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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.100 no.256 Brasília set./dic 2019

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i256.4209 

ESTUDOS

Inserção na docência da Academia Militar das Agulhas Negras: a perspectiva dos professores

Entering the teaching profession at the Academia Militar das Agulhas Negras: the perspective of the professor

Inserción en la docencia de la Academia Militar de Agulhas Negras: la perspectiva de los profesores

Anderson Magno de AlmeidaI  II 
http://orcid.org/0000-0001-9347-6793

Neusa Banhara AmbrosettiIII  IV 
http://orcid.org/0000-0003-1710-8942

1 Academia Militar das Agulhas Negras: Resende, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: <anderson_infa@hotmail.com>.

II Mestre em Educação pela Universidade de Taubaté (Unitau). São Paulo, São Paulo, Brasil.

IIIUniversidade de Taubaté (Unitau). São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: <nbambrosetti@gmail.com>.

IV Doutora em Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), São Paulo, Brasil.


Resumo:

Este artigo teve como objetivo analisar os desafios de atuação docente, no contexto do ensino superior militar, na perspectiva dos professores da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). O referencial teórico apoia-se nas contribuições de autores que vêm discutindo o processo de inserção de profissionais e o seu desenvolvimento na carreira docente em instituições civis de ensino. Foi realizada pesquisa qualitativa, a partir da aplicação de um questionário (com questões discursivas e objetivas de múltipla escolha) e análise documental. A pesquisa contou com a participação de 47 docentes de um total de 95. O questionário foi respondido por meio eletrônico, sendo garantido o anonimato dos participantes. A análise dos dados demonstrou que 55% dos docentes que compunham a amostra foram graduados na própria instituição, portanto, vinham do ensino superior militar, enquanto 45% foram graduados em instituições civis. Os resultados demonstraram ainda que há diferentes percepções sobre o processo ensino-aprendizagem e sobre os desafios da carreira docente, no contexto do ensino superior militar, as quais podem estar associadas à trajetória acadêmica e aos vínculos institucionais anteriores.

Palavras-chave: educação superior; ensino militar; desenvolvimento profissional

Abstract:

This article analyzes the challenges associated with teaching, in the context of military higher education, from the perspective of professors of the Academia Militar das Agulhas Negras. The theoretical framework is based on contributions of authors who have been discussing the process of entering teaching and the professional development of professors within non-military educational institutions. A qualitative research was employed, based on a questionnaire (with open and closed questions) and documentary analysis. Forty seven out of ninety five professors took part on the research. The questionnaire was answered via electronic device, in order to maintain the participants’ anonymity. Data analysis revealed that 55% of the professors graduated in the researched institution; thus, they were alumnus of military higher education institutions, while 45% were alumnus of non-military institutions. The results point to differences in the participant-professors’ notion regarding the teaching and learning process, as well as regarding the challenges of teaching, in the context of military higher education, which may be related to the academic path and prior institutional ties.

Keywords: higher education; military education; professional development

Resumen:

Este artículo tuvo como objetivo analizar los desafíos de actuación docente, en el contexto de la educación superior militar, desde la perspectiva de los profesores de la Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). El marco teórico se basa en las contribuciones de autores que han estado discutiendo el proceso de inserción de profesionales y su desarrollo en la carrera docente en instituciones educativas civiles. Se llevó a cabo una investigación cualitativa, a partir de la aplicación de un cuestionario (con preguntas de opción múltiple discursivas y objetivas) y análisis de documentos. La encuesta contó con la participación de 47 profesores de un total de 95. El cuestionario fue respondido electrónicamente, asegurando el anonimato de los participantes. El análisis de los datos mostró que el 55 % de los profesores de la muestra se graduaron en la propia institución, por tanto, provenían de la educación superior militar, mientras que el 45 % se graduó en instituciones civiles. Los resultados también mostraron que existen diferentes percepciones sobre el proceso de enseñanza-aprendizaje y los desafíos de la carrera docente, en el contexto de la educación superior militar, que pueden estar asociados con la trayectoria académica y con los vínculos institucionales anteriores.

Palabras clave: educación superior; educación militar; desarrollo profesional

Introdução

O cenário de transformações na sociedade contemporânea, relacionadas ao desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, vem provocando mudanças profundas nos processos de trabalho, que envolvem também a formação dos profissionais para esse novo cenário. As repercussões educacionais dessas mudanças colocam os professores diante de novos desafios, exigindo novas formas de pensar o conhecimento e o próprio trabalho docente.

Essas novas demandas apontam para a necessidade de revisão dos processos formativos em todas as áreas, incluindo as instituições de ensino militar. O presente estudo propõe abordar uma temática pouco discutida nas pesquisas educacionais: a docência no ensino superior militar. Considerando a complexidade da ação de ensinar, bem como o caráter formativo da atuação do professor, entende-se que é importante ampliar o conhecimento sobre os professores que atuam nessas instituições, ou seja, os responsáveis pela formação do militar do futuro.

O estudo coloca o foco nos professores da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) - a qual é voltada para a formação de oficiais do Exército - com o intuito de investigar a perspectiva desses docentes acerca de seu processo de inserção profissional. A instituição contempla professores de diferentes origens e formações, o que implica na diversidade de concepções e posturas diante da docência. Em face dessa heterogeneidade e das especificidades da Aman e do ensino militar, torna-se oportuno investigar: quem são os docentes atuantes dessa instituição? Quais são as motivações e expectativas desses professores em sua trajetória profissional? Quais são os possíveis desafios encontrados nessa trajetória e como eles respondem a esses desafios? Espera-se, ao responder a essas questões, compreender os aspectos que podem facilitar ou dificultar a inserção na docência da Aman e que possivelmente interferem no desenvolvimento profissional do professor.

O estudo teve origem nas preocupações pedagógicas do autor, graduado pela Aman há mais de duas décadas e com cerca de cinco anos de atuação como integrante do seu corpo docente, na área de metodologia da pesquisa. Os dados e análises decorrem de pesquisa desenvolvida no âmbito de um mestrado profissional em educação, que teve como objeto de estudo o desenvolvimento profissional de professores do ensino superior militar.

Estudos sobre a inserção profissional docente

As contribuições dos diferentes autores que vêm discutindo o processo de inserção na docência nos levam a considerá-lo um período fundamental na trajetória profissional dos docentes, que tem características específicas, mas deve ser entendido numa perspectiva mais ampla, como uma fase do desenvolvimento profissional docente.

Partindo desse pressuposto, recorreu-se às contribuições de Day (2001) e Marcelo (1999, 2009) para situar a fase de inserção e sua influência na trajetória de desenvolvimento profissional dos professores da Aman. A ideia desse desenvolvimento se relaciona aos estudos que compreendem o aprendizado profissional como um processo que integra elementos da história pessoal e ocupacional, da formação prévia e da trajetória e dos contextos do exercício profissional (Day, 2001).

Segundo Marcelo (2009), o conceito é motivado pela evolução da compreensão de como se produzem os processos de aprender a ensinar. Para o autor, esses “processos ocorrem em longo prazo, integram diferentes tipos de opor tunidades e de experiências, planificadas sistema ticamente, de forma a promover o crescimento e desenvolvimento profissional dos professores” (Marcelo, 2009, p. 10).

Entre os estudos que trazem contribuições para a temática da inserção profissional, destaca-se a pesquisa de Huberman (1995), que discute os ciclos de vida profissional na trajetória dos professores. Analisando inúmeros estudos empíricos, o autor identifica tendências nesses ciclos, distinguindo etapas ou fases que caracterizam diferentes momentos na vida profissional do docente, balizando a carreira ao longo do tempo. Destaca que essas fases não devem ser entendidas como fixas ou lineares e podem não ocorrer da mesma maneira para todos os professores, uma vez que cada docente constrói seu caminho profissional mediante experiências vivenciadas no ambiente escolar, em um processo dinâmico e bem particular que se dá no cruzamento entre as trajetórias pessoais e os contextos institucionais em que essas experiências se desenvolvem. Assim, os ciclos devem ser entendidos como um processo dinâmico e contextualizado, que oferece referências para compreensão do desenvolvimento profissional dos professores.

Huberman (1995) identifica cinco fases na trajetória profissional dos docentes, caracterizadas como: entrada, estabilização, diversificação, serenidade e desinvestimento. Neste texto, interessa-nos especialmente discutir os aspectos que podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento profissional do professor no período inicial da docência e a forma como as condições do contexto do exercício profissional afetam esse processo.

Segundo os estudos analisados por Huberman (1995), o início da carreira docente, que abrange os dois ou os três primeiros anos, caracteriza-se não só como um período de exploração inicial, no qual convivem os aspectos de sobrevivência, quando o professor é confrontado com a complexidade da docência e percebe a distância entre os ideais educacionais contemplados pelas teorias da formação e a realidade da prática cotidiana no contexto escolar, mas também de descoberta, aspecto que aponta o entusiasmo inicial ao se sentir comprometido e responsável por sua atividade profissional, por realizar uma conquista ao assumir seus alunos e sua sala de aula e adquirir um sentimento de pertença ao grupo docente da escola. O autor ressalta que frequentemente os dois aspectos descritos acima caminham juntos, mas nesse período um pode predominar sobre o outro. Estudos empíricos apontam que o sentimento de descoberta permite ao professor aguentar e superar os desafios da sobrevivência, dando-lhe forças para persistir e continuar o percurso na carreira.

Estudos citados por Marcelo (1999) verificaram que os professores que estabelecem relações positivas com os estudantes, mantendo o domínio do ensino, consideram essa fase como fácil, enquanto aqueles que experimentam sentimentos de ansiedade e de isolamento perante a sala de aula e ao grupo tendem a tratá-la como uma etapa negativa. Assim, não é o tempo de experiência que determina o avanço no desenvolvimento profissional do docente, mas a qualidade das vivências e as possibilidades de reflexão e aprendizado encontradas pelo professor no contexto de trabalho.

Ao analisar o modelo proposto por Huberman (1995), Day (2001) explica que o início da carreira pode ser mais fácil ou mais difícil em função da capacidade do docente de lidar com inúmeras situações, que incluem a gestão das relações na sala de aula, os conhecimentos pedagógicos e curriculares e a compreensão da cultura profissional. Observa-se que os professores iniciantes enfrentam o duplo desafio de procurar corresponder às próprias concepções e expectativas sobre a docência, ao mesmo tempo que se encontram sujeitos às forças socializadoras da escola. Quando ocorrem divergências entre aquilo que o docente acredita que deve ser sua atuação profissional e a cultura da instituição, pode ocorrer uma crise, que coloca em questão a capacidade do professor para lidar com essa situação.

Day se apoia nos estudos de Lacey (1977, p. 72 apudDay, 2001) para explicar como o docente iniciante supera as crises provenientes do cruzamento entre as aspirações pessoais e as situações sociais. Segundo o autor, o professor poderá concordar momentaneamente, de forma estratégica, com as regras da instituição para sobreviver; poderá convencer as autoridades de sua competência, ao se mostrar bem-sucedido; ou aceitar as regras e acreditar que o constrangimento na situação seja a melhor solução. Contudo, para Day (2001), os professores iniciantes, de forma inconsciente, comprometem-se e adaptam-se à cultura da escola. Na medida em que isso ocorre, e as práticas docentes não são problematizadas, é provável que os professores deixem de avaliar seu trabalho e de melhorar o seu conhecimento profissional.

Quando esse período é superado, o docente avança gradativamente para uma fase de estabilização, que se caracteriza pela tomada de consciência de seu papel no contexto escolar e pela afirmação de sua identidade profissional. Nesse momento, segundo Huberman (1995, p. 40), “as pessoas ‘passam a ser’ professores, quer aos seus olhos, quer aos olhos dos outros”.

Os estudos analisados convergem ao considerar que o início da docência se configura como uma fase complexa e de acentuadas aprendizagens, descobertas e desafios, já que o professor iniciante adentra em um novo contexto escolar. Apontam ainda que o contexto institucional e as condições de trabalho exercem papel fundamental nesse processo, podendo favorecer ou dificultar o início profissional dos professores. Sugerem também que as experiências vivenciadas nesse período podem ser determinantes para o prosseguimento na profissão docente.

Metodologia

Dentro das possibilidades de abordagem metodológica e considerando que o objetivo da pesquisa está relacionado à compreensão das perspectivas do professor da Aman acerca de sua inserção na instituição, optou-se por percorrer um caminho que se apoiou principalmente em metodologia de natureza qualitativa. Embora o instrumento utilizado contemple também dados de natureza quantitativa, visando à caracterização dos docentes, a análise se orienta para a compreensão das relações entre as condições de inserção profissional e as percepções dos professores sobre sua trajetória na instituição.

A opção pela aplicação de um questionário pré-elaborado, composto por 40 perguntas abertas e fechadas, abrangendo praticamente todos os professores da Divisão de Ensino (DE), deu-se em função da necessidade de compor um quadro que permitisse uma melhor compreensão do trajeto de desenvolvimento profissional dos docentes. Trata-se de um número relativamente elevado de sujeitos, razão pela qual se optou pela utilização desse instrumento, que facilitou o acesso a todos os professores em um espaço de tempo relativamente curto. Participaram da pesquisa 47 respondentes de um total de 95 professores. O emprego desse instrumento, enviado por meio eletrônico, em que o respondente não foi identificado, justificou-se também para evitar qualquer constrangimento ou inibição ao pesquisado, por se tratar de militares de postos hierarquicamente distintos.

A análise dos dados coletados foi realizada segundo os pressupostos teóricos sobre o procedimento de análise de conteúdo, conforme proposto por Franco (2007), em que se articulam os objetivos do estudo, a conceitualização da temática e a experiência vivenciada na instituição de ensino.

Academia Militar das Agulhas Negras e seus docentes

O campo de pesquisa deste trabalho abrange uma instituição pública de ensino superior militar com características peculiares, o que requer inicialmente uma breve descrição da instituição no sentido de esclarecer o cenário em que esses docentes atuam profissionalmente.

A Aman está localizada no município de Resende/RJ e tem como propósito graduar os oficiais da linha bélica nas armas de infantaria, cavalaria, artilharia, engenharia e comunicações, no serviço de intendência e no quadro de material bélico. Os cursos da instituição têm sólida formação humanística, científica e tecnológica, aspectos considerados essenciais para o prosseguimento na carreira militar (Brasil. MD, [2017]).

As disciplinas universitárias compõem a dimensão do currículo voltada para uma formação não bélica, de natureza acadêmica, que tem por objetivo proporcionar ao discente o suporte necessário para o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, valores e habilidades constituintes do núcleo de capacitações que caracterizam o militar.

O Projeto Pedagógico Institucional (PPI) da Aman é um documento que reúne os aspectos orientadores de todas as ações pedagógicas. A primeira parte do projeto traz a identidade, a missão, a visão e os valores. Já a segunda aborda os fundamentos pedagógicos propriamente ditos. A proposta pelo ensino por competências em substituição ao ensino por objetivos e a implantação de práticas pedagógicas inovadoras permeadas por interatividade e tecnologia têm sido norteadoras na instituição.

Com relação ao corpo docente, a Aman é formada por professores e instrutores que são graduados pela própria instituição; por Oficiais do Quadro de Engenheiros Militares (QEM), formados no Instituto Militar de Engenharia (IME); por Oficiais do Quadro Complementar (QCO), que são oriundos da Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEx); por Oficiais Técnicos Temporários (OTT), que são licenciados provenientes do meio civil; e por docentes civis contratados ou concursados.

Os docentes participantes deste estudo são professores militares e civis responsáveis pelo ensino universitário, ou seja, pelas disciplinas voltadas para a formação acadêmica do cadete, título do discente da Aman. Não foram considerados nesta pesquisa os instrutores com atuação voltada para a dimensão prático-militar do currículo. Com o intuito de clarificar a compreensão do leitor a respeito dos diversos tipos de professores e suas situações funcionais, o Quadro 1 apresenta a constituição do grupo de docentes da Aman, participantes do estudo:

Fonte: Elaboração própria

Quadro 1 Docentes participantes da pesquisa 

Observa-se no Quadro 1 que o grupo de docentes que compõe a amostra contempla um maior número de professores graduados na própria instituição (55%), enquanto aqueles com formação civil compõem 45% do total de docentes.

Descrevendo aspectos relacionados aos perfis dos participantes, os dados mostraram que os docentes da Aman são, em sua grande maioria, homens, com mais de 40 anos e oriundos dos quadros de oficiais permanentes do Exército, ou seja, mais experientes e com maior posição hierárquica. No cruzamento dos dados, observou-se que os mais jovens, entre 20 e 30 anos, são oficiais temporários.

Quanto à experiência na docência, parte significativa dos professores (27%) tem inserção recente, com até três anos de atuação na Aman, e a maior parte dos docentes (81%) não teve experiência anterior em outras instituições de educação superior. Com base nas respostas ao questionário, verificou-se que aproximadamente 33% dos professores participantes da pesquisa já conheciam a instituição desde a formação; na sua totalidade tinham mais de 30 anos de idade; e, em sua grande parte, nunca exerceram a docência em outra instituição de educação superior.

Em síntese, os professores do ensino universitário da Aman constituem um grupo profissional com diferentes origens, experiências e trajetórias de formação e atuam em um contexto de ensino superior militar singular. Para muitos deles, esse contexto já é conhecido, por terem experiências anteriores ou por terem sido formados na instituição. Para aqueles com trajetória civil, a inserção nesse ambiente institucional possivelmente representa maiores desafios. Os dados e as informações referentes à perspectiva dos docentes acerca de sua trajetória profissional na instituição de ensino superior militar são discutidos a seguir.

O ingresso na docência: motivações e expectativas

Após apresentar, de forma breve, os aspectos sobre a instituição e seu ensino, bem como as formações dos professores, esta seção se propõe a identificar e conhecer as perspectivas dos docentes a respeito das motivações e expectativas na inserção profissional na Aman.

Ao exporem suas opiniões a respeito da trajetória profissional na Aman, observaram-se diferenças nas perspectivas dos professores participantes da pesquisa, que podem ser relacionadas à sua situação funcional e aos vínculos anteriores com a instituição. Essas diferenças são concernentes a dois grandes grupos classificados no decorrer da pesquisa de campo: os docentes de formação bélica (militares da ativa e aposentados formados na Aman) e os de formação não bélica ou civil (QCO, OTT, QEM e civis).

Por meio dos dados coletados nos relatos dos participantes, realizaram-se inferências sobre as percepções externadas pelos professores e suas relações com a instituição.

O prelúdio da análise dessa parte da pesquisa foram as respostas aos questionamentos relacionados ao período de inserção na docência da instituição militar. Num primeiro aspecto, os participantes expressaram as motivações, as expectativas e o grau de intensidade dos sentimentos experimentados nesse período fundamental para o aprendizado profissional.

Diversos autores apontam a importância do período inicial da docência como um tempo de intensos aprendizados, tensões e ajustes, em que o professor iniciante busca provar para si mesmo, e para os outros, que é capaz de ensinar, identificando-se como docente e desenvolvendo sentimentos de pertencimento ao grupo profissional (Huberman, 1995; Day, 2001). Quanto ao tempo de docência, situam que esse período pode abranger entre os três ou os cinco primeiros anos da carreira (Tardif, 2002).

Considerando as especificidades da carreira militar, é possível entender que, no caso dos professores da Aman, a idade e o tempo de docência não são condições determinantes na inserção profissional. Muitos dos professores com menor tempo de inserção não podem ser considerados iniciantes na carreira docente, uma vez que possuem experiência anterior e capacitação profissional em atividades de instrução e formação de militares, que podem favorecer a atuação docente.

Diante dos dados qualitativos, observa-se que na fase de ingresso na docência superior, ao ser confrontado com a complexidade da atuação em um contexto novo e singular, o professor pode se sentir iniciante e assim experimentar sentimentos contraditórios de sobrevivência e de descoberta, conforme descrito por Huberman (1995). Essa possibilidade é explicada por Marcelo (1999), quando ressalta que as características propostas por Huberman (1995) podem variar para cada docente de acordo com as próprias experiências e perspectivas e podem, ainda, ressurgir conforme a novidade de cada situação, como o ingresso na docência após movimentação pelo território nacional do professor militar ou até mesmo a mudança de disciplina escolar dentro da própria Aman.

Observando as respostas das questões referentes ao início profissional, revelaram-se motivações diversas para a inserção na docência. Para um grupo de professores, os motivos parecem mais relacionados a fatores de realização pessoal ou profissional. Nesse grupo predominaram os sentimentos positivos associados à identificação com a atividade docente e com a própria instituição. Para a maioria desses participantes, os primeiros dias de exercício da profissão docente na Aman foram percebidos como motivo de orgulho, conforme aparece no fragmento a seguir:

Expectativa de um novo desafio, somados a perspectiva e orgulho de estar à frente de uma turma de cadete. (Prof. 3, formação bélica, ativa).

Ao cruzar os dados coletados na pesquisa, observou-se que a maioria dos professores que manifestaram orgulho por estar lecionando na Aman foi formada na instituição. Para esses docentes, não se coloca o chamado “choque cultural” ou “choque de transição” apontado por Tardif (2002, p. 82), experimentado por muitos iniciantes ao ingressarem em um universo pouco conhecido. Para eles, a inserção na docência representa, ao contrário, o retorno ao espaço de sua própria formação, agora como professores em uma instituição reconhecida e valorizada. Nesse retorno ao espaço de formação, o docente traz consigo memórias positivas, que, relacionadas a outras fontes de saberes, contribuem para a aquisição de um conhecimento profissional que permanece em construção ao longo da carreira (Tardif; Raymond, 2000).

Nos relatos, também se observou um professor que não tinha a intenção de exercer a docência na Aman, porém foi levado a essa opção por imposição da carreira militar:

A Aman foi minha última opção de movimentação. Minha motivação e formação profissional direciona-se à atuação na educação básica. Por isso, desde minha apresentação na Aman, sinto-me bastante deslocado profissionalmente. Contudo, apesar de ainda me sentir deslocado, ressalto que aprendi a admirar o trabalho docente desenvolvido na Academia. (Prof. 40, formação civil).

Nesse caso, percebe-se a frustração inicial do professor de formação civil de lecionar na Aman, não por opção, mas em decorrência de movimentação institucional. O depoimento sugere, porém, a busca de compreensão desse novo ambiente, em um movimento no qual as expectativas vão sendo revistas e as novas relações construídas, na medida em que a docência no ensino superior pode ser percebida como um espaço de atuação interessante, que surge como oportunidade de desenvolvimento docente.

Dentre os professores que não foram formados na Aman, muitos se mostraram ansiosos por iniciarem uma atividade bastante singular em um novo contexto institucional. No entanto, algumas expectativas foram muito otimistas, provocando frustração quando as condições esperadas não se concretizaram, seja em relação à estrutura material, seja em relação ao nível do ensino e do aluno.

O relato do docente externa algumas contradições entre o esperado e a realidade:

Cheguei à Aman com expectativas muito grandes em relação ao nível intelectual do cadete e à situação da Aman como estabelecimento de ensino superior de ponta. Ambas as expectativas foram frustradas, pois tanto o nível do cadete quanto o da Aman ficaram muito abaixo do que eu imaginava. (Prof. 23, formação civil).

Outro aspecto apontado pelos docentes da Aman como uma expectativa que não se confirmou está relacionado à reduzida possibilidade de trabalhar em salas de aulas adequadas ao emprego das metodologias ativas de aprendizagem, utilizando recursos tecnológicos apropriados para a era da informação.

Deparei-me com sala de aula desajustada às tendências de uso das TIC, sem projetor, sem internet disponível em sala, dificuldade de trabalhar com imagens por não poder projetá-la. Essa etapa foi superada com a instalação de projetor nas salas (Prof. 16, formação civil).

Segundo os relatos, a falta de recursos em sala de aula pode estar dificultando o processo ensino-aprendizagem e desfavorecendo, de certa forma, o desenvolvimento profissional do docente da instituição.

Em contrapartida a essas informações de desconforto, percebe-se que os docentes que tinham um histórico de formação na instituição compreendem essas limitações, o que indica que, devido ao conhecimento do contexto, tinham expectativas mais realistas sobre as condições de trabalho que iriam encontrar. A resposta do docente abaixo, que já tinha passado pela Aman, sintetiza um sentimento de confiança e de tranquilidade, expresso também por outros professores:

O fato de termos experiência de bancos acadêmicos como cadete e estudante universitário, instrutor na tropa e em estabelecimento de ensino médio facilitou enormemente o início como docente da Aman. Não houve trauma. (Prof. 12, formação bélica).

Os dados deste estudo indicam que se situar num novo contexto, com características muito singulares, ligadas às regras e aos valores militares, representou uma sensação de maior desconforto para os docentes não familiarizados com as normas e códigos institucionais, enquanto aqueles que tinham familiaridade com esse ambiente tiveram um processo de inserção mais favorável. Essas constatações vão ao encontro das observações de Marcelo (1999), quando ressalta que as regras, as informações sobre o sistema de ensino e as orientações sobre direitos e deveres acerca do novo ambiente de trabalho devem fazer parte do rol de conhecimentos profissionais dos professores.

Os dados analisados indicam uma grande diversidade nas percepções e sentimentos dos participantes em sua inserção na carreira docente militar. Quando se cruzam as respostas relacionadas à perspectiva mais ou menos favorável acerca das motivações e expectativas iniciais com as informações sobre a formação inicial e situação funcional dos depoentes, é possível verificar que sentimentos de entusiasmo e realização são mais frequentemente expressos pelos professores de formação bélica, ou seja, aqueles formados na Aman. Em contrapartida, sentimentos de ansiedade ou desconforto são manifestados geralmente por professores de formação civil.

Os dados coletados mostram que, no caso dos docentes da Aman, o período de inserção profissional é fortemente afetado pela maior ou menor familiaridade com o contexto institucional, ao indicarem que o retorno à instituição de formação - um contexto de socialização profissional reconhecido e valorizado pelos docentes egressos da Aman - favoreceu a inserção desses professores, enquanto aqueles que desconheciam esse contexto relataram maiores dificuldades nessa fase. Fatores apontados por autores que investigam essa temática (Huberman, 1995; Tardif, 2002), como tempo de experiência ou idade, não se mostraram tão relevantes. Os resultados nos levam a concordar com Day (2001), quando ressalta a necessidade de levar em conta os contextos e culturas institucionais em que se dá esse processo, bem como as oportunidades de formação oferecidas aos professores nesse período.

Desafios e superações no início da docência: um novo contexto

O estudo de Coelho (2009) acerca do início da docência em instituições de educação superior, embora não se refira ao ensino militar, oferece referências para a compreensão das posições expressas pelos participantes deste artigo. A autora descreve que os docentes indicam como problemas ou desafios, entre outras questões nessa fase de iniciação na docência da educação superior:

[...] vencer a insegurança que a falta de experiência gera; desenvolver uma autonomia docente; administrar melhor o tempo na sala de aula; dedicar mais tempo ao preparo de aulas; aprender a lidar com a heterogeneidade e diversidade dos alunos que chegam hoje aos bancos escolares, e com salas de aula numerosas; superar dificuldades em relação à avaliação da aprendizagem e, ainda, a necessidade de dialogar com os pares para compartilhar experiências e aprendizagens. Destacaram também as dificuldades geradas pela questão salarial em nosso país. (Coelho, 2009, p. 7).

Diante das percepções da autora e, ainda, para melhor compreender os desafios percebidos pelos docentes no processo de inserção no ensino superior da Aman, são apresentados alguns relatos das diferentes categorias de professores da instituição que discutem esses desafios, bem como as formas de superação utilizadas por eles para enfrentá-los. Dessa forma, foi possível identificar algumas similaridades entre os dois estudos.

O relato, a seguir, é de um professor que ingressou recentemente na instituição e que não foi formado por ela, ou seja, que possui até três anos de docência na Aman:

Os meus primeiros dias na Aman não estiveram relacionados especificamente à atividade de docente. Antes, desenvolvi atividades administrativas como, por exemplo, atender a escala de serviço, realizar sindicância, exame de pagamento e participar de comissões de recepção e acompanhamento. (Prof. 31, formação civil).

Esse relato do professor temporário que há três anos era civil, e ao ser inserido no novo contexto necessitou se adaptar às atividades militares e administrativas, mostra que o ingresso na Aman, para os professores desse grupo, foi marcado por momentos de tensão e insegurança.

Marcelo (1999, p. 114) ressalta que é “característico deste período a insegurança e a falta de confiança em si mesmo”, o que pode ter sido potencializado no caso desses docentes, por estarem desempenhando uma atividade bastante singular que é a de formar jovens oficiais do Exército. Nesse caso, para a maioria dos professores de formação civil que leciona na Aman, possivelmente os desafios estão relacionados a um novo contexto em que a busca contínua por novas competências é estimulada.

Um aspecto bastante desafiador para o professor que não é formado na Aman é compreender as posturas e atitudes esperadas na sua relação com o discente da instituição, porque se espera que busque conquistar o aluno, “[...] não pelo paternalismo, mas pela competência profissional, aliada à firmeza de propósitos e a serenidade nas atitudes” (Brasil. MD, 2014, p. 4-12). É o que se observa no depoimento abaixo, quando o respondente aponta uma das dificuldades iniciais:

Dificuldade em entender que o foco do processo ensino-aprendizado não eram os conteúdos acadêmicos, mas o aspecto comportamental e atitudinal. (Prof. 35, formação civil).

Os excertos acima revelam que o grau de relacionamento do professor com o aluno pode ser bastante singular no contexto de uma instituição de ensino militar, onde a preocupação com os aspectos comportamentais e atitudinais é bem evidenciada.

Outra situação desafiadora, que aparece nos relatos dos professores de formação civil, está relacionada à postura do docente com o aluno militar em sala de aula.

A experiência em sala de aula foi bastante desafiadora, pois tradicionalmente, a imagem e a postura do professor ou instrutor da Aman, perante seus alunos, são bastante cobradas, como modelo de militar e profissional, principalmente para os que não são formados na Aman. (Prof. 38, formação civil).

No caso do docente do excerto acima, a mudança de postura no trato com o discente, que é uma imposição implícita no sistema militar, leva o professor a rever sua própria imagem profissional nesse contexto escolar. Entende-se que essa situação, exposta por muitos docentes não formados na Aman, deve-se ao fato de atualmente lecionarem em uma instituição de educação superior militar cujas normas, modelos e regras diferem das suas concepções anteriores sobre a docência, no contexto civil.

Os relatos dos participantes indicam, no entanto, que os desafios iniciais na docência não se colocam apenas aos professores de origem civil. É o que se observa no relato abaixo, em que um docente formado na Aman expõe sua dificuldade em encontrar o equilíbrio entre os papéis de formador-instrutor na comunicação com os alunos:

Os principais dilemas que enfrentei foram quanto à parte do trato com os cadetes, pois estava muito acostumado a dar instruções, o que requer muito menos diálogo durante a sessão. Com o tempo, o relacionamento em sala foi se normalizando, mas era um tanto tenso nas primeiras aulas, com muita “palestra” de minha parte, poucas perguntas e relativa desatenção por parte de alguns. (Prof. 14, formação bélica).

A resposta do educador revela que ele teve que mudar, além de sua postura, a forma de abordagem da disciplina, pois não estava acostumado a ser interpelado pelo discente em outras situações de instrução. Contextualizando com a teoria de Shulman (2014), que destaca o conhecimento dos alunos e do contexto da sala de aula como uma das bases do conhecimento docente, o professor do excerto acima mostrou compreensão para se relacionar e interagir com alunos de características diferentes e flexibilidade para adaptar o método e o modelo de ensino à situação - condições de desenvolvimento profissional.

Com essa forma de pensar, evidencia-se uma abordagem de ensino que vai além da transmissão do conhecimento, porque se acredita que parte do sucesso da aprendizagem do discente se encontra no fazer docente, nas formas como o conhecimento é transmitido (Anastasiou; Alves, 2005), o que inclui os saberes apropriados pelo professor além daqueles relacionados ao conteúdo específico da disciplina.

Em contrapartida, muitos desafios expressos pelos docentes são comuns às duas categorias, de formação civil ou militar. Entre eles, está a falta de tempo em sala de aula para cumprir o currículo da disciplina:

O principal desafio é a necessidade de cumprir o preconizado no Pladis da disciplina com pouco tempo disponível para fazê-lo. (Prof. 19, formação bélica).

Os professores relatam que a dificuldade com a falta de tempo para se cumprir o Plano de Disciplinas (Pladis) é superada pelo esforço particular no preparo de aulas, o que indica a consciência do docente quanto à importância do planejamento do trabalho como forma de superar as dificuldades, mas remete também à oportunidade de reflexão acerca dos assuntos contidos nos currículos, por parte da instituição.

Outro aspecto desafiador, que não está necessariamente relacionado apenas ao trato com o aluno ou ao problema com o currículo da disciplina, foi mencionado por um pequeno grupo de professores de formação bélica ao comentarem sobre o período inicial da docência na instituição:

O maior desafio foi de buscar conhecimentos para ministrar os conteúdos aos alunos. (Prof. 1, formação bélica).

Os maiores desafios que encontrei estavam diretamente ligados à falta de atualização no que tange aos conteúdos a serem ministrados. (Prof. 42, formação bélica).

Observa-se nos relatos que os professores percebem a insuficiência do seu conhecimento a respeito do conteúdo a ser ensinado. Shulman (2014) considera que a formação na área específica é uma fonte importante do conhecimento para o ensino e explica que o professor precisa entender profundamente a estrutura e a organização conceitual da disciplina que ministra. Segundo o autor, o nível de conhecimento da matéria afeta a seleção e a forma de apresentação do conteúdo aos alunos, além do entusiasmo do professor ao ensinar.

As dificuldades com o conteúdo da disciplina podem estar relacionadas à distância, no tempo, da primeira formação acadêmica do professor ou também à norma institucional em que a conclusão, com aproveitamento, do curso de formação de oficiais da Academia é entendida como habilitação equivalente para todas as disciplinas cursadas na mesma instituição (Brasil. MD, 2005).

Para o enfrentamento dos desafios no período da inserção profissional, os professores relatam, além das iniciativas individuais como o estudo, a busca pela formação e o cuidado no planejamento do trabalho, possibilidades encontradas no contexto institucional, entre elas a orientação de colegas mais experientes.

Com relação a esse apoio entre pares, foi possível verificar que grande parte dos docentes, cerca de 87%, declaram que receberam orientações iniciais e 69% ficaram totalmente satisfeitos com tais instruções no momento de início da atividade docente na Aman. Corroborando com os dados, o relato do professor abaixo expressa a importância desse apoio:

Desde que cheguei, fui muito bem recebido por todos. Meu chefe imediato foi fundamental para uma adaptação tranquila na atividade docente. Já no primeiro dia ele me passou muitos ensinamentos voltados ao dia a dia na instituição, tanto dentro quanto fora de sala de aula, assim como demonstrou desde o início confiança e se mostrou extremamente solícito a qualquer necessidade que eu tivesse. (Prof. 28, formação bélica).

O excerto permite inferir que o apoio contribuiu para diminuir o grau de ansiedade, bem como propiciou meios e condições para superação dos desafios do início da docência na instituição. Mostra a relevância atribuída pelo docente ao fato de ser recebido pelo professor mais experiente, fazendo com que ele se sentisse pertencente e acolhido ao iniciar o trabalho na Aman. Essa atitude de apoio pode ser percebida em outros relatos, mostrando que não é uma iniciativa isolada, mas uma postura estimulada pela cultura institucional.

O apoio inicial proporcionado pelos pares e/ou chefe pode ser entendido como um processo de mentoria, em que um profissional mais experiente recebe, apoia e orienta o menos experiente. Para Marcelo (1999), o apoio de um mentor que observa, aconselha, orienta e tece críticas construtivas é necessário para a aprendizagem e para o desenvolvimento profissional do docente iniciante. É possível observar que esse aprendizado com os colegas no contexto escolar, segundo os participantes, parece ser muito comum no início da docência na Aman.

Além do apoio dos chefes ou dos colegas que ajudam na superação do início acadêmico, o aspecto relacionado à preparação do ingressante por intermédio de uma ação de acolhimento formativo planejada pelos gestores da instituição, visando os recém-chegados, foi considerado bastante relevante para ajudar a superar os desafios no ingresso como docente na Aman, conforme o relato do professor abaixo:

A Aman disponibiliza aos docentes recém-chegados um estágio preparatório a fim de prepará-los para o exercício de suas funções (Estap). Tal estágio foi para mim de suma importância, pois me ambientou sobre a realidade e objetivos do ensino nessa instituição. (Prof. 36, formação civil).

O docente refere-se ao estágio de atualização pedagógica (Estap), que no seu primeiro ciclo propicia aos novos docentes embasamento teórico relacionado aos conhecimentos do campo educacional, a fim de familiarizá-los com a sistemática de ensino e contribuir para a condução do processo ensino-aprendizagem (Almeida; Duarte; Oliveira, 2018). Além disso, é oferecido aos docentes recém-chegados o módulo acolhimento, realizado a distância e com objetivo de ambientar esses professores nas recentes reestruturações pedagógicas, com destaque para sua adaptação à sistemática do ensino por competência, que está sendo implantada desde 2012 na referida instituição (Almeida; Duarte; Oliveira, 2018).

Na busca de sintetizar os aspectos inerentes a desafios e superações dos docentes que se inserem na Aman, foi possível observar que os professores recorreram, para superar as dificuldades iniciais, a variadas formas de apoio. Além daquelas oferecidas pela instituição, foram também buscadas, por iniciativa própria, outras maneiras de aprendizado.

Para ultrapassar as dificuldades, foram importantes o apoio dos chefes e colegas por intermédio da observação e do diálogo; a superação das questões relacionadas ao currículo e ao tempo para planejar as aulas; a busca de conhecimento do conteúdo, quando foram percebidas lacunas na sua formação; a revisão das posturas em sala de aula e o trato com o discente da instituição. Esses aspectos permitem inferir que os desafios encontrados na inserção dos professores militares, em um contexto de ensino singular, foram sendo superados, segundo as perspectivas dos participantes e a análise do pesquisador.

Comparando ao estudo de Coelho (2009), os dados desta pesquisa indicam que os professores da Aman se defrontam com múltiplos desafios ao ingressar na instituição, assim como os docentes estudados no trabalho da autora, mas com algumas particularidades no ensino militar, como: o ambiente singular, com regras e rotinas próprias; e a relação e o trato com os discentes, que exigem adequação das posturas e práticas do professor em sala de aula.

A análise dos dados permite deduzir que os professores participantes da investigação, embora tenham encontrado dificuldades em maior ou menor grau no processo de início da docência na Aman, puderam obter condições favoráveis para superar os desafios do período de inserção na instituição e prosseguir no percurso de desenvolvimento profissional.

Considerações finais

Este artigo teve por principal objetivo identificar, segundo as perspectivas dos docentes da Aman, os elementos facilitadores ou dificultadores relacionados à inserção em um novo contexto de ensino superior militar. Para isso, buscou-se compreender as motivações e as expectativas dos professores em sua inserção profissional na instituição, bem como conhecer os possíveis desafios encontrados pelos docentes em sua trajetória na carreira e os meios utilizados por eles para superarem essas dificuldades, ao ingressarem nesse contexto singular.

A análise dos dados mostrou um grupo bastante heterogêneo, com trajetórias de formação e carreira variadas, revelando diversidades de concepções e posturas em relação à ação docente.

Observou-se que no caso dos professores da Aman a idade e o tempo de docência não são condições determinantes na inserção profissional. Embora esses fatores sejam relevantes, constatou-se que as perspectivas mais positivas no período inicial da docência são relacionadas, na maioria dos casos, à experiência anterior como aluno da instituição, que leva à identificação com a carreira e com a instituição militar. Por outro lado, o desconhecimento do contexto institucional levou alguns docentes a perspectivas muito otimistas, que, ao não se confirmarem, promoveram frustrações quanto às condições de ensino, do aluno e da estrutura física e podem ser consideradas como pontos de reflexão para a discussão sobre o desenvolvimento profissional do docente no decorrer da carreira na Aman.

Destacaram-se as diferenças de percepções entre dois grupos de docentes, os de formação bélica e os de formação civil. A análise evidenciou que essas diferentes condições, especialmente aquelas referentes à formação e à vinculação institucional, afetaram a motivação e as expectativas relacionadas ao ingresso e ao envolvimento no próprio processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente, bem como influenciaram nos aspectos associados à abordagem dos desafios que foram superados de diferentes formas por seus distintos integrantes.

Os resultados apontam que, não obstante as peculiaridades do contexto de ensino militar, muitas questões apresentadas pelos docentes da Aman são similares às referidas em estudos com professores de instituições não militares, entre elas a compreensão das posturas e atitudes esperadas na relação docente-discente; a busca do conhecimento pleno da disciplina; a gestão do tempo e o planejamento das aulas; a relevância da aprendizagem com os pares; a importância do ambiente e da cultura institucional no processo de inserção na docência.

Os aspectos apontados pelos participantes como facilitadores ou dificultadores do seu desenvolvimento profissional nos levam a reconhecer que esse desenvolvimento não pode ser atribuído apenas à iniciativa e disposição dos docentes, embora precise contar com seu envolvimento, mas requer um projeto institucional que promova as condições adequadas para que ele ocorra, em um ambiente que estimule a prática colaborativa, a reflexão crítica e o protagonismo dos professores no seu próprio processo de desenvolvimento.

Uma das principais razões para empreender uma pesquisa em um lócus educacional tão específico como o da Aman se deu, além de seu ineditismo, pela possibilidade de propiciar à comunidade acadêmica civil a oportunidade de conhecer a instituição, seus professores e os elementos facilitadores ou dificultadores do desenvolvimento profissional relacionados à inserção na docência da Aman. Pretendeu-se, dessa forma, contribuir para o incremento dos conhecimentos científicos sobre as distintas formas de aprendizagem dos principais responsáveis pelo ensino na instituição.

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Recebido: 04 de Novembro de 2018; Aceito: 23 de Julho de 2019

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