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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.101 no.259 Brasília set./dic 2020

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.101i259.4137 

ESTUDOS

Os três componentes executivos básicos e o desempenho matemático escolar

The three basic executive components and school performance in mathematics

Los tres componentes ejecutivos básicos y el rendimiento matemático escolar

Alanny Nunes de SantanaI  II 
http://orcid.org/0000-0001-9505-3508

Antonio RoazziIII  IV 
http://orcid.org/0000-0001-6411-2763

Monilly Ramos Araujo MeloV  VI 
http://orcid.org/0000-0001-6496-371X

I Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: <alanny46@gmail.com>.

II Mestra em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco, Brasil.

III Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco, Brasil. E-mail: <roazzi@gmail.com>.

IV Doutor em Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo pela University of Oxford. Oxford, Reino Unido.

V Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Campina Grande, Paraíba, Brasil. E-mail: <monillyramos@gmail.com>.

VI Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, Pernambuco, Brasil.


Resumo:

As Funções Executivas (FE) são importantes preditoras do desempenho acadêmico. Quanto à composição das FE, o modelo da tríade executiva - Memória de Trabalho (MT), Controle Inibitório (CI) e Flexibilidade Cognitiva (FC) - é um dos mais explorados na atualidade. Considerando esse modelo e sua relação com o desempenho matemático escolar, pode-se afirmar a inexistência de dados empíricos que permitam inferir qual componente apresenta maior valor preditivo sobre esse desempenho. Portanto, objetivou-se com o presente estudo quantitativo verificar quais componentes executivos mais se associam ao desempenho matemático e qual é a magnitude dessa relação. Avaliaram-se 110 participantes com idades entre 8 e 12 anos, de escolas públicas e privadas, a partir dos instrumentos Mini-Exame do Estado Mental (Meem), Roteiro para Sondagem de Habilidades Matemáticas (Coruja PROMAT), Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil (Neupsilin-INF), Five Digit Test (FDT) e questionário sociodemográfico. Os resultados das análises estatísticas de correlação e regressão empreendidas revelaram relações significativas entre os três componentes e o desempenho em matemática, com forte predominância da MT, seguida da FC e do CI.

Palavras-chave: desempenho em matemática; funções executivas; memória

Abstract:

Executive Functions (EF) are understood as important predictors of academic performance. As for what constitutes EF, the executive triad model - Working Memory (WM), Inhibitory Control (IC) and Cognitive Flexibility (CF) - is one of the most explored models today. Considering the EF and its relationship with school performance in mathematics, it can be stated that there is no empirical data to infer which component has the highest predictive value on this performance. Therefore, the objective of this quantitative study is to verify which executive components are most associated with mathematical performance and what is the magnitude of this relationship. 110 participants aged from 8 to 12 years old, from public and private schools, were evaluated using the following instruments: the Mini-Mental State Examination (Meem), the Guide for Estimating Mathematical Skills (Coruja PROMAT), the Children’s Abbreviated Neuropsychological Assessment Tool (Neupsilin), the Five Digit Test (FDT) and a sociodemographic questionnaire. The results of the statistical analyses of correlation and regression revealed significant relationships between the three components and mathematical performance, with a strong predominance of WM, followed by CF and IC.

Keywords: executive functions; mathematic performance; memory

Resumen:

Las Funciones Ejecutivas (FE) son entendidas como predictoras importantes del rendimiento académico. En cuanto a la composición de las FE, el modelo de la tríada ejecutiva: Memoria de Trabajo (MT), Control Inhibitorio (CI) y Flexibilidad Cognitiva (FC) es uno de los más explorados en la actualidad. Teniendo en cuenta este modelo y su relación con el rendimiento matemático de la escuela, se puede decir que no hay datos empíricos que permitan inferir sobre cuál componente tiene el mayor valor predictivo sobre este rendimiento. Por lo tanto, el objetivo de este estudio cuantitativo fue verificar cuáles componentes ejecutivos están más asociados con el desempeño matemático y cuál es la magnitud de esta relación. Se evaluaron 110 participantes de 8 a 12 años, de escuelas públicas y privadas, utilizando los instrumentos: Miniexamen del Estado Mental (Meem), Guion para Sondeo de Habilidades Matemáticas (Coruja PROMAT), Herramienta de Evaluación Neuropsicológica Breve Infantil (Neupsilin-INF), Five Digit Test (FDT) y un cuestionario sociodemográfico. Los resultados de los análisis estadísticos de correlación y regresión realizados revelaron relaciones significativas entre los tres componentes y el rendimiento matemático, con un fuerte predominio de MT, seguido de FC y CI.

Palabras clave: funciones ejecutivas; desempeño en matemáticas; memoria

O modelo teórico da tríade executiva

Dentre as funções cognitivas superiores mais investigadas pela Neuropsicologia, encontram-se as chamadas Funções Executivas (FE), que, segundo Malloy-Diniz et al. (2014), atingiram seu ápice em termos filogenéticos na nossa espécie. Conforme Lezak (1982), cunhadora do termo, essas são capacidades que permitem ao indivíduo realizar condutas criativas, eficazes e aceitas no meio social em que vive. As FE seriam, então, “o coração” das habilidades sociais, sendo fundamentais para a construção da personalidade e das habilidades criativas (Lezak, 1982).

Alguns processos podem ser relacionados à ativação das FE, tais como: a inibição de respostas impulsivas, a interrupção e a retomada de atividades em andamento, a integração e o direcionamento de processos atencionais, a demonstração de flexibilidade, o monitoramento e a regulação da velocidade de processamento da informação, a direção da função motora, a direção do raciocínio fluido, a regulação do comportamento social, a fluência e a eficiência da linguagem, dentre outros (Vasconcelos, 2008). Nesse contexto, são variados os modelos teóricos que tratam das Funções Executivas, existindo, portanto, diversas definições e hipóteses relacionadas a essas habilidades (Malloy-Diniz et al., 2014; Kluwe-Schiavon; Viola; Grassi-Oliveira, 2012).

Kluwe-Schiavon, Viola e Grassi-Oliveira (2012) destacam que, apesar do crescente número de estudos acerca das FE e do seu construto teórico, persiste a inconsistência na literatura referente a sua concepção de unidade ou de múltiplos processos. Portanto, quanto à estrutura e à composição delas, não há consenso, entretanto, a perspectiva da tríade executiva proposta por Miyake et al. (2000), por abranger um modelo de múltiplos processos, vem sendo bastante utilizada nos procedimentos de avaliação neuropsicológica, na reabilitação e no desenvolvimento de pesquisas na área das FE.

Conforme Miyake et al. (2000), existem três Funções Executivas cuja ativação ocorre no lobo frontal ou no lobo executivo. Por meio da aplicação de tarefas executivas a 130 estudantes e da análise fatorial confirmatória dos resultados obtidos, os autores verificaram que as três FE são moderadamente correlacionadas entre si, mas claramente separáveis, contribuindo diferencialmente para o desempenho em tarefas executivas complexas. A partir desses achados, os autores concluíram que é importante reconhecer tanto a unidade quanto a diversidade dessas funções. Logo, para esse modelo, os processos que as compõem são operações distintas, mas relacionadas. Desse modo, afirmam-se a unidade e a diversidade das FE, pois os componentes, apesar de relativamente correlacionados entre si, apresentam também relativa independência (Miyake et al., 2000).

O modelo da tríade executiva, com base em dados de natureza psicométrica, pressupõe a existência de três componentes ou FE básicas: a Memória de Trabalho (MT), a inibição ou o Controle Inibitório (CI) e a Flexibilidade Cognitiva (FC). As três competências envolvem todos os outros componentes de processamento das Funções Executivas e juntas compõem a tríade executiva (Miyake et al., 2000). Diamond (2013) enfatiza a existência de outras habilidades executivas que podem ser consideradas mais complexas e que surgem a partir da tríade, sendo estas o planejamento, o raciocínio e a habilidade relacionada à solução de problemas, não exploradas diretamente neste estudo.

Tratando-se da tríade executiva básica, a Memória de Trabalho (MT) é relatada como a primeira habilidade a se desenvolver, referindo-se a um sistema de memória ultrarrápida, que possibilita a manipulação de informações conforme as exigências ambientais, sendo fundamental para dar sentido aos eventos que ocorrem ao longo do tempo (Mourão Junior; Melo, 2011; León et al., 2013). Segundo o modelo de MT proposto por Baddeley (2010), adotado neste estudo, a Memória de Trabalho se refere a um(ns) sistema(s) necessário(s) à manutenção de informações em mente enquanto o indivíduo executa tarefas complexas, como raciocínio, compreensão e aprendizado. Para o referido modelo de MT, há um sistema de controle atencional chamado de central executiva, que é auxiliado por três subcomponentes: alça fonológica (relacionada à linguagem), esboço visuoespacial (relacionado à semântica visual) e buffer episódico (relacionado à memória de longo prazo).

O segundo componente executivo, denominado Controle Inibitório (CI), pode ser entendido como a habilidade de postergar ou inibir uma resposta baseada na capacidade de avaliar múltiplos fatores, possibilitando o controle da atenção, de comportamentos, de pensamentos e de emoções, substituindo fortes predisposições internas ou externas (León et al., 2013). De acordo com Diamond (2013), o CI envolve a capacidade de controlar a atenção, o comportamento, os pensamentos e/ou as emoções para anular uma forte predisposição interna ou atração externa e, em vez disso, fazer o que é mais apropriado ou necessário. A partir da associação e do suporte da MT e do CI, desenvolve-se o terceiro componente executivo básico, a Flexibilidade Cognitiva (FC), referindo-se à modificação consciente de perspectivas ou abordagens no intuito de solucionar um problema específico.

Considerando as três FE básicas apresentadas, pode-se afirmar que são requisitadas sempre que se precisa formular planos de ação ou quando uma sequência de respostas apropriadas deve ser selecionada e esquematizada (Mourão Junior; Melo, 2011), situações comuns no ambiente escolar. Diamond (2013) afirma que as competências executivas apresentam um papel biologicamente adaptativo, na medida em que são normalmente ativadas nos eventos em que o controle cognitivo e o nível de consciência são necessários; logo, as FE são essenciais diante de situações novas ou em ocasiões que exigem adaptação, flexibilidade e ajustamento, como é o caso dos processos de aprendizagem (Gazzaniga; Ivry; Mangun, 2006).

Estudos recentes identificados em revisão da literatura evidenciam a associação entre as Funções Executivas e a aprendizagem escolar, sendo as habilidades executivas boas preditoras do desempenho em matérias como linguagem e matemática (Santana; Melo; Minervino, 2019). Logo, considerando o persistente baixo desempenho em matemática de estudantes brasileiros tanto em avaliações nacionais quanto internacionais (OECD, 2019; Brasil. Inep, 2017), bem como compreendendo que as FE podem ser importantes fatores explicativos para esses desempenhos, apresentaremos a seguir o que a literatura atual sobre essa temática já nos permite verificar.

A tríade executiva e o desempenho matemático escolar

A importância das habilidades do funcionamento executivo no aproveitamento da matemática já está bem estabelecida, conforme afirmam Bull e Lee (2014). Estudos longitudinais apontam que o desenvolvimento das FE nos anos iniciais de escolarização está relacionado à aquisição e à potencialização de habilidades matemáticas. Portanto, afirma-se que evidências extensas sugerem que as habilidades acadêmicas iniciais são um indicador robusto de realização acadêmica posterior e que as FE estão entre os fatores que contribuem para o desenvolvimento de habilidades em matemática (Bull; Lee, 2014).

Em um estudo longitudinal realizado com 1.292 crianças norte-americanas, Ribner et al. (2017) identificaram que o desempenho em matemática é auxiliado pelas FE, de modo que crianças com baixo rendimento na disciplina em anos iniciais, mas com alto funcionamento executivo, podem superar o desempenho das demais em anos posteriores. Logo, foi revelado que os participantes que têm altos níveis de FE podem “alcançar” os colegas que tiveram melhor rendimento em avaliações de capacidade matemática precoce.

Nos estudos que analisaram as relações entre desempenho em matemática e FE, ressalta-se que a Memória de Trabalho é a mais enfatizada enquanto preditora das habilidades matemáticas. Desoete e Weerdt (2013), ao examinarem a velocidade de nomeação, a inibição e a MT em crianças com transtornos de aprendizagem referentes à matemática, à leitura e a ambas combinados e em crianças sem esses transtornos, verificaram que todos os participantes com desordens na aprendizagem não se desempenharam bem em tarefas de MT, apresentando prejuízos nesse componente das FE.

Enquanto isso, Purpura e Ganley (2014), ao avaliarem 199 crianças pré-escolares a partir de uma bateria de tarefas precoces de matemática e de medidas de MT e linguagem, identificaram que esse componente executivo tem relação específica com apenas algumas habilidades de matemática primitivas importantes. Holmes e Adams (2006), ao examinarem as contribuições dos diferentes componentes do modelo de MT para uma gama de habilidades matemáticas em crianças, utilizando medidas de MT que não envolviam estímulos numéricos, verificaram que existe um papel mais forte atribuído às habilidades visuoespaciais no desempenho em matemática das crianças mais jovens, demonstrando a relevância da MT no desenvolvimento da capacidade matemática inicial.

Entretanto, apesar de a maioria dos estudos abordar a relação entre desempenho em matemática e FE por meio da ênfase no componente Memória de Trabalho, verifica-se que não existe consenso na literatura, pois alguns estudos destacam de maneira geral a importância da MT no desempenho, enquanto outros evidenciam que essa importância se dá apenas em algumas habilidades de matemática primitivas. Ora são destacadas as habilidades visuoespaciais da MT associadas ao bom desempenho em matemática de maneira geral, ora algumas específicas áreas do conhecimento matemático são enfatizadas em sua relação com a MT. Além disso, no que tange a essas pesquisas, podemos destacar que a MT foi o único componente das FE avaliado a partir de baterias ou testes específicos, de modo que os componentes Controle Inibitório e Flexibilidade Cognitiva não foram igualmente considerados na relação com o desempenho matemático escolar.

Diferentemente, Vasconcelos (2008) analisou outros componentes das FE associados ao desempenho matemático e concluiu que fatores como sustentação da atenção, memória operacional, manutenção do contexto cognitivo, habilidades visoconstrutivas, inibição dos estímulos irrelevantes, flexibilidade cognitiva e velocidade de processamento das informações são os mais relevantes na determinação do desempenho em matemática. Avaliando as habilidades em literatura inglesa, as habilidades algébricas, a memória de trabalho, a inibição e a flexibilidade mental em 255 crianças com 11 anos de idade, Lee, Ng e Ng (2009) verificaram que a MT explica cerca de um quarto da variância tanto na representação quanto na resolução de problemas matemáticos sob a forma textual. Os resultados do estudo ainda apontaram que a MT auxilia na decodificação de operadores quantitativos.

Observou-se, na pesquisa desenvolvida em Singapura por Lee, Ng e Ng (2009), que houve uma avaliação mais ampla da tríade executiva e da sua relação com a resolução de problemas matemáticos, assemelhando-se à proposta do presente estudo, que não se centra em componentes específicos, mas na tríade. Lee, Ng e Ng (2009) afirmam que em Singapura, diferentemente do que ocorre no Brasil, os estudantes apresentam boas performances em avaliações internacionais, de modo que os autores pretenderam com a pesquisa avaliar diferenças individuais na forma de resolução de problemas, especificamente os algébricos sob a forma textual, centrando-se na extensão da influência da MT nas diferentes fases da resolução de problemas matemáticos.

Tratando-se dos outros componentes da tríade, Lee, Ng e Ng (2009) destacam que os dados coletados revelam que a inibição e a flexibilidade mental não se correlacionam com a performance em testes de álgebra, entretanto, afirmam que esse resultado pode decorrer de fatores como a idade dos participantes e a influência de diferenças curriculares encontradas em Singapura. Logo, em âmbito nacional, existe a possibilidade de verificarmos resultados diferentes dos encontrados por Lee, Ng e Ng (2009), a exemplo do observado na pesquisa desenvolvida em outro país por Passolunghi, Cornoldi e De Liberto (1999), que revelou a inibição como importante preditora do desempenho em resolução de problemas.

Swanson (2006), ao avaliar o efeito da idade na resolução de problemas matemáticos, revelou que 42% das diferenças relativas à idade na resolução de problemas estavam relacionadas ao processamento executivo, evidenciando que o crescimento no sistema executivo é um importante preditor das habilidades de resolução de problemas. Além disso, o autor enfatiza que a inibição prediz as habilidades na resolução de cálculos aritméticos, revelando a sua importância no desenvolvimento de habilidades matemáticas, entretanto, a inibição não prevê a performance na resolução de problemas nos anos iniciais de escolaridade. Mayer e Hegarty (1996) também destacam a relevância da inibição e da flexibilidade ao apontarem que os dois componentes são essenciais para que o indivíduo possa representar problemas matemáticos.

Apesar da importância de considerar as implicações teóricas e práticas dos resultados de todas as pesquisas sobre a relação entre FE e desempenho matemático aqui exibidas, destaca-se que, infelizmente, são poucos os estudos nacionais na área que tratam dessa temática, de modo que a grande maioria dos resultados apresentados é de origem internacional, obtidos com amostras de participantes estrangeiros. Logo, são necessários estudos conduzidos com brasileiros que avaliem as relações específicas dos fatores não matemáticos, aqui em foco as FE, como aspectos individuais da matemática inicial, na medida em que, conforme ressaltam Bull e Scerif (2001), esses fatores têm sido associados ao desenvolvimento matemático em um nível amplo.

O estudo

Com base nas pesquisas disponíveis na área, apesar da evidente prevalência da Memória de Trabalho enquanto componente executivo básico mais associado ao desempenho em matemática, podemos destacar que, na maioria dos estudos, foi a única FE avaliada a partir de baterias ou testes específicos, de modo que os componentes Controle Inibitório e Flexibilidade Cognitiva não foram igualmente considerados na relação com o desempenho matemático escolar. Além disso, os estudos disponíveis se centram apenas em habilidades matemáticas específicas, nomeadamente na resolução de problemas aritméticos com suporte textual.

Desse modo, buscou-se com este estudo avaliar as Funções Executivas de escolares e o valor preditivo de cada um dos três componentes executivos básicos para o desempenho matemático escolar, investigando as relações existentes entre os componentes - Memória de Trabalho, Controle Inibitório e Flexibilidade Cognitiva - e o desempenho de alunos na resolução de atividades de matemática com foco em diferentes áreas (representação da magnitude numérica, Fato Numérico, resolução de problemas e tempo de resolução).

Método

Amostra

Foram selecionados 110 participantes a partir do método de amostragem probabilística estratificada, sendo estudantes regularmente matriculados do 2º ao 7º ano do ensino fundamental, igualmente distribuídos entre 8 e 12 anos de idade. Foram incluídos participantes de escola pública (54,5%) e de escola privada (45,5%), sendo 50,9% do sexo feminino e 49,1% do sexo masculino, conforme apresenta a Tabela 1.

Tabela 1 Descrição de amostra de participantes 

Ano Escolar f Idade f Renda f Rede f Sexo f
2º ano 5 8 anos 22 Até 2 mil 49 Pública 60 Feminino 56
3º ano 21 9 anos 22 3-4 mil 22 Privada 50 Masculino 54
4º ano 31 10 anos 22 5-6 mil 6
5º ano 22 11 anos 22 7-8 mil 7
6º ano 21 12 anos 22 Não Informado 26
7º ano 10

Fonte: Elaboração própria.

  1. 1) fora da faixa etária estabelecida

  2. 2) que não apresentavam o funcionamento neurológico, auditivo, oral e visual preservados ou corrigidos;

  3. 3) com necessidades educativas especiais;

  4. 4) com severas perdas cognitivas;

  5. 5) que tinham repetido por mais de duas vezes o ano escolar

Instrumentos

Os participantes foram avaliados a partir dos instrumentos: Questionário Sociodemográfico, Mini-Exame do Estado Mental (Meem), Roteiro para Sondagem de Habilidades Matemáticas - Coruja PROMAT (Weinstein, 2016), Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil - Neupsilin-INF (Salles et al., 2016) e Five Digit Test - FDT (Sedó; de Paula; Malloy-Diniz, 2015).

  1. Aspectos Sociodemográficos (Questionário Sociodemográfico) O questionário foi elaborado pelos autores especificamente para o presente estudo, objetivando a coleta de informações que permitiram uma melhor caracterização da amostra. Dentre as informações solicitadas, estão a idade e a renda familiar. As questões foram respondidas pelos pais ou responsável pelo estudante participante

  2. Comprometimentos Cognitivos (Mini-Exame do Estado Mental - Meem) Para a avaliação dos possíveis comprometimentos cognitivos, que indicaram a inclusão ou não de participantes na amostra, foi aplicado o Meem, com a adaptação para indivíduos com idades entre 3 e 14 anos proposta por Jain e Passi (2005). O Meem avalia funções mentais da linguagem, orientação espacial e temporal, atenção, memória e praxia construtiva. Considerando a adaptação para o público infantil, o ponto de corte para déficit cognitivo foi de um escore inferior a dois desvios-padrão abaixo da média

  3. Desempenho em Matemática (Roteiro para Sondagem de Habilidades Matemáticas - Coruja PROMAT) A avaliação do desempenho em matemática para este estudo foi realizada a partir do uso do Coruja PROMAT. Este é um roteiro já validado para a aplicação em crianças com idades entre 6 e 13 anos. As áreas avaliadas são: 1) representação da magnitude numérica; 2) evocação de fatos numéricos básicos ou aritméticos; e 3) resolução de problemas. Na correção, foram consideradas as indicações do manual do instrumento

  4. Memória de Trabalho (Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil - Neupsilin-INF) O componente executivo Memória de Trabalho foi avaliado a partir do Neupsilin-INF, que apresenta validade aparente e de conteúdo para a avaliação de crianças com idades entre 6 e 12 anos. Examina a MT em tarefas específicas com base em sequências de palavras na ordem direta, de dígitos na ordem indireta e span de pseudopalavras. A correção considerou o manual do instrumento

  5. Controle Inibitório e Flexibilidade Cognitiva (Five Digit Test - FDT) Utilizou-se o instrumento psicológico FDT para a avaliação dos componentes executivos Controle Inibitório e Flexibilidade Cognitiva. O FDT é um instrumento reconhecido, padronizado e validado que avalia indivíduos com idades entre 6 e 92 anos e utiliza informações conflitantes sobre números e quantidades, apresentando-os em quadros. A correção considerou o manual do instrumento

Procedimentos

Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco, Parecer nº 3.267.145 (Caee: 09704119.4.0000.5208), as pessoas submetidas à pesquisa foram esclarecidas a respeito do estudo e foi solicitada a assinatura dos Termos de Consentimento e de Assentimento. Destaca-se que os preceitos preconizados na Resolução nº 510, de 07 de abril de 2016, do Conselho Nacional de Saúde foram cumpridos, como o anonimato dos sujeitos, o sigilo, a participação voluntária e o não oferecimento de riscos elevados à integridade física, psíquica e moral do participante (Brasil. MS. CNS, 2016).

A coleta dos dados foi realizada em escolas públicas e privadas do município de Recife-PE, por meio da aplicação dos instrumentos supracitados nos indivíduos que atenderam aos critérios de inclusão referidos no tópico Amostra. A testagem aconteceu a partir de um encontro com cada participante em salas de aula vazias ou na biblioteca da escola, a depender da disponibilidade da instituição, com duração média de uma hora. Inicialmente, ocorria a busca do estudante em sala de aula e, logo após, a pesquisadora fornecia as informações sobre o procedimento que seria realizado. Depois de um breve diálogo com o aluno e o estabelecimento do Rapport, as atividades eram começadas.

Análise dos Dados

Foram executadas análises estatísticas descritivas, de correlação de Spearman (ρ) e de regressões lineares múltiplas, considerando a não normalidade dos dados, conforme resultados do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov. Na próxima seção, serão apresentados os resultados da análise empreendida.

Resultados

Os resultados verificados apontaram que os três componentes executivos - Memória de Trabalho (MT), Controle Inibitório (CI) e Flexibilidade Cognitiva (FC) - se apresentam significativamente correlacionados com o desempenho em matemática, avaliado a partir do teste Coruja PROMAT. Destaca-se que as correlações demonstradas foram significativas em todas as áreas da matemática avaliadas pelo teste. Tratando-se das correlações entre os três componentes executivos básicos individualmente e o desempenho matemático escolar, observou-se que a MT se refere ao componente cujas correlações com o desempenho em matemática são de maior magnitude. Apresentaram-se correlações fortes, especialmente, com o Desempenho Total em matemática (ρ= 0,685 e p<0,001) e a área Matemática de Fato Numérico (ρ= 0,618 e p<0,001).

Além das correlações entre MT geral e desempenho em matemática, foram verificadas correlações significativas entre todos os subcomponentes da MT e as áreas da matemática, sendo as com maior magnitude entre MT Fonológica e Matemática Total (ρ= 0,629 e p<0,001), entre Componente Visuoespacial da MT e Desempenho Total em matemática (ρ= 0, 625 e p<0,001), entre MT Fonológica e Resolução de Problemas (ρ= 0, 621 e p<0,001) e entre Componente executivo Central da MT e Desempenho Total em matemática (ρ= 0,584 e p<0,001), como se observa na Tabela 2.

Tabela 2 Correlações de Spearman (ρ) entre as Medidas de Desempenho em Matemática (Coruja PROMAT) e Memória de Trabalho (MT - Neupsilin) 

Desempenho em Matemática MT Geral MT Fonológica MT Executivo MT Visuoespacial
Matemática Total ρ ,685 ,629 ,584 ,625
p ,001 ,001 ,001 ,001
Magnitude Numérica ρ ,580 ,577 ,459 ,522
p ,001 ,001 ,001 ,001
Fato Numérico ρ ,618 ,521 ,548 ,561
p ,001 ,001 ,001 ,001
Resolução de Problemas ρ ,599 ,621 ,501 ,536
p ,001 ,001 ,001 ,001
Tempo de Resolução ρ -,384 -,294 -,326 -,342
p ,001 ,002 ,001 ,001

Fonte: Elaboração própria.

O segundo componente executivo com maior relação com o desempenho em matemática foi a Flexibilidade Cognitiva, que apresentou correlações moderadas em nível de 0,01 com todas as áreas de desempenho em matemática avaliadas. Ressaltaram-se as correlações entre tempo de resolução em matemática e FC (ρ= 0, 490 e p<0,001), Fato Numérico e FC (ρ= 0,449 e p<0,001) e Desempenho Total em matemática e FC (ρ= 0,442 e p<0,001), conforme a Tabela 3.

Tabela 3 Correlações de Spearman (ρ) entre as Medidas de Desempenho em Matemática (Coruja PROMAT) e Flexibilidade Cognitiva (FC - FDT) 

Desempenho em Matemática Flexibilidade Cognitiva
Matemática Total ρ ,442
p ,001
Magnitude Numérica ρ ,413
p ,001
Fato Numérico ρ ,449
p ,001
Resolução de Problemas ρ ,340
p ,001
Tempo de Resolução ρ ,490
p ,001

Fonte: Elaboração própria.

O Controle Inibitório foi o componente executivo com correlações de menor magnitude com o desempenho em matemática, todavia, apresentou correlações significativas com todas as áreas do desempenho em matemática avaliadas. Ressaltaram-se as correlações entre Desempenho Total em matemática e CI (ρ= 0,382 e p<0,001), Fato Numérico e CI (ρ=0,368 e p<0,001) e tempo de resolução e CI (ρ= 0,346 e p<0,001), conforme a Tabela 4.

Tabela 4 Correlações de Spearman (ρ) entre as Medidas de Desempenho em Matemática (Coruja PROMAT) e Controle Inibitório (CI - FDT) 

Desempenho em Matemática Controle Inibitório
Matemática Total ρ ,382
p ,001
Magnitude Numérica ρ ,288
p ,002
Fato Numérico ρ ,368
p ,001
Resolução de Problemas ρ ,270
p ,004
Tempo de Resolução ρ ,346
p ,001

Fonte: Elaboração própria.

A partir da realização de análises estatísticas de regressão linear múltipla, no intuito de verificar o valor preditivo dos componentes executivos sobre o desempenho em matemática, observou-se novamente a predominância da Memória de Trabalho sobre os demais componentes. Antes da análise, as variáveis foram normalizadas transformando os dados brutos em z-scores. Inicialmente, foi realizada uma regressão passo a passo (Stepwise), tendo como variável dependente o desempenho em matemática e como variáveis independentes os três componentes executivos.

Considerando esse tipo de regressão, observou-se que o desempenho em MT foi capaz de explicar 53,3% da variância [Fchange (1,108) = 123,13; p<0,001] dos participantes no desempenho em matemática, enquanto a Flexibilidade Cognitiva foi capaz de prever 2,4% [Fchange (1,107) = 5,76; 𝑝<0,018]. No que se refere ao Controle Inibitório, esse componente apresentou baixo poder/peso preditivo quando, conforme critérios matemáticos automáticos do programa estatístico, ajustado ao modelo com a MT e a FC, de modo que não apareceu na Tabela 5 de regressão.

Tabela 5 Análise de Regressão Múltipla Passo a Passo, tendo como Variável Dependente o Desempenho em Matemática e como Variáveis Independentes os três Componentes Executivos 

Modelo R R2 R2 corrigido EP R2 Change FChange gl1 P
Memória de Trabalho ,730 ,533 ,528 9,53 ,533 123,13 1 ,001
Flexibilidade Cognitiva ,746 ,557 ,548 9,33 ,024 5,76 1 ,018

Fonte: Elaboração própria.

Tendo em vista os resultados da regressão passo a passo, foi empreendida uma análise de regressão múltipla com ordem fixa considerando sempre a MT como terceiro passo e o CI e a FC alternadamente como primeiro e segundo (Tabela 6), já que a Memória de Trabalho apresenta alto valor preditivo e, adicionada como primeiro ou segundo passos, elimina a identificação do peso do CI sobre o desempenho em matemática.

Tabela 6 Análises de Regressão Múltipla com Ordem Fixa tendo como Variável Dependente a Matemática e como Variáveis Independentes dois Modelos Estatísticos, tendo a Memória de Trabalho como 3º Passo e o Controle Inibitório e a Flexibilidade Cognitiva alternadamente como 1º e 2º Passos 

Modelos de Regressão R R2 R2 corrigido EP R2 Change FChange gl1 P
Modelo 1
Passo 1- CI ,329 ,108 ,100 13,17 ,108 13,082 1 ,001
Passo 2- FC ,434 ,188 ,173 12,63 ,080 10,544 1 ,002
Passo 3- MT ,749 ,562 ,549 9,32 ,374 90,316 1 ,001
Modelo 2
Passo 1- FC 430 ,185 ,178 12,59 ,185 24,537 1 ,001
Passo 2- CI ,434 ,188 ,173 12,63 ,003 ,385 1 ,536
Passo 3- MT ,749 ,562 ,549 9,32 ,374 90,316 1 ,001

Fonte: Elaboração própria.

Conforme os resultados observados na Tabela 6, verifica-se que, quando adicionado como o primeiro passo (Modelo 1), o CI demonstra um poder preditivo de 10,8% (Fchange (1,108) = 13,082; p<0,001) sobre o desempenho em matemática, o que não pode ser afirmado quando mediado pela Flexibilidade Cognitiva (Modelo 2), tendo em vista que esta, quando adicionada como primeiro passo, elimina a significância estatística do valor preditivo do CI (p<0,536). Logo, entende-se que a relação entre CI e desempenho em matemática é mediada pela Flexibilidade Cognitiva mais do que pela própria Memória de Trabalho, que apresenta índice de variância alto mesmo quando colocada como último passo (37,4%).

Discussão e conclusão

O objetivo deste estudo foi avaliar as Funções Executivas de escolares e identificar o valor preditivo de cada um dos três componentes executivos básicos para o desempenho matemático escolar. Considerando a análise estatística dos dados em consonância com a literatura disponível na área das FE, é possível realizar algumas importantes inferências a partir dos resultados obtidos.

As análises empreendidas revelaram, corroborando os dados dos estudos já disponíveis, que os componentes executivos, aqui com ênfase na tríade, apresentam uma relação significativa com o desempenho em matemática. Entende-se, portanto, que, dentre as diversas variáveis e os aspectos que influenciam o desempenho escolar, se encontram as FE, que se referem a um conjunto de habilidades cognitivas relacionadas ao controle top-down dos comportamentos, atuando na regulação de diferentes processos cognitivos, emocionais e comportamentais, representando uma habilidade necessária à aprendizagem (Diamond, 2013; Miyake et al., 2000).

Em consonância com os dados apresentados, Bull e Scerif (2001) afirmam que o funcionamento executivo é um bom preditor de desempenho escolar, pois alguns estudos mostram esse resultado mesmo após o controle de outros fatores explicativos, a exemplo da recuperação da memória de longo prazo, da velocidade de processamento de informações e do processamento fonológico. As análises empreendidas revelaram que a MT se refere ao componente cuja relação com o desempenho em matemática é de maior magnitude, em acordo com o que apresentam alguns estudos especificamente voltados a esse componente executivo (Peterson et al., 2017).

Entretanto, o que os estudos disponíveis ainda não haviam revelado, pois não avaliaram com a MT os demais componentes executivos, é que, mesmo considerando o CI e a FC, a Memória de Trabalho ainda se sobressai, apresentando um alto e significativo poder preditivo sobre o desempenho em matemática (53,3% da variância). Tamanha é a associação entre a MT e o desempenho em matemática que, mesmo mediada pelos dois demais componentes, ainda revela alto valor preditivo, explicando 37,4% da variância no desempenho de escolares em matemática. Portanto, e conforme afirma Diamond (2013), a MT é necessária para a compreensão e a realização de qualquer cálculo matemático, assim como é essencial no processo de reordenação mental de itens, na tradução de instruções em planos de ação, na incorporação de novas informações e no relacionamento mental de informações (Diamond, 2013).

Diferentemente do que era previsto, segundo os estudos disponíveis, a Flexibilidade Cognitiva se revelou como o segundo componente executivo que melhor prevê o desempenho em matemática, o que pode ser justificado tendo em vista que esse componente permite ao indivíduo a utilização de informações do ambiente para confirmar ou refutar suas hipóteses de trabalho (Vasconcelos, 2008). Desse modo, a partir dessa análise, o indivíduo pode decidir sobre a necessidade de abandonar ou de prosseguir com a hipótese inicial, sendo essa habilidade importantíssima, especialmente para a redução no tempo de resposta a questões de matemática e na não perseveração nos erros, o que pode ser claramente observado a partir da correlação entre o tempo de resolução do teste de matemática e a FC (ρ = 0,490 e p<0,001).

Além disso, a FC se revelou ainda como o componente que media a relação do CI com esse desempenho, pois, considerando as análises de regressão multivariadas, o CI, apesar de significativamente correlacionado com o desempenho em matemática, explica com significância estatística a variância nesse desempenho só quando colocado enquanto primeiro passo. Logo, retirando-se o efeito da FC, o CI não prevê variância significativa no desempenho em matemática, indo em oposição aos achados de Gilmore et al. (2013), que afirmam que as diferenças individuais no Controle Inibitório se correlacionam diretamente com aquelas na conquista matemática. Pode-se entender que tal resultado decorre da não avaliação pelos autores do Componente FC, tendo em vista apresentarem outros objetivos específicos no estudo.

Desse modo, é possível compreender que o CI, enquanto capacidade de controlar a atenção, o comportamento, os pensamentos e/ou as emoções para anular uma forte predisposição interna ou atração externa (Diamond, 2013), facilita a atuação da Memória de Trabalho e da Flexibilidade Cognitiva ao suprimir respostas reflexas, agindo como um eficiente filtro de informações. No entanto, sua relação com o desempenho em matemática é mediada pela MT e, especialmente, pela FC, como demonstra o modelo de regressão 2 (Tabela 6).

Destarte, e em contraponto aos resultados de pesquisas realizadas, destacamos o preponderante papel da FC, que, conforme dados de revisão de literatura sobre a temática, só aparece enquanto função avaliada em 17% dos estudos sobre as FE em sua relação com o desempenho em matemática (Santana et al., 2019), apresentada como tendo papel reduzido ou mesmo como função não diretamente avaliada a partir de instrumentos específicos. Desse modo, a FC não é analisada separadamente na maioria dos estudos disponíveis, não recebendo o seu devido destaque. Em consonância, Sluis, Jong e Leij (2004) apontam, ao avaliarem crianças com deficiência aritmética, que essas são mais prejudicadas em tarefas que exigem especificamente FC e inibição.

Dessa forma, em consonância com Bull e Scerif (2001), os resultados deste estudo revelam que cada componente executivo prevê variação única na capacidade matemática, indo de encontro ao modelo teórico proposto por Miyake et al. (2000), que mostra tanto a unidade quanto a diversidade entre as FE. Portanto, verifica-se que cada função se correlaciona significativamente com o desempenho em matemática em diversas áreas e juntas, mediadas umas pelas outras, preveem uma importante variância no desempenho de escolares em matemática.

Todavia, nossos resultados divergem dos identificados pelos autores supracitados, tendo em vista que estes propõem que dificuldades de crianças com menor capacidade matemática sejam decorrentes, sobretudo, da falta de inibição e da falta de memória operacional, que resultam em problemas com a troca e avaliação de novas estratégias para lidar com uma tarefa específica, o que não foi observado a partir dos resultados aqui apresentados. Os dados deste estudo destacaram, diferentemente, o papel da MT e da FC como os mais relevantes para o desempenho em matemática.

Apesar de consentir acerca da relevância das FE, a literatura disponível não havia estabelecido se a influência delas sobre o desempenho em matemática se estendia ou não a áreas específicas do conhecimento matemático. Nesse sentido, os resultados aqui verificados revelaram que a relação entre FE e desempenho em matemática ocorre em todas as áreas avaliadas (representação da magnitude numérica, Fato Numérico, resolução de problemas e tempo de resolução). Considerando os três componentes executivos separadamente, temos que o Desempenho Total em MT se correlaciona de maneira forte especialmente com as habilidades de evocação de fatos numéricos básicos ou aritméticos, ou seja, com as combinações das quatro operações matemáticas básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão (ρ= 0,618 e p<0,001).

Desse modo, entendida enquanto sistema de memória ultrarrápida (León et al., 2013), a MT é essencial para a efetuação de cálculos aritméticos, pois permite o estabelecimento de relações, possibilitando a realização de conexões para que o indivíduo possa fazer planos e tomar decisões de maneira adaptativa, a fim de chegar às respostas corretas. Tratando-se dos subcomponentes da MT, destaca-se o importante papel da MT Fonológica, que se encontra fortemente relacionada ao bom desempenho em diferentes e específicas áreas da matemática, tais como a resolução de problemas, orais e escritos (ρ=0, 621 e p<0,001), e a representação da magnitude numérica (ρ= 0,577 e p<0,001).

Entende-se, portanto, que a MT Fonológica, por se referir ao armazenamento temporário das representações fonológicas (sons/palavras ouvidas), influencia o conhecimento da construção semântica e das relações matemáticas. Além disso, a MT Fonológica se encontra envolvida no conhecimento das habilidades numéricas básicas, assim como está relacionada às habilidades de comparação de quantidades numéricas não simbólicas, como ordinalidade (1º, 2º, 3º), pontos em um conjunto e processamento simbólico de números.

No que tange à Flexibilidade Cognitiva, ressalta-se que suas relações mais fortes foram com o tempo de resolução do teste de matemática (ρ = 0,490 e p<0,001) e com a evocação de fatos numéricos (ρ = 0,449 e p<0,001). Desse modo, pode-se afirmar que um bom desempenho em FC implica menor perseveração nos erros no campo da aritmética, já que permite a observação e a comparação de diferentes estratégias de resolução e uma maior eficácia na realização dos cálculos, possibilitando, consequentemente, um menor gasto de tempo na realização de atividades matemáticas.

Já no que se refere ao Controle Inibitório, ressaltaram-se também as correlações entre evocação de fatos numéricos (ρ = 0,368 e p<0,001) e tempo de resolução (ρ = 0,346 e p<0,001), revelando assim que, para uma adequada e rápida resolução de cálculos que exigem a combinação de adição, subtração, multiplicação e divisão entre dois fatores, é necessária a ativação do CI. Ou seja, para um bom desempenho nessas áreas da matemática, exige-se a supressão da interferência de estímulos (sons, cheiros, outros estudantes etc.), de informações irrelevantes da Memória de Trabalho e de respostas comportamentais inadequadas, papel primordial do CI.

Em suma, os resultados e a discussão apresentados por este estudo apontam que as FE, especificamente os componentes executivos básicos, encontram-se diretamente relacionadas com o desempenho matemático de escolares entre 8 e 12 anos de idade. Destacou-se, assim como previsto pelos estudos já disponíveis na literatura, que a MT tem um forte poder preditivo sobre esse desempenho. Em contraponto, verificou-se que a FC é uma função mediadora entre o CI e o desempenho em matemática, sendo o segundo componente que melhor prevê esse desempenho, em oposição aos dados apresentados no estudo de Lee, Ng e Ng (2009).

Dessa forma, pode-se afirmar que indivíduos com bom desempenho executivo tendem a apresentar bom desempenho em atividades de matemática escolar, em acordo com o que algumas pesquisas disponíveis já afirmam em relação à aprendizagem de maneira generalista (Dias; Menezes; Seabra, 2010; Corso et al., 2013). Além disso, verificou-se que a correlação entre esses desempenhos ocorre considerando diferentes áreas da matemática, tais como a resolução de problemas orais e escritos, a habilidade de comparar quantidades numéricas simbólicas e não simbólicas e de resolver operações aritméticas básicas (adição, subtração, multiplicação e divisão).

Sugere-se que futuras pesquisas avaliem as influências das FE sobre o desempenho matemático em outras áreas - como a álgebra, não avaliada neste estudo -, tendo em vista a idade e o ano escolar da amostra. Além disso, considerando a identificada relevância das FE, demanda-se por pesquisas de tipo intervencional, que construam protocolos de intervenção ainda não disponíveis e que avaliem especificamente os resultados obtidos no desempenho matemático a partir de intervenções direcionadas às FE.

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Recebido: 04 de Fevereiro de 2020; Aceito: 05 de Agosto de 2020

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