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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.101 no.259 Brasília set./dic 2020

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.101i259.3867 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

Certificação de saberes docentes na educação profissional: construção de um projeto-piloto

The certification of pedagogical knowledge in vocational education: building a pilot project

Certificación de saberes docentes en la educación profesional: construcción de un proyecto piloto

1 Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: <ana.fassina@ifc.edu.br>.

II Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.

III Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: <wollinger@ifsc.edu.br>.

IV Doutor em Educação pela Universidade de Brasília. (UnB). Brasília, Distrito Federal, Brasil.

V Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil. E-mail: <olivier@ifsc.edu.br>.

VI Doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.


Resumo:

Considerando sua atuação em sala de aula e o compartilhamento de saberes de sua comunidade de práticas, professores da educação profissional (EP) desenvolvem diversas competências laborais. Com fundamento no art. 41 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nos princípios da Rede Certific e em autores que defendem a valorização da técnica e dos conhecimentos dela provenientes, propomos a avaliação e a certificação dos saberes docentes. Nada mais coerente do que reconhecer naqueles que educam trabalhadores a possibilidade de terem validados os saberes construídos na sua atividade profissional. Por meio de pesquisa bibliográfica acerca das bases epistemológicas e legais da EP, da análise dos atuais programas de formação de professores da carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) e do levantamento de programas de certificação de saberes docentes em diversos países, apresentamos o relato de experiência na elaboração de um projeto-piloto de certificação desses saberes, para professores da educação profissional, em desenvolvimento no Instituto Federal Catarinense (IFC) e no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Esse projeto é extensível à Rede Federal, bem como a qualquer rede de educação profissional e seus docentes com mais de dez anos de atividade.

Palavras-chave: certificação de saberes docentes; educação profissional; formação dos profissionais da educação; Rede Certific

Abstract:

Throughout their classroom experience and by sharing knowledge in their community, vocational education teachers develop their own work-related skills. This study proposes an evaluation of pedagogical knowledge and its certification, based on the Brazilian legislation on educational guidelines, the principles of the CERTIFIC Network and the work of authors who propose valuing this technique and the knowledge acquired through it. It is coherent to recognize the possibility of validating the knowledge of those who educate workers, knowledge built during their own professional activities. Through bibliographical research about the epistemological and legal bases of vocational education, combined with the analysis of current vocational teacher education programs as well as a review of the certification of pedagogical knowledge programs in several countries, this experience report covers the elaboration of a pilot project for the assessment and certification of teacher’s pedagogical knowledge at the Catarinense Federal Institute (IFC) and the Santa Catarina Federal Institute (IFSC). This project could also be applied to federal vocational education as a whole, and to any vocational education program employing teachers who have been active for ten years or more.

Keywords: Certific Network; pedagogical knowledge certification; vocational education; vocational teacher’s formation

Resumen:

Considerando su actuación en el aula y el intercambio de saberes de su comunidad de prácticas, profesores de la Educación Profesional (EP) desarrollan varias competencias laborales. Con base en el artículo 41 de la Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional (LDB), en los principios de la Red Certific y en autores que defienden la valorización de la técnica y de los conocimientos como resultado de ella, proponemos la evaluación y la certificación de los saberes docentes. Nada más coherente que reconocer en aquellos que educan a los trabajadores la posibilidad de tener validados los saberes construidos en su actividad profesional. A través de una investigación bibliográfica acerca de las bases epistemológicas y legales de la EP, del análisis de los actuales programas de formación de docentes de la carrera de la Enseñanza Básica, Técnica y Tecnológica (EBTT) y de la encuesta de los programas de certificación de saberes docentes en varios países, presentamos el informe de experiencia en la elaboración de un proyecto piloto de certificación de los saberes docentes, para profesores de la educación profesional, en desarrollo en el Instituto Federal Catarinense (IFC) y en el Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Este proyecto es extensible a la Red Federal, así como a cualquier red de educación profesional y sus docentes con más de diez años de actividad.

Palabras clave: certificación de saberes docentes; educación profesional; formación de los profesionales de la educación; Red Certific

Introdução

Educação profissional (EP) é a formação para o trabalho, compreendido como o exercício social da técnica, e esta como a intervenção humana consciente sobre a natureza para produção da existência (Pinto, 2005). O conjunto docente que implementa essas ofertas é diversificado, com trabalhadores de várias áreas de atuação ou de formação. “Na realidade, em educação profissional, quem ensina deve saber fazer. Quem sabe fazer e quer ensinar deve aprender a ensinar”, dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (BRASIL. MEC. CNE. CEB, 1999), portanto, bacharéis e tecnólogos devem qualificar-se para a docência na EP.

Ao longo dos anos de atividade na educação profissional, professores adquirem fazeres e saberes que, em muitos casos, coincidem com as competências desenvolvidas nos programas regulares de formação docente para a EP: o trabalho como princípio educativo é o que tratamos neste experimento. Considerando os fazeres de sala de aula e o compartilhamento de saberes de sua comunidade de práticas, professores da educação profissional sistematizam competências laborais que podem ser avaliadas para fins de certificação.

A Rede Federal de Educação Profissional, cuja trajetória iniciou em 1909, é uma das principais ofertantes de EP no Brasil, em todos os seus níveis e modalidades. Conta atualmente com 64 instituições, distribuídas em 647 campi, que atuam na oferta de cursos de qualificação, técnicos de nível médio e superiores de tecnologia (Brasil. MEC, 2018, 2019). Nesse contexto, a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, foi um importante marco na história da educação profissional brasileira, permitindo a expansão da Rede e a oferta de EP de forma capilarizada em todo o País.

Os docentes da Rede Federal compõem a carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), estruturada pela Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que abrange a docência da EP em todos os níveis, inclusive nos cursos de qualificação e nos técnicos de nível médio (que se equiparam à educação básica). Assim, a respectiva formação pedagógica deve obedecer ao art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB):

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal. (Brasil, 1996).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Docentes da Educação inicial para os professores da educação básica compreendem: “I - cursos de graduação de licenciatura; II - cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados; III - cursos de segunda licenciatura”. Logo, os docentes EBTT que já possuem graduação em nível de bacharelado ou de tecnologia têm a possibilidade de buscar a formação pedagógica na forma de uma segunda licenciatura.

Outras possibilidades são tratadas no art. 40 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (Resolução CNE/CEB nº 6, de 20 de setembro de 2012):

§ 2º Aos professores graduados, não licenciados, em efetivo exercício na profissão docente ou aprovados em concurso público, é assegurado o direito de participar ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados à formação pedagógica ou à certificação da experiência docente, podendo ser considerado equivalente às licenciaturas: I - excepcionalmente, na forma de pós-graduação lato sensu, de caráter pedagógico, sendo o trabalho de conclusão de curso, preferencialmente, projeto de intervenção relativo à prática docente; II - excepcionalmente, na forma de reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício como professores da educação profissional, no âmbito da Rede Certific; III - na forma de uma segunda licenciatura, diversa da sua graduação original, a qual o habilitará ao exercício docente. (Brasil. MEC. CNE. CEB, 2012).

O mesmo dispositivo determina que a referida formação pedagógica deve ser concluída até o ano de 2020.

Muitos professores que ingressam na carreira EBTT não possuem licenciatura e não têm experiência na docência, necessitando de uma formação didático-pedagógica não apenas para atender à legislação, mas para nortear sua atuação em sala de aula. Por outro lado, há docentes sem licenciatura que já atuavam nos antigos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets) e escolas técnicas, predecessores dos IFs, acumulando assim muitos anos de experiência na educação profissional, que não devem ser ignorados.

Há que se considerar, ainda, que a Resolução CNE/CEB nº 6, de 20 de setembro de 2012, foi publicada no momento em que a Rede Federal vivenciava uma grande expansão e necessitaria contratar um número expressivo de docentes, os quais, muitas vezes, não são egressos de cursos de licenciatura, como bacharéis e tecnólogos. É o caso, por exemplo, de engenheiros, administradores, enfermeiros, médicos etc.

É com base nesse contexto que o presente artigo, consequência da elaboração da dissertação de mestrado em educação profissional e tecnológica da autora, espera contribuir para a difusão de uma ação educativa inovadora no País, que é o reconhecimento e a certificação de saberes dos docentes da educação profissional. Tal prática considera as peculiaridades da EP, especialmente nos aspectos epistemológicos, pedagógicos e de uma didática específica para essa oferta educativa.

Ainda que seja um experimento em dois institutos federais, o projeto apresentado poderá ser replicado em toda a Rede Federal, bem como nas demais ofertantes de EP, a partir dos critérios próprios de seus sistemas de ensino.

Docência na educação profissional

Como explica Moraes (2016), a carreira docente do ensino técnico anterior à reformulação de 2012 diferenciava-se da carreira do magistério do ensino superior por admitir, além de graduados, profissionais oriundos de cursos técnicos em áreas específicas e, portanto, mais ligados ao mundo do trabalho do que os docentes acadêmicos. Tais distinções foram minimizando-se com o tempo e, atualmente, admitem-se apenas candidatos com graduação. Além disso, os cursos em nível de pós-graduação (não necessariamente em área pedagógica) são mais valorizados do que a experiência profissional do docente.

Em se tratando de educação profissional, essa supervalorização da formação acadêmica dos professores pode ser prejudicial à qualidade do ensino, por se fundar em um preconceito quanto ao trabalho técnico e aos saberes dele originados. As raízes mais “próximas” dos preconceitos em relação à atividade técnica podem ser encontradas no Brasil, na época da sua colonização (Holanda, 1995), em que o trabalho era relegado aos escravos por ser considerado algo sujo, degradante. Assim, priorizou-se uma concepção de educação apartada de atividades manuais (Pinto, 1993), que perdura na comunidade acadêmica brasileira e reverbera nas diretrizes educacionais. Ainda hoje, as escolas de educação básica priorizam o conteúdo propedêutico em detrimento dos conhecimentos provenientes da técnica.

Para a educação profissional, destinada a formar trabalhadores, é essencial que o trabalho esteja contemplado como princípio educativo. Isso precisa ocorrer em dois aspectos.

Em primeiro lugar, no aspecto epistemológico, numa abordagem que considere o trabalho e a técnica como formadores da espécie humana.

(...) o trabalho começa por formar, por originar, o próprio homem, permitindo-lhe emergir do plano da simples animalidade. Ao atuar sobre o mundo exterior, esse ser se modifica a si mesmo em sua estrutura anatômica e fisiológica, e possibilita o aparecimento das funções intelectuais (que o vão distinguir do animal), em particular a consciência do mundo e de si. (Pinto, 1993, p. 73).

Sendo o trabalho algo intrínseco a todo indivíduo, questiona-se a dualidade amplamente instaurada nos processos educativos e na formação docente, que distingue a prática da teoria, o manual do intelectual, o fazer do saber. Além disso, ignora as aprendizagens obtidas pela experiência do trabalho e da vida, tão relevantes aos trabalhadores quanto a educação formal adquirida na escola (Pires, 2002).

O trabalho, como princípio educativo, não é um princípio abstrato, consequência ou resultado da educação: ele é princípio educativo porque educa, transformando identidades, incorporando valores, empoderando técnica, econômica, social e culturalmente (Gruber; Allain; Wollinger, 2019). A atividade técnico-profissional tem estatuto epistemológico próprio, em diálogo íntimo com o das demais ciências, porém com objetos, objetivos, formas de reconhecimento e validação distintos daqueles que se encontram na cultura escolar tradicional ou propedêutica (Barato, 2004; Gruber; Allain; Wollinger, 2019). A aprendizagem, não só de conteúdos, mas de atividades, não pode mais ser pensada do ponto de vista de uma “aquisição”, predominantemente conceitual e verbal, e sim a partir de uma epistemologia da “atividade” (Durand; Bourgeois, 2012; Pastré; Mayen; Vergnaud, 2006; Barbier, 2011), segundo premissas sociointeracionistas (Mjelde, 2015) e do espectro cultural do ato técnico (Sigaut, 2002). Essa mudança de paradigma educacional busca, idealmente:

juntar educação e cultura em sentido amplo, sem separar a técnica da cultura, e levando a sério o mote de uma educação ao longo da vida segundo uma perspectiva que rompa com o modelo da educação cindida em dois períodos: um escolar - generalista - santuarizado, e outro não escolar - utilitário - finalizado pela economia. (Poizat; Durand, 2015, p. 59, tradução nossa).

Em segundo lugar, observa-se o aspecto didático, em estreita relação com a perspectiva epistemológica apresentada. O principal entrave à compreensão das especificidades didáticas da EP diz respeito ao objeto e aos objetivos de ensino, já não mais redutíveis a um rol de conteúdos conceituais, teorizados, verbais, concebidos como “discurso sistematizado” a ser transmitido, como alerta Barato (2004).

Esse mesmo autor fornece uma definição epistemológica da técnica e dos “fazeres-saberes” técnico-profissionais: são processos de intervenção no mundo, que se constituem de componentes metodológicos, procedimentais, conceituais (derivados ou não das ciências), relacionais, valorativos etc. Nessa perspectiva, não se reduz a técnica a uma “prática”, supostamente aplicada desde uma teoria prévia, tida como lugar exclusivo do saber. A aprendizagem desses aspectos não deveria ser desvinculada do contexto cultural de sua produção (o que tende a acontecer numa cultura de escolarização e disciplinarização ensimesmada), pois são, ao mesmo tempo, referência para o ensino e vetores de aprendizagem.

Para ilustrar esse propósito, um dos equívocos mais comuns da EP consiste em reduzir a expressão do saber ao princípio de que “saber é saber falar sobre”, numa atitude que menospreza a aprendizagem pela ação. Para formar profissionais, a ação é fonte de saber, pois gera experiências e permite a “conceituação na ação” (Pastré; Mayen; Vergnaud, 2006). Com isso, destaca-se a premência de fornecer ao aprendiz ambiente e situações de trabalho semelhantes ao que encontrará na sua futura carreira, elementos que precisam ser mediados pela instituição e pelo docente.

Ao executar atividades próprias de determinada profissão, o aprendiz incorpora comportamentos e valores de sua comunidade de práticas, tida como o grupo de trabalhadores de uma mesma área ou função, que compartilha conhecimentos, valores e significados acerca do seu trabalho (Barato, 2015; Lave; Wenger, 1991). A participação em uma comunidade de prática é importante aliada da aprendizagem e da construção da identidade profissional de qualquer trabalhador.

Esses princípios se desdobram, em termos didáticos, nas especificidades de ao menos três processos de ensino: planejamento (que inclui seleção de objetos e objetivos de ensino), implementação de estratégias e avaliação. Na EP, é preciso conhecer e analisar a atividade laboral para ensiná-la (Pastré, 2017). Os objetivos, portanto, passam a incorporar a aprendizagem de processos de intervenção, em todas as dimensões apontadas. Para tanto, as estratégias de ensino precisam levar em consideração modalidades de transposição didática em consonância com a natureza dos saberes técnico-profissionais, como a “aprendizagem mediada por obras” (Barato, 2015), a simulação e emulação (Béguin; Weill-Fassina, 2002), a imersão (Gruber; Allain; Wollinger, 2019) e a aprendizagem baseada em problemas ou projetos (Ribeiro, 2008; Araújo; Sastre, 2009; Bender, 2015), que incluem atividades de ensino, pesquisa e extensão, entre outras. A avaliação não se restringe à forma discursiva, muito menos escrita, e requer critérios e instrumentos coerentes com os aspectos apresentados. Tais critérios estão associados aos objetivos do ensino técnico-profissional, inclusive a todo seu espectro social e cultural, e os instrumentos podem abarcar observação do processo de intervenção, debriefings (entrevistas individuais e coletivas), retroanálise (Saint-Jean et al., 2017), portfólios etc. Considera-se a pluralidade de áreas profissionais e as respectivas atividades para a formação, de modo que a lista seria interminável.

Esses pressupostos nos levam a vislumbrar, seja da Rede Federal ou de redes estaduais, municipais ou particulares de educação profissional, a certificação de saberes como importante ferramenta para fortalecer toda a classe docente da EP, ao dar visibilidade e valorizar seus saberes laborais.

Os programas de formação existentes

Foi realizado um levantamento dos programas de formação docente para a educação profissional nos sites de todos os IFs do País, além de Cefets de Minas Gerais e Rio de Janeiro, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e Colégio Pedro II. Pesquisamos também o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Centro Paula Souza, de São Paulo, pois também são instituições voltadas à formação profissional e oferecem programas de formação docente para a EP.

O levantamento aconteceu no primeiro semestre de 2018, por meio de busca na página de divulgação dos cursos de cada uma das instituições, constando no Quadro 1 apenas aquelas que ofertam alguma formação voltada à docência na EP.

Fonte: Elaboração própria

Quadro 1  Cursos de formação docente para EP ofertados no Brasil 

Ao analisar o Quadro 1, percebemos que:

  • das 42 instituições pertencentes à Rede Federal, 20 oferecem formação voltada à docência na educação profissional;

  • nas instituições externas à Rede, todas ofertam alguma formação docente;

  • entre as instituições, 7 possuem apenas cursos de licenciatura, 11 de especialização e 5 os dois tipos de curso;

  • dos 29 cursos encontrados, 17 são presenciais e 12 de educação a distância (EaD).

Observou-se uma não uniformidade entre as ações desenvolvidas nas instituições, especialmente entre as pertencentes à Rede Federal. A maioria promove seus cursos isoladamente e, em muitos casos, eles são ofertados em apenas um campus, dissociado dos demais. Há estados com mais de um IF, em que um oferece formação docente para EP e outro não, como é o caso da Bahia. Já em Acre, Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins, não foram encontrados cursos de formação docente específica para a EP. Entretanto, os professores desses locais poderiam beneficiar-se dos cursos EaD.

Rede Certific: um sistema nacional de certificação de saberes

Independentemente do nível da formação pedagógica, graduação ou especialização, o que merece destaque é o perfil profissional do egresso do curso. Nele devem estar contempladas as bases pedagógicas e laborais da educação profissional, bem como suas especificidades didáticas e epistemológicas, de modo que o docente tenha acesso a concepções e metodologias voltadas à formação de trabalhadores, algo que costuma ser pouco contemplado nos cursos de graduação.

Muitos professores, ainda que não possuam uma formação pedagógica, já construíram tais competências a partir da sua experiência em serviço. Para esses casos, é possível criar um programa de reconhecimento e certificação de saberes e competências, por meio da Rede Nacional de Certificação Profissional (Certific).

A possibilidade de os institutos federais atuarem como instâncias certificadoras está prevista na Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Já a Rede Certific é regulamentada pela Portaria Interministerial MEC/MTE nº 5, de 25 de abril de 2014, e pela Portaria MEC/SEPET nº 8, de 2 de maio de 2014, que apresenta as modalidades para certificação profissional:

I - Certificação de qualificação profissional: correspondente a curso de formação inicial e continuada ou qualificação profissional constante do Catálogo Nacional de Cursos de Qualificação Profissional, ou equivalente, mantido pelo Ministério da Educação (MEC).

II - Certificação técnica: correspondente a curso técnico de nível médio constante do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, mantido pelo MEC, para possuidores de certificado de conclusão do Ensino Médio.

III - Certificação tecnológica: correspondente a curso superior de tecnologia constante do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, mantido pelo MEC, para possuidores de certificado de conclusão do Ensino Médio.

IV - Certificação docente da educação profissional: correspondente à licenciatura em educação profissional, prevista nas diretrizes curriculares para formação de professores da educação profissional e vinculada ao exercício profissional de professores com mais de 10 (dez) anos de efetivo exercício na educação profissional e tecnológica. (Brasil. MEC. SEPET, 2014b, p. 9).

Observa-se que, para os docentes da educação profissional, exige-se um tempo mínimo de experiência, o que não ocorre nas demais modalidades. Por outro lado, é possível considerar o período de atuação prévia em outras instituições, uma vez que a portaria supracitada não especifica a exigência de atuação exclusiva na Rede Federal. Valoriza-se, assim, o vínculo do docente com o mundo do trabalho, algo fundamental para a educação profissional.

Embora a legislação preveja essa possibilidade, identificamos uma grande resistência em nossa cultura educacional. Um bom indício disso é que não há, até o momento, nenhum programa de certificação de saberes docentes implementado no País. Esse dado (ou sua inexistência) é sobremaneira significativo quando se conhecem as muitas experiências de certificação profissional pelo mundo, em países com um sistema de EP consolidado. Para eles, a certificação constitui uma estratégia prioritária de inserção social e profissional (Bélisle; Fernandez, 2018). Também se encontram muitas experiências relatadas de certificação docente mundo afora (Trestini; Schneewele, 2014; Dreyer, 2015; Andersson; Hellberg, 2008; Taylor, 1996) e programas disponíveis (França, Finlândia, Austrália, Canadá, Reino Unido, África do Sul, entre outros) (OCT ([2006?]), OULU (2020), SAQA (2010), UWLV ([2020?]).

No Brasil, essa inexistência de tais experiências, bem como a escassez de programas de certificação nas demais ofertas legalmente previstas (qualificação técnica e tecnológica), talvez decorra de uma incompreensão da metodologia e do significado da certificação, além de alguns preconceitos já mencionados e outros discutidos mais adiante. Trata-se, conforme os próprios textos regulamentadores indicam, de um processo, com algumas etapas básicas que devem ser observadas. Vale ressaltar que, acima de tudo, o processo de certificação de saberes tem caráter formativo, visto que a participação ativa do candidato em todas as etapas permite um autorreconhecimento de sua experiência e capacidades, bem como o reconhecimento destas por sua comunidade de práticas.

O valor dos saberes experienciais detidos pelos adultos depende em primeira instância de um processo de explicitação e formalização, pois pela sua natureza os saberes experienciais são tácitos e implícitos. Identificá-los, nomeá-los, dar-lhes visibilidade e legitimidade, tanto na dimensão pessoal como profissional e social, são parte das ambições das novas práticas emergentes. (Pires, 2002, p. 84).

O projeto-piloto

O documento que regulamenta o processo de certificação é o Projeto Pedagógico de Certificação Profissional (PPCP), o qual, para ser aplicado por uma instituição, deve passar pela aprovação de suas instâncias deliberativas e ter como referência um curso de formação em oferta regular pela instituição certificadora.

O PPCP é regulamentado pela Portaria MEC/SEPET nº 8, de 2 de maio de 2014, e possui duas etapas principais. A primeira contém todo o processo de avaliação, reconhecimento e certificação das competências conforme o perfil profissional, definido com base no curso de referência. A segunda, para aqueles que não certificarem todas as competências do perfil profissional, consistirá na complementação da formação por meio da participação em estudos específicos, disciplinas isoladas ou totalidade do curso de referência, segundo indicação ao final do processo avaliativo.

Considerando as possibilidades legais, as particularidades da certificação docente e as necessidades de reconhecer o saber-fazer de professores experientes em educação profissional, criou-se um PPCP piloto, para submissão aos colegiados de ensino, pesquisa e extensão do Instituto Federal Catarinense (IFC) e do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e, em seguida, a seus conselhos superiores.

De acordo com pesquisa aplicada de mestrado profissional que embasa este artigo, os procedimentos metodológicos utilizados foram: (1) pesquisa bibliográfica como fonte de fundamentação epistemológica e legal; (2) quantificação da demanda a ser atendida; e (3) estudo de caso, característico da pesquisa aplicada, em que o processo é analisado à medida que a investigação se desenvolve.

Para dimensionar a demanda inicial do processo de certificação, foi realizada uma enquete on-line no período de 1º a 15 de novembro de 2018, com sete perguntas disponibilizadas a todos os docentes do IFC e do IFSC. Para a aplicação, solicitou-se auxílio das Pró-Reitorias de Ensino (Proen) de ambas as instituições, pois, de acordo com a Resolução IFSC/CS nº 3 2018 e a Resolução IFSC/CS nº 46, de 26 de novembro de 2015, a Proen é a responsável pela operacionalização da Rede Certific.

Constatou-se que, dentre os respondentes aptos a participarem do Certific, 40 professores do IFC e 168 do IFSC estariam interessados no processo de certificação de saberes, que correspondem a 4,4% e 12,3% dos docentes EBTT das respectivas instituições. Entretanto, a mesma pesquisa demonstrou que cerca de 64% dos docentes do IFC e 69% do IFSC não possuem curso de licenciatura ou formação pedagógica equivalente, o que confirma a demanda discutida neste trabalho.

Para contextualizarmos esses dados, cabe destacar que esses dois IFs localizados em Santa Catarina representam uma amostra nacional, uma vez que o IFSC nasceu como uma das escolas de aprendizes artífices, criadas em 1909 pelo então presidente Nilo Peçanha (Moraes, 2016), tendo vivenciado todas as transformações ocorridas na Rede. Já o IFC foi criado pela Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, a partir da junção das escolas agrotécnicas federais do estado e dos colégios agrícolas vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Temos, portanto, duas instituições com caminhadas distintas compondo esta pesquisa, contemplando uma situação que se repete nos demais estados brasileiros.

A execução do processo de certificação se dará conforme os critérios definidos pelas portarias que regulamentam o Certific. Ele é composto por duas etapas principais e suas respectivas subetapas:

1. Primeira etapa - processo de avaliação

  1. a) Levantamento da demanda - para verificar o público apto e interessado a participar do processo.

  2. b) Divulgação da oferta - edital de chamada pública.

  3. c) Webconferência de apresentação do processo - sugere-se uma apresentação a distância para que os interessados conheçam os detalhes do processo, podendo decidir sobre prosseguir ou não para matrícula.

  4. d) Matrícula - enviada por meio eletrônico.

  5. e) Acesso ao Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), contendo material de estudos, espaço para postar atividades e acompanhamento de desempenho ao longo do processo.

  6. f) Acolhimento - reunião de início - a primeira das três etapas presenciais e coletiva, visa à interação dos candidatos e à troca de experiências, cuja participação é também objeto de avaliação.

  7. g) Construção do portfólio individual - que deverá conter: memorial descritivo, destacando todo o itinerário profissional; certificados e diplomas referentes à formação; comprovantes do tempo de serviço como docente da EP.

  8. h) Avaliação dos saberes profissionais - avaliação in loco do candidato, em aula teórica e prática, para verificar a aplicação dos princípios da EP no exercício docente.

  9. i) Entrevista individual - terceira e última atividade presencial. O candidato será entrevistado por uma banca, tendo como referência os saberes relativos ao perfil profissional descrito no PPCP.

  10. j) Relatório final da comissão geral - recomendando um dos seguintes encaminhamentos: emissão de diploma equivalente à licenciatura em educação profissional, especificando os cursos técnicos em que o candidato está habilitado a atuar; complementação pedagógica, para completar a construção dos saberes dessa atividade laboral.

2. Segunda etapa - processo de complementação

Para quem necessitar, a comissão geral definirá ações para complementação de saberes não reconhecidos, a partir de três possibilidades:

  • Cursar integralmente curso de formação docente para a educação profissional, havendo reserva de vaga no curso de referência.

  • Cursar disciplinas como aluno especial no curso de referência, garantida a reserva de vaga.

  • Cursar disciplinas como aluno especial em outro curso de formação docente para a educação profissional, com anuência da comissão geral.

Para a construção desse PPCP piloto, além de consulta à legislação e da enquete realizada, tivemos contribuições de diversos pesquisadores e dirigentes de ambas as instituições, garantindo sua legitimidade.

Destaques do PPCP

Por se tratar de um projeto inédito, algumas partes do PPCP serão aqui destacadas, a fim de fundamentar um processo legítimo de certificação.

Nos pré-requisitos, encontra-se uma diferença fundamental em relação aos demais níveis de certificação. Para o docente da EP, é necessário comprovar um período mínimo de dez anos de atuação, sendo a única modalidade que determina um período mínimo de experiência na função a ser certificada (Brasil, 2014b).

Recomenda-se a criação de uma comissão geral, que será responsável por conduzir o processo de avaliação e emitir os documentos relativos a ele, bem como a designação de servidores para avaliação in loco dos candidatos com a mesma área de formação daqueles. Por mais que as competências avaliadas remetam à docência, entende-se que um colega de profissão possa analisar melhor o processo educativo de sua área específica.

As etapas do processo foram detalhadas de forma a torná-lo o mais claro possível para o candidato, para que este saiba o percurso que o aguarda. Ele terá a oportunidade de dirimir quaisquer dúvidas sobre o processo, antes mesmo de se inscrever, e, posteriormente, poderá contatar a comissão geral por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem.

A construção do portfólio também foi modificada em relação às outras modalidades de certificação. Nesse caso, ao invés de ser elaborada pelos avaliadores a partir das informações fornecidas pelo candidato, aqui a escrita ficará a cargo deste, bem como o envio dos demais documentos relativos à certificação.

O processo a distância foi pensado para gerar o mínimo possível de impacto nas rotinas dos docentes participantes e, consequentemente, no funcionamento das atividades nos campi.

Preconceitos a serem superados

Por mais que o prazo para atendimento ao art. 40 da Resolução CNE/CEB nº 6, de 20 de setembro de 2012, esteja extinguindo-se em breve, até o momento nenhuma instituição ousou aplicar um projeto para certificação de saberes de seus docentes. Acredita-se que essa inércia tenha sido motivada por diversos preconceitos amplamente difundidos pela comunidade acadêmica brasileira, dos quais se destacam:

A certificação docente é um processo similar ao do reconhecimento de saberes e competências

Esse é um equívoco muito comum, razão pela qual o Certific tem sido alvo de preconceito até mesmo por parte de seus potenciais candidatos, ou seja, dos professores que ainda não possuem licenciatura ou formação equivalente.

Cabe esclarecer que o processo de certificação docente se distingue totalmente do processo de Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC), previsto na Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, e regulamentado pela Resolução nº 1, de 20 de fevereiro de 2014, da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, a qual especifica que:

Art. 10. Conforme disposto no art. 18 da Lei nº 12.772, de 2012 (Brasil, 2012, p. 2), a equivalência do RSC com a titulação acadêmica, exclusivamente para fins de percepção da RT, ocorrerá da seguinte forma:

I - diploma de graduação somado ao RSC-I equivalerá à titulação de especialização;

II - certificado de pós-graduação lato sensu (especialização) somado ao RSC-II equivalerá a mestrado; e

III - titulação de mestre somada ao RSC-III equivalerá a doutorado.

Diferentemente do RSC, não haverá uma equivalência de titulação maior do que a que o docente possui, e sim um processo de certificação em nível de licenciatura. Como se trata de um requisito mínimo, correspondente ao nível de graduação com a qual todos ingressam na carreira EBTT, não haverá aumento do nível de escolaridade para fins de percepção de Retribuição por Titulação (RT). O processo de certificação também é muito mais complexo pois exige a participação do docente em diversas atividades, enquanto no RSC a avaliação se dá sem sua presença, mediante análise documental pela banca avaliadora.

2. A certificação é um processo vazio de conhecimentos e significados

Muitos autores que criticam o Certific o tratam como se fosse apenas o fornecimento de um certificado, ignorando suas etapas. Em todas as modalidades de certificação, prioriza-se o intercâmbio entre os trabalhadores, o que pode ser muito enriquecedor se conduzido da forma correta. Além dos conhecimentos que o candidato pode agregar pela troca de experiências, tal situação tende a fortalecer o vínculo entre sua comunidade de práticas da educação profissional, conforme ilustra Tardif (2010) ao falar sobre seus docentes, os professores de profissão:

O trabalho dos professores de profissão deve ser considerado como um espaço prático específico de produção, de transformação e de mobilização de saberes [...]. Essa perspectiva equivale a fazer do professor - tal como o professor universitário ou o pesquisador da educação - um sujeito do conhecimento, um ator que desenvolve e possui sempre teorias, conhecimentos e saberes de sua própria ação (Tardif, 2010, p. 234).

3. Ensino a distância é ineficaz

Vivemos hoje na era do conhecimento, em que todas as informações estão acessíveis por meio da internet (Halévy; Leal, 2010). Por que não as utilizar para a aprendizagem?

Como resposta a essa pergunta, temos várias iniciativas observáveis pelo mundo no campo da EaD. Desde os primeiros cursos ofertados por correspondência a partir do século 18, passando pelos televisionados, até o uso da internet a partir da década de 1990, a EaD permite a escolarização de alunos que não teriam condições de frequentar o ensino presencial, especialmente adultos trabalhadores. Além disso, pode ser usada para a formação docente, como já ocorre em países como México, Tanzânia, Nigéria, Angola e Moçambique (Nunes, 2009).

A emergência das chamadas sociedades da informação cristalizou profunda revolução no campo da divulgação do conhecimento. Nesse fértil contexto, a modalidade EAD foi potencializada, culminando em uma educação cada vez mais perto e mais personalizada, na qual os sujeitos envolvidos têm o relativo privilégio de escolher a melhor forma de ensinar (ou de aprender), além de privilegiar a permuta de conhecimentos em rede e, com isso, tornar fecundo o campo para o surgimento de comunidades de aprendizagem. (Mota, 2009, p. 299).

Entretanto, tal método é muito questionado nas universidades, numa atitude que menospreza a capacidade das pessoas de aprenderem por meio do autodidatismo. No processo de certificação, permanece o contato entre os candidatos, com seus colegas e com a equipe de avaliação, razão pela qual a troca iniciada nos momentos presenciais pode se estender, indefinidamente, por meio da utilização dos recursos virtuais.

Considerações finais

Por mais que a Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, tenha instituído a possibilidade de a Rede Federal atuar como certificadora de competências profissionais, esse é um campo muito pouco explorado, tanto para a formação docente quanto para outras profissões.

Ao analisar os Censos da Educação Básica e da Educação Superior (Brasil, 2018b, 2018c), nota-se uma procura muito maior por cursos superiores do que por cursos técnicos pelos jovens, com 8,2 milhões e 1,8 milhão de matrículas respectivamente, no ano de 2017.

Conforme dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “em 2016, apenas 9% dos estudantes do ensino médio no Brasil estavam matriculados na educação profissional, índice consideravelmente inferior à média OCDE de 44%” (Brasil, 2018a, p. 4). Tal situação nos coloca na contramão dos países desenvolvidos, que valorizam a formação técnica dos seus cidadãos, compreendendo que o trabalho desses profissionais é indispensável para o processo de emancipação pessoal e para as demandas sociais e econômicas.

O reconhecimento e certificação de saberes pode proporcionar a transformação na vida das pessoas, como afirma Pires (2002). Ao ter validados seus saberes obtidos à margem da educação formal, o cidadão se redescobre ao tomar consciência do valor das suas experiências, o que pode impulsionar avanços profissionais, culturais e sociais, culminando em benefícios para toda a sociedade. Nessa perspectiva, o docente que passa pelo processo de certificação acaba por ressignificar seus saberes e sua identidade, o que tende a elevar a qualidade do ensino e o fortalecimento da classe EBTT.

Considerando o início da Rede Federal no ano de 1909, com a criação das escolas de aprendizes artífices em todo o País, pelo então presidente Nilo Peçanha (Moraes, 2016), houve grandes transformações ao longo desse tempo até chegarmos aos institutos federais. É preciso valorizar os saberes profissionais de quem acompanha essas transformações de perto: os docentes mais antigos da Rede. Muitos destes podem não possuir um certificado de licenciatura ou formação pedagógica, mas contam com uma vasta experiência na formação de profissionais para o mundo do trabalho e conhecem a fundo seus alunos para saber como garantir a eles uma educação de qualidade.

O projeto obteve sua apreciação junto aos respectivos colegiados de ensino, pesquisa e extensão no primeiro semestre de 2019 e a análise pelos respectivos conselhos superiores deverá acontecer no segundo semestre deste ano. Espera-se que tal iniciativa seja um marco no reconhecimento de saberes oriundos da experiência profissional dos docentes da EP e possa servir de base para outros projetos semelhantes no País.

Outro desdobramento será incentivar os docentes a participar dos processos de certificação de trabalhadores em suas áreas de formação, reconhecendo o fazer como fonte de saber e a escola como ambiente educativo, no amplo sentido formativo, mediante várias estratégias, não apenas pelo ensino, mas também pelo reconhecimento dos saberes nascidos no fazer de cada indivíduo membro de uma comunidade de práticas. Tal concepção não se restringe à Rede Federal, mas poderá ser replicada em qualquer instituição de educação profissional.

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Recebido: 01 de Outubro de 2019; Aceito: 08 de Setembro de 2020

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