SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.102 número260Interpretación de gráficos de barras en la educación de jóvenes y adultosProducción de texto en el tercer año de la educación primaria: revisión y reescritura en el desarrollo de las funciones psicológicas superiores índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.102 no.260 Brasília ene./apr 2021

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102.i260.4187 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

A colaboração em pesquisa como ferramenta metodológica para formação de professores/as na licenciatura

The research collaboration as a methodological tool to educate teachers in the undergraduate level

La colaboración en investigación como herramienta metodológica para la formación de profesores/as en la universidad

Suzana Santos LibardiI  II 
http://orcid.org/0000-0002-2185-6786

Carmelita Maria GomesIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-0652-453X

Ana Paula Sandes AraujoV  VI 
http://orcid.org/0000-0003-4178-5716

I Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Campus do Sertão . Delmiro Gouveia, Alagoas, Brasil. E-mail: <suzana.libardi@delmiro.ufal.br>.

II Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

III Prefeitura Municipal de Rio Largo. Rio Largo, Alagoas, Brasil. E-mail: <carmen_bermanely@hotmail.com>.

IV Especialista em Neurociência Aplicada à Educação Especial pela Faculdade de Minas Gerais (Facuminas). Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil.

V Prefeitura Municipal de Teotônio Vilela. Teotônio Vilela, Alagoas, Brasil. E-mail: <ana.1997.paula@hotmail.com>

VI Especialista em Neurociência Aplicada à Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Cândido Mendes (Ucam). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.


Resumo:

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma experiência de colaboração em pesquisa executada em atividades curriculares do âmbito da graduação em Pedagogia. Como aporte teórico, retomamos a história da formação de professores/as e refletimos sobre a relevância da pesquisa nesse processo. Registramos uma iniciativa de colaboração vivenciada por duas licenciandas, no contexto de dois projetos de pesquisa distintos, para suas monografias de conclusão de curso. A colaboração se deu nas atividades de campo de ambas as pesquisas: uma entrevista que ocorreu em dois encontros e em oficinas de grupo realizadas em quatro encontros. Uma docente foi entrevistada e crianças participaram das oficinas, todos em escolas públicas. O texto expõe detalhadamente a metodologia adotada. Nosso olhar analítico sobre a experiência gerou como resultados uma discussão acerca do papel da pesquisa na formação de professores/as e a necessidade de visualizarmos docentes e estudantes de licenciatura como pesquisadores/as. A colaboração apresentada entre as graduandas refletiu uma experiência de formação em pesquisa, que resultou na construção de novas perspectivas metodológicas, no exercício do olhar externo sobre a escola e na construção de experiências coletivas por parte das pesquisadoras.

Palavras-chave: formação de professores; licenciatura; metodologia de pesquisa

Abstract:

This paper presents a research collaboration carried out as part of the curriculum activities of the Pedagogy undergraduate course. As a theoretical approach, the history of the teacher’s education was recaptured, also discussing the relevance of research in this process. The collaboration initiative experienced by two undergraduate students was registered, in the context of two different research projects, for their respective undergraduation dissertations. The collaboration happened within the field activities of both researches: an interview occurring in two meetings, and also workshops occurring in four meetings. A teacher was interviewed and children attended workshops, both at public schools. The text details the methodology adopted. The authors’ analytical look over the research resulted on a discussion on the role played by research on the training of teachers, revealing also the necessity to perceive teachers and undergraduate pedagogy students as researchers. The collaboration demonstrated by the undergraduate students reflected the experience in research capacitation, which resulted in the development of new methodological perspectives, exercising the external view over the school as well as building collective experiences by researchers.

Keywords: research methodology; teacher training; undergraduation in education

Resumen:

Este trabajo tiene como objetivo presentar una experiencia de colaboración en la investigación ejecutada en actividades curriculares del ámbito de la carrera de Pedagogía. Como aporte teórico, retomamos la historia de la formación de profesores/as, y reflexionamos sobre la relevancia de la investigación en este proceso. Registramos una iniciativa de colaboración vivenciada por dos alumnas, en el contexto de dos proyectos de investigación diferentes, para sus trabajos de conclusión de curso. La colaboración se dio en las actividades de campo de ambas investigaciones: una entrevista que ocurrió en dos encuentros, y también en talleres de grupo realizados en cuatro encuentros. Una docente fue entrevistada y niños participaron de los talleres, todos en escuelas públicas. El texto expone detalladamente la metodología adoptada. Nuestra mirada analítica sobre la experiencia generó como resultados una discusión acerca del papel de la investigación en la formación de profesores/as, y la necesidad de visualizar docentes y estudiantes de Pedagogía en cuanto investigadores/as. La colaboración presentada entre las alumnas reflejó una experiencia de formación en investigación, que resultó en la construcción de nuevas perspectivas metodológicas, en el ejercicio del mirar externo sobre la escuela y en la construcción de experiencias colectivas por parte de las investigadoras.

Palabras clave: curso de formación de profesores; formación de profesores; metodología de la investigación

Introdução: a problemática da formação de professores/as e a tarefa da pesquisa

Este trabalho apresenta um relato de experiência de colaboração em pesquisa, executada no sertão de Alagoas, dentro de atividades curriculares de um curso de graduação de licenciatura em Pedagogia. Tal colaboração foi vivenciada por duas licenciandas, em dois projetos de pesquisa distintos, os quais foram realizados para elaboração de suas respectivas monografias de conclusão de curso (Araujo, 2019; Gomes, 2019). Este trabalho relata a experiência de colaboração em pesquisa, objetivando contribuir com métodos aplicáveis à qualificação em pesquisa para a formação de professores/as.

No contexto atual, sabe-se da necessidade de reflexão permanente sobre a formação docente, tendo em vista sua importância para a atuação profissional, bem como para uma educação de qualidade. Porém, por muito tempo, a formação não esteve como prioridade nos debates educacionais. Saviani (2009) aponta ter sido a partir da criação da Lei das Primeiras Letras, em 1827, ainda no Império, que se externou a preocupação mais geral sobre a formação recebida por professores/as. Saviani resume o processo histórico referente à formação de professores/as, no contexto brasileiro, em seis períodos:

1. Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Esse período se inicia com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras Letras, que obrigava os professores a se instruir no método do ensino mútuo, às próprias expensas; estende-se até 1890, quando prevalece o modelo das Escolas Normais. 2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-1932), cujo marco inicial é a reforma paulista da Escola Normal tendo como anexo a escola-modelo. 3. Organização dos Institutos de Educação (1932- 1939), cujos marcos são as reformas de Anísio Teixeira no Distrito Federal, em 1932, e de Fernando de Azevedo em São Paulo, em 1933. 4. Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de Licenciatura e consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-1971). 5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de Magistério (1971-1996). 6. Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais Superiores e o novo perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006) (Saviani, 2009, p. 143).

Essa transição, trazida por Saviani, remete ao período em que a preocupação com a formação docente era inicialmente de responsabilidade dos/as próprios/as professores/as, alcançando, posteriormente, um momento em que o Estado passa a se envolver, criando instituições de formação superior para preparar docentes para atuar na educação brasileira.

Diferentemente da realidade de meados do século 19, as políticas públicas atuais reconhecem a necessidade da formação superior para professores/as, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, determina como requisito para os/as profissionais da educação básica a formação:

(...) em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena (...) admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal” (Brasil, 1996).

Todavia, um levantamento realizado em 2017 por Carvalho (2018), publicado no ano seguinte pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostra que entre os/as professores/as atuantes na educação básica nacional há ainda uma mínima porcentagem de docentes escolarizados/as apenas em nível fundamental e outros/as que nem conseguiram terminá-lo. Nesse estudo, foi identificado que, de um total de 2.078.910 docentes no Brasil, 0,3% tem formação em nível fundamental, completa e incompleta; 21,3% com formação em nível médio; e 78,4% com formação em nível superior (Carvalho, 2018, p. 37). Desses, os/as formados/as em nível médio se encontram em maior quantidade na educação infantil e nos anos iniciais, mais do que nas demais etapas de ensino, o que está em conformidade com a LDB.

Dos/as docentes atuantes na região Nordeste, a mesma pesquisa identificou percentuais de: 0,4% com formação em nível fundamental, completa e incompleta; 33,4% com formação em nível médio; e 66,2% com formação em nível superior (Carvalho, 2018, p. 44). Comparado às demais regiões, o Nordeste ocupou espaço com menor percentual de profissionais formados em nível superior do País em 2017. De maneira particular, em 2009, o percentual de professores/as formados/as em nível superior no Nordeste era de 49,1%, mas em 2013 subiu para 60,1% (Carvalho, 2018). Com isso, percebemos que, mesmo vagarosamente, a exigência legal está sendo cumprida nessa região. Avaliamos também que essa realidade pode refletir a expansão na região da quantidade de cursos de nível superior de licenciatura em Pedagogia, incrementados especialmente pela política de interiorização do ensino superior público federal, iniciada em 2003.

O cumprimento da LDB quanto à exigência de formação superior para docentes e a expansão de instituições que promovam tal formação são alguns dos desafios da formação de professores/as no País. Há também outros. O estudo de Saviani (2009) traz uma reflexão sobre a ausência do equilíbrio entre teoria e prática pedagógica na formação de professores/as. Uma realidade existente historicamente e que, segundo o autor, é falha até os dias atuais. A LDB, por exemplo, como principal lei que rege a educação brasileira, traz como fundamento da formação a associação entre teoria e prática (por meio de estágios ou capacitações em serviços, por exemplo). Saviani considera o descuidado com a relação teoria-prática como uma demonstração da “precariedade das políticas formativas” (Saviani, 2009, p. 148) do nosso País, pois não há garantias de que o estabelecido sob amparo legal seja realmente efetivado na formação. Observamos, por exemplo, em nossa realidade no sertão alagoano, que a relação teoria-prática na formação vem sendo encaminhada pelos/as licenciandos/as que voluntariamente buscam uma formação mais completa e, simultaneamente, têm possibilidade de se engajar em diversas atividades científico-acadêmicas ao longo da graduação, como programas de tutoria, iniciação à docência, residência pedagógica, iniciação à pesquisa, monitorias etc. Fora isso, a grande maioria dos/as licenciandos/as vivencia a relação teoria-prática de forma restrita à prática de estágio e à escrita dos relatórios sobre tal experiência - momento em que é demandado que o alunado produza uma relação teoria-prática.

Essa separação entre as dimensões teórica e prática, encontrada na formação de professores/as, é um dos fatores que futuramente contribui para o distanciamento da pesquisa do âmbito da docência na educação básica (Lüdke; Cruz, 2005). Considerando a formação voltada predominantemente para o que ensinar, estimula-se uma prática profissional mais dedicada à “ensinagem”, mas, por vezes, deficitária na reflexividade e conceituação sobre tal prática. Todavia, cobra-se atualmente no mercado de trabalho um/a professor/a reflexivo/a, crítico/a, que saiba identificar os novos paradigmas da educação, reconhecer a realidade dos/as educandos/as e buscar em meio a ela melhorias nas relações interpessoais e na aprendizagem. Então, a constituição desse/a professor/a problematizador/a passa por outras dimensões da formação, para além do conteúdo a ser lecionado, entre as quais podemos destacar a importância do espírito permanente de pesquisa e a tarefa de investigação científica do real.

Para Lüdke e Cruz (2005), a pesquisa é mais que uma reflexão, é uma análise que envolve um olhar atento para a escola, para os/as educandos/as, para a sociedade e para todos os problemas (em maior ou menor proporção) que envolvem o espaço educacional e interferem no processo de ensino e aprendizagem. Para esses autores, pesquisar não é apenas refletir, mas investigar e buscar respostas e soluções para os problemas educacionais, assegurando-se em teorias. Para tanto, o/a docente, diante da sua formação, deve ser estimulado/a a realizar atividades de pesquisa.

Alguns autores/as (Abreu; Almeida, 2008; Souza; Costa; Soares, 2011; Pio; França; Domingues, 2016; Fagundes, 2016) fazem uma crítica à realidade atual, compreendendo a atividade de pesquisa ou defendendo a ideia de um/a professor-pesquisador/a, infelizmente, como algo ainda distante. Um dos principais motivos para isso é a racionalidade extremamente técnica aplicada aos currículos do ensino superior. Para esses autores/as, as licenciaturas têm uma formação baseada na transmissão de conteúdos específicos, direcionados à regência.

Lüdke e Cruz (2005) apontam limitações da formação docente, entre as quais destacamos a insuficiente oferta de disciplinas que discorram sobre a pesquisa no campo educacional, bem como a insuficiente abertura de grupos e projetos para acolher toda a comunidade acadêmica. Por conseguinte, a pesquisa com mais profundidade permanece sendo para os/as poucos/as licenciandos/as que conseguem participar de projetos institucionais. Os/as alunos/as que desenvolvem o prazer pela pesquisa são aqueles/as que tiveram a oportunidade de entrar nos poucos grupos ou núcleos de pesquisa, ou em programas de iniciação científica, apontam os autores.

Na relação da universidade com a sociedade, é possível também identificar a pesquisa como um exercício ainda legitimado restritamente àqueles/as ligados/as à universidade. Sobre a atividade de pesquisa nos âmbitos da escola básica, Abreu e Almeida (2008) afirmam:

Notamos uma espécie de desconexão entre o que se vive nas escolas e o que se pensa nas universidades. Esta mesma ideia que colocamos é sustentada pela comunidade científica, ou seja, o lugar de análises, produção de conhecimento, construção de pesquisa é a universidade, sendo que somente alguns é que são realmente capazes de fazê-lo. À escola cabe receber (quando recebe) o trabalho concluído e aplicar, se for possível (Abreu; Almeida, 2008, p. 78)

No senso comum, a universidade é vista como o único espaço em que a pesquisa científica acontece. Outras instituições educacionais, como as escolas de educação básica, são reduzidas ao seu potencial investigador. Isso, por vezes, torna-se contraditório, visto que a universidade elabora teorias educacionais sem muitas vezes tentar envolver agentes educacionais da escola na tarefa de pesquisar. Ao/à professor/a, aquele/a que vive diariamente os desafios da sala de aula, é mais comum que seja demandada a aplicação das elaborações da academia, quando possível. Por isso que, ao defender a ideia de professor/a pesquisador/a, Fagundes (2016) aponta que docentes da escola básica também podem formular suas teorias, podem pesquisar e produzir conhecimentos que contribuam com outros/as professores/as e, também, com a própria universidade.

A respeito do desafio de se fazer pesquisa em Educação fora da universidade, os autores Lüdke e Cruz (2005) e Pio, França e Domingues (2016) destacam outras limitações encontradas para a atividade de pesquisa na escola básica: excessiva carga horária de aulas para a docência; falta de espaço adequado para a pesquisa nas instituições; ausência de auxílios financeiros ou bolsas para professores/as pesquisadores/as; assim como o acúmulo de tarefas sobre o professorado. Diante disso, e principalmente pela dissociação entre o ensino e a pesquisa difundida na formação, a maior parte dos/as professores/as consegue enxergar a escola como um espaço em que cabe unicamente a ele/a a regência (Souza; Costa; Soares, 2011).

Todavia, a escola básica precisa de professores/as investigadores/as da realidade educacional, principalmente para que o/a educador/a se aproprie de forma sistematizada da sua realidade escolar. Tal trabalho começa a ser construído na formação, pela constituição e qualificação do/a aluno/a pesquisador/a.

A nosso ver, professores/as pesquisadores/as são resultados da constituição de estudantes pesquisadores/as, que receberam incentivos e acessaram condições necessárias dentro da universidade para se engajarem na pesquisa. São relevantes a vivência de pesquisa durante a graduação, a articulação de experiências que contemplem questões teóricas e práticas em um mesmo espaço de conhecimento, a participação em grupos de pesquisa, o incentivo financeiro e a aplicação de bolsas de pesquisa, bem como a exploração dos estágios supervisionados e trabalho de conclusão de curso na sua dimensão de pesquisa. Essas e outras ações ajudam os/as licenciandos/as a vivenciarem a experiência do pesquisar, estimulando a projeção de futuros docentes pesquisadores/as. Estes abordam o contexto educacional com olhar científico, ora formulando hipóteses, ora buscando soluções, mas principalmente lançando-se à tarefa do conhecer, analisar, teorizar e refletir sobre qualquer objeto de estudo relativo ao seu cotidiano educacional.

Por professor/a pesquisador/a entendemos, conforme Fagundes (2016), aquele/a que compreende a escola como campo de pesquisa e produz conhecimento visando à melhoria da aprendizagem dos/as alunos/as, pensando na formação humana e na pluralidade daqueles/as para quem a pesquisa é realizada. Pesce e André (2012) ressaltam também o entendimento do ambiente educacional, por tais docentes, como um campo de pesquisa, de investigação, sendo questionadores/as das teorias educacionais impostas verticalmente ao chão da escola. Ao contrário, buscam hipóteses, questionam as relações educacionais e formulam também suas próprias teorias, aplicando-as às suas realidades de estudo e atuação.

Baseando-se nas elaborações de Nóvoa, essas autoras compreendem que:

[...] a concepção de professor-pesquisador implica oferecer condições para o professor assumir a sua realidade escolar como um objeto de pesquisa, de reflexão e de análise, constituindo-se em um movimento contra-hegemônico frente ao processo de desprofissionalização do professor e de instrumentalização da sua prática (Pesce; André, 2012, p. 43).

O pesquisar do/a docente pode ser, então, um rompimento com essa instrumentalização do seu fazer, que muitas vezes despotencializa e automatiza a prática.

Relatando a experiência

A colaboração em pesquisa não tem sido suficientemente estudada, seja a colaboração entre grupos, instituições ou órgãos de pesquisa, seja entre pesquisadores/as (Leite et al., 2014), como também entre pesquisadores/as em formação - na pós-graduação ou na graduação. No nível mais alto dessa hierarquia:

[...] em nosso país, a colaboração expressa no trabalho de pesquisa em grupo, nas redes de pesquisa, ainda não constitui objeto de avaliação sistemática. Ou seja, nos sistemas de avaliação Sinaes e Capes, os produtos são medidos, porém os processos de geração desses produtos permanecem desconhecidos! Ainda não temos uma política pública de avaliação que dê conta do trabalho de pesquisa em redes de colaboração, não são escrutinadas as formas de atuação, relações e interações dentro dos grupos de investigação (Leite et al., 2014, p. 292).

Isso decorre do fato de que há muitas pesquisas realizadas sob arranjos de colaboração, mas eles não são avaliados sistematicamente pelas instâncias atuantes junto à pesquisa brasileira, e acrescentamos também que esquemas de colaboração (interinstitucional, intergrupal etc.) não são frequentemente adotados como objetos de estudo, ou seja, quando o método colaborativo em si se torna o objeto. Surge daí nosso interesse em fazer do processo de colaboração um estudo em si mesmo. Este relato aborda, por sua vez, a colaboração em pesquisa no nível mais inicial da formação, por ser uma facilitadora da experiência de pesquisa no nível da graduação, além de poder promover sua qualidade.

Neste artigo, reunimos duas pesquisas distintas, denominadas pesquisa A e pesquisa B, as quais foram realizadas para a elaboração de dois trabalhos de conclusão de curso de licenciatura em Pedagogia. O aspecto específico selecionado para ser relatado é o regime de colaboração executado entre as estudantes1, pesquisadoras em formação, para a execução das atividades empíricas de suas pesquisas.

A pesquisa A (Gomes, 2019) tematizou o desenvolvimento do atendimento educacional especializado (AEE) com base no estudo de caso de uma sala de recursos multifuncionais (SRM). O objetivo foi conhecer a implantação da SRM, identificar a formação/preparação das professoras responsáveis pelo AEE, conhecer as práticas desenvolvidas dentro da SRM e a sua contribuição para a inclusão. O trabalho de campo foi realizado em uma escola pública do município de Pariconha, no estado de Alagoas, com uma primeira fase de três meses de observação na SRM, durante seções do AEE, registrada em diários de campo. Com base nisso, foi formulado um roteiro de entrevista semiestruturada, realizada em dois encontros com a professora do AEE, que atendia crianças matriculadas nos anos iniciais dos ensinos fundamental e médio. Esses dois encontros foram a etapa da pesquisa A, que contou com colaboração, com a finalidade de dar suporte para a pesquisadora em formação na condução da entrevista, bem como intervir na relação entre a pesquisadora e a docente participante, conforme será discutido.

Já a pesquisa B, de Araújo (2019), abordou as práticas de exclusão no ambiente escolar, sejam produzidas institucionalmente pela escola ou presentes nas relações interpessoais dos/as estudantes. O objetivo foi identificar os principais fatores que tornam o paradigma da exclusão presente entre pares e de que forma as relações entre crianças podem gerar exclusão. Neste estudo de caso, as questões de gênero, raça e deficiência foram as que mais envolviam comportamento de exclusão na/da escola. Foram realizadas observações, com três meses de duração, em uma turma do 2º ano do ensino fundamental I, de uma escola pública do município de Delmiro Gouveia, no estado de Alagoas. Ao final de cada observação, foram redigidos relatórios que serviram de base para o que deveria ser buscado nas próximas observações ou para o que vinha a ser contemplado na etapa posterior da pesquisa. Em seguida, foram realizadas quatro oficinas em grupo, contando com a participação de sete crianças, de 7 a 8 anos de idade, daquela turma maior. Tais oficinas contaram com esquema colaborativo, por meio do qual a pesquisadora em formação conduziu as atividades de grupo em interação com as crianças, enquanto a colaboradora a apoiava, fazendo observação da própria oficina.

Colaboração em situação de entrevista

Como dito anteriormente, a pesquisa A contou com a cooperação das duas graduandas para a condução de entrevista semiestruturada realizada com uma professora do AEE. Porém, antes disso, foi realizada observação do atendimento na SRM com vistas a introduzir a pesquisadora no campo, bem como ofertar a ela informações sobre o cotidiano e a prática docente no contexto pesquisado. Partimos do pressuposto de que a entrevista ganharia qualidade com a realização da primeira etapa, a de observação. No que tange ao objeto de estudo da pesquisa, isso realmente ocorreu, mas não no que tange ao método.

Ao longo do processo de observação, percebemos que algumas atitudes e falas de componentes da comunidade escolar, principalmente da docente da SRM, sinalizavam uma expectativa do papel a ser desempenhado pela graduanda pesquisadora que realizou as observações, um papel próximo ao de estagiária. Em um dia de atividade de campo, por exemplo, a pesquisadora aguardava a chegada da docente e, quando esta chegou à instituição, encontrou um familiar de um aluno e apresentou a pesquisadora para o familiar referindo-se a ela como estagiária. Em outro momento, a professora estava realizando o atendimento na SRM e se direcionou à pesquisadora proferindo explicação sobre a função de uma atividade de leitura deleite que ela faz diariamente com as crianças na SRM. Quando a professora introduziu tal atividade pela primeira vez na presença da pesquisadora, ela explicou que a aplicação daquela atividade “não necessita estar ligada ao conteúdo da aula [do AEE], pois se trata de uma história mais dinâmica e não informativa”. Chamou nossa atenção o ato de a docente justificar a escolha da atividade.

Tais ocasiões sinalizaram que poderia estar havendo uma sobreposição entre o que cabia à pesquisadora, na sua posição de investigadora da realidade, e o que cabe geralmente a uma estagiária, no seu papel de promotora pedagógica do aprendizado escolar de crianças. Isso gerou certa dificuldade para a graduanda construir para si, no campo específico, uma posição de pesquisadora, sendo a presença da licencianda sempre confundida com a de estagiária. Essa experiência fez com que, em reuniões de orientação da pesquisa, cenas como a relatada acima fossem analisadas no sentido de nos fazer refletir sobre o estágio e a pesquisa na formação de professores/as em geral, para além do caso específico e das pessoas envolvidas na situação.

Além disso, investiu-se no desenvolvimento de uma postura de pesquisadora por parte da licencianda que a distinguisse das estagiárias, fazendo também com que ela sinalizasse à instituição qual experiência estava buscando ali e qual contribuição poderia dar, ao fim da pesquisa, ao ambiente educacional. Isso foi feito um dia, após frequentes explicações e justificativas da docente à pesquisadora sobre suas atividades, quando a pesquisadora respondeu à professora que não seria necessário que ela desse aquele tipo de justificativa, argumentando que sua função era observar a realidade da forma mais natural possível. Além disso, a pesquisadora buscou geralmente estar em local dentro da sala que dificultasse a comunicação visual ou oral com a docente.

Ao fim das observações, estava programada a entrevista da professora responsável pelo AEE. Para executar tal tarefa, bem como encaminhar a questão metodológica citada, avaliamos que a licencianda poderia se beneficiar da presença de outra pesquisadora durante a condução da entrevista. Nossa aposta foi que a presença de um terceiro pudesse incidir sobre a relação das duas: professora da escola e licencianda. Com a participação de uma terceira pessoa, que se apresentara como pesquisadora, a professora pôde descolar um pouco a licencianda do lugar de estagiária e aproximá-la da função da sua colega inserida na cena.

A entrevista foi elaborada mediante um roteiro organizado por tópicos semiestruturados, com o qual abordamos elementos identificados durante o período de observação. O procedimento da entrevista foi pensado como momento de continuidade da coleta de informações para a análise de dados, inclusive os que não puderam ser aferidos por meio da técnica de observação, assim como para análise de outros aspectos que puderam ser problematizados durante os momentos de observação e que asseguram uma reflexão entre o dito (entrevista) e a prática (observação). O roteiro da entrevista foi pensado e estruturado segundo a perspectiva de entrevista despadronizada ou não estruturada de Marconi e Lakatos (2011), na qual há um roteiro de perguntas, porém o/a entrevistador/a não necessariamente precisa seguir uma ordem, mantendo a liberdade de flexibilizar quando avaliar necessário. Foi realizada consulta sobre a melhor data para realização da entrevista e utilização do aparelho de gravação para registro do áudio.

Para essa etapa da pesquisa, contou-se com a colaboração de uma colega, também estudante de graduação, apresentada à docente do AEE como colaboradora da pesquisa, que tinha a função de registrar o momento da entrevista sobre outro ângulo que não fosse o da pesquisadora nem o da docente. A professora acolheu sem nenhuma queixa a presença da colaboradora. Durante toda a conversa, a docente se dirigia a ela com o olhar e palavras, sem hesitar em compartilhar suas experiências, fazendo o encontro acolhedor para as três. A nova graduanda inserida no campo, na qualidade de colaboradora, executou função de observadora do encontro e da entrevista. O intuito dessa colaboração foi, primeiramente, agregar certa formalidade à ocasião, já que ela seria uma pessoa nova na situação, colaborando para que a graduanda que já estava imersa no campo fosse também vista como pesquisadora. Esses eram os efeitos esperados com a sua presença na situação de pesquisa. Além desses, esperávamos também que sua tarefa fosse ouvir e observar as trocas, reações, gestos e atitudes entre entrevistadora e entrevistada.

No momento da entrevista, a colaboradora fez anotações que nortearam a realização de um relatório, que visou contribuir para a pesquisa. Sua presença corroborou uma atmosfera de certa seriedade à entrevista, já que ela também não mantinha convívio algum com a entrevistada, ao contrário da graduanda, autora da pesquisa. Isso agregou qualidade ao estudo, uma vez que levou a entrevistada a adotar uma postura mais condizente com o momento. Essa postura pôde ser percebida pela formalidade que a entrevistada utilizava para se dirigir à entrevistadora ao falar sobre seus medos, conquistas e dificuldades na atuação na SRM, como alguém que compartilha experiências positivas e negativas com outra profissional da área. Todavia, avaliamos que não conseguimos rapidamente modificar a percepção da professora, visto que ela se referiu ao período da pesquisa como período de “estágio” por duas vezes ao longo de sua fala.

A entrevista foi dividida em dois momentos. O primeiro encontro durou aproximadamente uma hora. Durante a entrevista, foi utilizado um roteiro com tópicos que abordaram diferentes temas relativos ao AEE e à SRM. Além de nortear a entrevista, o roteiro flexível e não rígido também possibilitou o surgimento de novas reflexões com base no que foi sendo ouvido. Este primeiro encontro teve o áudio, posteriormente, transcrito na íntegra. Foi feita leitura e primeira análise do conteúdo da entrevista a partir de destaques dos trechos mais elucidativos, considerando os objetivos da pesquisa. Somado a isso, realizamos a leitura do relatório feito pela pesquisadora colaboradora, o qual foi o instrumento de sistematização de seu olhar sobre a atividade de campo em curso, bem como sobre sua participação na pesquisa A. O relatório trouxe algumas falas transcritas, porém mais importantes foram suas informações sobre a interação entre pesquisadora e entrevistada, destacando a cordialidade e formalidade de ambas. A pesquisadora, de forma especial, referiu-se à entrevistada pelo nome, evitando tratamento mais pessoal e íntimo. Ambas tinham liberdade de questionar e reportar-se a momentos vivenciados durante as observações, produzindo respostas bem objetivas. A interação entre elas ocorreu com diálogo objetivo e simultaneamente leve.

O segundo momento foi usado para confirmação das declarações feitas pela entrevistada. Os trechos destacados da transcrição foram apresentados à entrevistada para continuidade do assunto e confirmação dos posicionamentos emitidos. Neste segundo momento, não houve colaboração entre as pesquisadoras e o encontro com a entrevistada foi baseado na transcrição para sanar dúvidas e/ou ampliar algumas questões citadas por ela no primeiro momento da entrevista. Por isso, avaliamos que esse segundo momento poderia ocorrer apenas entre a executante do estudo e a professora. Após isso, os dados foram analisados e divididos em categorias usadas na pesquisa.

Colaboração em situação de grupo

A pesquisa B, já mencionada, foi outra experiência na qual realizamos cooperação para executar o trabalho de campo. Nesse caso, as graduandas estiveram juntas em condução de atividades de grupo com crianças estudantes. Antes de iniciar os encontros das oficinas, foi realizada também observação do cotidiano escolar conduzida exclusivamente pela licencianda pesquisadora autora da pesquisa.

O tema da pesquisa B foi “exclusão e espaço escolar”, sendo, por isso, uma pesquisa de caráter escolar, mas com interface nas questões sociais, políticas, culturais e identitárias. A pesquisa realizou estudo de caso para compreender a exclusão e o seu impacto nas relações e trocas vivenciadas por crianças (com seus pares e com adultos) na escola.

Para o estudo, optamos por técnicas de pesquisa que contemplam falas e comportamentos das crianças, por isso buscamos conhecê-las primeiramente por meio de observações, seguindo-se o desenvolvimento de oficinas, em que ocorreu a experiência de colaboração entre as graduandas. Designou-se que, das 31 crianças que estudavam na turma observada, apenas sete participariam das oficinas. Esse recorte se deu pela preocupação em estabelecer relações mais próximas, em ouvi-las com mais facilidade, assim como proporcionar experiências mais densas, que só seriam possíveis com menos participantes. Priorizou-se então a diversidade, compondo esse pequeno grupo com crianças de características distintas, sejam referentes a marcadores sociais (raça, gênero, por exemplo), como referentes a necessidades educacionais especiais.

Foram realizadas quatro oficinas, com frequência semanal, com duração mínima de 1 hora e máxima de 1 hora e 30 minutos cada. Tal esquema visou não interferir muito na rotina da turma e dispor de tempo necessário para a escrita dos relatórios, os quais eram feitos pela executante da pesquisa com base nos áudios gravados durante as oficinas. O gravador de voz foi um dos principais recursos para armazenar informações importantes que a condutora do momento (pesquisadora em formação e autora da pesquisa) não daria conta de captar.

Ocorre que os áudios gravados não conseguem captar a linguagem corporal das crianças, nem suas expressões faciais, nem pequenos cochichos ou outros comportamentos que ocorrem simultaneamente à execução das atividades coordenadas pela pesquisadora. Por isso, inserimos nesse momento do campo da pesquisa B a colega da pesquisadora, também licencianda e autora da pesquisa A, que executou agora o papel de pesquisadora colaboradora. Ela contribuiu como observadora das oficinas, com um olhar externo. A função da colaboradora foi observar o desenrolar de cada encontro, registrando em relatório próprio as palavras, os gestos, as atitudes ou as explanações das crianças, uma vez que a organizadora e condutora do momento estaria impossibilitada de atentar a todos os ocorridos. Os relatórios redigidos pela colaboradora ao final de cada oficina focaram na participação das crianças na atividade, como também na sua própria participação como colaboradora da pesquisa B. Esses relatórios foram lidos e analisados complementarmente aos elaborados pela coordenadora da oficina com base nos áudios.

A coordenadora da oficina foi a facilitadora, aquela que dialogava diretamente com as crianças participantes, que as ouvia, perguntava, questionava, interagia diretamente. Diferentemente dela, a colaboradora não dialogava durante o momento das oficinas, mas observava as crianças e tudo que acontecia naquele momento de interação, percebendo detalhes que a executante não conseguiria captar, visto que dividia a sua atenção para várias crianças ao mesmo tempo. Os posicionamentos da facilitadora também eram observados pela colaboradora da pesquisa, servindo posteriormente para autorreflexão sobre o processo de pesquisa junto às crianças.

Durante as oficinas, buscamos trabalhar com uma metodologia específica para crianças. Essa abordagem foi baseada nos estudos de Silva, Barbosa e Kramer (2005) e Cecip (2013), com utilização de jogos, histórias e brincadeiras, explorando, por meio de uma perspectiva lúdica, favorecedora da expressividade das linguagens infantis, a realidade das crianças, suas opiniões e seus pensamentos sobre o tema da exclusão. Cada oficina foi realizada dentro dessa metodologia, com roteiro flexível de atividades que buscavam abordar um aspecto específico do tema “exclusão e escola”.

Um dos encontros, por exemplo, contou com a atividade nomeada “jogo dos sons”. Essa atividade consistiu em lançar perguntas diretas para compreender como as crianças percebiam a instituição de ensino e o que as fazia felizes (ou não) naquele espaço. Usando uma caixa de som, foi reproduzido um som de animal e a criança que adivinhasse qual era o animal direcionava uma pergunta, previamente elaborada por escrito pela facilitadora, a um dos seus colegas. As sentenças discorriam sobre gostos, preconceito e atitudes de exclusão, como: O que você mais gosta na escola? Você gosta da professora quando ela…? Você já sofreu algum preconceito? Você já foi preconceituoso com alguém? Alguém já te bateu na escola?

Sobre o registro das pesquisas, como dito anteriormente, as duas tiveram suas atividades de campo registradas em relatórios individuais para cada visita às escolas. Na fase de colaboração mútua, as pesquisadoras em formação elaboraram relatórios das atividades que conduziram diretamente ou da atividade observada, e vice-versa. A experiência colaborativa foi também registrada em relatórios de campo, visto que estes dão informações do campo em si, mas também do olhar e da participação da colaboração naquele campo. Assim, na pesquisa A contamos com duas transcrições da entrevista individual realizada em duas etapas, como também tivemos um relatório da colaboradora. Já na pesquisa B, contamos com dois relatórios para cada uma das quatro oficinas realizadas em grupo, totalizando oito relatórios, sendo metade elaborado pela pesquisadora em formação (condutora da atividade) e a outra metade pela colaboradora. Tais relatórios foram o subsídio para pensarmos analiticamente sobre a experiência de pesquisa apresentada.

Exercitando um olhar analítico sobre o vivido

Após a realização das atividades de pesquisa descritas, tecemos um olhar analítico sobre o vivido: a colaboração de uma licencianda no trabalho de campo conduzido pela colega e vice-versa. Os relatórios foram tomados como narrativa para pensarmos a experiência de aprendizado. As reflexões se relacionam com a questão: Qual é o papel da pesquisa na formação de professoras/es?

Sobre a pesquisa A, o campo demandou pensarmos sobre o papel da pesquisa na licenciatura, devido à dificuldade na construção do lugar de pesquisadora, vivida pela licencianda, na escola que acolheu a pesquisa. Como constatou Lüdke (2001), por vezes a dificuldade de associação da tarefa de pesquisa ao exercício docente é reproduzida em meio aos/às próprios/as docentes, de escolas públicas ou particulares.

Com base em pesquisa com docentes de ensino médio público, Lüdke (2001) aponta a percepção deles/as sobre a pesquisa como atividade colada à academia, ou seja, a academia como única promotora de pesquisas, gerando a presunção de que professores/as da educação básica se encarregam eminentemente da docência, enquanto aqueles/as do ensino superior fazem pesquisa, sendo essas duas dimensões colocadas como antagônicas. Os/as professores/as da educação básica sinalizaram que:

Quanto à formação para a pesquisa, nossos entrevistados apontaram maciçamente os cursos de mestrado e de doutorado como os caminhos mais adequados. Poucos apontaram os cursos de graduação como responsáveis por essa formação e esses eram, em geral, os que foram beneficiados com bolsas de Iniciação Científica, uma prática muito acertada desenvolvida pelo CNPq a partir dos anos de 1980 (Lüdke, 2001, p. 87).

Os resultados apresentados (Lüdke, 2001) somados à experiência no nosso campo indicam a necessidade de visibilizarmos mais a imagem do/a professor/a e do/a estudante de licenciatura também como pesquisador/a em formação, divulgando mais a atividade de pesquisa como uma das tarefas possíveis do ser docente. Acreditamos que essa problemática explique um pouco as razões pelas quais a professora participante da pesquisa tratava a licencianda como estagiária. Traços dessa confusão de papéis aparecem, por exemplo, em uma fala ocorrida no momento final da entrevista, quando a entrevistada se refere às observações como um ciclo de estágio: “Você [referindo-se à licencianda pesquisadora] já conhece mais ou menos a realidade, né, que você estagiou”.

Atentamos mais para a relação entre a pesquisadora e a professora participante. Resolvemos cuidar dessa relação para minimizar seus efeitos sobre a produção dos dados da pesquisa, já que notamos a tentativa de a professora justificar sua conduta pedagógica (escolha das atividades adotadas) para a pesquisadora. Com isso, avaliamos que as informações que a professora compartilhava, às vezes, com a pesquisadora, soavam como um convite para que a pesquisadora: i) concordasse com sua conduta, identificando-se com ela, o que poderia interferir no seu olhar sobre o AEE ofertado; e ii) fosse colocada no lugar de estagiária, que deve aprender como conduzir o AEE. Além disso, cuidar da relação entre professora e pesquisadora significou também qualificar a formação em pesquisa da licencianda.

A partir disso, a presença da pesquisadora colaboradora no campo indicou para a professora participante que a nova fase da pesquisa que se iniciou distinguia-se de alguma forma da fase anterior. A participação da colaboradora foi crucial para mexer na relação que vinha se processando entre a professora e a pesquisadora responsável pelo trabalho - uma relação que não se desenvolveu apenas no campo da pesquisa, uma vez que, pelo fato de a cidade ser pequena, já contava com contatos pregressos. A colaboração também instaurou na própria pesquisadora um cuidado maior na condução da entrevista, no sentido de confirmar a importância de um roteiro e planejamento no momento da entrevista, com o maior cuidado possível para manejar esse momento de encontro que desejávamos que fosse um diálogo. Isso foi perceptível nas descrições feitas pela colaboradora nos seus relatórios. Com base no olhar da colaboradora sobre a condução da entrevista, a entrevistadora acessou um feedback sobre seu trabalho, sobre sua conduta diante das respostas dadas pela entrevistada e sobre a interação com ela.

Em relação aos relatórios, houve uma diferença na escrita por consequência da posição ocupada por cada licencianda no campo da pesquisa A: os registros da pesquisadora responsável traziam descrições de cunho preciso e objetivo, muito preocupados em registrar o conteúdo das falas da participante das pesquisas (o que já era esperado, visto que sua tarefa era obter os dados para a pesquisa citada e também por se tratar de sua primeira experiência de pesquisa individual). Já os relatórios da pesquisadora colaboradora trouxeram descrição, mas também versaram sobre as posturas adotadas na entrevista pelas duas envolvidas (entrevistadora e entrevistada), a forma como os assuntos foram abordados, como surgiam no campo associativo da participante, as escolhas feitas pela pesquisadora responsável na condução das entrevistas etc.

Além disso, em alguns momentos, os relatórios feitos pela colaboradora continham alguma interpretação do conteúdo das falas da entrevista. Esse outro olhar para o mesmo conteúdo discursivo, o qual foi posteriormente analisado pela entrevistadora/pesquisadora responsável, revelou, algumas vezes, diferentes interpretações daquelas feitas pela pesquisadora responsável, o que complementou as análises dos dados da pesquisa. Com base nesses relatórios, contamos com duas percepções sobre as respostas obtidas na entrevista, levando-nos a refletir ainda mais nos momentos de interpretação dos dados e, consequentemente, incrementando o trabalho em si. Esse fato agregou riqueza ao momento da análise e organização dos dados, pois não foram adotados de forma rígida, mas trouxeram complexidade ao nosso olhar sobre eles. Por exemplo, a pesquisadora colaboradora interpretou a narrativa da entrevistada, sobre sua própria postura pedagógica, de maneira mais objetiva, considerando literalmente o que ouviu da entrevistada; já a pesquisadora responsável teve um olhar mais crítico sobre a narrativa justamente por ter realizado diversas observações e presenciado a prática da entrevistada. No momento de interpretação dos dados, as diferentes percepções sobre as falas da entrevistada foram ponderadas.

Na pesquisa B, a colaboração ocorreu em situação de grupo. As oficinas foram as atividades de campo mais proveitosas para a produção de informações para a pesquisa, devido ao fato de episódios de exclusão (maus-tratos, apelidos, menosprezo, desqualificação, exclusão de grupos ou brincadeiras entre crianças) ocorrerem algumas vezes velados no ambiente escolar. Conversar com as crianças foi fundamental para desvelar o tema da pesquisa e trazê-lo à tona. Ter a ajuda de outra pesquisadora no campo, atribuindo um olhar externo sobre tudo que acontecia nas oficinas, foi um suporte importante para confirmar indagações da pesquisadora responsável sobre o objeto de estudo, bem como ampliar a perspectiva metodológica.

Os relatórios elaborados por ambas as licenciandas presentes no campo da pesquisa B também guardam diferenças de escrita e conteúdo. Os relatórios redigidos pela pesquisadora responsável descreviam tudo aquilo captado pelos áudios das oficinas, dispondo de falas, risadas, questionamentos feitos pelas crianças e um pouco das reações e dos comportamentos que foram captados por ela em meio à condução das oficinas. No entanto, as expressões e emoções emitidas pelas crianças demonstravam ainda mais a intensidade das conversas, das atividades propostas, das vivências, e isso precisava ser mais explorado. A colaboradora foi, então, observadora das expressões emocionais das crianças, prestando informações sobre aquilo que os áudios não podiam descrever. Ela registrou momentos de agitação, resistência de alguém em engajar-se na atividade proposta, expressões e comportamentos variados, inclusive de rechaço ao colega. Seus relatórios ajudaram a detalhar as respostas dadas pelas crianças às perguntas feitas pela facilitadora/pesquisadora responsável e a confirmar indagações levantadas por esta, que, com um número maior de informações, conseguiu resultados mais palpáveis para seu trabalho.

Por exemplo, em uma oficina, sem que a facilitadora percebesse, houve momentos de agressões verbais e físicas por parte de uma das crianças em relação aos/às seus/suas colegas, bem como momentos em que alguns/algumas deles/as demonstravam pouco engajamento na atividade. Essas situações foram registradas pela colaboradora nos relatórios, ajudando a executante da pesquisa a coletar mais informações, uma vez que, sem o relatório, essas falas passariam despercebidas ou desarticuladas dos comportamentos e das atitudes das crianças.

A intenção inicial da pesquisa foi compreender como a exclusão acontecia entre crianças no âmbito educacional, analisando e observando essas relações no espaço em questão. No entanto, a pesquisa foi ampliando sua proporção e ganhando um certo caráter de intervenção com o grupo de participantes na medida em que comportamentos agressivos (por parte de uma criança) tomavam o centro da oficina e impediam a facilitadora de continuar escutando os/as outros/as. A partir da leitura do relatório da colaboradora, tivemos que parar a orientação e pensar: Onde a pesquisa está e onde precisamos chegar para alcançar seus objetivos? O que está levando essa criança a ter um comportamento agressivo? O posicionamento da condutora está contribuindo para isso? As atividades propostas estão suprindo as necessidades daquela criança? Essas perguntas foram respondidas e/ou pensadas com o auxílio dos escritos da colaboradora, que expressavam um olhar externo, fundamental para o processo da pesquisa e do nosso próprio aprendizado.

A ampliação metodológica, instigada pela colaboração, atribuiu efeitos positivos à pesquisa, os quais foram percebidos pela melhora no comportamento da criança em questão, também em nossa compreensão sobre suas maneiras de agir, assim como desmistificação de compreensões formuladas por nós na fase anterior (observações), proporcionando mais qualidade aos resultados apresentados pela pesquisa.

Considerações finais

Com base na experiência de colaboração realizada em duas pesquisas de monografia de licenciatura em Pedagogia e, principalmente, nas reflexões coletivas construídas sobre o vivido, avaliamos que a experimentação realizada agregou êxito às pesquisas e qualidade à formação das estudantes. Inicialmente, a nossa reação foi de certa surpresa, pois esse tipo de experiência não é comum na unidade acadêmica em que atuamos, uma unidade de interiorização do ensino público superior gratuito, que não conta com programas permanentes de pós-graduação stricto sensu (o que dá menos visibilidade às pesquisas realizadas ali). A proposta foi, nesse contexto, inovadora na elaboração das monografias, também porque no nível da graduação nos permitiu dialogar com a teoria (da pesquisa) e a prática (com duas experiências simultâneas e distintas).

Reconhecemos que a colaboração também instaurou mudanças na conduta das responsáveis pela pesquisa. A colaboração poderia ter sido conduzida de inúmeras formas, mas nossa escolha foi contar com essa prática como observação de atividades de campo. Essa pessoa que entrou no campo foi colocada como “um terceiro”, dada a sua “estrangeiridade” com relação às pessoas e à instituição em que se realizava a pesquisa. Esse olhar externo sobre a pesquisa ajudou as responsáveis a: i) fortalecer sua metodologia, uma vez que os relatórios escritos pela colaboradora prestavam informações de atitudes que precisavam ser tomadas para manter a dinâmica e as necessidades da pesquisa em dado momento; ii) construir segurança nas tomadas de decisões, pois ter a percepção de outra pessoa sobre o nosso processo de pesquisa nos fortaleceu e nos levou a pensar se determinada hipótese elaborada seria ou não realmente válida; iii) entender a necessidade de exercitar o olhar exterior sobre o que se faz no campo da pesquisa; e iv) viver a pesquisa como trabalho acadêmico de descobertas coletivas, pois, apesar de haver responsabilidade individual sobre os resultados, sua complexidade é adquirida por meio das trocas e do compartilhamento de informações, sejam entre pesquisadores/as integrantes da equipe e/ou participantes.

Todos os pontos mencionados descrevem as compreensões e aprendizagens que essa experiência proporcionou às licenciandas enquanto futuras professoras (e também pesquisadoras em Educação). Durante o processo de ida a campo, uma das pesquisadoras foi caracterizada como estagiária pela própria docente contribuinte da pesquisa, que não a via como uma pesquisadora. A ideia de que professor/a atua apenas dentro da sala de aula, sendo então formado/a exclusivamente para a docência, descarta a versão “pesquisador/a de docentes”. A experiência apresentada neste relato nos ensinou uma forma criativa de pesquisa em equipe desde a graduação, além disso, a condição de docente mostrou-se não antagônica à de pesquisador/a. Afinal, as trocas feitas entre as duas pesquisadoras em campo podem ser realizadas também entre professores/as de rede pública e/ou privada, que podem contribuir com o seu olhar externo para as descobertas dos problemas e as situações do cotidiano escolar, proporcionando um espaço de pesquisa coletiva entre educadores/as.

Experiência nesse sentido foi realizada por Bukowitz (2003), que explora o diálogo entre graduandos/as com o intuito de aguçar o interesse pela transformação da práxis. Neste trabalho, o compartilhamento de experiências de regência, ao longo da formação, virou objeto de estudo e reflexão acerca do espaço escolar. Já a nossa experiência, relatada aqui, trouxe a colaboração para a tarefa da pesquisa, uma dimensão importante da formação de professores/as na licenciatura.

Referências

ABREU, R.; ALMEIDA, D. Refletindo sobre a pesquisa e sua importância na formação e na prática do professor do ensino fundamental. Revista Entre Ideias: educação, cultura e sociedade, Salvador, n. 14, p. 73-85, jul./dez. 2008. [ Links ]

ARAUJO, A. P. S. Exclusão escolar e exclusão na escola: um estudo com crianças no sertão alagoano. 2019. 83 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) - Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Alagoas, Delmiro Gouveia, 2019. [ Links ]

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27833. [ Links ]

BUKOWITZ, N. As trocas e os desafios nas práticas de investigação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 84, n. 206/207/208, p. 79-87, jan./dez. 2003. [ Links ]

CARVALHO, M. R. V. Perfil do professor da Educação Básica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018. (Série Documental Relatos de Pesquisa, n. 41). [ Links ]

CENTRO DE CRIAÇÃO DE IMAGEM POPULAR (CECIP). Vamos ouvir as crianças?: caderno de metodologias participativas Projeto Criança Pequena em Foco. Rio de Janeiro: CECIP, 2013. [ Links ]

FAGUNDES, T. Os conceitos de professor pesquisador e professor reflexivo: perspectivas do trabalho docente. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 21, n. 65, abr./jun. 2016. [ Links ]

GOMES, C. M. Sala de recursos multifuncionais e sua contribuição no processo de inclusão: um estudo de caso no alto sertão de Alagoas. 2019. 76 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) - Curso de Pedagogia, Universidade Federal de Alagoas, Delmiro Gouveia, 2019. [ Links ]

LEITE, D. et al. Avaliação de redes de pesquisa e colaboração. Avaliação, Campinas, v. 19, n. 1, p. 291-312, mar. 2014. [ Links ]

LÜDKE, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 74, p. 77-96, abr. 2001. [ Links ]

LÜDKE, M.; CRUZ, G. Aproximando universidade e escola de educação básica pela pesquisa. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 125, p. 81-109, maio/ago. 2005. [ Links ]

MARCONI, M.; LAKATOS, E. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragem e técnicas de pesquisa, elaboração, análise e interpretação de dados. São Paulo: Atlas, 2011. [ Links ]

PESCE, M.; ANDRÉ, M. Formação do professor pesquisador na perspectiva do professor formador. Formação Docente: Revista Brasileira de Pesquisa sobre Formação de Professores, Belo Horizonte, v. 4, n. 7, p. 39-50, jul./dez. 2012. [ Links ]

PIO, R.; FRANÇA, D.; DOMINGUES, S. A importância da pesquisa na prática pedagógica dos professores. Revista Profissão Docente, Uberaba, v. 16, n. 34, p. 91-109, fev./jul. 2016. [ Links ]

SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação , Rio de Janeiro, v. 14, n. 40, p. 143-155, jan./abr. 2009. [ Links ]

SILVA, J.; BARBOSA, S.; KRAMER, S. Questões teórico-metodológicas de pesquisa com crianças. Revista Perspectiva, Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 41-64, jan./jul. 2005. [ Links ]

SOUZA, A. A. de; COSTA, C. O. de; SOARES, R. Refletindo sobre a importância da pesquisa na formação e na prática docente. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, Campo Largo, v. 10, n. 1, p. 77-97, jul. 2011. [ Links ]

1 A segunda e terceira autoras do presente trabalho, que, à época da realização das pesquisas, eram graduandas e foram orientadas pela primeira autora.

Recebido: 02 de Março de 2020; Aceito: 09 de Setembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons