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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.100 no.256 Brasília set./dic 2019

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.100i256.4161 

ESTUDOS

Os debates sobre educação moral, caráter e conduta do indivíduo nas primeiras décadas do século 20 e seus reflexos na atualidade*

Debates on the moral education, character and conduct of the individual at the first decades of the twenties and their repercussions nowadays

Los debates sobre educación moral, carácter y conducta del individuo en las primeras décadas del siglo XX y sus reflejos en la actualidad

Audrei Rodrigo da Conceição PizolatiI  II 
http://orcid.org/0000-0002-0656-0995

Alexandre AlvesIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-0810-650X

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <auddipizzolatti@gmail.com>;

II Doutorando em Educação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

III Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <sandoralves@gmail.com>;

IV Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

A educação moral é um tema que periodicamente volta à pauta das políticas educacionais brasileiras. Essa discussão tem suas raízes nas propostas pedagógicas das primeiras décadas do século 20. Moralizar o corpo social foi um anseio compartilhado por eugenistas, pedagogos, políticos, sanitaristas e higienistas, que temiam que a sociedade se “degenerasse” devido às precárias condições de moradia e higiene e aos maus hábitos da população como vícios e doenças venéreas. Este artigo visa problematizar algumas dessas propostas, analisando como os estudos referentes à hereditariedade biológica e ao determinismo sociocultural pautaram as propostas pedagógicas no início do século passado, quando foram dados os primeiros passos para a construção de um sistema nacional de ensino no Brasil. Para isso, fizemos uma análise histórica dos debates na I Conferência Nacional de Educação, realizada em Curitiba, no ano de 1927, assim como de outros documentos da época. A pesquisa pretende contribuir para a compreensão do debate sobre as propostas educacionais relativas à formação moral do caráter e da conduta dos indivíduos. Com base no estudo desenvolvido, percebe-se que, antes de se pensar a escola, se debateu sobre o tipo de sujeito que seria alvo da ação educativa, o que demonstra que a necessidade de moralização dos hábitos desde a infância era uma das prioridades da época e pautava os debates educacionais. Esses debates oscilaram entre o determinismo biogenético e a influência do meio como fatores determinantes da conduta humana. Ecos dessas discussões ainda ressoam no presente, nas propostas para a formação moral que hoje transitam entre o ideário progressista e o liberal-conservadorismo.

Palavras-chave: determinismo; eugenia; higienismo

Abstract:

Moral education periodically resurfaces in the agenda of the Brazilian educational policies, which is a discussion that stems from pedagogical proposals of the first decades of the twentieth century. The likes of eugenicists, pedagogues, politicians, sanitarianists, and hygienists have yearned to moralize the social body; they feared that society would "degenerate" due to poor housing and hygiene conditions, as well as to the bad habits of the population - vices, venereal diseases, etc. This article aims to problematize some of these proposals, analyzing how studies referring to biological heredity and socio-cultural determinism guided the pedagogical proposals at the beginning of the last century; when the first steps to build a national education system in Brazil were taken. For that purpose, we made an historical analysis of the debates in the First National Conference of Education, held in Curitiba in 1927, as well as other documents from that period. The research contributes to explain the debate on the educational proposals for the moral formation of individuals’ character and conduct. Our analyses revealed that, before considering a national school system, specialists debated the type of subject educational action would target, which shows that the need to moralize habits from childhood was top priority at the time and guided the debate on education. These debates oscillated between biogenetic determinism and the influence of the environment as a determinant aspect of human conduct. Echoes of these discussions still resonate in the present; in the proposals for moral formation that today circulate between progressivist ideas and liberal-conservatism.

Keywords: determinism; eugenics; hygiene

Resumen:

La educación moral es un tema que periódicamente vuelve a la pauta de las políticas educativas brasileñas. Esta discusión tiene sus raíces en las propuestas pedagógicas de las primeras décadas del siglo XX. Moralizar el cuerpo social fue un deseo compartido por eugenistas, pedagogos, políticos, sanitaristas e higienistas, que temían que la sociedad se "degenerara" debido a las precarias condiciones de vivienda e higiene y a los malos hábitos de la población como vicios y enfermedades venéreas. Este artículo tiene como objetivo problematizar algunas de estas propuestas, analizando cómo los estudios referentes a la herencia biológica y al determinismo sociocultural guiaron las propuestas pedagógicas a principios del siglo pasado, cuando se dieron los primeros pasos para la construcción de un sistema nacional de enseñanza en Brasil. Para ello, hicimos un análisis histórico de los debates en la I Conferencia Nacional de Educación, realizada en Curitiba, en 1927, así como de otros documentos de la época. La investigación pretende contribuir a la comprensión del debate sobre las propuestas educativas relacionadas con la formación moral del carácter y de la conducta de los individuos. Con base en el estudio desarrollado, está claro que, antes de pensar en la escuela, se debatió sobre el tipo de sujeto que sería el objetivo de la acción educativa, lo que demuestra que la necesidad de moralización de los hábitos desde la infancia era una de las prioridades de la escuela y guiaba los debates educativos. Estos debates oscilaron entre el determinismo biogenético y la influencia del medio ambiente como factores determinantes de la conducta humana. Los ecos de estas discusiones aún resuenan en el presente, en las propuestas de formación moral que hoy transitan entre el ideario progresista y el conservadurismo liberal.

Palabras clave: determinismo; eugenesia; higienismo

Introdução

Como num movimento pendular próprio de nossa história, propostas de educação moral e disciplinamento da conduta dos indivíduos retornam periodicamente às políticas educacionais no Brasil. Recentemente, projetos de lei em diversos municípios têm reivindicado o retorno da educação moral e cívica às escolas. Por exemplo, a Proposta de Lei nº 6.122, de 1º de março de 2018, aprovada pela Câmara dos Deputados do Distrito Federal (DF), define que:

Art. 1º Fica incluído na grade curricular das escolas das redes pública e privada de educação infantil e ensino fundamental do Distrito Federal, como conteúdo transversal, o tema educação moral e cívica. Art. 2º O tema citado no art. 1º deve abordar princípios de moralidade e civilidade, devendo ser elaborado pelo setor técnico responsável da Secretária de Estado de Educação do Distrito Federal. Art. 3º A carga horária é estipulada de acordo com o calendário letivo anual. Art. 4º A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal deve proporcionar cursos de qualificação e formação específica para os professores, bem como incluir em seus processos seletivos a necessidade de profissionais qualificados no referido tema, como forma de assegurar o cumprimento do disposto nesta Lei. Art. 5º O tema a que se refere esta Lei é incluído na grade curricular após ratificação pelo Conselho de Educação do Distrito Federal. Art. 6º Esta Lei deve ser regulamentada em até 120 dias da data da sua publicação. Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. (Distrito Federal, 2018)

Os defensores do projeto negam que ele seja um puro e simples regresso à ideologia do Regime Militar, mas essa inspiração fica evidente se nos atentarmos para a ênfase do texto sobre noções de disciplina, hierarquia, família e pátria.1 Para constatar isso, basta compará-lo ao Decreto nº 869, de 1969, que reinstituiu a obrigatoriedade da disciplina de educação moral e cívica em todas as escolas do País:

Art. 2º A Educação Moral e Cívica, apoiando-se nas tradições nacionais, tem como finalidade: [...] e) o aprimoramento do caráter, com apoio na moral, na dedicação à família e à comunidade; [...] g) o preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas com fundamento na moral, no patriotismo e na ação construtiva, visando ao bem comum; [...]. (Brasil, 1969).

Instituído logo após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que cerceou liberdades e restringiu direitos políticos no País, o Decreto nº 869 visava controlar os movimentos de contestação da juventude, inculcando ideias como o patriotismo ufanista e a obediência incondicional às leis e aos governantes.2 Vale ressaltar que, antes dos militares, educação moral e cívica já fora disciplina obrigatória no Governo Vargas, mais precisamente durante o período do Estado Novo (1937-1940).

Formar moralmente o indivíduo, com base em condutas predefinidas, tem sido alvo de discussões e de repúdio entre ativistas, profissionais e intelectuais de diversos órgãos vinculados aos direitos humanos e à área da educação. Diante das polêmicas que a proposta gerou e da reprovação do texto pelo Conselho de Educação do DF, o ex-governador, Rodrigo Rollemberg, acabou vetando o projeto de lei. Contudo, pouco depois o veto foi derrubado pela Câmara Legislativa do DF, que deu ao Conselho de Educação um prazo para que a nova disciplina seja integrada aos currículos escolares brasilienses. O Conselho decidiu que a disciplina seguirá sendo aplicada de modo transversal, como prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e os professores deverão passar por um curso de formação sobre o tema.

A proposta de lei gerou uma forte rejeição por parte do Conselho Nacional de Entidades (CNE), resultando em uma moção de repúdio:

O Conselho Nacional de Entidades - CNE, instância deliberativa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE, que reuniu em Salvador nos dias 13 e 14 de março de 2018 representantes de suas entidades de base filiadas de todo o Brasil, REPUDIA a lei aprovada pela Câmara Legislativa do Distrito Federal - CLDF que institui nas escolas da cidade o retorno da disciplina Educação Moral e Cívica.(CNTE, 2018).

De acordo com a nota emitida pelo CNE, os legisladores, ao alvitrarem a disciplina de educação moral e cívica, não levaram em consideração que esta matéria já consta nos currículos atuais, devendo figurar de maneira transversal às disciplinas escolares. A oposição de diversas organizações ligadas à educação sobre a promulgação dessa lei se deve também ao fato de que a iniciativa não foi debatida com a comunidade escolar e a sociedade civil, tendo sido imposta, de maneira arbitrária, e, inclusive, ao arrepio do texto constitucional. Os assuntos de natureza educacional só podem ser alterados pelo Poder Legislativo por meio de uma proposta de emenda à Constituição.

As propostas para o ensino da educação moral e cívica causam celeuma porque, em geral, o que se visa é instituir condutas e comportamentos predefinidos com base em supostos valores absolutos, contribuindo, assim, para legitimar crenças e hábitos hegemônicos. No que diz respeito à moral, não há consenso sobre quais valores deveriam ser transmitidos e quais comportamentos e condutas deveriam ser reprimidos nas crianças e nos jovens.3

Sob a perspectiva do pós-estruturalismo, que adotamos aqui, a problematização do campo da moral e dos valores deve ser posta de outra forma: “[...] de quem são os valores, para quem e para que servem.” (Silva, 2002, p. 39, grifos do autor). É necessário investigar as relações de poder e os jogos de interesses envolvidos na definição do bem e do mal, do certo e do errado, do desejável e do indesejável. Não se trata, portanto, de balizar uma verdade, e sim de compreender como enunciados sobre a moralidade, o caráter e a conduta dos indivíduos foram utilizados em um campo discursivo para legitimar determinadas práticas socioculturais em distintos contextos histórico-educacionais, em particular no que diz respeito à construção do currículo escolar. Nesse sentido, ainda de acordo com Silva (2002, p. 47) 4, podemos dizer que “o currículo (que compõe a Educação) é, assim, além de um empreendimento epistemológico, um empreendimento moral. A questão torna-se, então, em saber quais são os valores que devem fazer parte do currículo e quais suas possíveis fontes.”

Como evidencia o caso do currículo escolar, podemos afirmar com base em Michel Foucault que o “poder produz saber [...], não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.” (Foucault, 2010, p. 30). Campos discursivos, portanto, sempre envolvem relações de poder (Alves, 2018). Nessa perspectiva, Veiga-Neto e Lopes, fundamentados em Foucault, definem discurso como:

[...] um conjunto de enunciados que, mesmo pertencendo a campos de saberes distintos, seguem regras comuns de funcionamento. Dado que, de um lado, tais discursividades colocam em circulação determinados regimes de verdade e que, de outro lado, tais regimes articulam-se segundo determinados saberes, o que sempre está em jogo, nessas campanhas, são o governamento e as relações de poder, ambos sustentados discursivamente. (Veiga-Neto; Lopes, 2007, p. 958).

Neste estudo, no entanto, o objetivo não é fazer uma análise de discurso, arqueológica ou genealógica, mas uma análise histórica que destaca alguns dos elementos do arquivo, que nos permitem articular presente e passado, ao investigar como enunciados em torno da moralidade e da formação moral do indivíduo estiveram presentes nas discussões do campo educacional nas primeiras décadas do século 20.

Ainda hoje se debate sobre a influência da biogenética e/ou do ambiente como fator determinante do caráter e da conduta humana. Esses debates sobre o que constitui a conduta moral dos sujeitos e de que forma a educação poderia modelar o seu caráter foram discutidos por distintas autoridades, como políticos, médicos, higienistas, eugenistas, sanitaristas e pedagogos nas primeiras décadas do século 20, período em que se articulou um sistema nacional de ensino no País. O objetivo dessas polêmicas, à época, era evitar que a sociedade se “corrompesse” e se “degenerasse” devido à disseminação de vícios e comportamentos considerados “impróprios”. Acreditava-se, então, que o País se encontrava em situação de calamidade pública e haveria o risco de a espécie se “corromper” devido à falta de instrução, às péssimas condições sanitárias e à disseminação de vícios e doenças. Nesse jogo de forças, em que se buscava a legitimação de ideias no campo da educação, duas correntes de pensamento se destacaram: os apologistas da hereditariedade biológica e os adeptos do determinismo sociocultural.

Os debates não se restringiram à necessidade de educar uma parcela da sociedade ou uma região específica, e sim todo o território nacional. Para tanto, de acordo com o médico e eugenista Renato Kehl, o Brasil necessitaria de um plano de ensino que abarcasse sistematicamente a eugenia5, o higienismo e o sanitarismo (Kehl, 1929a). Foi com esse intuito que se debateu sobre como deveriam ser estabelecidos os processos de educação e de moralização por intermédio da escola.

Articulando presente e passado, percebe-se que tais práticas discursivas se mantêm e se reconfiguram na atualidade de outras maneiras. Sendo assim, nosso objetivo é investigar como os discursos que transitavam entre a hereditariedade biológica e a influência do meio pautaram as propostas pedagógicas nas primeiras décadas do século 20, tendo por cenário a I Conferência Nacional de Educação (I CNE), em 1927.6

Independentemente do viés, se biogenético ou antropossociológico, antes mesmo de se pensar a formação moral dos indivíduos se debateu sobre quais seriam os meios utilizados para moralizá-los. Nesse processo indagava-se se o desenvolvimento do caráter seria intrínseco à natureza ou fruto do meio social ao qual estariam expostos os indivíduos. Portanto, antes de planejar o modelo de escola que deveria formar esses sujeitos - física, cognitiva e moralmente -, levou-se em consideração o tipo étnico-racial e social dos alunos que iriam frequentá-la. Isso porque, ao traçar esse diagnóstico, se pensaria no ensino mais adequado para atender às necessidades desses sujeitos, de acordo com o que a sociedade e as autoridades esperavam deles.

Este estudo foi dividido em quatro partes. Na primeira parte, problematizamos o contexto educacional das primeiras décadas do século 20, em que foram pensadas e debatidas distintas proposições sobre a formação moral. Na segunda parte, analisamos os debates sobre a suposta hereditariedade biológica do caráter e da conduta do indivíduo de acordo com as teorias eugênicas. Em seguida, investigamos as teorias higienistas que ofereciam contraponto às propostas eugênicas, destacando a influência do meio sociocultural como fator de modelação de hábitos e de condutas tanto individuais quanto sociais. Por fim, na quarta parte, retornamos ao presente, no intuito de demonstrar como os debates sobre a formação moral e o determinismo biológico ressoam de outros modos na atualidade, transitando entre o ideário progressista cosmopolita e o viés liberal-conservador.

O contexto educacional brasileiro nas primeiras décadas do século 20

A seleção da I Conferência Nacional de Educação, realizada em Curitiba, no ano de 1927, como materialidade investigativa se justifica pelo fato de que foi nessa conferência que, pela primeira vez, ampliou-se a discussão sobre educação para o nível nacional. Somado a isso, também utilizamos alguns excertos do Manifesto dos Pioneiros (1932), bem como outros materiais de época, no intuito de expandir as análises sobre educação e formação moral.

Para melhor entender esse período é necessário observar o contexto no qual a Associação Brasileira de Educação (ABE), organizadora do evento e principal referência na época, desenvolveu-se. As primeiras décadas do século 20 ficaram marcadas pela estruturação nacional do ensino público. Nessa conjuntura, o espírito modernista e progressista que influenciou a Semana de Arte Moderna, em 1922, em São Paulo, também se fez presente no campo pedagógico. Em celebração ao centenário da independência, o Ministério da Justiça promoveu diversas conferências estaduais e municipais sobre educação, com o objetivo de promover discussões sobre a estruturação do ensino público no País. No ano de 1923, foi fundada a ABE. Composta inicialmente por profissionais não vinculados diretamente ao campo educacional como advogados, médicos, sanitaristas, eugenistas, higienistas e engenheiros, independentemente da área de atuação, a ABE esforçou-se para reunir todos os intelectuais e profissionais interessados na sistematização pedagógica do ensino público brasileiro.

Conforme apontam Abreu Júnior e Carvalho (2012b), intelectuais de renome como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Belisário Penna, Afrânio Peixoto e Manoel Bonfim, entre outros, assumiram para si a responsabilidade de estruturar as políticas pedagógicas no País. Dentre os temas presentes no âmbito da ABE que reverberaram na I CNE, destacam-se a homogeneização cultural, a moralização dos costumes e a educação para o trabalho. O ano escolhido para a realização do evento foi o de 1927, para marcar o centenário da primeira lei sobre educação no País - a Lei de 15 de outubro de 1827, conhecida como “Lei das Primeiras Letras”. De acordo com Nestor dos Santos Lima:

Em todo caso, se a tentativa esboçada na lei de 15 de outubro de 1827, cujo centenário agora celebramos, quando despertava mais ou menos esclarecida a nossa consciência de povo organizado, não chegou a produzir seus benéficos efeitos, criando o magistério nacional, uno, garantido e solidário, foi porque os anseios e as necessidades federalistas do povo brasileiro, consubstanciados no ato adicional de 12 de agosto de 1834, vieram arredar e entravar esse movimento que poderia ser hoje vitorioso para o bem da grande pátria comum. (Lima, 1997, p. 311).

O insucesso da Lei de 1827 era notório, uma vez que o baixo investimento em educação promoveu uma escola restrita à parcela seleta e elitizada da sociedade, não atingindo seus fins - o acesso universal de todos os brasileiros à escola elementar. No início do século 20, a educação permanecia precária e inacessível a grande parte da população, o que, segundo os conferencistas, seria um dos principais problemas a serem enfrentados. Havia o pensamento de que o atraso social da Nação estaria atrelado ao fracasso do País em proporcionar educação a seus cidadãos. Diante desses fatos, organizou-se um evento que deveria debater amplamente, nas mais distintas áreas, as falhas da educação brasileira e os caminhos para transformá-la.

Nesse início de século 20, o País se tornava cada vez mais urbanizado e industrializado, e os ventos da modernidade sopravam as esperanças de um futuro melhor, de uma nação menos atrasada, arcaica e oligárquica, mais politizada e disposta a realizar as mudanças socioculturais que a levariam a igualar-se às nações europeias e aos Estados Unidos da América (EUA). Para tanto, seria de suma importância que o brasileiro do século 20 fosse educado, civilizado e moralizado (Ferreira, 2006); somente assim a Nação seria liberta das amarras retrógradas do antigo sistema sociopolítico.

A necessidade de ampliação da oferta do ensino público norteou os debates sobre a estruturação de uma educação pública que abrangesse todo o território nacional, o que já vinha sendo realizado em algumas regiões do País por meio das reformas estaduais de ensino. Dentre essas reformas de caráter regional, destacam-se: a de Lourenço Filho, no Ceará (1923); de Anísio Teixeira, na Bahia (1925); de Sampaio Dória, em São Paulo (1920); e de Francisco Campo, em Minas Gerais (1927). Apesar de sua abrangência local e de seu escopo limitado, essas reformas serviram como fonte de inspiração para a organização de um sistema de ensino público nacional.

A industrialização brasileira exigia das autoridades competentes uma formação para o trabalho que fosse capaz de se incorporar à atividade laboral de todos os brasileiros, independentemente de origem ou classe social (Xavier, 1997; Magalhães, 1997). Foi com esse ímpeto modernizador que os organizadores da I CNE dividiram-na em quatro eixos temáticos, que deveriam ser debatidos e trabalhados de modo transversal nas diferentes teses apresentadas durante a conferência:

1. A Unidade Nacional, pela cultura literária, pela cultura cívica e pela cultura moral. 2. A uniformização do Ensino Primário nas suas ideias capitais, mantida a liberdade de programas. 3. A criação de Escolas Normais Superiores em diferentes pontos do País para o preparo pedagógico. 4. A organização dos quadros nacionais, corporações de aperfeiçoamento técnico, científico e literário (Ferreira, 2006, p. 79).

Os temas relativos à melhoria do ensino, à validação do diploma dos professores, à expansão de escolas e à obrigatoriedade da educação para crianças entre 8 e 11 anos de idade também estiveram em pauta durante a conferência. O País almejava o progresso e, para que esse anseio se concretizasse, seria necessário que a escola viesse a moldar os indivíduos conforme as aspirações nacionais da época, cuja intenção era fortalecer fisicamente o corpo, moralizar os hábitos e as condutas, e desenvolver o intelecto.

Determinismo biológico e ancestralidade do caráter nas propostas pedagógicas do início do século 20

O processo de modernização que o Brasil vivenciava nas primeiras décadas do século 20, com a constituição de aglomerados urbanos totalmente desprovidos de infraestrutura e condições sanitárias mínimas, trouxe consigo o aumento no número de casos de pessoas acometidas por doenças como tuberculose, febre amarela, chagas, malária e sífilis. Às más condições de moradia, de saneamento e de trabalho também eram atribuídos “vícios” como o alcoolismo. Conforme o pensamento das autoridades médicas, essa catástrofe anunciada ocorria em grande parte devido ao baixo grau de instrução do brasileiro, uma vez que, em um país arcaico e semicolonial como o Brasil, poucos dispunham do conhecimento necessário para prevenir riscos, evitando maus hábitos que conduzem às doenças e aos vícios.

Na I CNE, portanto, concomitantemente aos debates sobre a estruturação de um sistema nacional de ensino, discutia-se o tipo de indivíduo que deveria ser forjado moralmente por meio da educação. Nesse ato de pensar, a priori, que sujeito se pretendia produzir por meio da ação educativa, discutiu-se também sobre o planejamento pedagógico, precisamente sobre se a educação daria conta desse propósito tendo em vista os casos de sujeitos que estariam supostamente em situação de degenerescência em razão de fatores congênitos ou de maus hábitos adquiridos. Sendo assim, as teorias alicerçadas na eugenia e no higienismo moldaram o pensamento intelectual da época sobre a viabilidade social desses indivíduos.

Se o objetivo das autoridades na época era o de aprimorar a sociedade por meio da eugenia e da higiene, um ensino que forjasse o indivíduo em tais preceitos se faria necessário, ideia que permeou, de diferentes modos, os discursos de uma parcela dos conferencistas presentes na I CNE. Dentre os principais apologistas da eugenia que participaram do evento, destacam-se Belisário Penna e Renato Kehl. Para Penna (1997), a missão desses homens instruídos seria a de popularizar a educação eugênica e higiênica a fim de se desenvolver uma consciência nos indivíduos acerca dos perigos de uma vida “disgênica”.

Antes, a educação teria de lidar com os ditames da natureza, uma vez que, conforme defendia Maria Luisa da Motta Cunha Freire, o psiquismo humano já traria em si uma herança atávica, responsável por moldar moralmente sua descendência (Freire, 1997). Em sua opinião, o comportamento humano seria hereditário e os traços dessa conduta estariam gravados em sua gênese biológica:

[...] conjunto complexo de nossas tendências e inclinações inatas - patrimônio em grande parte legado por nossos antepassados - constitui o nosso “caráter psicológico”, que os entendidos na matéria têm classificado e subdividido em numerosos "tipos". É o que mais correntemente chamamos “o temperamento individual” (Freire, 1997, p. 410).

Nessa perspectiva, Manoel Pedro de Macedo entendia que o atavismo seria inerente à conduta humana (Macedo, 1997). As “boas” ou as “más” ações seriam resultado de inclinações ditadas pela própria natureza, e não produto da ação livre do indivíduo. Ao observarmos alguns termos presentes nesses discursos, tais como “atavismo”, “hereditariedade” e “taras hereditárias”, percebe-se claramente que elementos pertinentes a outras áreas do saber, como no caso da própria eugenia, gradativamente permearam o campo da educação. Contudo, Macedo (1997), mesmo ao reconhecer a carga atávica presente na constituição biológica do indivíduo, não descartou a ação do meio na formação desse sujeito. Para tanto, seria necessário instituir uma educação moralizadora, que se fundamentaria na imagem do professor e em sua relação com o educando7, em suma: “[...] a prática da moral a partir de seu próprio exemplo, e não com verbalismos.” (Müller; Alencar, 2012, p. 457).

O risco maior que a educação moralizadora visava prevenir era o da “degeneração” da sociedade e da própria espécie, como alertava o sanitarista e eugenista Belisário Penna:

Se mais de 90% dos brasileiros não sabem ou não têm suficientemente educadas a inteligência e a vontade para defender e melhorar incessantemente a própria vida, é evidente que não contribuem para a defesa e melhoramento da vida da família, da sociedade e da espécie. (Penna, 1997, p. 30).

No tocante aos vícios e aos comportamentos condenados, como o alcoolismo, entendido como algo por natureza imoral e degenerado, uma parcela do corpo médico supunha que o vício teria uma origem congênita, o que culminaria na degradação progressiva de seus descendentes (Maciel, 1927). De acordo com o ideário da época, conforme a ancestralidade do progenitor, a prole seria igualmente alcoólatra e/ou criminosa (Ribas, 1927, p. 45-46). Para Azevedo (1920, p. 46), essa hereditariedade da “disgenia” alcoólica seria definida como “heredo-alcoolismo”, fruto da “degeneração” moral que acometia a sociedade brasileira.

O determinismo biológico dos eugenistas, portanto, encontrava força em argumentos inspirados nas teorias da hereditariedade que circulavam nesse período, como o mendelismo e o lamarckismo (Mayr, 1982). Para melhor explicar essa questão, é preciso compreender como o discurso médico-eugênico brasileiro propagou, no meio pedagógico, suas ideias sobre a “boa” herança biológica ou atavismo. Segundo Renato Kehl, o “bem-nascido” seria o “[...] indivíduo dotado de saúde, vigor, robustez e que apresentasse uma compleição physica e psychica normaes.” (Kehl, 1923, p. 26). Dentre os atributos desejáveis para a definição de um indivíduo eugenizado, destacam-se os dotes físicos, morais e intelectuais (Kehl, 1923). Sendo assim, sob a perspectiva dos eugenistas, supunha-se que a “[...] educação eugênica é imprescindível para o progresso biológico, moral e social dos homens, devendo figurar, obrigatoriamente, no programma dos cursos gymnasiais e normaes, como matéria à parte ou, não sendo possível, como parte da história natural ou da hygiene.” (Kehl, 1931, p. 5).

No entanto, para os apologistas da linha dura eugênica, havia o entendimento de que não valeria a pena tentar educar os indivíduos “disgênicos” e portadores de atavismos crônicos e “taras hereditárias”. Nesses casos, a educação não apresentaria os resultados desejados, sendo “ineficaz” e até mesmo um investimento “inútil” (Kehl, 1929b; Domingues, 1929). Antes de educar os indivíduos, far-se-ia necessário eugenizar a “raça” brasileira por meio de “casamentos felizes”, entre indivíduos caucásicos e dotados de “boa constituição biológica”.

Para os eugenistas mais radicais, a mestiçagem e a “raça inferior” (negros, mulatos e índios) seriam os principais causadores da “degeneração” biossocial e moral do brasileiro. Na visão dos defensores da eugenia dura8, a miscigenação, que caracteriza e singulariza o País, era considerada culpada por seu atraso socioeconômico diante de outras nações mais desenvolvidas, como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, dotados de “melhores” espécimes humanos, ou seja, indivíduos “eugenizados”. Nas palavras do médico Renato Kehl:

O mestiço brasileiro de branco e preto (mulatos), são, na maioria, elementos feios e fracos, apresentando com frequência, os vícios dos seus ancestrais. De grande instabilidade de caráter constituem, pois, elementos perturbadores do progresso nacional, sob o ponto de vista étnico e social. (Kehl, 1933, p. 13).

No entanto, os debates que pressupunham a condição “imutável” desses sujeitos, compreendidos como “degenerados”, não configuravam um consenso sequer entre os próprios eugenistas. Se para uma parcela dos apologistas da linha dura eugênica a educação seria “ineficaz”, para os adeptos da eugenia “suave” (Stepan, 2005, p. 79), como o zootecnista e eugenista moderado Octavio Domingues, o ato de “[...] educar não é só alfabetizar. É despertar a máquina humana para a produção, de acordo com as suas tendências inatas. É fazer o homem adquirir hábitos sociais proveitosos, em detrimento dos maus hábitos, que fatalmente adquiriria, dadas as possíveis tendências hereditárias.” (Domingues, 1929, p. 132-133).

Em um país mestiço e recém-saído do regime escravista, não se podia dispensar mão de obra útil e, portanto, os sujeitos classificados como “disgênicos” teriam o seu lugar porque seriam essenciais na cadeia produtiva, embora em uma posição subordinada. Segundo Abreu Júnior e Carvalho (2012b, p. 72): “[...] seu destino era o de serem úteis à pátria de acordo com suas ‘aptidões’, provavelmente, para realizar trabalhos braçais, obedecer às normas cívicas, morais e religiosas e estar desinteressados de qualquer pretensão de ascensão social.”.

Mesmo com o pressuposto de que as aptidões seriam inatas, por conseguinte, definidas pela herança biológica, ainda assim essa tomada de posição não significaria a exclusão dos sujeitos considerados “disgênicos” do processo educativo. A educação não teria em si a capacidade de eugenizar, porque nessa perspectiva caberia ao ensino a missão de moralizar os hábitos e de direcionar os indivíduos ao trabalho conforme suas “tendências” congênitas. Referente à educação dos indivíduos “degenerados”, Domingues (1929, p. 132-133) argumenta que “[...] se a educação, não tem o privilégio de mudar as más heranças em boas, tem essa tríplice função de controlar as tendências inatas do indivíduo, de tornar mais eficazes todos os humanos, bons ou maus hereditariamente, salvo os tipos geneticamente patológicos.”.

Além do preparo para o trabalho, a educação teria também a finalidade de alertar os indivíduos, sobretudo os jovens, a respeito dos riscos biológicos contidos nos vícios, nas doenças venéreas e nos demais hábitos que poderiam acarretar dano permanente ao genótipo. A constituição biológica, uma vez danificada, os tornaria “inaptos” para o trabalho e colocaria sob risco os indivíduos já eugenizados. Sob a perspectiva eugênica, os “prejuízos” causados pela falta de conscientização acerca dos benefícios da eugenia seriam de ordem individual, social e econômica. A importância de uma educação moral que abarcasse a educação sexual e a orientação matrimonial teria, assim, o intuito de salvaguardar a integridade do patrimônio biológico humano. Nas palavras de Kehl (1930, p. 2):

Não é por simples meios legaes e educativos e nem sempre por processos correctivos, que se obtêm typos fortes, bellos e moralizados de homem, - mas sim, pelos fructos de uniões matrimoniaes entre individuos sadios, portadores, portanto, de sementes eugenizadas e em seguida pela protecção pré-natal dos mesmos.

Na perspectiva eugênica suave ou moderada, portanto, a educação seria sobretudo conscientizadora, um instrumento auxiliar no aprimoramento da humanidade. No entanto, havia também uma linha vermelha no argumento, que demarcava a distância entre o normal e o patológico, entre aqueles que eram suscetíveis à ação educacional moralizadora e eugenizadora e aqueles que deveriam ser encarcerados em instituições fechadas por representarem risco ao corpo social. O ensino não seria capaz de promover a plena autonomia de indivíduos cuja “degeneração” trouxesse risco aos demais membros da sociedade. A proliferação de leprosários e de institutos manicomiais no Brasil tinha por propósito retirar do convívio social os sujeitos considerados indesejáveis - alcoólatras, sifilíticos, criminosos, prostitutas, mães solteiras, indigentes, mendigos, vadios, negros e homossexuais (Arbex, 2013, p. 26).

Assim, nas primeiras décadas do século 20, a preocupação maior das autoridades brasileiras era a de aprimorar o indivíduo e com isso fortalecer o corpo social para o trabalho, algo considerado necessário diante dos planos de desenvolvimento socioeconômico para o País. Por meio de exercícios físicos, se educaria o corpo, e, mediante um ensino calcado em “bons hábitos”, se desenvolveria a moralidade. Dessa forma, valores como disciplina, obediência e respeito à hierarquia seriam as bases para essa nova sociedade que florescia. Nesse sentido, a escola era vista como um operador na disseminação dessas práticas, que teriam por finalidade a melhoria biossocial da população brasileira (Abreu Júnior; Carvalho, 2012a; Rocha, 2003).

O meio como fator de influência na formação moral do indivíduo

No que tange à hereditariedade biológica da moralidade e da conduta, sob a perspectiva antropossociológica, os fatores de “degeneração” biossocial seriam atribuídos ao meio e não à herança biológica. Os adeptos dessa opinião se distinguiam dos eugenistas e das ideias que estes defendiam, e faziam contraponto ao seu determinismo biológico.

Em oposição ao discurso biologicista e eugenista, o antropólogo brasileiro Edgar Roquette-Pinto (1933) entendia que somente os indivíduos cujas influências “degenerativas” fossem patentes e inegáveis não seriam plenamente educáveis. Logo, ele descartava a “raça” como sendo um fator de morbidez moral e a hereditariedade dos vícios e das demais “taras” e “imoralidades”. Nesse sentido, não seria necessário o extermínio dos indivíduos “disgênicos”, porque “a anthropologia prova que o homem, no Brasil, precisa ser educado e não substituído.” (Roquette-Pinto, 1929, p. 147, grifos do autor). Em consonância com Roquette-Pinto, Fonseca (1929, p. 79) argumentava que “[...] como o têm reconhecido todos os grandes espíritos que têm procurado pôr em equação o nosso futuro, o problema fundamental é o da educação em geral e o da hygiene em especial.” De acordo com Schvarzman (2004, p. 97), Roquette-Pinto:

[...] não acredita na transmissão hereditária de caracteres adquiridos nem vê nos cruzamentos entre brancos e negros fator de degeneração da raça. Como presidente do I Congresso Brasileiro de Eugenia em 1929, opôs-se ao viés racista de Kehl, advogado paulista, fundador da Sociedade Eugênica de São Paulo.

Diante disso, a educabilidade essencial de todo ser humano seria sobreposta em importância à segmentação da humanidade por meio do conceito de raça (Hochman; Lima; Maio, 2010; Levine, 2017). Educar seria a prioridade intervindo sobre o meio, e não sobre a hereditariedade humana. Roquette-Pinto não via a mestiçagem como o grande mal do Brasil; contudo, para ele, o processo educativo deveria ser realizado à luz do higienismo (Roquette-Pinto, 1933, p. 23). Recorrendo às teorias da hereditariedade em voga, ele acreditava que o germinoplasma (atavismo) seria o responsável pelas características biológicas hereditárias, ao passo que o somatoplasma viria a ser a modificação do corpo em vida, não transmissível aos descendentes (Maio; Santos, 2010; Roquette-Pinto, 1933). Os bons hábitos, os exercícios físicos e os cuidados com a alimentação somariam benefícios à saúde, tornando os indivíduos longevos e produtivos. Mesmo seguindo essas prescrições, no entanto, não estaria garantida a eugenização do indivíduo, tampouco de sua prole. Estando o genoma danificado, tais perícias de pouco adiantariam no processo de “regeneração” biológica, daí a importância da educação como conscientizadora dos riscos sobre a “degenerescência”. Em sua opinião, os “degenerados”, vítimas de males congênitos ou adquiridos (como as pessoas acometidas em vida pela sífilis, por exemplo), deveriam abdicar voluntariamente da procriação, porém sempre pelo ensino e pela persuasão, nunca pela violência repressiva (Roquette-Pinto, 1933).

A confluência entre diferentes teorias fomentou o entendimento sobre a importância da educação e do ambiente na formação moral do indivíduo. Não se tratava de aderir ao neolamarckismo, teoria da hereditariedade já considerada ultrapassada, mas de reconhecer que o social exerceria um papel importante e considerável nesse processo. A modelagem do comportamento e do caráter humano passaria necessária e invariavelmente pela escola.

Conforme define Lobo (2008), as influências externas deveriam se sobrepor às medidas eugenizadoras, pois o meio, e não a constituição biológica, seria o principal fator determinante na formação humana. Seguindo essa linha de raciocínio, Prado (1997) se contrapôs à hereditariedade da conduta do indivíduo, mais precisamente da conduta moral. Em seu entendimento, os argumentos em prol do determinismo biológico não passariam de falácias.

Houve tempo em que os pedagogos, baseados nas teorias de Wallace e Darwin, julgavam que as faculdades mentais da criança eram transmitidas por seus ascendentes. Era um ponto de vista falso que, felizmente, já vai desaparecendo do domínio da ciência moderna. O indivíduo pode ser uma resultante do meio sob o aspecto social, mas nunca um herdeiro intelectual por lei atávica. Vejamos: os métodos mais modernos ou sistemas pedagógicos para instruir crianças anormais ou retardadas têm surtido para o educador moderno o melhor resultado (Prado, 1997, p. 103).

Corroborando essa perspectiva, Angelis (1997) se atentou para a necessidade de planejar o ensino observando a criança como parte de um todo, pois a educação, quando deslocada do meio social, resultaria em fracasso. O educando vive em sociedade e esta o molda; consequentemente, em uma ação reflexiva, o indivíduo moldaria a sociedade. Essa simbiose social, em que o homem e o meio seriam forjados em uma espécie de colônia humana, não se daria de maneira natural. Os princípios morais deveriam ser considerados a partir da inserção do indivíduo em sociedade. Os sujeitos que não se adequassem às regras morais vigentes deveriam ser normalizados por meio de processos educativos cujo intuito era o bom convívio em comunidade.

Sendo o objetivo principal da educação a conscientização dos indivíduos, conforme analisamos, modificar-se-ia a conduta mediante uma educação balizada por preceitos higiênicos. Assim, “[...] as deformidades físicas e mentais causadas pelas doenças endêmicas, o bócio, ao lado das endemias de leishmaniose, tuberculose, sífilis, disenterias, ancilostomíase, malária, febre amarela [...]” (Monarcha, 2009, p. 93) e demais males “degenerativos” poderiam ser evitados, salvando tanto o indivíduo quanto o corpo social.

O alcoolismo, por exemplo, não seria resultado da hereditariedade, e sim do meio malsão e corrompido ao qual o indivíduo estaria exposto desde o nascimento. O vício não comprometeria sua gênese, porque a mácula patológica não seria hereditária, conforme defendiam os eugenistas radicais e os demais adeptos do determinismo biológico. Sob esse prisma, a educação seria o instrumento essencial e necessário, e não apenas auxiliar no processo de formação física, cognitiva e moral dos indivíduos. Muitos intelectuais na época entendiam que modelar a nação sob o ponto de vista eugênico “radical” - eliminar sujeitos mediante critérios como “raça” e constituição biológica - não era o cerne da questão, o que não significaria descartar por completo alguns dos preceitos eugênicos que eram compartilhados pelos higienistas. O problema do País seria de ordem da higiene e do sanitarismo, ou seja, da intervenção do poder público no meio. Solucionando esses problemas, o Brasil desenvolveria as condições necessárias para o pleno progresso que tanto se almejava.

Uma vez que os desníveis culturais tendiam a reverberar nas disparidades sociais, o dilema da educação e também da política consistia em equilibrar e compensar essas desigualdades (Calvino, 2009). Esse pensamento está em consonância com o que apregoava Roquette-Pinto (1931, 1933), porque a inferiorização e o insucesso social de determinados grupos étnico-raciais seriam de ordem sociocultural e não biológico-racial.

A formação moral entre o progressismo cosmopolita e o liberal-conservadorismo

Na disputa pela definição do caminho do Brasil para a superação de seu arcaísmo e de seu atraso histórico, a perspectiva antropossociológica de Roquette-Pinto e dos sanitaristas venceu a visão eugênica e racista de Renato Kehl e da linha dura do eugenismo. A linha de Kehl sempre foi minoritária, mesmo dentro do próprio movimento eugênico, e jamais teve influência suficiente para implementar no País políticas de eugenia negativa como a esterilização forçada e o teste pré-nupcial obrigatório, como ocorreu em diversos países europeus, nos EUA e no Canadá (Proctor, 1988; Kevles, 1985; Black, 2003). Além disso, já no contexto do pós-guerra, na medida em que o pensamento eugênico passou a ser associado às atrocidades cometidas pelos nazistas, a eugenia e com ela o próprio determinismo biológico tenderam a ser abandonados pelas autoridades e pela comunidade científica. No campo educacional, a ideia da educabilidade como traço essencial e básico do ser humano se impôs na definição da formação moral que deveria ser ministrada nas escolas. Em todos os países que adotaram as pedagogias progressistas, orientadas no plano teórico pela Psicologia do Desenvolvimento e pelas Ciências Sociais, a ação saneadora, moralizadora e educadora do poder público se sobrepôs às propostas de intervenção na hereditariedade humana. No Brasil, apesar de um “flerte” inicial de alguns de seus membros com ideias eugênicas (Monarcha, 2009), o movimento Escola Nova adotou a perspectiva antropossociológica associada a Roquette-Pinto.

O escolanovismo brasileiro sofreu forte influência de pensadores da linha progressista, sobretudo dos Estados Unidos. Para o filósofo e educador estadunidense John Dewey, um dos maiores expoentes dessa corrente pedagógica, a cultura é um corpo de crenças normativas e reguladoras (chamadas por ele de common sense) que determinam a conduta humana e o uso que fazemos da linguagem. O processo educacional consistiria em conduzir o educando do senso comum, ou seja, dos hábitos culturais em que se encontra imerso, ao conhecimento fundamentado nas ciências empíricas e na experiência. Ao lado dessa função epistemológica da educação, a formação do caráter numa sociedade democrática deveria figurar como um objetivo amplo da disciplina e da instrução escolar, pois o desenvolvimento do intelecto e do caráter devem ser vistos como processos complementares e indissociáveis (Dewey, 2007).

Para esse autor, o caráter reflete o interior do indivíduo, ao passo que a conduta remete ao lado exterior de suas ações (Dewey, 2007). Retomando o conceito de autonomia moral da razão prática kantiana, Dewey afirma que a vontade constitui unicamente o bem moral, a “[...] corporificação da razão.” (Dewey, 2007, p. 114). Porém, diferentemente de Kant, para Dewey os valores éticos não podem ser definidos, a priori, pois são condicionados pelo seu uso social em situações específicas. Mesmo apoiando o papel diretor e condutor do professor, para o pragmatismo deweyano a ação educativa só é possível indiretamente por meio do ambiente. No caso da formação do caráter, o importante seria estimular atitudes como concentração, compromisso, reflexão, senso de propósito, persistência e autocontrole por meio de experiências colaborativas e educativas em que os educandos sejam conduzidos a cooperar e mobilizar suas energias para promover objetivos comuns. A moralidade social e individual está no centro do pensamento de Dewey sobre a democracia, que dependeria da formação de cidadãos ativos, participativos e aptos a cooperar para o bem comum.

Como Dewey, o pensamento social e educacional progressista rejeitou valores absolutos e a religião como base para o juízo ético e a formação do caráter, o que incomodou os círculos conservadores. No contexto das chamadas “guerras culturais”, que dividiram a opinião pública nos Estados Unidos a partir dos anos 1980, Dewey e a pedagogia progressista foram acusados pelos críticos conservadores de serem os responsáveis pela suposta “crise de caráter” que estaria assolando o país, com a disseminação da violência, do bullying e do comportamento antissocial nas escolas e na sociedade (White, 2015).

O choque dos conservadores com a onda de mudança de costumes e a revolução dos comportamentos entre os jovens dos anos 1960 e 1970 os levou a defender uma agenda religiosa fundamentalista para a educação e a atacar o ensino público e laico como causa de todos os males sociais. Mas os fantasmas do determinismo biológico e do racismo científico também foram ressuscitados para explicar a crise. Um exemplo é o livro A curva de Bell, publicado na década de 1990, por Richard Herrnstein e Charles Murray. Os autores afirmaram que a inteligência era determinada por fatores hereditários e que o quociente de inteligência (QI) médio dos norte-americanos estaria declinando devido à tendência de as pessoas mais inteligentes terem menos filhos do que as menos inteligentes (como habitantes de comunidades pobres, em geral, negros e imigrantes de países latino-americanos). Para prevenir uma catástrofe econômica e social, Herrnstein e Murray (1994) defenderam a supressão de benefícios sociais voltados aos pobres, restrições à imigração e estímulos fiscais para que os mais inteligentes e afluentes tivessem mais filhos. Era o retorno das receitas eugênicas, que ofereciam aos conservadores razões científicas para atacar as políticas distributivas dos progressistas e legitimar valores como hierarquia, pátria e supremacia racial.

No Brasil, a onda conservadora que se iniciou com as manifestações de 2013, mas que tem raízes no autoritarismo e no racismo estrutural presentes na história do País (Schwarcz, 2019), inspirou-se no conservadorismo norte-americano, que influenciou a opinião pública brasileira por diferentes canais, em particular as igrejas neopentecostais (Almeida, 2019), think tanks ultraliberais, como o Instituto Milenium e o Instituto Mises (Alonso, 2019), além de sites, fóruns e comunidades na internet, que alimentam a “guerra cultural”, utilizando as redes sociais para disseminarem suas mensagens (Dunker, 2019). Aliando uma agenda econômica ultraliberal e uma agenda de costumes ultraconservadora, a nova direita também ressuscitou no País os fantasmas do determinismo biológico, com sugestões de esterilização forçada de mulheres pobres, extermínio extrajudicial como solução para o problema da criminalidade urbana e supressão da assistência do Estado para populações vulneráveis.9

As escolas e universidades públicas foram eleitas como alvo privilegiado da “guerra cultural” promovida pelo movimento Escola sem Partido, que acusa os docentes de doutrinação ideológica e defende a adoção de medidas anticonstitucionais para limitar a liberdade de ensinar e aprender por meio da vigilância, da denúncia e da perseguição dos professores (Louzano; Moriconi, 2019). No ataque à escola básica, nega-se o caráter laico do ensino, a pluralidade social e a legitimidade da ciência em nome do fundamentalismo religioso e autoritário, que defende o retorno da educação moral e cívica como base para doutrinar crianças e jovens no credo ultraconservador.

Considerações finais

Como constatamos, o tema da moralização dos costumes retorna periodicamente à agenda das políticas públicas brasileiras. A onda conservadora, que se disseminou e ganhou parcela significativa da opinião pública em 2010, conseguiu recolocar o clamor pela moralização no topo das discussões, posicionando em segundo ou terceiro plano os problemas estruturais da sociedade brasileira, como as desigualdades (sociais, de raça, de gênero e regionais) e o conflito distributivo. A semelhança com as discussões que ocorreram nas primeiras décadas do século 20 saltam aos olhos. No período da Primeira República, o medo da degeneração do corpo social em razão da disseminação de doenças e vícios mobilizou os intelectuais e a sociedade em torno da formação moral e da modelagem das condutas. Nesta segunda década do século 21, o clamor público contra a corrupção política e o temor das novas demandas sociais e da pluralidade cultural têm causado um pânico moral que impulsiona a máquina conservadora.

Como demonstramos neste estudo, a educação moral não é um tema que ficou relegado ao passado. No contexto da “guerra cultural” promovida pelas forças conservadoras, o campo da moralidade se tornou uma arena em que se batem diferentes projetos políticos e por meio da qual se projetam contradições e tensões sociais antes latentes. Se, no início do século 20, a moral esteve relacionada às questões que envolviam o controle de hábitos e atitudes para construir um corpo social saudável e “civilizado” para uma nação que começava a se urbanizar e se industrializar, hoje ela se tornou palco de uma disputa de valores e concepções de mundo inconciliáveis. De um lado, no campo progressista (considerando todo o gradiente ideológico que vai da esquerda socialista ao socioliberalismo), a ênfase recai sobre a instituição de valores morais que primam pelo respeito à diversidade sociocultural, à autonomia e ao pensamento crítico. De outro lado, no campo conservador, defende-se uma educação a princípio moralizadora, que visa paralisar o processo de transformação social e cultural, instituindo um dogmatismo religioso e fundamentalista calcado em valores como pátria, família, hierarquia e autoridade. Junto com esse ideário, retornam os fantasmas do determinismo biogenético que pensávamos sepultados no passado.

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*Agradecemos ao apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), bem como à Profa. Dra. Maura Corcini Lopes pela colaboração no desenvolvimento e na sistematização deste estudo.

1O deputado Raimundo Ribeiro (Partido Popular Socialista - PPS), autor do projeto na Câmara Legislativa do DF, defendeu-o afirmando que seu objetivo não seria “adestrar nem catequizar”, mas “promover o fortalecimento do caráter” e o “preparo do cidadão para o exercício das atividades cívicas, com fundamento moral no patriotismo e na ação construtiva, visando o bem comum” (Taves, 2018).

2Para um estudo mais detalhado acerca do currículo e da educação moral que contrapõem o período militar com a atualidade, sugerimos a leitura de Oliveira (2001) e Georgen (2005).

3“Valores: critérios para decidir o que, na conduta humana, é bom e o que é mau, o que é desejável e o que é indesejável. Reunidos, esses critérios formam a ‘moral’.” (Silva, 2002, p. 42).

4Neste estudo, optamos por não fazer diferenciações rígidas entre moral, moralidade e moralismo. Com base em uma postura relativista e interpretativa, própria do campo de estudos pós-estruturalistas, tratamos a moral e outros conceitos correlacionados como um campo de problematização, no qual estão em questão jogos de interesses e relações de poder. Nesse sentido, é muito mais relevante para o estudo o significado e o uso que esses termos têm nas práticas discursivas historicamente situadas dos agentes do que alguma definição apriorística do que seria o domínio da moralidade.

5No ano de 1875, o matemático, antropólogo e estatístico britânico, Francis Galton, criou o termo “eugenia” - “O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente.” (Galton, 1875 apudGoldim, 1998). De acordo com a professora Guacira Lopes Louro, define-se a eugenia como: “Nos anos antecedentes à I Guerra Mundial, estava em voga a eugenia, a procriação planejada dos melhores indivíduos. Embora nunca dominante, ela teve influência significativa em alguns países, na modelação de políticas de bem-estar e na tentativa de reordenar as prioridades nacionais em face da competição internacional. Ela também alimentou um racismo florescente nos anos entreguerras, visto que os políticos temiam a degradação da população, possibilitando o domínio das ‘raças inferiores’.” (Louro, 2000, p. 53).

6Para um estudo detalhado referente ao discurso médico-eugênico presente na I CNE (1927), sugerimos a leitura de Alves e Pizolati (2019).

7Essa concepção do professor como exemplo a ser imitado permaneceu em algumas correntes educacionais recentes. Corroborando a opinião de Macedo, a imitação ou “memética” (Blackmore, 1999) seria o cerne do processo formativo, algo já enaltecido pelo discípulo de John Dewey, Kilpatrick (1978), para quem o mestre deveria se constituir como um parâmetro moral para o educando. Atualmente, conforme os documentos educacionais, a ação moralizadora não se dá mais pela exemplificação, e sim pela inspiração. O aluno terá no professor uma fonte inspiradora, e não um exemplo tácito a ser seguido. Assim, mantêm-se as características do indivíduo, aquilo que o torna único, e não uma réplica moral do docente conforme outrora.

8Entende-se como práticas eugênicas radicais a esterilização dos indivíduos considerados “inaptos”, o estabelecimento de exames pré-nupciais e a reclusão compulsórias de indivíduos “degenerados” em instituições especializadas (Kehl, 1929a).

9Uma declaração de Jair Bolsonaro, representante de ultradireita do campo conservador, logo antes das eleições de 2018, exemplifica essa posição: “Não estou autorizado a falar isso, que botei na mesa, mas eu gostaria que o Brasil tivesse um programa de planejamento familiar. Um homem e uma mulher com educação dificilmente vão querer ter um filho a mais para engordar um programa social.” Em 1992, o então deputado federal declarou: “Devemos adotar uma rígida política de controle da natalidade. Não podemos mais fazer discursos demagógicos, apenas cobrando recursos e meios do governo para atender a esses miseráveis que proliferam cada vez mais por toda esta nação.” (Bragon, 2018).

Recebido: 09 de Outubro de 2018; Aceito: 02 de Setembro de 2019

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