticas inclusivas no ensino superior.

O papel e o trabalho docente na perspectiva da inclusão no ensino superior

As entrevistas com os coordenadores de curso permitiram a reflexão sobre o papel da docência do ensino superior na perspectiva da inclusão, e essa reflexão é o ponto de partida para o entendimento de que perfis docentes, atualmente, estão sendo delineados nos cursos superiores do Campus de Bragança.

Identificou-se, por meio dos discursos dos entrevistados, que os professores universitários, em sua maioria, se dividem entre a prática docente e o desenvolvimento de pesquisas. Nessa composição, o tempo desse professor fica dividido entre o ser professor e o ser pesquisador, configurando conflitos, visto que essa dualidade no trabalho docente universitário, em grande medida, interfere no tempo de organização e adaptação de recursos pedagógicos, o que representa uma barreira pedagógica. Esta é reflexo de uma formação voltada com maior ênfase para o campo da pesquisa, na medida em que, no desenvolvimento pedagógico da disciplina, o tempo para a elaboração de recurso para tornar a aula acessível acaba sendo mínimo ou inexistente, como destaca o coordenador B:

As barreiras pedagógicas que eu vejo que não são apenas para a questão da inclusão, e sim de uma forma geral, é que nosso corpo docente é muito focado em pesquisa, e a parte da licenciatura, das questões pedagógicas não são fortes dentro do curso. Agora nós temos um bom grupo de professores que trabalham muito nessa linha pedagógica e têm nos auxiliado muito nesse processo, no entanto, a gente encontra muitas barreiras, parece que estamos falando outra língua com professores que estão atuando em sala de aula. Quando a gente conversa sobre avaliação, adaptação de metodologias, às vezes, a gente não tem esse alcance que a gente poderia ter se esses professores tivessem uma fundamentação nesses conceitos, nesse sentido, se torna uma barreira, porque em alguns casos essas colocações são tidas por alguns professores como besteira, coisa de pedagogo, então acaba reduzindo essa parte pedagógica, que faz parte da licenciatura, e isso vem da formação, pois muitos não são licenciados, são bacharelados, então eles trazem isso muito forte, inclusive uma aversão a pedagogia. (Coordenador B).

Observa-se equivocadamente que a discussão sobre a inclusão é um campo específico da pedagogia, no que tange a metodologias, adaptações de recursos, formas de avaliação, etc. Na realidade, a inclusão do sujeito com deficiência é a necessidade que se apresenta à formação dos professores, independentemente da área de conhecimento.

Em síntese, pode-se dizer que, no ensino superior no Campus Universitário de Bragança (UFPA), marcado por conflitos, contradições, desafios e avanços, tem se configurado um contexto de vivências e experiências, em que coordenadores atribuem significações de que a construção de uma consciência inclusiva, a necessidade de uma política de formação e a definição do papel do professor universitário nesse processo são essenciais para a construção de práticas inclusivas no ensino superior.

Essas significações, tecidas entre o desafio e a ação, entre o saber que precisa ser feito e o aprender e construir o como fazer e, ainda, entre a docência e a pesquisa, são constituidoras e orientadoras do caminho de uma universidade que se quer fazer inclusiva no interior da Amazônia paraense.

Considerações (in)conclusas

O acesso de pessoas com deficiência ao ensino superior é um desafio na contemporaneidade. Os embates, os conflitos, a disputa de poder se dão todos os dias nos diferentes espaços em que esses sujeitos se encontram. É nessa correlação de forças, nas contradições entre a exclusão e a inclusão, que sujeitos constroem a consciência inclusiva que orienta suas atitudes na sociedade em que vivem.

Diante dos marcos legais e normativos sobre o direito das pessoas com deficiência à educação, a universidade não pode deixar de reagir diante da indiferença, da desigualdade, dos padrões e dos rótulos que tradicionalmente classificaram diferença e inferioridade como sinônimos. Nesse sentido, buscar a inclusão desse grupo impõe rupturas de representações negativas sobre esses sujeitos.

Devido à exclusão social e educacional das pessoas com deficiência no Brasil e às contradições e injustiças que se revelam no cotidiano escolar, não é possível deixar de refletir as lacunas que ainda existem entre os marcos legais e as realidades das universidades brasileiras.

O contexto de produção e circulação das representações sociais sobre a inclusão da pessoa com deficiência no Campus Universitário de Bragança revela cenários de conflitos, desafios, contradições e avanços. As imagens construídas pelos coordenadores revelam que o estabelecimento legal de políticas de inclusão é um avanço marcante, mas não garante, por si só, que as ações sejam verdadeiramente implementadas. No campo representacional, mostram a necessidade da construção de uma consciência inclusiva, de uma política de formação continuada e da reflexão a respeito do papel e das condições de trabalho do educador no ensino superior para que a inclusão da pessoa com deficiência se constitua em uma realidade consolidada.

Assim, há nos discursos dos coordenadores a ideia de que a consolidação de práticas inclusivas implica mudança e ruptura de paradigmas e, consequentemente, reinvenção do fazer pedagógico e das práticas educacionais significativas, o que nos leva a concluir que ainda há um longo caminho a ser construído, principalmente no âmbito das políticas de formações dos professores do ensino superior no exercício da docência, para a construção de uma universidade que se quer fazer inclusiva no interior da Amazônia paraense.

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1Utilizou-se a expressão pessoas com deficiência com base na Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas - ONU (2006), a qual foi incorporada como emenda na Constituição do Brasil de 1988 e norteia os processos educativos inclusivos para pessoas com deficiência no ensino superior.

2As entrevistas foram concedidas aos autores em 14/2/2017.

3Considera-se rede inclusiva todos os sujeitos e órgãos que, por meio de ações, contribuem para a diminuição das barreiras que impedem a permanência e o sucesso dos alunos com deficiência.

Recebido: 25 de Abril de 2018; Aceito: 29 de Janeiro de 2019

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