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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.101 no.258 Brasília maio/ago 2020

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.101i258.4409 

ESTUDOS

Identidade docente e formação continuada: um estudo à luz das teorias de Zygmunt Bauman e Claude Dubar*

Teaching identity and continuing education: a study in light of Zygmunt Bauman and Claude Dubar’s theories

Identidad docente y formación continuada: un estudio a la luz de las teorías de Zygmunt Bauman y Claude Dubar

I Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: <fernanda.rossi@unesp.br>

II Doutora em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Rio Claro, São Paulo, Brasil

III Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Bauru, São Paulo, Brasil. E-mail: <dagmar.hunger@unesp.br>

IV Doutora em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, São Paulo, Brasil


Resumo:

Objetivou-se analisar o processo de constituição da identidade docente no cenário contemporâneo, problematizando: as mudanças sociais que impactam na identidade docente; as percepções de professoras da educação básica concernentes aos significados do exercício da docência atualmente; e as possíveis influências da formação continuada institucionalizada na reflexão e (re)construção identitária de professores(as). Participaram da pesquisa, de abordagem qualitativa, 19 professoras da educação infantil e do ensino fundamental, das áreas de Educação Física, Pedagogia e Artes. As estratégias de geração de dados incluíram grupo focal e observação de campo. Os dados foram analisados à luz das teorias de Zygmunt Bauman e Claude Dubar. Constatou-se que a formação continuada é uma dimensão da profissão estreitamente relacionada à constituição da identidade docente, pois possibilita acompanhar as rápidas mudanças sociais em curso e, assim, fortalecer ou reconfigurar o reconhecimento social de sua função. Outro elemento integrador da formação com a identidade se revelou em espaço e tempo proporcionados pela formação para refletir e (re)construir coletivamente saberes e reinterpretações referentes ao que é ser professor(a). Evidenciou-se a urgência de ações educacionais/políticas públicas para fortalecer os laços profissionais, consolidando o coletivo docente e a noção de pertença a um grupo específico na sociedade, com uma identidade própria.

Palavras-chave: atualização de professores; educação básica; identidade profissional

Abstract:

This paper aims to analyze the development of a teaching identity in the contemporary scenario, problematizing: social changes that impact the teaching identity; the perceptions of primary education teachers over what means to be a teacher nowadays; and possible influences of institutionalized continuing formation over the reflection and (re)construction of teachers’ identities. Nineteen teachers of childhood and elementary education, working in the areas of Physical Education, Pedagogy and Arts participated in this qualitative- approached research. Data generation strategies included a focus group and field observation. Data were analyzed in light of Zygmunt Bauman and Claude Dubar’s theories. It has been found that continuing education is a dimension of the profession closely related to the constitution of a teaching identity, since it enables the monitoring of the ongoing, fast social changes, thus, strengthening or reconfiguring the social recognition of its function. Another integrative element of formation with identity has been revealed in the space and time provided by the formation to collectively reflect and construct knowledge and reinterpretations referring to what it is to be a teacher. The urgency of educational actions / public policies to strengthen professional ties has been revealed, consolidating the teaching collective and the notion of belonging to a specific group in society, with an identity of their own.

Keywords: basic education; professional identity; teacher’s continuing education

Resumen:

El objetivo de este artículo fue analizar el proceso de constitución de la identidad docente, en el escenario contemporáneo, problematizando los cambios sociales de la contemporaneidad que impactan en la identidad docente; las percepciones de profesores y profesoras de la educación básica concernientes a los significados de ser profesor hoy; y posibles influencias de la formación continuada institucionalizada en la reflexión y construcción identitaria de profesores. Participaron de la investigación, de abordaje cualitativo, 19 profesoras de la Educación Infantil y de la Educación Primaria de las áreas de Educación Física, Pedagogía y Artes. Las estrategias de generación de datos incluyeron grupo focal y observación de campo. Los datos fueron analizados a la luz de las teorías de Zygmunt Bauman y Claude Dubar. Se constató que la formación continuada es una dimensión de la profesión estrechamente relacionada con la constitución de la identidad docente, pues posibilita acompañar los rápidos cambios sociales en curso y así fortalecer o reconfigurar el reconocimiento social de su función. Otro elemento integrador de la formación con la identidad se reveló en el espacio y tiempo proporcionados por la formación para reflejar y construir colectivamente saberes y reinterpretaciones referentes a lo que es ser profesor. Se reveló la urgencia de acciones educativas/políticas públicas para fortalecer los lazos profesionales, consolidando el colectivo docente y la noción de pertenencia a un grupo específico en la sociedad, con una identidad propia.

Palabras clave: actualización de profesores; educación básica; identidad profesional

Considerações iniciais

Atualmente tem havido expressivo investimento nacional e internacional na formação continuada de professores(as) - considerada por especialistas educacionais questão central para inúmeros países envolvidos com a dinâmica das reformas educativas. As pressões do mundo do trabalho em constante transformação e a identificação, pelos sistemas governamentais, dos precários desempenhos escolares de significativas parcelas da população são movimentos que contribuem para dar ênfase a essa dimensão da profissão (Gatti, 2008), concebida como meio para melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem mediante a mudança da prática pedagógica do(a) professor(a). Logo, investigar a formação de professores(as) e o seu trabalho significa estudar um problema social de grande relevância no tempo presente (Gatti et al., 2019).

As tendências da formação continuada dos professores(as) pressupõem uma tarefa coletiva, o investimento em atividades de formação por meio de parcerias e cooperação entre os(as) envolvidos(as) - professores(as), agentes formadores(as), gestores(as), pesquisadores(as), entre outros atores educacionais -, desenvolvendo ações pautadas na cultura profissional dos(as) docentes (Imbernón, 2009). Pesquisa recente de Gatti et al. (2019) constatou que as experiências de formação continuada de professores(as) no Brasil, consideradas inovadoras, são aquelas que desenvolvem ações com o foco no conhecimento pedagógico do conteúdo e em estratégias formativas que possibilitam o papel ativo do(a) professor(a), incentivam a participação coletiva e estabelecem conexões/coerência com os contextos escolares e com as políticas vigentes. Ainda, tais ações têm duração prolongada. Os elementos identificados no contexto brasileiro estão alinhados com pesquisas internacionais, conforme estudo de revisão analítica realizado por Moriconi (2017), no qual foram mapeadas pesquisas empíricas internacionais que objetivavam avaliar a eficácia de programas de formação continuada de professores(as) em diferentes contextos: Austrália, Canadá, Reino Unido, Holanda, Nova Zelândia, Israel e Estados Unidos.

Nóvoa (1995) afirma há algum tempo que a formação deve ser concebida como um processo de reflexão das práticas educativas, buscando desconstruir a ideia de formação como acumulação de cursos ou técnicas. Esse processo traz a preocupação com a (re)construção permanente de uma identidade pessoal e profissional.

Evidencia-se em Rossi (2013) que ações de formação continuada impulsionam a geração de sentidos e significados à condição de ser professor(a). Assim, como ressaltado nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 4 de 2010, a formação dos(as) profissionais da educação deve prever a consolidação da identidade profissional, o resgate da imagem social do(a) professor(a) e da autonomia docente, individual e coletiva. Gatti et al. (2019, p. 183) assumem como princípio que a formação de professores(as) é um continuum, já que “a constituição do conhecimento e da identidade profissional ocorre de forma idiossincrática e processual”.

Acreditamos que as mudanças sociais atuais, tanto internas como externas às escolas, estariam produzindo condições de incerteza, insegurança e crise de identidade no âmbito da profissão docente, que historicamente foi estável para muitos professores(as). O contexto da formação continuada desponta como um dos espaços em que a identidade pode ser refletida, reinterpretada e reconstruída pelo coletivo docente.

Isso ao considerar que a identidade profissional resulta de socializações de natureza diversa, incluindo a socialização antecipatória (antes do ingresso na formação profissional), a formação inicial e todo o percurso da carreira (Dubar, 2005). Portanto, ganha relevo a problemática referente à (re)construção da identidade docente e sua relação com a formação continuada de professores(as) - considerando esta como um espaço de socialização profissional - no cenário da contemporaneidade.

Conforme o exposto, o objetivo desta pesquisa é investigar o processo de constituição da identidade docente no cenário contemporâneo e construir a análise crítica compartilhada entre professores(as) da educação básica, problematizando as mudanças sociais que impactam na identidade docente; as percepções de professoras da educação básica concernentes aos significados do exercício da docência atualmente; e possíveis influências da formação continuada institucionalizada na reflexão e (re)construção identitária desses indivíduos.

O problema de pesquisa ganha relevo ao se considerar o estado da arte das investigações científicas em Educação e das características do mundo contemporâneo que vêm produzindo implicações variadas na constituição da identidade social e profissional. A respeito do estado da arte, André (2009) constatou o crescimento dos estudos na área educacional referentes ao tema da formação de professores(as) - de 6%, nos anos 1990, para 14% do total da produção em Educação, nos anos 2000. O tema “identidade e profissionalização docente” apresentou o maior percentual de trabalhos do período 1999-2003, representando 41% do total das produções. No entanto, das 481 pesquisas dessa categoria, apenas 62 delas investigaram questões relacionadas a processos de constituição da identidade docente, histórias de vida e da profissão, o que representa menos de 13% do total das pesquisas incluídas nessa denominação.

Já no âmbito da temática da formação continuada (com 21% da produção), as pesquisas abordaram temas de novas tecnologias, matemática, formação pedagógica, alfabetização, educação infantil, educação de jovens e adultos, leitura, uso de vídeos, geografia, educação sexual, educação inclusiva e especial, interdisciplinaridade e avaliação de aprendizagem. Em estudo recente, Gatti et al. (2019) reforçam a constatação de Moriconi (2017) de que no Brasil ainda são muito raros os estudos avaliativos da formação continuada, de modo a demonstrar algum tipo de evidência da eficácia das formações, seja na melhoria das práticas dos docentes, seja no desempenho acadêmico dos alunos.

Constatamos, dessa forma, que a questão da identidade docente vinculada a processos de formação continuada de professores(as) se apresenta incipiente nas pesquisas brasileiras. Como ressalta Pimenta (2012, p. 19), “é na leitura crítica da profissão diante das realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-la”.

Assim, entendemos a relevância da pesquisa no que diz respeito à (re)construção da identidade docente e sua relação com a formação continuada de professores(as) no cenário da contemporaneidade. Para as análises da problemática em questão, as construções teóricas de Zygmunt Bauman1 sobre as mutações identitárias no cenário atual, inserindo as transformações sociais como fontes e condicionantes na forma como o sujeito se identifica e identifica os outros, e de Claude Dubar2, ao estudar as identidades profissionais, associando como fonte e condicionante da constituição identitária o mundo do trabalho, mostram-se promissoras ao apresentarem um referencial teórico propício à fundamentação de pesquisas empíricas nesse campo.

Conceitos teóricos de Zygmunt Bauman e Claude Dubar: aportes para a compreensão da identidade docente na contemporaneidade

Para a análise do problema que nos propomos a investigar, almejando ampliar a produção do conhecimento em relação à temática e construir reflexões críticas compartilhadas com professores(as), definimos como principal referencial teórico os postulados dos sociólogos Zygmunt Bauman (2001, 2005, 2007, 2009a, 2013) e Claude Dubar (2005, 2006, 2012). A respeito dos estudos sobre a identidade, estes têm sido realizados por pesquisadores de diversas áreas do saber, como Sociologia, Psicanálise e Filosofia. Decidimos pelo enfoque sociológico por apreender nas proposições teóricas dos autores acima referidos elementos propícios para fundamentar o estudo do problema de pesquisa, pois o primeiro problematiza o tema no contexto da contemporaneidade, enquanto o segundo se preocupa com a identidade no trabalho.

Zygmunt Bauman (2001), sociólogo polonês, discute o fenômeno da identidade na perspectiva da pós-modernidade ou como prefere denominar: modernidade líquida. Ao conceber e analisar a constituição identitária inserida nessa condição - na qual pode ser reconhecido um mundo em transição e imerso em mudanças complexas e aceleradas em todos os aspectos da vida humana -, sobressai o impacto das incertezas e a fluidez dos acontecimentos humanos e sociais que afetam a identidade do sujeito.

O autor emprega em suas obras o termo “liquidez” ou “fluidez” como uma metáfora para expressar o dinamismo presente na fase atual em que vivemos, enfatizando que diferentemente daquilo que é sólido “os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente prontos (e propensos) a mudá-la” (Bauman, 2001, p. 8). Na sociedade líquido-moderna, tudo é fluído e volátil, perde consistência e estabilidade, inclusive nas relações humanas. As instituições, as relações e os compromissos parecem se “liquifazer” com certa facilidade. No entendimento de Bauman (2009a, p. 7), uma sociedade líquido-moderna é aquela:

[...] em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. A liquidez da vida e a da sociedade se alimentam e se revigoram mutuamente.

Assistimos a era da individualização ilimitada; da efemeridade; da descartabilidade implícita nas relações humanas; da instabilidade, provisoriedade, dos desafios a serem enfrentados num clima de insegurança e incerteza (Bauman, 2001, 2005). Contribui Costa (2011), ao analisar a teoria do sociólogo, que a modernidade líquida se configura como uma era que quebra rotinas e tradições e o desafio que se coloca é procurar compreender as implicações dessa peculiar condição da existência na vida das pessoas em seus diferentes aspectos pessoais, sociais e profissionais.

Especificamente no campo educacional, Costa (2011, p. 129) ressalta que perpassam pela obra de Bauman preocupações em suas análises sociológicas quanto às “repercussões, na educação, da passagem do mundo ordenado, seguro e resolvido da modernidade sólida para a condição instável, fluida e mutante da modernidade líquida”.

Bauman (2005) relaciona a ideia de modernidade líquida e fluidez da contemporaneidade com a questão da identidade para refletir sobre a constituição identitária, apresentando um arcabouço teórico que perpassa a questão de pertencimento.

O pertencimento e a identidade, questões inerentes à condição humana, na realidade atual se tornaram processos instáveis, incertos e transitórios, resultando na fragilização dos vínculos e das relações humanas. As mudanças econômicas, sociais e culturais na modernidade em tempos de globalização impactam a vida das pessoas, alterando de forma significativa as relações de toda ordem, como as relações entre os cidadãos e o Estado, as relações sociais, as condições de trabalho, o cotidiano, as relações entre o eu e o outro. Tal fato dificulta a estabilidade de identidades e de projetos de vida, pessoais e profissionais (Bauman, 2007). Deparamo-nos com a diluição das identidades individual e coletiva na época atual (Bauman, 2005).

Apesar da liquidez da contemporaneidade, os sujeitos sentem a necessidade do pertencimento, de gerar vínculos com aqueles com os quais possam se identificar, de manter afiliações que permitam vivenciar tal sentimento de pertença, de não perder suas referências num mundo marcado pelo pluralismo de valores e escolhas. Bauman (2005) recorre a Dencik (2001) para esclarecer que as filiações sociais, herdadas ou não, que atuam na definição da identidade, como sexo, país de nascimento, família e classe social, estão se tornando menos importantes e diluídas, ao menos nos países mais avançados do ponto de vista tecnológico e econômico. Contudo, nesse mesmo movimento, as pessoas buscam encontrar ou criar novos grupos em que o pertencimento possa ser vivenciado, facilitando a construção da identidade. Conclui Bauman que:

[...] quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer ‘natural’, predeterminada e inegociável, a ‘identificação’ se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um ‘nós’ a que possam pedir acesso. (Bauman, 2005, p. 30, grifo do autor).

Assim, a identidade é uma construção contínua e de transformação permanente:

[...] a “identidade” só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais - mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta. (Bauman, 2005, p. 21-22).

Nesse paradoxal cenário da modernidade líquida, o tema da identidade se revela como um dos eixos centrais do sujeito, pois emerge o questionamento de como é possível se identificar numa sociedade fluida, composta por pluralismos e incertezas, e quais as opções adequadas quando as relações se fazem e se desfazem com certa instantaneidade. “É preciso comparar, fazer escolhas, fazê-las repetidamente, reconsiderar escolhas já feitas em outras ocasiões, tentar conciliar demandas contraditórias e frequentemente incompatíveis” (Bauman, 2005, p. 17).

Compreender a questão da identidade social exige entendimento do processo de transformação contínua da vida profissional, cultural e política. A precarização do emprego e das rotinas de trabalho, associada à retração das funções sociais do Estado, produz níveis significativos de insegurança e ansiedade. A desregulamentação, a flexibilização e a fragilidade do mundo laboral resultaram na falta de confiança no local de trabalho, “onde o status social costumava ser definido”, perdendo espaço para identificação e solidariedade coletivas (Bauman, 2001, p. 36).

Visualizamos o estabelecimento de um dilema, pois, como ressalta Dubar (2005, p. 156), a “construção identitária adquire uma importância particular no campo do trabalho, do emprego e da formação, que conquistou uma grande legitimidade para o reconhecimento da identidade social e para a atribuição dos status sociais”.

Nesse sentido, para o estudo da identidade, a dimensão profissional adquire importância singular, pois o trabalho condiciona a construção das identidades sociais. Claude Dubar, sociólogo francês, fornece quadros teóricos e instrumentos de análise relacionados ao movimento de constituição das identidades socioprofissionais para apreendermos as implicações da dinâmica social em curso sobre a identidade do(a) professor(a).

Na concepção do autor, o trabalho está no centro da constituição identitária e as identidades se constroem nas transações objetivas e subjetivas que caracterizam a vida pessoal e profissional das pessoas. A identidade social é, portanto, uma articulação de transações internas e externas ao indivíduo. São constantes reinterpretações de si e de sua função e negociações entre o sujeito e as instituições com as quais interage. O cerne da análise do autor está na dialética entre esses dois processos.

Dubar (2005, p. 136) compreende a identidade como:

[...] o resultado a um só tempo estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo, biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, conjuntamente, constroem os indivíduos e definem as instituições.

Ao focalizar a identidade no trabalho, ressalta as forças que as instituições exercem em sua constituição, uma vez que a identidade se constrói imersa numa tensão permanente entre o individual e o social.

Dubar (2005, p. 137) baliza as análises com Bauman ao buscar:

[...] compreender as identidades e suas eventuais cisões como produtos de uma tensão ou de uma contradição interna ao próprio mundo social (entre a ação instrumental e a comunicativa, a societária e a comunitária, a econômica e a cultural etc.

Nessa esteira, Dubar trabalha com a identidade como articulação de dois movimentos de tensão constante, denominando como atos de atribuição aqueles que visam definir o tipo de pessoa que o sujeito é, ou seja, a identidade para o outro; e atos de pertencimento os que exprimem o tipo de pessoa que o sujeito quer ser, a identidade para si. A tensão se caracteriza pela oposição entre o que os outros esperam que o sujeito seja (e assuma ser) e o desejo do sujeito em ser e assumir determinadas identidades.

Desse modo, a identidade, como produto de sucessivas socializações, resulta da articulação do processo relacional, que engendra a identidade para o outro (análise do outro dentro dos sistemas de ação e das instituições nas quais está inserido), e do processo biográfico, que forja a identidade para si (sua história, projetos de vida etc.).

A identidade social não é “transmitida” por uma geração à seguinte, cada geração a constrói, com base nas categorias e nas posições herdadas da geração precedente, mas também através das estratégias identitárias desenvolvidas nas instituições pelas quais os indivíduos passam e que eles contribuem para transformar realmente. (Dubar, 2005, p. 156).

Na contemporaneidade, na qual a identidade, a vida, o sistema econômico-social, as relações humanas e o sentido existencial são constantemente colocados em questionamento, essa relação se torna problemática. Assim, para Dubar (2005), a negociação identitária é sempre um processo comunicativo complexo. Como Bauman, Dubar (2005, p. 135) afirma que a “identidade nunca é dada, ela sempre é construída e deverá ser (re)construída em uma incerteza maior ou menor e mais ou menos duradoura”.

Ainda, Dubar (2006) identifica uma crise de identidades, uma vez que na atualidade a configuração das formas identitárias, constituídas em períodos precedentes, perdeu a sua legitimidade, gerando desestabilizações dessa dimensão, enfatizando o impacto das transformações do mundo do trabalho na sua constituição.

No entanto, Dubar (2012) também ressalta que a definição de trabalho como uma dimensão negativa da vida (embora ainda muitos o considerem fonte de sofrimento, de subordinação, uma obrigação, oposto ao prazer) vem se alterando:

[...] certas atividades que proporcionam renda não são associadas a priori a essa definição “negativa”, nem por aqueles que as exercem, nem por outros. Ainda que sejam chamadas genericamente de trabalho, essas atividades que possibilitam uma identificação positiva são, ao mesmo tempo, escolhidas (ou, pelo menos, entendidas como tal), autônomas (isto é, vividas desse modo) e abertas para carreiras (no sentido de uma progressão ao longo da vida). Essas atividades de trabalho, qualificadas de profissionais, são produtoras de obras, quer se trate de arte, artesanato, ciências ou outras atividades criadoras de algo de si, ou produtoras de serviços úteis a outro (médicos, jurídicos, educativos). Elas dão um sentido à existência individual e organizam a vida de coletivos. Quer sejam chamadas de “ofícios”, “vocações” ou “profissões”, essas atividades não se reduzem à troca econômica de um gasto de energia por um salário, mas possuem uma dimensão simbólica em termos de realização de si e de reconhecimento social. (Dubar, 2012, p. 353-354).

Nesse contexto, a identidade profissional é o resultado de processos de socialização diversificados, incluindo as esferas do trabalho, do emprego e da formação, que se constituem como áreas de identificações sociais dos indivíduos. Ressalta Dubar (2005) que se o emprego é cada vez mais fundamental para o processo identitário, a formação liga-se a ele de maneira estreita. O sociólogo aborda a esfera da formação em suas múltiplas formas: a formação escolar e a profissional, a inicial e a continuada.

Os vínculos entre emprego e formação se reforçam no cerne dos processos identitários, sobretudo para os profissionais que ingressaram no mercado de trabalho na segunda metade dos anos 70. Ganha força a partir da década de 1980 o movimento de valorização da formação, quando esta “se tornou uma componente cada vez mais valorizada não somente do acesso aos empregos mas também das trajetórias de emprego e das saídas de emprego” (Dubar, 2005, p. 146).

Já o processo de aprendizagem experiencial, para Dubar (2006), permite a implementação da reflexividade no seio de uma profissão, ou seja, a construção de uma identidade reflexiva que atribui sentido a uma prática de sucesso. Portanto, o processo de identificação com uma profissão não acontece somente durante a formação inicial, nem se pode considerá-lo acabado com a experiência de alguns anos de prática profissional.

Por essa razão, toda análise dos processos e das condições de transformação ou de inovação esbarra na questão da aprendizagem coletiva, pelos atores, das capacidades para “inventar novas maneiras de agir, novas regras e novos modelos relacionais” (Crozier; Friedberg, 1977 apud Dubar, 2005, p. 127).

Para alcançar esse objetivo, é preciso assegurar a existência de um aparelho de formação - o qual o autor denomina “socialização secundária” - que permita a transformação das identidades e não a mera reprodução ou adaptação de identidades anteriores, permitindo, desse modo, promover uma verdadeira criação institucional.

Dubar (2012) esclarece que nas sociedades contemporâneas, considerando a concorrência por empregos e a existência de um mercado de trabalho, as pessoas devem se dotar das competências que lhes permitam conseguir um emprego e ter acesso a uma formação certificadora (apropriar-se de capacidades de agir). Essa formação é indissociável do direito ao trabalho.

Para Dubar (2012, p. 364), “a aprendizagem de uma atividade profissional é um processo que dura por toda a vida ativa, e mesmo além dela”, portanto, a formação continuada assume a mesma relevância da formação inicial. Ainda,

[...] não se trata fundamentalmente de acumulação de conhecimentos, e sim de incorporação de uma definição de si e de uma projeção no futuro, envolvendo, antes de tudo, o compartilhamento de uma cultura do trabalho profissional e a exigência do trabalho bem feito. [...] Embora se possa e se deva falar de saberes profissionais, trata-se de mistos de teorias aplicadas e de práticas reflexivas, indissociáveis de situações de trabalho e de ações experimentadas ao longo de um percurso de formação qualificante. (Dubar, 2012, p. 357).

É no e pelo processo específico de socialização que se articulam formação, trabalho e carreira e que as identidades são construídas no âmbito de instituições nas quais ocorrem as interações e promovem o engajamento e o reconhecimento de seus membros como profissionais, considerando a centralidade do trabalho na vida das pessoas e, consequentemente, em suas formas identitárias.

Diante desse quadro, entendemos que a formação de professores(as), como componente da profissão, apresenta-se como uma dimensão estreitamente relacionada (e influente) com a constituição da identidade docente.

Metodologia

A pesquisa foi desenvolvida conforme a abordagem qualitativa, baseada no princípio da valorização da “maneira própria de entendimento da realidade pelo indivíduo” (André, 1995, p. 17), com “esforços concertados para compreender vários pontos de vista”, sem o objetivo de fazer qualquer “juízo de valor; mas, antes, o de compreender o mundo dos sujeitos e determinar como e com que critério eles o julgam” (Bogdan; Biklen, 1999, p. 287, grifo dos autores). Diante desse pressuposto, o processo de investigação pode permitir perceber com maior clareza as relações entre, de um lado, as percepções e as representações dos(as) professores(as) e, de outro, as determinações e interdependências que formam os laços sociais, resultando em formas identitárias.

Participou do estudo um grupo de 19 professoras da educação básica, das áreas de Educação Física, Pedagogia e Artes, atuantes na educação infantil e no ensino fundamental. A pesquisa de campo foi desenvolvida no âmbito de um programa de formação continuada na área da Educação Física, numa parceria firmada entre a secretaria municipal de educação e uma instituição universitária pública do interior de São Paulo. A ação formativa teve como objetivo central promover a ressignificação da prática pedagógica de professores(as) no que se refere a ensino e aprendizagem da linguagem corporal. A proposta foi mediada por processo teórico-metodológico fundamentado no movimento de ação e reflexão constantes, isto é, na análise da prática docente concreta iluminada pela reflexão teórica, objetivando práticas reelaboradas.

O projeto de pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Bauru (Parecer nº 392.443/2013). Convidamos todas as professoras que frequentavam o programa de formação para participar do estudo, recebendo a aceitação da totalidade. A participação das professoras foi voluntária e poderia ser encerrada, se assim desejassem, a qualquer momento. Tanto essa informação quanto os objetivos, os procedimentos de coleta de dados, a garantia do anonimato e a autorização para a publicação dos dados fornecidos constaram em Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelas participantes.

Os dados foram coletados por observação de campo e grupo focal, tendo o programa de formação continuada como o lócus da pesquisa. A observação de campo, considerada uma técnica privilegiada na pesquisa em Educação, pois possibilita o contato pessoal e estreito entre o(a) pesquisador(a) e o fenômeno estudado (Bogdan; Biklen, 1999), teve como objetivo nossa imersão no contexto da formação continuada das professoras, visando compreender de modo integrado e aprofundado as expressões, as atitudes e os comportamentos delas nas próprias situações vivenciadas.

Realizamos duas sessões de grupos focais, com duração média de uma hora e meia cada uma, nas quais buscamos interação entre as professoras, identificação mútua como profissionais da docência, informações, argumentos, crenças e discussões que tendem a revelar os pensamentos individuais, bem como resultar na compreensão coletiva e na análise crítica das questões colocadas em debate. Buscamos, desse modo, desencadear a reflexão crítica em relação à identidade e à formação docente, por intermédio das próprias interpretações das participantes.

A pertinência do grupo focal para esta pesquisa revelou-se por haver “interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e por que pensam” (Gatti, 2005, p. 9). O grupo focal contribui para promover insights, como ressalta Morgan (1997), na medida em que os(as) participantes, ao expressarem suas opiniões e sentimentos, podem se dar conta de crenças e atitudes presentes em seus comportamentos, bem como aquelas presentes nos comportamentos dos outros, compartilhando diferentes visões de um mesmo fenômeno.

Conforme indica Morgan (1997), o grupo focal foi desenvolvido em sessões semiestruturadas orientadas por uma moderadora: a pesquisadora. Os temas abordados nessas sessões foram previamente definidos, assim como as questões de orientação introduzidas para estimular a discussão. As temáticas exploradas foram: i) as concepções de identidade profissional e docente (se existem concepções diferentes no grupo; se as discussões expressam congruências de opiniões, levando a compreensão coletiva, ou geram tensões); ii) a significação atribuída pelas professoras à sua profissão na sociedade (como elas se veem e como consideram que são vistas pelos diferentes atores sociais e educacionais; qual o seu papel social); iii) o alcance da formação continuada na constituição da identidade docente (a relação estabelecida entre os conhecimentos e as vivências veiculados na formação continuada e a identidade docente); e iv) as atuais condições do exercício da profissão, seu impacto na identidade docente e as ações/meios que poderiam superar os problemas identificados (relativos a condições de trabalho, salariais, reconhecimento, autonomia na tomada de decisões, relação professora-alunos, professora-professor(a), professora-gestor(a), professora-comunidade etc.).

As sessões foram registradas em áudio e vídeo para transcrição na íntegra. Diários de campo foram utilizados para anotar (após as sessões) observações e insights que emergiram da dinâmica.

Após as coletas, o material empírico foi examinado tendo como embasamento os pressupostos da análise de conteúdo que Bardin (2000, p. 38) define como “um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens”, sendo pertinente para o estudo de motivações, atitudes, valores, crenças e tendências do grupo pesquisado. Concluída a etapa de coleta, efetuamos a transcrição dos dados e a pré-análise para sistematizar as ideias iniciais pela leitura flutuante. Na sequência, codificamos os dados, permitindo atingir uma representação de conteúdos, ou seja, a definição dos relatos potenciais que respondiam às questões de pesquisa para, então, iniciar a identificação dos temas que compuseram as categorias de estudo. Prosseguimos para a análise e interpretação das informações em articulação com o referencial teórico, considerando os objetivos estabelecidos.

Assim, os dados coletados com as professoras e o referencial teórico possibilitaram as análises e discussões nas categorias: i) mudanças sociais e identidade docente: os significados de ser professor(a) na contemporaneidade e ii) a formação continuada de professores(as) e as implicações na (re)construção da identidade docente.

Identidade docente e formação continuada de professores(as): relações possíveis

As análises que seguem nesta seção intencionam problematizar as interações entre o mundo contemporâneo, a identidade e a profissão docente e, especificamente, as relações estabelecidas entre estes e a formação continuada (institucionalizada)3 de professores(as).

Mudanças sociais e identidade docente: os significados de ser professor(a) na contemporaneidade

Nesta categoria, analisamos as mudanças sociais em curso na contemporaneidade e suas relações com a identidade docente, especialmente ante os significados atribuídos pelas professoras da educação básica ao exercício da profissão atualmente.

A identidade é um processo de construção de um sujeito historicamente situado (Pimenta, 2012), sendo influenciada pelo complexo cenário em que vivemos (Bauman, 2001, 2005).

Entre as mudanças que a era atual tem produzido, verificamos os efeitos sobre a relação do sujeito com o conhecimento, a qual afeta o trabalho e a representação da atividade docente.

Vivemos a era da informação. Hoje, são valorizados os saberes pragmáticos e as informações e não a construção do conhecimento, o sentido que se pode atribuir a ele. A relação dos(as) alunos(as) com o conhecimento preocupa muitas professoras participantes da pesquisa. De acordo com a Professora 4: “na era digital, se não nos atualizarmos, não vamos conseguir acompanhar a educação das crianças” e para a Professora 1: “professor que não acompanha as mudanças educacionais, tecnológicas, pedagógicas e não muda sua prática não consegue se realizar e muito menos ser feliz na profissão”.

Bauman (2009b, p. 670), em entrevista concedida na qual discutiu temas da área da Educação, destaca que os(as) educadores(as) estão colocados diante de desafios incomparáveis ao dos dias atuais, considerando que as instituições educacionais estão submetidas a uma “pressão ‘desinstitucionalizante’ e são continuamente persuadidas a renunciar à sua lealdade aos ‘princípios do conhecimento’ (sua existência, para não falar de sua utilidade, é sempre posta em dúvida)”. Explica que as pressões provêm tanto do governo, que pretende acompanhar os voláteis movimentos no mundo econômico, quanto dos estudantes, expostos igualmente às demandas econômicas e desconcertados pela natureza imprevisível do mercado de trabalho (Bauman, 2009b). Almeida, Gomes e Bracht (2009) complementam que, na compreensão do sociólogo, a sociedade passou a duvidar da sabedoria dos intelectuais, dos(as) professores(as), do seu conhecimento e da sua capacidade de ditar questões morais e sociais.

Outros aspectos “desinstitucionalizantes”, de acordo com Bauman, consistem na perda do monopólio do conhecimento pelas instituições escolares e na relativa partilha (ou concorrência) com atores e meios de aquisição de informações por instrumentos tecnológicos, na individualização dos processos e das situações de ensino e aprendizagem, na gradual substituição da relação professor(a)-aluno(a) pela fornecedor(a)-cliente, ou, ainda, centro comercial-comprador(a) (Bauman, 2009b).

Entre tais mudanças contemporâneas, as professoras ressaltam a significativa influência da relação entre escola e família, como afirma a Professora 2: “cada vez mais o professor vem assumindo funções de outras instituições que foram deixando de lado suas responsabilidades, como a família, por exemplo”.

Marcelo (2009), em referência a Day, Elliot e Kington (2005), chama-nos a atenção para o fato de que as mudanças atuais, tanto internas como externas às escolas, produziram condições de extrema incerteza e crise de identidade no âmbito de uma profissão que historicamente foi estável para muitos professores(as).

Diante dessa realidade, a Professora 11 faz o seguinte relato: “temos que explicar para os pais qual é a nossa identidade”, o que não é tarefa simples, e complementa:

Eu falo assim: para que eu estudo? Porque quanto mais a gente estuda, o sofrimento é maior. Porque se você faz o seu trabalho sem questionar, sem refletir, tudo bem. Mas quando você começa a estudar e a compreender melhor as coisas, você sofre porque você quer a mudança, mas a resistência é muito grande.

As professoras vivenciam a tensão constante entre a identidade para si e aquela para o outro, como ressalta Dubar (2005), caracterizada pela oposição entre o que pais, alunos(as), gestores(as), enfim, a sociedade, esperam que o(a) professor(a) seja e o desejo deste(a) de ser e assumir determinadas identidades.

Em face disso, a identidade conforma-se no processo das diferentes socializações, pois é engendrada tanto no contexto de trabalho (escolas) como na história individual dos sujeitos (Dubar, 2005).

Complementa Dubar (2005) que a identidade é forjada em negociações configuradas como um processo comunicativo complexo. Bauman (2005) e Dubar (2005) convergem na afirmação de que uma identidade não é atribuída, tampouco transmitida pelas pessoas, mas é construída e reconstruída em cenários de incerteza (ora maior, ora menor).

A identidade dos(as) professores(as) também possui tal característica de mutação, pois, como ressalta Pimenta (2012), é (re)construída por múltiplos fatores, como a revisão constante dos significados sociais da profissão, a revisão da tradição, a reafirmação de práticas consagradas culturalmente por apresentarem saberes válidos e correspondentes à realidade, o confronto entre teoria e prática, as representações que professores(as) gestam da docência e de si mesmos nas redes de relações com outros(as) professores(as) e atores educacionais - instituições, sindicatos, comunidade etc. - e entre as múltiplas dimensões da identidade dos sujeitos. Para Dubar (2005, p. 26, grifo do autor):

[...] a dimensão profissional adquiriu uma importância particular. Por ter se tornado um bem raro, o emprego condiciona a construção das identidades sociais; por passar por mudanças impressionantes, o trabalho obriga a transformações identitárias delicadas; por acompanhar cada vez mais todas as modificações do trabalho e do emprego, a formação intervém nas dinâmicas identitárias por muito tempo além do período escolar.

Ao encontro das discussões anteriores, Dubar (2005) ressalta que o trabalho condiciona a construção das identidades sociais. A vida pessoal e a profissional se entrelaçam na teia identitária, constituindo a identidade social na articulação entre o objetivo e o subjetivo, o interno e o externo, que são vivenciados pelos(as) professores(as). Nesse processo, o sujeito reinterpreta a si mesmo e negocia com as instituições em que atua num movimento constante. E são essas reinterpretações e negociações, resultantes dos diferentes processos de socialização, que atuam na definição tanto dos indivíduos quanto das próprias instituições.

A construção da identidade ocupa lugar relevante no mundo do trabalho e da formação, como vimos em Dubar (2005). O resultado dessa relação implica na atribuição de status sociais. Na docência, tal construção está atrelada à questão da autonomia docente.

Apenas três professoras consideraram que no âmbito da instituição escolar possuem autonomia para organizar/desenvolver suas ações. Ressaltaram que na sala de aula essa autonomia é maior ou talvez seja o único espaço que de fato professores(as) possam exercê-la, como evidenciou a Professora 3: “nossa autonomia se restringe a quatro paredes”. Assim, para as docentes, a organização coletiva para discussões e reflexões em torno da profissão raramente ocorre. A própria organização da escola não contribui para gerar tal possibilidade. O horário de trabalho coletivo pode ser resumido, muitas vezes, em aprender a como dar uma aula, como ensinar determinado conteúdo aos alunos. Existe uma pauta organizada pela gestão escolar e que deve ser seguida em tais reuniões. Além disso, essas atividades priorizam determinados conteúdos pedagógicos, como Português e Matemática, em detrimento de outros, como Artes e Educação Física. As professoras de Educação Física e Artes relataram que se sentem isoladas em seus próprios grupos de trabalho, distantes, portanto, de integrar e consolidar uma identidade coletiva docente em suas instituições.

Dubar (2005) enfatiza o papel e as forças exercidas pelas instituições na constituição da identidade, considerando-a como um processo de tensão permanente entre o individual e o social. Para Nóvoa (2018), um dos principais aspectos vinculados à dificuldade histórica de profissionalização docente é a sistematização de um conjunto de valores estruturantes da identidade de professores(as) - ao lado de outro aspecto igualmente relevante que é a constituição de um corpo de conhecimentos específicos dos(as) docentes. Constata-se, completa o autor, que os(as) professores(as) continuam muito dependentes de regulações externas (sobretudo do Estado), carecendo de uma definição autônoma dos princípios e das normas éticas da ação docente, o que afeta a autonomia profissional (no plano individual e coletivo). Complementa Chakur (2005) que é incontestável o fato de que as pressões dos contextos institucional, cultural e histórico produzem marcas nas trajetórias individuais e no percurso do coletivo de professores(as). Marcas essas que podem ser negativas ao longo da carreira.

A Professora 1, com 27 anos de experiência docente, considera que “ser professora é doloroso” e explica:

quando eu comecei há muitos anos eu achava que ia ser tudo muito bom, e agora no final está sendo muito doloroso, eu não suporto mais a escola, por conta dos desafios da docência hoje: desvalorização profissional, dos pais, dos alunos, da sociedade. O manda e desmanda, a falta de respeito para com os professores e muitos outros problemas. Olha, só vou para escola... por conta de remédios.

A professora complementou a sua frustração com a profissão:

tem professores recém-formados que estão se dando bem lá na escola, eles concordam com os sistemas de avaliação, de bônus, eles estão muito bem com essa realidade, mas é que a gente já não aguenta mais. Eu me sinto frustrada, eu não suporto mais.

Evidencia-se, assim como identificado por Dubar (2006), uma crise de identidades, uma vez que na atualidade a configuração das formas identitárias, constituídas em períodos precedentes, perdeu a sua legitimidade, gerando desestabilizações dessa dimensão.

Esses elementos contemporâneos nos quais os(as) professores(as) estão imersos (influenciando e sendo influenciados pelo contexto) exigem deles compreensão e reavaliação da condição social da sua profissão na atualidade, bem como atitude crítica e reflexiva, pois, como complementa Bauman (2013), vivemos uma crise da educação, a qual é muito peculiar porque se percebe que a falta de um modelo universal e as diferenças entre as pessoas são fenômenos que tendem a se intensificar.

Verificamos que, assim como a identidade pessoal vem se transformando diante do cenário contemporâneo, as mudanças sociais têm impactado a identidade das professoras e o significado do exercício da docência, em função especialmente da crise educacional (desvalorização da educação escolar, desvalorização da carreira docente, pouco prestígio dos(as) professores(as) na sociedade, ausência das famílias nas questões escolares cotidianas, entre outros) enfrentada nos dias atuais.

A formação continuada de professores(as) e as implicações na (re)construção da identidade docente

Buscamos nesta categoria analisar as implicações da formação continuada institucionalizada na (re)construção identitária das professoras da educação básica. Cabe ressaltar, como nos lembram Gatti et al. (2019) e Franco (2019), que essa dimensão da formação é denominada continuada justamente porque é um processo, tem continuidade ao longo da trajetória profissional e pessoal, caracterizando-se como um “processo dialético onde as circunstâncias se multideterminam” (Franco, 2019, p. 98).

A concepção de formação continuada que perpassou os relatos das professoras se baseou num processo formativo crítico e político. A educação para a cidadania é preocupação para a Professora 5, ao destacar que “o conhecimento deve ser constante, nós temos que procurar cada dia mais para podermos ajudar os alunos a serem melhores cidadãos”. A Professora 7 ressaltou que ações formativas são importantes quando “abrem novos horizontes, o que nos faz dar significados à prática pedagógica”.

Bauman, em referência à educação permanente, ressalta que não se deve investir somente numa educação voltada para o trabalho, não são só as capacidades técnicas que precisam ser mobilizadas na formação; trata-se de uma educação para a cidadania, da atualização e vivência em relação aos desenvolvimentos políticos e às aceleradas mudanças das regras do jogo da política (Bauman, 2009a, 2009b).

Outras professoras também enfatizaram a necessidade de frequentarem ações de formação, como evidenciado nos relatos: “É 100% fundamental. O professor precisa assimilar que a sua formação acontece ao longo de toda nossa profissão” (Professora 2); “preciso de novos saberes sempre” (Professora 6). Para a Professora 8, além das “teorias novas a conhecer, trocas de experiências” entre os pares e com professores(as) universitários(as) e estudantes de graduação são essenciais.

A cobrança educacional e social para que os(as) professores(as) se mantenham constantemente atualizados(as) tem servido de pretexto para a instituição do chamado mercado da formação. A relação fornecedor(a)-cliente, conforme nos chama a atenção Bauman, muitas vezes prevalece na formação continuada que é ofertada aos professores(as). Franco (2019) argumenta contra essa formação mercantilista, que fornece pacotes prontos, por encomenda, por hipotéticas necessidades dos(as) professores(as) - que sequer são consultados -, numa formação que se propõe de fora para dentro da escola.

Além disso, a formação continuada ultrapassa a questão do aperfeiçoamento em relação aos conteúdos específicos das diferentes áreas de conhecimento. Como diz Bauman (2009a), é preciso uma educação ao longo da vida para nos permitir a possibilidade de escolhas e, ainda mais, para preservar as condições que tornam as escolhas possíveis e as colocam ao nosso alcance.

Essa questão ficou clara para as professoras participantes da pesquisa, ao reconhecerem que a formação continuada é, também, tempo e espaço para construir saberes e fortalecer o coletivo docente. O relato da Professora 2 é significativo nesse sentido:

[...] esse espaço para nos reunirmos é tão importante; nós não temos tempo no dia a dia, na escola, para trocar experiências, discutir nossas angústias, dividir nossas práticas. Esses são momentos que podemos pensar sobre tudo o que estamos fazendo, o que queremos, o que esperamos da escola, da formação dos nossos alunos. E podemos refletir sobre quem sou eu, o que eu estou fazendo, por quê eu estou fazendo.

Destaca-se que o programa de formação foi pautado nos princípios da pesquisa-ação, que preconizam o protagonismo do(a) professor(a) na elaboração das ações formativas. Esse formato contribui para que todos(as) os(as) participantes atuem ativamente no processo e se reconheçam como construtores(as) da formação e da profissão.

Num tempo em que nos deparamos com a diluição das identidades individual e coletiva (Bauman, 2005), as professoras revelaram a necessidade de fortalecer seus laços profissionais, consolidando o coletivo docente. Ao questionarmos quanto aos espaços e tempos para a construção da coletividade na profissão, as professoras ressaltaram que atualmente o sistema de ensino tem proporcionado momentos para reuniões nas escolas e horários destinados a atividades didático-pedagógicas. As atividades desenvolvidas nesses encontros, segundo as docentes, centram-se em estudos e programação de atividades cotidianas.

Contudo, ao questionarmos se havia espaço para discussão de questões políticas, relacionadas à profissão docente, à escola, à sociedade e ao papel do(a) professor(a) na sociedade contemporânea, o grupo enfaticamente respondeu de forma negativa. Ressaltaram que tais discussões deveriam ocorrer, mas essa não é a realidade, embora acreditem que esse contexto possa existir em algumas escolas isoladamente, pois depende da influência/liderança do(a) gestor(a), como disse a Professora 2, em utilizar espaços e tempos para organizar esse coletivo para pensar, para questionar e para refletir. O protagonismo docente é essencial, pois:

Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age - e a determinação de se manter firme a tudo isso - são fatores cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”. (Bauman, 2005, p. 17).

Como ressalta Vianna (1999), é preciso tanto conhecer quem são os nós - identidades individuais - quanto quais são as razões e os modos de viver em conjunto que originam, de fato, uma identidade coletiva. Rossi (2013), com fundamentação na teoria sociológica de Elias (1980), enfatiza que todos os envolvidos do campo educacional constituem teias de interdependência ou configurações e que suas ideias são modeladas mediante todas as suas experiências, essencialmente aquelas que acontecem no meio educacional.

Não obstante a instantaneidade atual, o pertencimento, os vínculos e as afiliações são necessários para a manutenção das referências e das identificações numa sociedade plural em valores. Assim, a identidade se revela como uma invenção e não uma descoberta. Deve ser alvo de um objetivo e de um esforço para construí-la e protegê-la. Nunca será fixa ou imutável, mas formada e transformada continuamente. Compreender a identidade como processo significa reconhecer a sua incompletude, fragmentação e heterogeneidade do sujeito no percurso de identificação (Bauman, 2005).

Como nos diz Nóvoa (1995), espaços de interação entre as dimensões pessoais e profissionais precisam ser (re)encontrados, de modo que permitam ao professor(a) se apropriar dos seus processos de formação e dar um sentido para suas histórias de vida, pois:

Ninguém nasce professor, já feito. Mas, ao mesmo tempo, acentuamos que é preciso um trabalho pessoal para construir a identidade docente. Tornamo-nos professores através de uma reflexão que é também de cariz biográfico. No ensino ou na medicina não é possível separar a pessoalidade e a profissionalidade, o que somos como pessoas e a forma como agimos profissionalmente. (Nóvoa, 2018, p. 15-16).

Ao trazer a reflexão para a dimensão coletiva da profissão, recorremos a Bauman (2001) que refere que a instantaneidade da atualidade muda radicalmente o modo como as pessoas cuidam (ou não cuidam) de seus afazeres coletivos, ou melhor, o modo como transformam (ou não transformam) certas questões em coletivas. Esse aspecto influencia a construção ou a afirmação de uma identidade no seio da coletividade docente.

Nóvoa (2018) corrobora a relevância de construir uma comunidade de diálogo e de ação, como uma abertura a práticas de colaboração e de cooperação, pois em tempos de fragmentação, divisão e individualismo é urgente que a escola reconstrua as condições para uma vida em comum, permitindo pensar em conjunto e partilhar uma reflexão sobre os mesmos objetivos (ou problemas).

Cabe ressaltar que, especialmente para o processo econômico, nesta era de extrema valorização da individualização, o interesse está em construir identidades individuais e não coletivas (Bauman, 2005), sendo esta uma resistência a ser superada na carreira docente.

Considerações transitórias

Diante das análises empreendidas, constatamos, ainda que transitoriamente, ao considerar a identidade como fenômeno sempre em mutação, que a formação continuada pode ter papel diferenciado na (re)construção da identidade profissional, pois se revelou como uma dimensão da profissão estreitamente relacionada (e influente) com a constituição da identidade docente, valorizada pelas professoras como um elemento que possibilita acompanhar as rápidas mudanças sociais em curso e assim garantir o reconhecimento social de sua função.

Outro elemento integrador da formação com a identidade se evidenciou no espaço e tempo proporcionados pela formação que, ao ser desenvolvida no formato da pesquisa-ação, permitiu refletir e (re)construir coletivamente saberes e novas concepções sobre o que é ser professor(a). Nesse contexto, para o grupo, a desvalorização social do(a) professor(a) e da própria educação escolar, marcante na contemporaneidade, impacta os significados da identidade docente, bem como a própria ação de educar. As professoras revelaram estar diante de grandes desafios, assim como pontua Bauman, sobre a desvalorização da instituição escolar, seja pelos seus próprios estudantes, pelo governo e ou pela legitimidade dos conhecimentos veiculados.

As professoras indicaram, ainda, a necessidade de oportunidades para fortalecer seus laços profissionais, consolidando o coletivo docente e a noção de pertença a um grupo específico na sociedade, sendo reconhecidas como portadoras de uma identidade própria - a identidade docente. Entretanto, a configuração atual da instituição escolar e os modos de trabalho não proporcionam momentos para construir tal objetivo de modo consistente. Ainda, professoras de Educação Física e Artes da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental não se sentem portadoras de uma identidade coletiva, na medida em que executam seu trabalho, em grande parte, individualmente.

Há, assim, uma tensão permanente perpassando as formulações identitárias das professoras. Embora tenhamos consciência de que o pertencimento e a identidade não são sólidos como uma rocha ou imutáveis, conforme nos lembram recorrentemente Bauman e Dubar, as professoras parecem vivenciar uma condição de diluição da identidade coletiva, sendo necessário que as negociações no coletivo aconteçam, pois são fundamentais para construir uma identidade de grupo, considerando que pertencimento e identidade são questões inerentes à condição humana.

Portanto, as múltiplas dimensões que envolvem a profissão docente, como os diferentes contextos sócio-históricos, as relações estabelecidas entre os atores educacionais, as experiências individuais, o sentimento de pertencimento e as representações, precisam ser levadas em conta, ou seja, considerar, como enfatiza Nóvoa (2018), que não é possível separar a pessoalidade e a profissionalidade no contexto do ensino.

Nas ações formativas, é preciso reconhecer, valorizar e veicular os saberes dos(as) docentes, concebidos(as) como sujeitos ativos e em sua totalidade humana (e não como objetos), rompendo com modelos de formação que consideram o(a) professor(a) como mero(a) técnico(a) reprodutor(a) de conhecimentos produzidos pela ciência e que o desvalorizam como produtor(a) de saberes e como quem tem muito a dizer sobre sua realidade, seu trabalho escolar.

Assim, acreditamos que as ações de formação (embora não sejam a única fonte, evidentemente), se desenvolvidas na perspectiva crítica e colaborativa, são propícias para a construção de identidades mediante processos de socialização, gerando sentidos e significados à condição de ser professor(a) - promovendo, desse modo, o alcance da dimensão simbólica em termos de realização de si e de reconhecimento social que o ensino pode proporcionar, como deseja Dubar (2012) -, (re)construindo uma identidade coletiva, entendida como o reconhecimento dos(as) professores(as) e seu agir como um nós, encontrando as razões e os modos de viver a profissão docente em conjunto e favorecendo o sentimento de pertença profissional.

Do mesmo modo, cabe aos(às) professores(as) insistir na promoção do desenvolvimento profissional na perspectiva crítica, já que o indivíduo é sujeito ativo no processo de apropriação do mundo ao qual pertence, e, por conseguinte, buscar desencadear possibilidades de intervenção concreta tanto nas ações formadoras como nas práticas pedagógicas escolares (concebendo-as como processos articuladores e inseparáveis) que resultem numa educação básica pública diferenciada e de melhor qualidade. Como nos dizem Dubar e Bauman, se a identidade não é transmitida, mas depende da construção de cada geração (ainda que com base nas posições herdadas), ou, dito de outro modo, não é uma descoberta, mas sim uma invenção, podemos pensar na força e na necessidade de os(as) professores(as) construírem estratégias nas instituições em que atuam para formar e transformar continuamente suas identidades (reconhecendo sua incompletude, a vulnerabilidade e a fluidez da contemporaneidade que exigem esforços diante do estado frágil e transitório das relações e dos laços sociais) e, ao mesmo tempo, transformar as instituições escolares.

Concluímos que a constituição da identidade docente no cenário contemporâneo é um processo dinâmico e em constante movimento, no qual os(as) professores(as) se defrontam com as mudanças sociais, as incertezas, a pluralidade de valores e a busca por assegurar ou construir novas formas de identificação na atualidade. A percepção das professoras sobre o significado do exercício da docência atualmente está permeada pela crise do campo educativo, exposta em processos de desvalorização da profissão. Ser professor(a) significa superar cotidianamente os desafios contemporâneos. Por fim, as professoras reconhecem poucas experiências de formação continuada que tenham como objetivo gerar espaços de reflexão crítica em torno da docência, entretanto, essa dimensão da formação de professores(as) é um espaço propício para fortalecer os laços sociais e coletivos na docência, desde que se disponha a tal propósito.

Compartilhando as ideias de Bauman (2005), acreditamos que, diante da multiplicidade de significações e representações sobre o ser humano e a sociedade contemporâneos, o sujeito se confronta com inúmeras identidades possíveis de se reconhecer e muitas outras a serem inventadas. Para finalizar, consideramos que não podemos perder de vista o que Bauman (2005, p. 83) enfatiza: “a identidade é um conceito altamente contestado. Sempre que se ouvir essa palavra, pode-se estar certo de que está havendo uma batalha”.

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* Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

1Zygmunt Bauman (1925-2017), de nacionalidades polaca e britânica, foi sociólogo e filósofo, professor emérito de Sociologia na Universidade de Leeds, na Inglaterra, e na Universidade de Varsóvia, na Polônia. O pensador cunhou o conceito de “modernidade líquida” para refletir sobre a contemporaneidade e o mundo globalizado. A metáfora do “líquido” ou da fluidez e sua volatilidade é o principal aspecto das mudanças em curso, impactando as esferas da vida social, cultural e do trabalho.

2Claude Dubar (1945-2015), sociólogo de nacionalidade francesa, foi professor emérito de Sociologia da Universidade de Versailles, na França. Seu trabalho se concentra, sobretudo, na análise das identidades profissionais, refletindo sobre o processo de socialização e formação profissional.

3A formação docente não acontece apenas quando há certificação ou formação institucionalizada. Nesta investigação, privilegiou-se esse contexto uma vez que a pesquisa empírica ocorreu em um programa de formação desenvolvido em parceria entre uma universidade pública e um sistema municipal de ensino.

Recebido: 10 de Abril de 2019; Aceito: 04 de Fevereiro de 2020

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