SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.102 número260Elementos fundamentales para el diseño de juegos digitales enfocados en el entrenamiento de competencias y habilidades de estudiantes con trastorno del espectro autista: una revisión sistemáticaObjetivos educativos y evaluaciones a gran escala en la trayectoria de la educación superior brasileña: Enem, Enade y la complejidad cognitiva en la retención de flujo índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.102 no.260 Brasília ene./apr 2021

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102.i260.3961 

ESTUDOS

A Lei de Cotas e o acesso à Universidade Federal de Alfenas por estudantes pertencentes a grupos sub-representados

The Quota Law and the admission of students of under-represented groups to the Federal University of Alfenas

La Ley de Cuotas y el acceso a la Universidade Federal de Alfenas por parte de estudiantes pertenecientes a grupos subrepresentados

Ronaldo André LopesI  II 
http://orcid.org/0000-0001-7215-7101

Guilherme Henrique Gomes da SilvaIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-4166-2663

Eric Batista FerreiraV  VI 
http://orcid.org/0000-0003-3361-0908

I Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Alfenas, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <ronaldo-1109@hotmail.com>.

II Graduado em Matemática pela Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Alfenas, Minas Gerais, Brasil.

III Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Alfenas, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <guilherme.silva@unifal-mg.edu.br>.

IV Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Rio Claro, São Paulo, Brasil.

V Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG). Alfenas, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <eric.ferreira@unifal-mg.edu.br>.

VI Doutor em Estatística e Experimentação Agropecuária pela Universidade Federal de Lavras (Ufla). Lavras, Minas Gerais, Brasil.


Resumo:

Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que buscou compreender o alcance da Lei de Cotas na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), com base na análise de dados de estudantes ingressantes em 2018. Esse alcance foi medido pela taxa de ocupação das vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas e por simulações quanto a um possível cenário de como as vagas seriam ocupadas na ausência dessa ação afirmativa. Os resultados mostram que as vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas não foram preenchidas em sua totalidade, apresentando menores taxas de ocupação nas categorias reservadas para aqueles egressos da rede pública de ensino autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Ademais, as simulações realizadas evidenciam que, sem a Lei de Cotas, estes últimos teriam sido os estudantes menos incluídos nessa universidade em 2018, principalmente aqueles com renda per capita inferior a 1,5 salário mínimo. O estudo reforça a importância da manutenção da Lei de Cotas e aponta para a necessidade de que se desenvolvam ações institucionais para ampliar a abrangência do processo seletivo da instituição para um maior contingente de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Palavras-chave: ação afirmativa; impacto social; sistema de cotas

Abstract:

This paper presents the findings of a research on the scope of the Quota Law (Lei de Cotas) in the Federal University of Alfenas (Unifal-MG), based on a data analysis of the student enrollment for 2018. This reach was measured through the occupancy rate of seats reserved for affirmative action students and through simulations speculating how they would be filled if not for the Quota Law. Results show that some seats reserved to affirmative action students were left vacant, with lower occupancy rates in categories reserved to black, brown and indigenous alumnus from public schools. Furthermore, simulations show that, if not for the Quota Law, the latter would have had even less access to the University in 2018, especially those with per-capita income below 1.5 minimum wages. The study reinforces the importance of continuing this affirmative action and points out the need to develop institutional initiatives to expand the scope of the institution’s admission process to a larger contingent of self-declared black, brown and indigenous students.

Keywords: affirmative action; quota system; social impact

Resumen:

Este artículo presenta los resultados de una investigación que buscó comprender el alcance de la Ley de Cuotas en la Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), a partir del análisis de datos de estudiantes que ingresaron en el 2018. Este alcance se midió por la tasa de ocupación de las plazas asignadas a estudiantes público objetivo de la Ley de Cuotas y mediante simulaciones en cuanto a un posible escenario de cómo se ocuparían las vacantes en ausencia de esta acción afirmativa. Los resultados muestran que las vacantes destinadas a los estudiantes destinatarios de la Ley de Cuotas no se cubrieron en su totalidad, presentando menores tasas de ocupación en las categorías reservadas para los egresados de la red de educación pública autodeclarados negros e indígenas. Además, las simulaciones realizadas muestran que, sin la Ley de Cuotas, estos últimos habrían sido los estudiantes menos incluidos en esta universidad en el 2018, especialmente aquellos con renta per cápita inferior a 1,5 salarios mínimos. El estudio refuerza la importancia de mantener la Ley de Cuotas y señala la necesidad de desarrollar acciones institucionales para ampliar el alcance del proceso de selección de la institución a un contingente mayor de estudiantes autodeclarados negros e indígenas.

Palabras clave: acción afirmativa; impacto social; sistema de cuotas

Introdução

No Brasil, a expansão das vagas no ensino superior vem seguindo uma tendência mundial de crescimento, como indicam os relatórios do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Tais relatórios apontam que, em 2001, havia pouco mais de 3 milhões de matrículas em cursos superiores no Brasil. Em 2017, esse número ultrapassou a marca de 8.200.000 matrículas (Brasil. Inep, 2019). Entretanto, uma circunstância amplamente debatida desde o início desse período de expansão é que, mesmo com um importante crescimento no número de vagas, o acesso a esse nível de ensino ainda não ocorre de forma social e racialmente igualitária. Em muitos casos, candidatos brancos e provenientes de famílias com melhores condições socioeconômicas acabam ocupando a maioria das vagas, principalmente em cursos considerados mais prestigiados e em universidades mais concorridas (Morosini; Franco; Segenreich, 2011; Oliveira; Silva, 2019; Silva, 2016). Movimentos sociais levaram muitas instituições de ensino superior (IES) brasileiras, principalmente as públicas, a adotarem políticas de ações afirmativas para enfrentarem essa situação. Segundo Silva (2017, p. 822), as ações afirmativas se associam ao desenvolvimento de

[...] princípios que buscam combater a discriminação a partir da instituição de normas e critérios diferenciados para o acesso a determinados bens ou serviços por indivíduos pertencentes a grupos específicos, na maioria das vezes vulneráveis, possuindo como pano de fundo um ideal de equidade de acesso, independentemente da origem étnica, racial, social ou de gênero dos indivíduos.

Em 2003, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) foram pioneiras ao utilizarem ações afirmativas em seu processo seletivo, reservando parte de suas vagas para estudantes egressos de escolas públicas e autodeclarados pretos, pardos e indígenas (Oliveira; Silva, 2019). No ano seguinte, a Universidade de Brasília (UnB) também seguiu esse caminho, tornando-se a primeira IES da rede federal de ensino a adotar critérios diferenciados para o acesso a seus cursos de graduação (Silva, 2016).

Em 2012, as ações afirmativas no ensino superior foram consideradas constitucionalmente legais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. No mesmo ano, o governo federal aprovou a Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que garante a reserva de, no mínimo, 50% das vagas de todos os cursos em IES públicas federais1 e em escolas de ensino técnico e médio de sua rede para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos (EJA) (Brasil, 2012). Dentro desse percentual, metade das vagas é destinada para estudantes com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas, independentemente da renda familiar. Nos dois casos, é considerado o percentual mínimo correspondente ao total de pessoas autodeclaradas pretas, pardas e indígenas no estado onde a instituição se localiza, de acordo com o censo demográfico mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Brasil, 2012). Além disso, desde 2016, a Lei nº 13.409 incluiu a reserva de vagas para pessoas com deficiência (Brasil, 2016), que também considera aspectos relacionados à autodeclaração racial e à renda. Na Figura 1, destacamos a distribuição das vagas segundo a Lei de Cotas:

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Lei nº 12.711 (Brasil, 2012)

Figura 1 Distribuição das vagas segundo a Lei das Cotas 

Embora não existam leis específicas em todos os estados brasileiros direcionadas ao tema, as IES públicas estaduais também utilizam políticas afirmativas de ingresso, como a reserva de vagas, o recrutamento de estudantes, a bonificação na nota do processo seletivo para estudantes pertencentes a grupos sub-representados, entre outras ações. Na rede privada, as IES geralmente utilizam recursos de programas públicos, como o Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade para Todos (ProUni), promovidos pelo governo federal. Para Ristoff (2014), o cenário universitário brasileiro tem sido transformado pelas ações afirmativas, mesmo que de modo gradual. Ristoff (2014) pontua que, além de uma maior diversificação no corpo discente, as ações afirmativas têm modificado as energias criativas da Nação. Contudo, a sub-representação de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas e provenientes de famílias de baixa renda ainda se mostra um desafio para as IES brasileiras (Ristoff, 2014; Silva, 2016; Silva; Borba, 2018).

Nessa temática, este artigo discute o alcance da Lei de Cotas na Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG), com base na análise das vagas preenchidas e das notas de ingresso de estudantes matriculados em 2018 nessa IES. Esse alcance foi medido pela taxa de ocupação das vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas e por simulações quanto a um possível cenário de como as vagas seriam ocupadas na ausência dessa ação afirmativa. Na próxima seção, trazemos um panorama sobre o direcionamento das pesquisas e discussões acadêmicas relacionadas às ações afirmativas no Brasil. Posteriormente, apresentamos a metodologia empregada em nosso estudo para, em seguida, discutirmos os resultados.

Ações afirmativas no ensino superior brasileiro e o direcionamento das discussões acadêmicas nessa temática

No âmbito das pesquisas acadêmicas, principalmente no início dos anos 2000, as discussões em torno das políticas de ações afirmativas no Brasil se pautaram inicialmente na construção de argumentos favoráveis e contrários à sua utilização, bem como na discussão de questões legais referentes à sua implementação (Gomes, 2003; Goldemberg; Durham, 2007; Maggie; Fry, 2002; Schwartzman, 2008). Os defensores alegavam que as ações afirmativas eram necessárias, declarando que, em um país marcado por desigualdades sociais e raciais como o Brasil, elas poderiam propiciar formas diferenciadas de incluir estudantes de grupos sub-representados no ensino superior, o qual historicamente é frequentado, em sua maioria, por membros da elite brasileira que tiveram mais oportunidades, frequentando boas escolas e se preparando melhor para os exames de seleção. Schwartzman (2008) apontava para a complexidade na correlação entre o resultado final do processo seletivo e o desempenho posterior na atuação profissional. Por esse motivo, o autor defendia que a prova de seleção não poderia ser o único critério de admissão, e que as IES deveriam ampliar a presença de pessoas de diferentes condições sociais e raciais em seu corpo discente. Em contrapartida, outros autores, como Goldemberg e Durham (2007) e Maggie e Fry (2002), alegavam que as ações afirmativas, como as de caráter racial, poderiam representar um retrocesso da sociedade brasileira, já que seria admitida uma distinção legal entre negros e brancos no País. Além disso, apontavam que esses estudantes teriam maior propensão a abandonar os estudos e à reprovação nas disciplinas do que seus colegas2.

Posterior a esse primeiro período de justificativas quanto ao uso ou não de ações afirmativas no ensino superior, as discussões acadêmicas se direcionaram para realizações de estudos comparativos sobre o desempenho de estudantes beneficiários e não beneficiários de tais ações. Essa temática ainda é abordada atualmente. Segundo Silva (2019a), tais estudos acabam sendo utilizados, muitas vezes, para corroborar argumentos contrários ou favoráveis à utilização das ações afirmativas. Mendes Júnior (2014), por exemplo, analisou o desempenho da primeira turma de estudantes cotistas da UERJ. Segundo o autor, os coeficientes de rendimento desses estudantes foram, em média, inferiores àqueles referentes aos não beneficiários de ações afirmativas, e a diferença de desempenho não diminuiu com o passar dos anos. Já Santos (2012) verificou uma situação diferente ao observar os coeficientes de rendimento no primeiro e no nono semestre de diversos cursos de graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O autor constatou que, em sua maioria, o coeficiente acadêmico de ambos os grupos de estudantes aumentou no decorrer da graduação. O rendimento de estudantes cotistas com coeficiente acima de sete pontos superou o dos demais, fato marcante em cursos mais concorridos na instituição. Segundo Silva (2016), isso evidencia que a questão do desempenho é um tema complexo e que geralmente depende de ações institucionais de pós-ingresso a serem desenvolvidas pela IES.

Outros trabalhos acadêmicos vêm abordando os diferentes posicionamentos da sociedade em relação às ações afirmativas e a forma como os meios de comunicação podem influenciar nessa questão (Campos; Feres Júnior; Daflon, 2013; Ferreira, 2019). Ferreira (2019), por exemplo, analisou a forma como o jornal Folha de S. Paulo atuou em relação às discussões sobre as ações afirmativas raciais no ensino superior brasileiro. Segundo a autora, o rastreamento das publicações do referido jornal mostra um posicionamento contrário a essas políticas, não apenas pelos editoriais apresentados, mas também por meio das reportagens e entrevistas publicadas. Segundo a pesquisadora, esse fato acaba impactando a opinião pública de modo negativo sobre a temática.

A maneira como docentes e gestores compreendem e lidam com as ações afirmativas também tem sido um tema abordado nas pesquisas brasileiras (Grisa; Caprara, 2016; Silva, 2017). Grisa e Caprara (2016), por exemplo, analisaram as representações sociais de gestores universitários em relação ao tratamento das políticas de ações afirmativas em uma universidade federal localizada no estado do Rio Grande do Sul. Apontaram que tais representações levam a um frágil acompanhamento dessas políticas pela gestão e a um distanciamento do compromisso institucional com o êxito de tais políticas. Silva (2017) discutiu, no âmbito das ciências exatas, os desafios na relação da prática docente com as políticas de ações afirmativas em duas universidades federais na região Sudeste do Brasil. Dentre os vários pontos abordados pelo autor, os docentes que se engajam em ações que favorecem a permanência do estudante beneficiado por essas políticas enfrentam dificuldades ligadas, por exemplo, à não valorização institucional dessas práticas e também à falta de apoio dentro de seus próprios departamentos (Silva, 2017).

Ademais, há estudos que buscam identificar como as IES têm desenvolvido políticas institucionais para lidar com as ações afirmativas. Silva (2019b), por exemplo, verificou que, na região Sudeste do País, poucas universidades federais possuem pró-reitorias ou coordenadorias específicas para administrar as ações afirmativas, principalmente aquelas destinadas à permanência dos estudantes beneficiados, e pouco desenvolvem programas acadêmicos específicos para eles. Há ainda pesquisas que focam na questão do pós-ingresso de estudantes beneficiários das ações afirmativas, como Silva (2016, 2019a) e Santos (2009), que levam a discussão para aspectos relacionados à sobrevivência material e acadêmica no contexto universitário. Tais estudos sinalizam a importância da integração social e acadêmica na trajetória universitária desses estudantes.

Nesse mesmo sentido, Passos, Rodrigues e Cruz (2016) avaliam como as ações afirmativas influenciam os currículos acadêmicos universitários e apontam que as questões raciais aparecem de forma periférica na estrutura curricular dos cursos de graduação, encontrando-se de forma ainda embrionária na extensão universitária. Outros trabalhos preocupados com a questão do pós-ingresso também discutem o impacto de fatores que ultrapassam as questões pedagógicas e interferem na permanência dos estudantes ingressantes por ações afirmativas, geralmente relacionados a questões étnicas, raciais, de gênero e comportamentais e às suas experiências com preconceito, discriminação e racismo no cotidiano acadêmico (Santos, 2009; Silva; Powell, 2016).

Como é possível notar, as pesquisas acadêmicas direcionadas à temática das ações afirmativas no contexto brasileiro têm sido amplas e variadas, conduzindo importantes discussões. Contudo, tais medidas só atingirão seus objetivos se as vagas destinadas aos estudantes público-alvo dessas ações forem amplamente preenchidas - essa questão se apresenta como um desafio atual para as IES brasileiras. Caseiro e Azevedo (2019), por exemplo, destacam evidências sobre esse desafio. Com o objetivo de contribuir com discussões relacionadas à eficiência do sistema de educação superior brasileiro, particularmente no setor público, preconizado no Plano Nacional de Educação (PNE), Caseiro e Azevedo (2019) propõem, entre outras questões, indicadores complementares para o monitoramento de algumas estratégias da Meta 12 do PNE, relacionadas aos temas de redução das desigualdades educacionais e da expansão do ensino superior público no País. Um dos indicadores propostos pelos autores, em particular, relaciona-se com a taxa de ociosidade em vagas iniciais das IES brasileiras. A taxa de ociosidade é calculada pela razão da diferença entre as quantidades de vagas existentes e as vagas preenchidas pela quantidade de vagas existentes na IES. Essa taxa varia de zero a cem e, quanto mais próxima de zero, menos ociosidade há no preenchimento das vagas.

Utilizando microdados do Censo da Educação Superior referente ao ano de 2016, Caseiro e Azevedo (2019) constataram que o País se encontra muito distante de cumprir os objetivos estabelecidos pela Meta 12 do PNE. Segundo os autores, falta incluir, no mínimo, mais de 3.5 milhões de pessoas na graduação, sendo 2.24 milhões de jovens de 18 a 24 anos. Apontam que o segmento público precisaria criar 1.75 milhão de novas matrículas para que, até 2024, ocorra o cumprimento dessa meta. Tendo em vista o cenário de contenção de gastos que o Brasil vem passando nos últimos anos, os autores apontam alguns caminhos para potencializar os recursos já existentes nas IES no sentido de favorecer o alcance dos objetivos do PNE relacionados à redução das desigualdades educacionais e à expansão das matrículas no setor público. Dentre esses caminhos, destaca-se a redução da ociosidade de vagas em cursos superiores públicos. Segundo os resultados destacados por Caseiro e Azevedo (2019), mesmo com uma relação candidato/vaga alta, as IES públicas apresentam taxa média de ociosidade de 15%4. Com base em simulações, os autores mostraram que uma diminuição em dois terços da taxa de ociosidade nessas IES traria benefícios para o cumprimento da Meta 12 do PNE, uma vez que diminuiria em 13% a quantidade de novas vagas a serem criadas (de 1.75 milhão para 1.52 milhão).

Caseiro e Azevedo (2019) discutem essas e outras questões com foco particular na totalidade das vagas das IES brasileiras, utilizando microdados do Censo da Educação Superior, referentes ao total de matrículas nas IES públicas e privadas no período de 2012 a 2016. Em suas análises, os autores não utilizaram recortes relacionados às vagas destinadas às políticas de ações afirmativas, algo que seria muito complexo, tendo em vista que não há uma padronização quanto à utilização dessas políticas em IES públicas federais, estaduais e municipais e da iniciativa privada (Silva, 2016).

Nesse sentido, consideramos importante conhecer a forma como a ocupação das vagas, distribuídas de acordo com a Lei de Cotas, tem sido realizada em uma IES pública federal específica, de modo a entender o possível alcance local dessa política afirmativa em termos de equidade no acesso. Essa preocupação tem se iniciado no âmbito das pesquisas brasileiras, como destacado no estudo de Guerrini et al. (2018), referente ao cenário da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR), que analisou o ingresso de estudantes nos cursos de graduação com base na Lei de Cotas em termos de preenchimento das vagas disponibilizadas, constatando que houve considerável subocupação dessas vagas, principalmente aquelas destinadas a estudantes da rede pública com necessidade de comprovação de renda e autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

Ademais, também consideramos importante compreender, por meio de simulações, como se constituiria um cenário sem o uso de ações afirmativas para o ingresso em IES. Vilela et al. (2017), por exemplo, realizaram um amplo estudo nesse sentido. Utilizando microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Censo da Educação Superior, os autores simularam o impacto da Lei de Cotas no acesso às universidades federais brasileiras sobre a nota no Enem de estudantes cotistas e não cotistas. Os resultados evidenciam que as notas de ingresso de estudantes público-alvo da Lei de Cotas não foram significativamente menores quando comparadas com um cenário sem cotas, fato que vai na contramão de discursos da sociedade que alegam uma possível diminuição no desempenho geral dos estudantes que acessam as vagas destinadas por essa ação afirmativa. Já em contextos locais, Guerrini et al. (2018) e Karruz (2018) simularam como seria o cenário com ou sem a Lei de Cotas. Basicamente, apontaram que, naqueles cursos considerados mais prestigiados, um número menor de estudantes teria acessado a universidade sem as vagas reservadas pela Lei de Cotas e que cursos com maior relação candidato/vaga, bacharelados e cursos noturnos foram aqueles com menor redução percentual da desigualdade no acesso.

Metodologia

O objetivo deste estudo foi compreender o alcance da Lei de Cotas na Unifal-MG. Esse alcance foi medido pela taxa de ocupação das vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas em 2018 e por simulações quanto a um possível cenário de como as vagas seriam ocupadas na ausência dessa ação afirmativa. A Unifal-MG é uma instituição localizada no sul do estado de Minas Gerais e possui atualmente 34 cursos de graduação, 29 cursos de pós-graduação, sendo 20 mestrados acadêmicos, três mestrados profissionais e seis doutorados. A instituição se estrutura administrativamente em três unidades, com localização em Alfenas, Poços de Caldas e Varginha.

Foram analisados dados relacionados aos ingressantes de 27 cursos5 de graduação da modalidade presencial no ano letivo de 2018 por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), adotado pela instituição, após esgotadas todas as chamadas das listas de espera. Utilizamos informações relacionadas à nota final no processo seletivo, categoria de ingresso e curso matriculado. Consideramos também as informações relacionadas ao perfil desses estudantes, como autodeclaração racial, sexo, renda per capita familiar, ano de conclusão do ensino médio e tipo de rede do ensino médio (pública ou privada). Para o estudo, levamos em consideração o universo dos dados, ou seja, a pesquisa não foi por amostragem. Todos os dados foram fornecidos pelo Departamento de Registro Acadêmico da Universidade Federal de Alfenas, respeitando o anonimato dos ingressantes.

Na Unifal-MG, as categorias de ingresso dos estudantes seguem o sistema da Lei de Cotas e sua distribuição é feita por meio do edital específico da universidade (Unifal, 2018), com as nomenclaturas dispostas no Quadro 1.

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018)

Quadro 1 Categorias de ingresso na Unifal 

Devido ao baixo número de estudantes com deficiência ingressantes por meio do processo seletivo de 2018, utilizamos a categoria L9* como o agrupamento das categorias destinadas a esse público, ou seja, L9, L10, L13 e L14.

Para a análise dos dados, levamos em consideração: i) a taxa de ocupação das vagas, segundo a Lei de Cotas; e ii) simulações sobre a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado nos cursos, em um cenário sem a Lei de Cotas. Em ambos os aspectos, organizamos os resultados considerando: i) todos os cursos; ii) grau acadêmico (bacharelado ou licenciatura); e iii) área de conhecimento (Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Humanas e Ciências Exatas e da Terra).

Com a taxa de ocupação, buscamos identificar se as vagas distribuídas segundo a Lei de Cotas foram efetivamente preenchidas ao término de todas as chamadas do Sisu na universidade. Essa taxa estabelece a relação entre o número de vagas disponibilizadas em cada categoria de ingresso, segundo a Lei de Cotas e o edital de ingresso da IES, e o número de ingressantes naquela categoria, depois de encerradas todas as chamadas do processo seletivo. Ela foi definida pela razão entre o número de vagas ocupadas e o número de vagas reservadas:

Taxa de ocupação (%)=Vagas ocupadasVagas reservadas×100 

Diferentemente de Caseiro e Azevedo (2019), que utilizaram a taxa de ociosidade como medida, optamos por calcular a taxa de ocupação, que é o cálculo complementar à taxa de ociosidade, uma vez que nos permite verificar categorias de ingresso que foram preenchidas com quantidades superiores à reserva prevista em edital (nesses casos, a taxa de ociosidade informa valores negativos). Isso se explica porque o edital de ingresso da Unifal prevê remanejamentos intercategorias, de forma que, após a primeira chamada, esgota-se inicialmente a lista de espera em cada uma das categorias, na seguinte ordem: L10, L2, L9, L1, L14, L6, L13 e L5. Caso ainda existam vagas após a convocação de todos os candidatos habilitados dessas categorias, o edital prevê a convocação de candidatos da categoria Ampla Concorrência (A0).

Posteriormente, realizamos simulações para verificar a porcentagem de estudantes público-alvo da Lei de Cotas que não teriam acessado a universidade sem essa ação afirmativa. Para tanto, usamos um instrumento que tem como parâmetro a nota de corte da categoria Ampla Concorrência (categoria A0) de cada curso, visando prever a porcentagem de estudantes das demais categorias que não teriam ingressado.

Resultados e discussões

No primeiro semestre de 2018, a Unifal-MG disponibilizou 1.098 vagas no Sisu em 25 dos 27 cursos analisados, distribuídas nas categorias de Ampla Concorrência e Cotas. Já no segundo semestre de 2018, foram disponibilizadas 462 vagas para nove cursos, sete com entrada nos dois semestres e dois cursos com entrada apenas no segundo semestre (Quadro 2).

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018)

Quadro 2 Cursos da Unifal com ingressos semestral e anual em 2018 

Quanto ao perfil socioeconômico dos ingressantes em 2018 na Unifal-MG, a Tabela 1 destaca a organização segundo a renda per capita dos estudantes, independentemente da forma de ingresso. Como é possível notar, mais de 70% dos ingressantes declaram renda per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. A Tabela 2 destaca o perfil relacionado à autodeclaração racial dos ingressantes na Unifal-MG em 2018, independentemente da forma de ingresso. Nota-se predominância de estudantes autodeclarados brancos entre esses ingressantes.

Tabela 1 Distribuição percentual dos estudantes ingressantes na Unifal em 2018, segundo renda per capita familiar 

Renda per capita familiar Representação percentual
Inferior a um salário mínimo 41,28%
A partir de 1 até 1,5 salário mínimo 32,00%
A partir de 1,5 até três salários mínimos 16,53%
A partir de três até seis salários mínimos 4,57%
A partir de seis até dez salários mínimos 0,42%
Acima de dez salários mínimos 0,14%
Não informado 5,06%
Total 100,00%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Tabela 2 Autodeclaração racial dos ingressantes na Unifal em 2018, independentemente da forma de ingresso 

Autodeclaração racial Quantidade de ingressantes Representação percentual
Branco 840 58,66%
Pardo 399 27,86%
Preto 121 8,45%
Indígena 1 0,08%
Amarelo 44 3,07%
Não declarada 27 1,88%
Total 1.432 100,00%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Na Tabela 3, apresentamos a taxa de ocupação das vagas por categoria de ingresso, considerando o número de vagas reservadas e ocupadas na Unifal-MG em 2018, em todos os 27 cursos de graduação analisados6. Já na Tabela 4, apresentamos o total de vagas preenchidas em cada categoria e a porcentagem efetiva que cada uma representa, considerando o total de ingressantes (e não o de vagas disponibilizadas).

Tabela 3 Taxa de ocupação das vagas por categoria segundo a Lei de Cotas na Unifal em 2018, considerando todos os cursos 

Categoria
A0 L1 L2 L5 L6 L9* Cotistas (exceto L9*) Cotistas Total
Taxa de ocupação (%) 105,81 120,30 76,17 106,92 81,91 8,51 93,17 77,96 91,76

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Tabela 4 Vagas efetivamente ocupadas na Unifal em 2018, por categoria de ingresso, com distribuição segundo autodeclaração racial em A0 (valores absolutos e relativos) 

Categoria de Ingresso A0 Total A0 L1 L2 L5 L6 L9* Total Cotas Total Geral
Autodeclaração racial Branco Pardo Preto Amarelo Indígena Não declarada
Valores absolutos 589 152 30 28 0 21 820 160 147 139 154 12 612 1432
Valores relativos (%) 41,13 10,62 2,09 1,95 0 1,47 57,26 11,17 10,27 9,71 10,75 0,84 42,74 100

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Pela Tabela 3, as categorias A0, L1 e L5 tiveram taxas de ocupação superiores a 100%, enquanto L2, L6 e L9 tiveram taxas inferiores. Isso ocorreu devido ao remanejamento intercategorias proposto no edital de ingresso da Unifal-MG, como explicamos na seção anterior. É importante mencionar que as três categorias que ultrapassaram a totalidade da ocupação não dependem de autodeclaração racial. Isso é um indício de que, no decorrer das chamadas subsequentes à primeira, o número de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas7 foi relativamente menor do que nas demais categorias, gerando subocupação das vagas em L2 e L6. Consideramos que o mesmo argumento pode ser utilizado para as vagas destinadas a estudantes com deficiência. Essa situação evidencia que, de forma geral, o grupo de estudantes egressos da rede pública de ensino médio autodeclarados pretos, pardos e indígenas foi o menos incluído em 2018 na Unifal-MG, mesmo com a existência da Lei de Cotas. Situação semelhante foi constatada por Guerrini et al. (2018) na UTFPR e por Moreira e Silva (2019) na Universidade Federal do Paraná (UFPR), embora, neste último, tenha sido identificado um padrão de aumento na ocupação das vagas no decorrer dos anos.

No estado de Minas Gerais, a população negra (composta por indivíduos autodeclarados pretos e pardos) corresponde a 53,5% da população, segundo dados recentes do IBGE (IBGE, 2019). Nesse sentido, quando analisamos o perfil de ingressantes na Unifal-MG como um todo, independentemente da categoria de ingresso, também constatamos um padrão de sub-representação desses estudantes, uma vez que, do total dos ingressantes, apenas 36,31% se autodeclararam negros (8,45% pretos e 27,86% pardos), enquanto 58,66% dos estudantes se autodeclararam brancos (Tabela 2). Dessa forma, 219 ingressantes (diferença entre a soma dos valores absolutos de estudantes autodeclarados pretos e pardos na Tabela 2 e a soma dos valores absolutos de L2 e L6 na Tabela 4), que representam 15,3% do total de ingressantes, autodeclararam-se pretos ou pardos, mas não utilizaram as vagas destinadas pela Lei de Cotas (L2 e L6), sendo que 182 deles (152 autodeclarados pardos e 30 autodeclarados pretos), que representam 12,7% do total de ingressantes, utilizaram a categoria Ampla Concorrência (Tabela 4).

Essa situação de sub-representação de estudantes autodeclarados pretos e pardos também foi apontada no estudo de Senkevics e Mello (2019). Esses autores se respaldaram em pesquisas do Inep, em bases de dados relacionadas aos ingressantes em cursos presenciais de graduação das instituições federais de ensino superior (Ifes), contidas no Censo da Educação Superior, e em bases de dados relativas aos candidatos inscritos no Enem no período de 2012 a 2016. Embora enfatizem essa situação de sub-representação, os resultados de Senkevics e Mello (2019) destacam um aumento no ingresso de estudantes de todos os grupos contemplados pela Lei de Cotas no período analisado, principalmente estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas egressos da rede pública de ensino médio.

Contudo, mesmo com esse aumento destacado por Senkevics e Mello (2019), no caso da Unifal-MG, consideramos que a menor taxa de ocupação das vagas nas categorias L2 e L6 nas matrículas realizadas em 2018, e também o fato de a soma de estudantes autodeclarados pretos e pardos ser aproximadamente quatro vezes menor que o número de estudantes autodeclarados brancos na categoria Ampla Concorrência (A0), representam forte indício de que, mesmo com as políticas de ações afirmativas, esses estudantes continuam enfrentando dificuldades para acessar a universidade, fato mais acentuado quando há necessidade de comprovação de renda (categoria L2), que possui a menor taxa de ocupação da instituição, excetuando-se a reserva destinada para estudantes com deficiência.

Uma implicação direta dessa subocupação das vagas é a necessidade de que a Unifal-MG desenvolva ações institucionais, visando mitigar tal situação. Silva (2019b) aponta que algumas universidades federais da região Sudeste do Brasil criaram pró-reitorias e coordenadorias para lidar exclusivamente com as políticas de ações afirmativas. Segundo o autor, isso tem favorecido o desenvolvimento de políticas e práticas institucionais que visam fortalecer as políticas afirmativas. A Unifal-MG não possui um setor específico para lidar com essa questão e a Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (Prace) da instituição acaba administrando todos os assuntos relacionados tanto à assistência estudantil quanto às ações afirmativas. Ao descentralizar o tratamento dessas políticas, suas especificidades podem ser mais bem abordadas pela instituição. Outra possibilidade para mitigar esse problema seria a diminuição na nota mínima exigida no processo seletivo nos eixos de conhecimento abrangidos pelo Enem. Outros estudos têm mostrado que a nota de entrada tende a ser menos relevante para o progresso desses estudantes do que outros fatores relacionados à sobrevivência material e ao racismo que enfrentam (Santos, 2009; Silva, 2016, 2019a).

Um ponto que também merece destaque é que, mesmo sendo superior a 100% em algumas categorias, a taxa de ocupação das vagas por estudantes público-alvo da Lei de Cotas, de forma geral, não atingiu sua totalidade, chegando a 93,17%, quando excluída a categoria L9*, e 77,96%, considerando a categoria L9*. Isso evidencia a necessidade de mais ações destinadas ao preenchimento das vagas contempladas pela Lei de Cotas na universidade.

Ao simularmos um cenário geral para a Unifal-MG sem a existência da Lei de Cotas, notamos que 36,27% dos estudantes cotistas não teriam ingressado em 2018 (Tabela 5). Em outras palavras, mais de um terço dos alunos ingressantes não teria acessado essa IES sem a Lei de Cotas. A categoria L9*, destinada a estudantes com deficiência, de forma geral, foi a que obteve a maior porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na universidade, seguida pela categoria L2, que envolve autodeclaração racial e renda inferior a 1,5 salário mínimo per capita, com 50,34%. Contudo, é importante mencionar que a categoria L9* é bastante diminuta em relação às demais, tendo reunido poucos ingressantes (em média um ou dois por curso). Dessa forma, a não inclusão de um ou dois estudantes gerou grandes efeitos sobre as simulações realizadas, destoando do padrão das demais categorias.

Tabela 5 Porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na Unifal em 2018, segundo simulações 

Categorias
IES L1 L2 L5 L6 L9* Cotas em geral
Unifal-MG 35,63% 50,34% 19,42% 35,06% 83,33% 36,27%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Analisamos também o cenário da Unifal-MG considerando o grau acadêmico (bacharelado ou licenciatura)8. Na Tabela 6, destacamos a taxa de ocupação das vagas, e na Tabela 7 apresentamos os valores absolutos e relativos das vagas preenchidas.

Tabela 6 Taxa de ocupação na Unifal, por grau acadêmico, no ano de 2018 

Taxa de ocupação (%) Categoria de ingresso
A0 L1 L2 L5 L6 L9* Cotistas (exceto L9*) Cotistas (incluindo L9*) Geral
Bacharelado 102,48 126,42 78,15 101,94 77,40 8,26 92,89 77,89 90,08
Licenciatura 117,65 96,3 69,05 125,93 97,62 9,38 94,2 78,24 97,94

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Tabela 7 Valores absolutos e relativos das vagas efetivamente preenchidas na Unifal em 2018, por grau acadêmico dos cursos 

Valores absolutos Valores percentuais (%)
A0 L1 L2 L5 L6 L9* Total A0 L1 L2 L5 L6 L9* Total
Bacharelado 620 134 118 105 113 9 1099 56,41 12,19 10,74 9,55 10,28 0,82 100
Licenciatura 200 26 29 34 41 3 333 60,06 7,81 8,71 10,21 12,31 0,90 100
Unifal-MG 820 160 147 139 154 12 1432 57,26 11,17 10,27 9,71 10,75 0,84 100

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Os resultados destacados na Tabela 6 mostram que as categorias A0, L1 e L5 tiveram uma taxa de ocupação superior a 100% nos cursos de bacharelado, fato que também ocorreu nas categorias A0 e L5 nos cursos de licenciatura. Com exceção dos cursos de bacharelado, em que L1 superou os 100%, as categorias que necessitam de comprovação de renda foram subocupadas, principalmente quando se relaciona tal comprovação com a autodeclaração racial (L2). Dessa forma, o padrão de subocupação das vagas para estudantes egressos da rede pública autodeclarados pretos, pardos e indígenas ocorreu independentemente do grau acadêmico do curso, mesmo com os cursos de licenciatura apresentando taxa maior na categoria L6.

Quando consideramos apenas a taxa de ocupação das vagas destinadas para estudantes público-alvo da Lei de Cotas, incluindo a reserva para pessoas com deficiência, encontramos 77,89% de ocupação nos bacharelados e 78,24% nas licenciaturas. Esse valor foi impactado pela baixa ocupação das reservas para estudantes com deficiência. Considerando a reserva para cotistas, excluindo a L9*, a taxa de ocupação total foi de 92,89% no bacharelado e 94,2% na licenciatura. Uma consequência dessa taxa de ocupação inferior a 100% foi que, em ambos os graus acadêmicos, não houve preenchimento de 50% das vagas por estudantes público-alvo da Lei de Cotas (Tabela 7), apresentando, respectivamente, 39,94% e 43,59%, seguindo o padrão da Unifal-MG quando considerados todos os cursos.

Ainda em relação ao grau acadêmico, simulamos um cenário sem a utilização da Lei de Cotas na mencionada universidade em 2018. Na Tabela 8, apresentamos a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado sem a utilização dessa ação afirmativa. No Gráfico 1, apresentamos boxplots das notas dos ingressantes, por grau acadêmico, segundo cada categoria de ingresso.

Tabela 8 Porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na Unifal, segundo o grau acadêmico 

Categoria Grau acadêmico L1 L2 L5 L6 L9* Cotas em geral
Bacharelado 39,55% 55,93% 21,90% 42,48% 77,78% 41,13%
Licenciatura 15,38% 27,59% 11,76% 14,63% 100,00% 18,8%
Unifal-MG 35,63% 50,34% 19,42% 35,06% 83,33% 36,27%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Gráfico 1  Boxplots das notas dos ingressantes por grau acadêmico dos cursos - Unifal 2018 

De acordo com os dados da Tabela 8, considerando as categorias de cotas em geral, é possível perceber que, sem a Lei de Cotas, a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado nos cursos de bacharelado, nesse cenário, seria cerca de duas vezes maior em relação à porcentagem de estudantes que não teriam ingressado nas licenciaturas. Resultado semelhante foi encontrado por Corbari (2018) na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Uma possível explicação para isso é que, tradicionalmente, no Brasil, a nota média dos processos seletivos em cursos de licenciaturas é menor do que em cursos de bacharelado. Em particular, em 2018 na Unifal-MG, a nota média de ingresso nos cursos de licenciatura foi de 580,39, e nos cursos de bacharelado, 632,72.

Na Tabela 8, é possível verificar também que a maior porcentagem de estudantes que não teriam ingressado ocorreu na categoria destinada a estudantes com deficiência (categoria L9*), totalizando 100% nos cursos de licenciatura e 77,78% nos cursos de bacharelado. Como destacado, essa categoria também obteve a menor taxa de ocupação em ambos os graus acadêmicos dos cursos. Nesse sentido, mesmo com baixa ocupação das vagas, sem as ações afirmativas, estudantes com deficiência teriam sido praticamente excluídos do ingresso na Unifal-MG em 2018.

Ainda em relação ao grau acadêmico, a Tabela 8 nos mostra que a categoria destinada a estudantes da rede pública de ensino sem comprovação de renda e sem autodeclaração racial (categoria L5) foi a que apresentou o menor corte, com 21,9% de estudantes que não obteriam o acesso nos cursos de bacharelado e 11,76% nos de licenciatura. É importante notar que essa categoria obteve alta taxa de ocupação em ambos os graus acadêmicos dos cursos. A categoria que não exige autodeclaração racial, mas que depende da comprovação de renda (categoria L1), apresentaria um corte relativamente maior, atingindo 39,55% nos bacharelados e 15,38% nas licenciaturas. Cabe destacar que a categoria L1 também obteve alta taxa de ocupação em ambos os graus acadêmicos dos cursos, quando comparada às demais categorias.

De forma mais acentuada do que nas categorias L1 e L5, os resultados indicam que uma parcela significativa de estudantes egressos da rede pública de ensino médio autodeclarados pretos e pardos não teria ingressado nos cursos de bacharelado e licenciatura sem a Lei de Cotas (categorias L2 e L5), de forma mais elevada na categoria que exige comprovação de renda (categoria L2), com 55,93% e 27,59%, respectivamente. Isso sugere que, mesmo sem ocupar a totalidade das vagas destinadas a estudantes egressos da rede pública autodeclarados pretos e pardos, a não utilização da Lei de Cotas poderia ter aumentado ainda mais a sub-representação desses estudantes na instituição, evidenciando a importância dessas políticas no que tange à luta por equidade no acesso à universidade.

Ademais, o Gráfico 1 evidencia homogeneidade nas notas dos ingressantes, com certa variação ao se considerarem ingressantes que utilizaram categorias relacionadas à autodeclaração racial e comprovação de renda. De certa forma, isso se aproxima do resultado encontrado por Campos, Feres Júnior e Daflon (2014), que apontaram que as diferenças entre as categorias de ingresso destinadas às cotas crescem na medida em que raça e renda são consideradas.

Por fim, analisamos também a taxa de ocupação das vagas e simulamos um cenário sem a Lei de Cotas, considerando as áreas do conhecimento Ciências Biológicas e da Saúde, Ciências Exatas e da Terra e Ciências Humanas. Na Tabela 9, destacamos a taxa de ocupação das vagas na Unifal-MG, segundo cada área, por categoria de ingresso. Na Tabela 10, destacamos o valor relativo e absoluto das vagas efetivamente preenchidas.

Tabela 9 Taxa de ocupação das vagas na Unifal em 2018, por área do conhecimento 

Taxa de ocupação (%) Categoria de ingresso
A0 L1 L2 L5 L6 L9* Cotistas (exceto L9*) Cotistas (incluindo L9*) Total geral
Ciências Humanas 114,81 70,59 86,21 111,76 89,66 10,0 89,13 75,0 94,55
Ciências Exatas e da Terra 104,63 108,7 59,05 95,65 77,78 5,56 81,87 68,6 86,53
Ciências Biológicas e da Saúde 103,89 155,32 101,69 122,73 85,00 12,24 113,33 94,21 99,03

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Tabela 10 Vagas efetivamente preenchidas na Unifal em 2018, por área de conhecimento, finalizadas todas as chamadas do processo seletivo 

Área do conhecimento Quantidade por categoria Total Porcentagem por categoria Total
A0 L1 L2 L5 L6 L9* A0 L1 L2 L5 L6 L9*
Ciências Humanas 124 12 25 19 26 2 208 59,62 5,77 12,02 9,13 12,50 0,96 100
Ciências Exatas e da Terra 429 75 62 66 77 4 713 60,17 10,52 8,70 9,26 10,80 0,56 100
Ciências Biol. e da Saúde 267 73 60 54 51 6 511 52,25 14,29 11,74 10,57 9,98 1,17 100
Unifal-MG 820 160 147 139 154 12 1432 57,26 11,17 10,27 9,71 10,75 0,84 100

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Considerando o total de vagas ocupadas por estudantes que utilizaram a reserva de vagas destinadas para egressos da rede pública de ensino (categorias L1, L2, L5, L6, L9*) e a Ampla Concorrência (categoria A0), as áreas de Ciências Humanas e Ciências Biológicas e da Saúde preencheram quase a totalidade das vagas. Já a área de Ciências Exatas e da Terra apresentou taxa relativamente menor, com 86,53%. Além disso, considerando a taxa de ocupação total das vagas destinadas para estudantes egressos da rede pública, incluindo os estudantes com deficiência, as taxas de ocupação foram de 75%, 68,6% e 94,21% nas áreas de Ciências Humanas, Ciências Exatas e da Terra e Ciências Biológicas e da Saúde, respectivamente. Essa taxa foi influenciada pela baixa ocupação da categoria L9*. Destacamos ainda que a área de Ciências Exatas e da Terra foi a que obteve a menor taxa de ocupação em L9*, com 5,56%. Excetuando-se a categoria L9*, a taxa de ocupação das vagas previstas pela Lei de Cotas foi de 89,13%, 81,87% e 113,33%, respectivamente para as áreas de Ciências Humanas, Ciências Exatas e da Terra e Ciências Biológicas e da Saúde.

No que diz respeito às categorias que exigem autodeclaração racial (L2 e L6), quando consideramos as três áreas do conhecimento, todas as categorias tiveram as menores taxas de ocupação, seguindo a tendência da Unifal-MG como um todo. Exceto na área das Ciências Biológicas e da Saúde, em que L2 superou a taxa de 100% de ocupação; nas demais áreas, as categorias L2 e L6 foram subocupadas. Isso ocorreu mesmo em situações em que houve mais estudantes cotistas do que o número de vagas reservadas, como na área de Ciências Biológicas e da Saúde. Em outras palavras, a questão racial aparentemente continua sendo um empecilho para o acesso de estudantes público-alvo da Lei de Cotas a essa universidade, mesmo com a utilização dessa ação afirmativa. De forma ainda mais evidente, a área das Ciências Exatas e da Terra obteve as menores taxas de ocupação nas categorias L2 e L6. No estudo de Silva (2016), estudantes matriculados em cursos dessa área na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e na Universidade Federal do ABC (UFABC) compartilharam a sensação de que havia poucos estudantes pretos e pardos nos departamentos e institutos da área de exatas, em ambas as instituições. Isso pode ser uma evidência de que essa área enfrenta maiores desafios no que diz respeito à inclusão racial na universidade pública.

Em termos de ocupação das vagas, a área de Ciências Biológicas e da Saúde foi a que mais incluiu estudantes público-alvo da Lei de Cotas na Unifal-MG em 2018, principalmente nas categorias que não envolvem a autodeclaração racial (L1 e L5). A categoria L1 obteve a mais alta taxa de ocupação, com 155%. Considerando ainda os valores absolutos e relativos da ocupação das vagas, por área de conhecimento (Tabela 10), a área também foi a que mais se aproximou do preenchimento de metade das vagas por estudantes público-alvo da Lei de Cotas.

Na Tabela 11, evidenciamos os resultados de nossas simulações referentes a um cenário sem a Lei de Cotas na Unifal-MG, indicando a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado nos cursos de cada área do conhecimento. No Gráfico 2, apresentamos boxplots das notas dos ingressantes, por área do conhecimento, segundo cada categoria de ingresso.

Tabela 11 Porcentagem de estudantes que não teriam ingressado em cursos das três áreas do conhecimento 

Categoria Área L1 L2 L5 L6 L9* Cotas em geral
Ciências Biológicas e da Saúde 58,9% 91,67% 35,18% 80,39% 100% 67,21%
Ciências Humanas 16,67% 32% 21,05% 23,08% 100% 26,19%
Ciências Exatas e da Terra 16% 17,74 % 6,06% 9,1% 50% 12,68%
Unifal-MG 35,63% 50,34% 19,42% 35,06% 83,33% 36,27%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018).

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018)

Gráfico 2  Boxplots das notas dos ingressantes nos cursos de diferentes áreas do conhecimento, por categoria - Unifal 2018 

Os resultados na Tabela 11 destacam que, em um cenário sem a Lei de Cotas, a área de Ciências Biológicas e da Saúde teria tido um corte mais acentuado de estudantes público-alvo de tal ação afirmativa. Além disso, em todas as áreas, a categoria L9* foi a que obteve a maior porcentagem de estudantes que não teriam ingressado, totalizando 100% das vagas em Ciências Biológicas e da Saúde e Ciências Humanas e 50% na área de Ciências Exatas e da Terra.

Considerando a área de Ciências Biológicas e da Saúde, os resultados mostram que a categoria L5 obteve a menor porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na respectiva área. Contudo, esse valor é maior do que ocorreu na mesma categoria das demais áreas e também na Unifal-MG como um todo. Ainda, na área de Ciências Biológicas e da Saúde, os resultados mostram que a maior parte dos estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas da rede pública que se candidataram nessas categorias não teria ingressado sem a Lei de Cotas, resultado que fica ainda mais acentuado quando a autodeclaração racial e a renda se interceptam (categoria L2), com um valor de 91,67%. Quando consideramos as categorias direcionadas às cotas de uma forma conjunta, a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na área de Ciências Biológicas e da Saúde chega a 67,21%, sendo expressivamente maior do que as demais áreas do conhecimento e do que a porcentagem encontrada na Unifal-MG como um todo.

Dessa forma, a análise dos dados permite dizer que a Lei de Cotas foi importante para os cursos da área de Ciências Biológicas e da Saúde, fato que influenciaria diretamente no perfil dos estudantes ingressantes da Unifal-MG. Situação semelhante foi identificada por Corbari (2018), segundo o qual as ações afirmativas apresentaram um impacto mais acentuado nos cursos de Medicina, Odontologia e bacharelado em Ciências da universidade analisada.

Por sua vez, a área de Ciências Exatas e da Terra foi aquela em que ocorreria um menor corte de estudantes público-alvo da Lei de Cotas, quando comparada com as demais. A categoria L5 apresentaria menor corte entre todas as categorias das três áreas. Na categoria L1, o resultado foi semelhante ao da área das Ciências Humanas, mas apresenta uma diferença significativa nas demais categorias. Em relação à totalidade das cotas, o resultado também é o menor entre as três áreas, pois 12,68% dos estudantes não teriam ingressado. Consideramos que esse resultado menos acentuado pode ter sido influenciado pela baixa taxa de ocupação das vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas por cursos dessa área de conhecimento. Além disso, reforça que os cursos da área das Ciências Exatas e da Terra dessa IES possuem um importante desafio frente à diversidade em seu acesso.

Ademais, com base no Gráfico 2 é possível notar uma distribuição de notas de ingresso mais uniforme na área das Ciências Biológicas e da Saúde do que nas demais áreas. Além disso, em todas as áreas, houve, em grau mais ou menos acentuado, variação ao se considerarem ingressantes que utilizaram autodeclaração racial e comprovação de renda, semelhantemente ao que ocorreu quando analisamos o cenário entre bacharelados e licenciaturas, e como destacado em outros estudos, como Guerrini et al. (2018) e Corbari (2018).

Considerações finais

Neste trabalho, discutimos resultados de uma pesquisa que buscou compreender o alcance da Lei de Cotas no acesso aos cursos de graduação presenciais da Unifal em 2018. Para medir esse alcance, analisamos a taxa de ocupação das vagas e simulamos cenários referentes à não utilização dessa ação afirmativa no processo seletivo da IES. Os resultados indicam que, em 2018, as vagas destinadas a estudantes público-alvo da Lei de Cotas não foram totalmente preenchidas nessa instituição. Tal situação fica mais evidente quando consideramos as categorias reservadas para estudantes egressos da rede pública de ensino médio autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Em muitos casos, as vagas foram transferidas para outras categorias de ingresso ou mesmo para a ampla concorrência. Isso se deu pelo menor número de estudantes classificados nas categorias que envolvem autodeclaração racial e pela forma de distribuição adotada pela instituição nas chamadas subsequentes à primeira.

Mesmo quando realizamos diferentes agrupamentos nos dados (bacharelado e licenciatura e por área de conhecimento), as categorias reservadas para estudantes egressos da rede pública autodeclarados pretos e pardos continuaram subocupadas, fato que também ocorre quando observamos o perfil racial de todos os ingressantes, independentemente da categoria (ampla concorrência ou cotas). Como discutimos ao longo deste trabalho, aparentemente essa situação também tem ocorrido em outras universidades. Entretanto, para nós, esse resultado não diminui o alcance das políticas de ações afirmativas, uma vez que, como estudos mostram (Moreira; Silva, 2019; Ristoff, 2014), principalmente a partir da homologação da Lei de Cotas, mais estudantes tradicionalmente pertencentes a grupos sub-representados no ensino superior brasileiro estão ingressando nesse nível de ensino, principalmente em IES públicas.

Além disso, independentemente da forma como organizamos os dados, notamos que estudantes egressos da rede pública de ensino autodeclarados pretos e pardos teriam sido os mais prejudicados no que diz respeito ao acesso à Unifal-MG, caso essa instituição não utilizasse a Lei de Cotas em seu processo seletivo. Em cursos considerados mais prestigiados, estudantes de todas as categorias de cotas teriam sido praticamente excluídos da instituição. Isso aconteceria de forma mais acentuada para aqueles autodeclarados pretos e pardos com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. Também é importante ponderar que, ao se mudarem as circunstâncias em que se acontece o acesso, muda-se também a estrutura de incentivos para os candidatos, fato que pode gerar respostas comportamentais particulares, não previsíveis em nossas simulações sobre a porcentagem de estudantes que não teriam ingressado na Unifal-MG sem a Lei de Cotas. Em outras palavras, caso não houvesse essa ação afirmativa, é provável que menos estudantes público-alvo da Lei de Cotas se candidatassem, por não acreditarem na possibilidade de serem aprovados no processo seletivo. Nesse sentido, nosso estudo, além de reforçar a importância da manutenção da Lei de Cotas, chama a atenção para a necessidade do desenvolvimento de ações institucionais que possam ampliar o alcance do processo seletivo da instituição para um maior contingente de estudantes egressos da rede pública de ensino autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Não obstante, nossa pesquisa aponta para a necessidade de uma compreensão longitudinal tanto da taxa de ocupação quanto das simulações que realizamos na Unifal-MG, fato que pode iluminar o desenvolvimento de práticas institucionais não apenas dessa instituição, mas de outras de mesmo porte

Agradecimentos

Este trabalho contou com o suporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), processo nº APQ-00152-17

Referências

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 ago. 2012. Seção 1, p. 1. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 26 jun. 2014. Seção 1, p. 1. Edição extra. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 13.409, de 28 de dezembro de 2016. Altera a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, para dispor sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência nos cursos técnico de nível médio e superior das instituições federais de ensino. Diário Oficial da União , Brasília, DF, 29 dez. 2016. Seção 1, p. 3. [ Links ]

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2017. Brasília, DF: Inep, 2019. [ Links ]

CAMPOS, L. A.; FERES JÚNIOR, J.; DAFLON, V. T. Administrando o debate público: O Globo e a controvérsia em torno das cotas raciais. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, DF, n. 11, p. 7-31, maio/ago. 2013. [ Links ]

CAMPOS, L. A.; FERES JÚNIOR, J.; DAFLON, V. T. O desempenho dos cotistas no Enem: comparando as notas de corte do Sisu. Rio de Janeiro: UERJ/IESP, 2014. (Textos para Discussão GEMAA, 4). [ Links ]

CASEIRO, L. C. Z.; AZEVEDO, A. R. Eficiência e potencial de expansão da educação superior pública. In: MORAES, G. H.; ALBUQUERQUE, A. E. M. (Org.). 5 anos de Plano Nacional de Educação. Brasília, DF: Inep, 2019. p. 107-158. (Cadernos de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, 2). [ Links ]

CORBARI, E. Avaliação do impacto da política de cotas na Unioeste: quem de fato foi incluído? 2018. 103 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Toledo, 2018. [ Links ]

FERREIRA, N. T. Ações afirmativas raciais e a atuação do Jornal Folha de S. Paulo. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 171, p. 110-128, jan./mar. 2019. [ Links ]

GOLDEMBERG, J.; DURHAM, E. R. Cotas nas universidades públicas. In: FRY, P. et al. (Org.). Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 167-172. [ Links ]

GOMES, J. B. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: LOBATO, F.; SANTOS, R. E. D. (Org.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 15-58. (Coleção Políticas da Cor). [ Links ]

GRISA, G. D.; CAPRARA, B. M. As políticas de ações afirmativas no ensino superior sob a ótica dos gestores: o caso da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ciências Sociais Unisinos, São Leopoldo, v. 52, n. 2, p. 172-181, maio/ago. 2016. [ Links ]

GUERRINI, D. et al. Acesso e democratização do ensino superior com a Lei nº 12.711/12: o câmpus de Londrina da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 99, n. 251, p. 17-36, jan./abr. 2018. [ Links ]

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Estimativas da população residente para os municípios e para as unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2019: [notas metodológicas]. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. [ Links ]

KARRUZ, A. Oferta, demanda e nota de corte: experimento natural sobre efeitos da Lei das Cotas no acesso à Universidade Federal de Minas Gerais.Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 61, n. 2, p. 405-462, abr./jun. 2018. [ Links ]

MAGGIE, Y.; FRY, P. O debate que não houve: a reserva de vagas para negros nas universidades brasileiras. Enfoques, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 93-117, 2002. [ Links ]

MENDES JÚNIOR, A. A. F. Uma análise da progressão dos alunos cotistas sobre a primeira ação afirmativa brasileira no ensino superior: o caso da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ensaio: Avaliação das Políticas Públicas em Educação, Rio de Janeiro, v. 22, n. 82, p. 31-52, jan./mar. 2014. [ Links ]

MOREIRA, C. R. B. S.; SILVA, P. V. B. Ações afirmativas fazem diferença? Uma análise dos perfis dos aprovados no vestibular da UFPR (2013-2017). Revista Internacional de Educação Superior, Campinas, v. 6, p. 1-20, 2019. [ Links ]

MOROSINI, M. C.; FRANCO, M. E. D. P.; SEGENREICH, S. C. D. A expansão da educação superior no Brasil pós LDB/96: organização institucional e acadêmica. Inter-ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 119-140, jan./jun. 2011. [ Links ]

OLIVEIRA, J. A. N. D.; SILVA, P. B. G. A. Estudantes negros ingressantes na universidade por meio de reserva de vagas. Cadernos Cenpec: Pesquisa e Ação Educacional, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 28-53, jan./jul. 2019. [ Links ]

PASSOS, J. C.; RODRIGUES, T. C.; CRUZ, A. C. J. D. O impacto das ações afirmativas no currículo acadêmico do ensino superior brasileiro. Revista da ABPN, [Goiânia], v. 8, n. 19, p. 8-33, mar./jun. 2016. [ Links ]

RISTOFF, D. O novo perfil do campus brasileiro: uma análise do perfil socioeconômico do estudante de graduação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Sorocaba, v. 19, n. 3, p. 723-747, nov. 2014. [ Links ]

SANTOS, D. B. R. Para além das cotas: a permanência de estudantes negros no ensino superior como política de ação afirmativa. 2009. 214 f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. [ Links ]

SANTOS, J. T. D. Ações afirmativas e educação superior no Brasil: um balanço crítico da produção. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 93, n. 234, p. 401-422, maio/ago. 2012. [ Links ]

SCHWARTZMAN, S. A questão da inclusão social na universidade brasileira. In: PEIXOTO, M. C. L.; ARANHA, A. V. (Org.). Universidade pública e inclusão social: experiência e imaginação. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. p. 23-43. [ Links ]

SENKEVICS, A. S.; MELLO, U. M. O perfil discente das universidades federais mudou pós-Lei de Cotas? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 72, p. 184-208, abr./jun. 2019. [ Links ]

SILVA, G. H. G. Equidade no acesso e permanência no ensino superior: o papel da educação matemática frente às políticas de ações afirmativas para grupos sub-representados. 2016. 359 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP, 2016. [ Links ]

SILVA, G. H. G. Educação Matemática e ações afirmativas: possibilidades e desafios na docência universitária. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 47, n. 165, p. 820-846, jul./set. 2017. [ Links ]

SILVA, G. H. G. Ações afirmativas no ensino superior brasileiro: caminhos para a permanência e o progresso acadêmico de estudantes da área das ciências exatas. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 35, p. 1-29, 2019a. [ Links ]

SILVA, G. H. G. Um panorama das ações afirmativas em universidades federais do sudeste brasileiro. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 173, p. 184-207, jul./set. 2019b. [ Links ]

SILVA, G. H. G.; POWELL, A. B. Microagressões no ensino superior nas vias da educação matemática. Revista Latinoamericana de Etnomatemática, San Juan de Pasto, Colômbia, v. 9, n. 3, p. 44-76, 2016. [ Links ]

SILVA, P. V. B.; BORBA, C. A. Políticas afirmativas na pesquisa educacional. Educar em Revista, Curitiba, v. 34, n. 69, p. 151-191, maio/jun. 2018. [ Links ]

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALFENAS (UNIFAL). Edital nº 03/2018: processo seletivo de ingresso nos cursos presenciais de graduação da Unifal-MG por meio do Sistema de Seleção Unificada Sisu - edição 1/2018. Alfenas, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://www.unifal-mg.edu.br/sisu/wp-content/uploads/sites/72/2018/09/Edital-N%C2%BA-03-SISU-2018-1-29-01-2018-novo.pdf >. Acesso em: 20 ago. 2020. [ Links ]

VILELA, L. et al. As cotas nas universidades públicas diminuem a qualidade dos ingressantes? Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, v. 28, n. 69, p. 652-684, set./dez. 2017 [ Links ]

1Em 2018, IES públicas federais representaram cerca de 15% de todas as matrículas no ensino superior brasileiro (Brasil. Inep, 2019).

2Atualmente, muitas pesquisas mostraram que tais apontamentos não se comprovaram - veja-se, por exemplo, Vilela et al. (2017).

4Na rede privada, de forma geral, a taxa média de ociosidade foi de 69,5%.

5Não consideramos os cursos de Engenharia Ambiental, Engenharia de Minas e Energia e Engenharia Química, pois possuem entrada por meio de edital publicado pela Pró-Reitoria de Graduação da Unifal-MG, não utilizando o Sisu como forma de ingresso. O Sisu é utilizado para acesso ao curso de Bacharelado Interdisciplinar de Ciência e Tecnologia (BICT) e os estudantes podem concorrer às vagas destinadas a eles quando concluem o curso. Além disso, não consideramos os cursos de Ciências Biológicas-Licenciatura, Química-Licenciatura e Pedagogia na modalidade a distância para o nosso estudo. O curso de Ciências Contábeis não ofereceu vagas para 2018.

6Na Tabela A do Apêndice, destacamos a quantidade de vagas reservadas para cada categoria de ingresso (Ampla Concorrência e Cotas) e a quantidade de vagas ocupadas em cada uma delas, as quais nos permitiram calcular as taxas de ocupação.

7Em 2018, houve apenas um estudante indígena matriculado na Unifal-MG.

8No processo seletivo de 2018, a Unifal-MG ofereceu vagas para 19 cursos de bacharelado e 8 cursos de licenciatura, com 1.220 e 340 vagas, respectivamente.

3A Meta 12 do PNE consiste em “Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público” (Brasil, 2014). Para tanto, são elencadas 21 estratégias, visando atingir essa meta até 2024.

Apêndice

Tabela 1 Vagas disponibilizadas e efetivamente ocupadas nos 27 cursos de graduação da Unifal em 2018 

Curso Categoria A0 Categoria L1 Categoria L2 Categoria L5 Categoria L6 Categoria L9* Cotistas (exceto L9*) Cotistas (incluindo L9*) Total geral
Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu. Res. Ocu.
Administração Pública 14 11 2 2 5 5 2 2 5 3 2 0 14 12 16 12 30 23
Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Economia 104 113 20 17 26 17 20 15 24 22 16 2 90 71 106 73 210 186
Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia 132 120 22 27 34 20 22 20 30 21 24 0 108 88 132 88 264 208
Biomedicina 20 20 3 3 5 4 3 6 5 5 4 0 16 18 20 18 40 38
Biotecnologia 20 22 3 4 5 3 3 5 5 5 4 0 16 17 20 17 40 39
Ciências da Computação 20 20 3 7 5 5 3 3 5 5 4 0 16 20 20 20 40 40
Ciências Atuariais 14 13 2 2 5 1 2 2 5 0 2 0 14 5 16 5 30 18
Ciências Biológicas - Bach. 20 31 3 7 5 1 3 3 5 2 4 0 16 13 20 13 40 44
Ciências Biológicas - Lic. 20 22 4 5 5 2 4 9 5 4 2 0 18 20 20 20 40 42
Ciências Econômicas 14 13 2 0 5 1 2 1 5 2 2 1 14 4 16 5 30 18
Ciências Sociais - Bach. 10 12 2 2 2 4 2 3 2 2 2 0 8 11 10 11 20 23
Ciências Sociais - Lic. 10 12 2 1 2 1 2 3 2 3 2 0 8 8 10 8 20 20
Enfermagem 20 21 3 6 5 5 3 3 5 5 4 0 16 19 20 19 40 40
Farmácia 50 52 10 22 11 12 9 10 11 7 9 1 41 51 50 52 100 104
Física 20 17 3 5 5 6 3 3 5 5 4 0 16 19 20 19 40 36
Fisioterapia 25 23 5 5 5 9 4 5 5 5 6 0 19 24 25 24 50 47
Geografia - Bach. 20 30 3 3 5 3 3 3 5 4 4 0 16 13 20 13 40 43
Geografia - Lic. 20 25 3 4 5 1 3 4 5 5 4 2 16 14 20 16 40 41
História 20 24 3 4 5 4 3 4 5 6 4 0 16 18 20 18 40 42
Letras 20 30 3 0 5 3 3 3 5 5 4 0 16 11 20 11 40 41
Matemática 20 24 3 1 5 3 3 2 5 4 4 0 16 10 20 10 40 34
Medicina 30 29 5 6 7 8 5 5 7 7 6 3 24 26 30 29 60 58
Nutrição 22 20 4 9 5 4 4 4 6 6 5 0 19 23 24 23 46 43
Odontologia 50 49 10 10 11 15 9 9 11 10 9 2 41 44 50 46 100 95
Pedagogia 20 22 3 3 5 7 3 3 5 5 4 1 16 18 20 19 40 41
Química - Bach. 20 21 4 2 5 1 4 6 5 2 2 0 18 11 20 11 40 32
Química - Lic. 20 24 3 3 5 2 3 3 5 4 4 0 16 12 20 12 40 36
Total 775 820 133 160 193 147 130 139 188 154 141 12 644 600 785 612 1.560 1.432

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Unifal (2018)

Recebido: 14 de Novembro de 2019; Aceito: 01 de Setembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons