SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.102 número260La colaboración en investigación como herramienta metodológica para la formación de profesores/as en la universidadInclusión escolar y actuación de los Centros de Apoyo a las Personas con Necesidades Educativas Específicas en el Instituto Federal de São Paulo índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.102 no.260 Brasília ene./apr 2021

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102.i260.3971 

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS

Produção de texto no 3º ano do ensino fundamental: revisão e reescrita no desenvolvimento das funções psicológicas superiores*

Text production in the 3 rd year of elementary school: reviewing and rewriting in the development of higher psychological functions

Producción de texto en el tercer año de la educación primaria: revisión y reescritura en el desarrollo de las funciones psicológicas superiores

Patrícia de Araujo Abucarma StevanatoI  II 
http://orcid.org/0000-0001-5199-3055

Elsa Midori ShimazakiIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-2225-5667

I Faculdade UniALFA de Umuarama. Umuarama, Paraná, Brasil. E-mail: <pat.abucarma@gmail.com>.

II Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Maringá, Paraná, Brasil.

III Universidade do Oeste Paulista (Unoeste). Presidente Prudente, São Paulo, Brasil e Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá, Paraná, Brasil. E-mail: <elsa@unoeste.br>.

IV Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

Este trabalho apresenta parte da pesquisa de mestrado em Educação que discute a temática produção de texto, alfabetização e desenvolvimento das funções psicológicas superiores: atenção, percepção e memória. O objetivo da pesquisa foi compreender como a reescrita, a partir da revisão orientada pelo professor, contribui para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores em alunos no 3º ano do ensino fundamental. Utilizamos como metodologia a pesquisa qualitativa do tipo intervenção pedagógica, pautada na perspectiva histórico-cultural e na concepção de escrita como trabalho para coleta e análise dos dados. Concluímos que a revisão e a reescrita, etapas do processo de escrita, quando utilizadas pelo professor como ferramenta metodológica, favorecem o desenvolvimento da atenção, da percepção e da memória, pois conduzem o aluno ao entendimento de características específicas do texto na modalidade escrita e dirigem sua atenção para selecionar informações pertinentes, fazer associações armazenadas na memória para organizar o pensamento e executar o texto escrito que atenda à finalidade comunicativa da interlocução.

Palavras-chave: funções psicológicas superiores; produção de textos; revisão e reescrita

Abstract:

This paper presents part of a Masters in Education research that discusses text production, literacy and development of the higher psychological functions: attention, perception and memory. The research aims to understand how rewriting, based on the teacher-oriented review, contributes to the development of higher psychological functions in students in the 3rd grade of elementary school. The methodology used was the qualitative research of the pedagogical intervention type, based on the historical-cultural perspective and on the conception of writing as work, for data collection and analysis. The conclusion was that the revision and rewriting, stages of the writing process, when used by the teacher as a methodological tool, favor the development of attention, perception and memory, since they lead the student to perceive specific characteristics in the written text. They also direct students’ attention to the selection of pertinent information, making associations stored in memory to organize thought, and writing a text that serves the communicative purpose of the interlocution.

Keywords: higher psychological functions; reviewing and rewriting; text production

Resumen:

Este artículo presenta parte de la investigación del magíster en Educación que analiza el tema de producción de texto, alfabetización y desarrollo de las funciones psicológicas superiores: atención, percepción y memoria. El objetivo de la investigación fue comprender cómo la reescritura, basada en la revisión orientada por el profesor, contribuye al desarrollo de funciones psicológicas superiores en los estudiantes del tercer año de la educación primaria. Utilizamos como metodología la investigación cualitativa del tipo intervención pedagógica, basada en la perspectiva histórico-cultural y en la concepción de la escritura como trabajo para la recolección y análisis de datos. Concluimos que la revisión y la reescritura, etapas del proceso de escritura, cuando son utilizadas por el profesor como herramienta metodológica, son favorables para el desarrollo de la atención, de la percepción y de la memoria, ya que conducen al alumno a la percepción de características específicas del texto en el modo escrito y dirigen su atención para seleccionar información pertinente, hacer asociaciones almacenadas en la memoria para organizar el pensamiento y ejecutar el texto escrito con la finalidad comunicativa de la interlocución.

Palabras clave: funciones psicológicas superiores; producción de texto; revisión y reescritura

Introdução

A produção de texto, na perspectiva das teorias linguísticas da enunciação, é entendida como uma atividade em que o sujeito, ao utilizar a linguagem oral ou escrita, considerando o que, por que, como, quando e para quem diz algo, relaciona-se com outros sujeitos. Assim, nas diferentes situações comunicativas, o texto é o produto das relações sociais dos indivíduos por meio da linguagem (Fiad; Val, [2018]).

No Brasil, o ensino de produção de texto escrito é determinado pela compreensão de linguagem de cada momento histórico da educação e se delineia em quatro concepções: escrita com foco na língua; escrita como dom/inspiração; escrita como consequência; e escrita como trabalho (Menegassi, 2010). Dentre essas concepções, destacamos os estudos que consideram a escrita como trabalho.

Nessa concepção, ensinar a produzir texto na escola pressupõe reconhecer que, para escrever, o aluno precisa ter clareza sobre o que, para que, para quem e como escrever e que a escrita de um texto exige quatro etapas: planejamento, execução, revisão e reescrita (Menegassi, 2010). Além disso, que a revisão textual pode ser individual, orientada ou colaborativa, bem como que a revisão e a reescrita são etapas essenciais para garantir a interação entre aluno, texto e professor.

As discussões sobre produção textual no ciclo de alfabetização em documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (Brasil. MEC, 1997) e a Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Brasil. MEC, 2017), apontam para o ensino de produção de texto que considere as etapas de escrita, os gêneros textuais, a finalidade e o interlocutor, princípios discutidos na concepção de escrita como processo e trabalho.

Soares (2014), ao buscar o que dificulta a aprendizagem da produção textual no ciclo de alfabetização, verificou que a avaliação dos textos escritos por meio da revisão ainda não se efetiva, concluindo que a etapa de revisão de texto quase não é trabalhada nas turmas de 3º ano, sob a alegação de que os alunos não têm maturidade para essa atividade.

O desempenho dos alunos em escrita na Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), nas edições de 2013, 2014 e 2016, revelou a necessidade de ampliar a oferta de atividades de escrita para além da decodificação simples e de se observar como a revisão e a reescrita podem auxiliar na alfabetização dos alunos nessa etapa da vida escolar.

Diante do que se apresenta, constatamos a necessidade de ampliar o debate sobre o trabalho de produção de texto no ciclo de alfabetização, especificamente no 3º ano do ensino fundamental, para além das etapas de planejamento e execução do texto escrito e verificar como as etapas de revisão e reescrita contribuem para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos alunos em processo de alfabetização.

Dentre as funções psicológicas superiores, destacamos a atenção, a percepção e a memória, dada a importância dessas para a realização de qualquer atividade escolar e, principalmente, para o desenvolvimento de outras funções psicológicas superiores (Vygotsky, 1991; Sokolov, 1969a, 1969b).

Nessa perspectiva, o presente estudo objetiva compreender como a reescrita, a partir da revisão orientada pelo professor, pode colaborar para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores em alunos no 3º ano do ensino fundamental. Inicialmente, apresentaremos uma revisão de literatura sobre o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita e o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Em um segundo momento, discorreremos sobre o percurso metodológico utilizado para realizar a coleta de registros. Por fim, traremos a análise dos dados para explicitar os resultados obtidos.

A revisão e a reescrita de texto no ensino e aprendizagem da linguagem escrita

A revisão de texto pode ser explicada com base em dois modelos de estudos da Psicologia Cognitiva (Menegassi, 1998): o modelo proposto por Bartlett (1982) e o proposto por Flower e Hayes (1980).

No modelo proposto por Bartlett (1982), a revisão compreende a correção e a avaliação do texto ao envolver três componentes: o processo de detecção de problemas, o processo de identificação de problemas e as estratégias de correção (Menegassi, 1998). Ao analisar esse modelo, Menegassi (1998) adverte que a autora afirma que o escritor precisa ter estratégias prévias para revisão do texto, porém, não exemplifica que estratégias aplicar e desenvolver em cada fase.

Flower e Hayes (1980) apontam que a revisão se divide em duas categorias interligadas: a primeira, denominada processos, está relacionada ao conjunto de estratégias para revisão textual; a segunda, conhecimentos, compreende os saberes do escritor a respeito da revisão textual (Menegassi, 1998).

A categoria processos envolve três componentes: a definição da tarefa de revisar, a avaliação e a seleção de estratégias de revisão. A definição da tarefa consiste em decidir o objetivo da revisão de acordo com o texto. A avaliação corresponde ao momento em que o escritor lê seu próprio texto para compreendê-lo e, nesse percurso, define o problema que compromete a compreensão. Definido o problema, o escritor utiliza a seleção de estratégias para revisá-lo. As estratégias podem ser divididas em duas principais: as relacionadas ao processo de revisão, que envolvem ignorar e adiar a resolução do problema definido ou buscar informações adicionais para resolvê-lo; e as que resultam em alterações no texto, como a reescrita e a revisão com base no problema determinado. Tanto na definição da tarefa quanto na avaliação o escritor busca informações na categoria conhecimentos (Menegassi, 1998).

Segundo o modelo de revisão proposto por Flower e Hayes (1980), as duas categorias, processos e conhecimentos, estão relacionadas e agem uma sobre a outra, ou seja, os conhecimentos de um autor que não tem experiência de revisar texto advêm dos processos ativados durante a revisão, enquanto os conhecimentos de um autor experiente podem agir no modo como são ativados esses processos (Martins; Araújo, 2012).

Nesse sentido, Menegassi (1998), pautado nos estudos de Flower e Hayes (1980), explica que a revisão pode ser individual, colaborativa e orientada. Na revisão individual, o escritor realiza a atividade considerando apenas seus conhecimentos, não há nenhuma influência de outro leitor. Na revisão colaborativa, o escritor revisa seu texto a partir de observações e sugestões orais de outros leitores que, no contexto escolar, são os colegas de turma e o professor. Na revisão orientada, o autor recebe por escrito sugestões que conduzem a revisão do texto quantas vezes forem necessárias.

Para Serafini (1998), a leitura da primeira versão de um texto, com o objetivo inicial de verificar a coerência e a organização das ideias em parágrafos, consiste na revisão textual a ser feita pelo próprio aluno, autor do texto, como também por outros leitores, como os colegas da turma. Ao considerar o professor como leitor do texto de seu aluno, a autora afirma que a correção e a avaliação, dois processos diferentes, são realizados na escola como um único processo; corrige-se o texto do aluno para quantificar e classificar seu resultado com base no desempenho dos outros ou dele próprio em textos escritos anteriormente, quando, na verdade, a correção deveria ser utilizada pelo professor para apontar “[...] os defeitos e os erros, [...]” (Serafini, 1998, p. 97), para subsidiar o aluno na revisão de seu texto e promover a melhoria das produções textuais.

Fuza e Menegassi (2012), em sua pesquisa sobre o trabalho de revisão do professor e de reescrita por parte do aluno do ensino fundamental, confirmam a eficácia da revisão textual-discursiva ao verificar que, ao reescrever o texto após revisão feita pela professora, os estudantes atenderam aos questionamentos e apontamentos, ampliando as ideias do texto original.

Diante disso, podemos afirmar que os quatro tipos de correção textual subsidiam a prática docente voltada para a etapa de revisão de texto em qualquer modalidade de ensino, desde o ciclo de alfabetização e, especialmente, no ensino fundamental. Tal atividade possibilita ao professor, de acordo com os problemas apresentados no texto do aluno, selecionar a estratégia de correção mais adequada para a resolução das demandas e, ao aluno, compreender, já nos primeiros contatos com a atividade de produção textual, que a tarefa consiste em revisitar o texto redigido mais de uma vez com o objetivo de alterá-lo, visando atender à finalidade comunicativa e às características específicas do texto na modalidade escrita, por exemplo, a organização em parágrafos, a ortografia e a pontuação.

Com base nos estudos de Menegassi (1998), Ruiz (2001) e Gasparotto (2014), a reescrita é entendida no contexto escolar como uma proposta de trabalho com a língua escrita que acontece após o professor ler e revisar a primeira versão textual produzida pelo aluno, que, diante dos apontamentos do professor, tem a oportunidade de reformular seu texto e produzir uma segunda versão que responde ou não à revisão sugerida. A reescrita consiste em uma atividade interativa que envolve aluno, texto e professor.

Segundo Gomes (2006), somente as intervenções pedagógicas organizadas e sistematizadas pelo professor podem modificar os modos de pensar e agir do aluno sobre seu texto, ensinando-o a utilizar os conhecimentos linguísticos necessários para garantir a compreensão de seus possíveis interlocutores. A autora ressalta que a reescrita é uma atividade complexa e deve ser trabalhada com os alunos desde o processo de aquisição da língua escrita, para que internalizem que a construção de um texto é um processo que engloba leitura e compreensão do que já foi escrito.

Fuza e Menegassi (2012) corroboram o posicionamento de Gomes (2006) sobre a necessidade do trabalho com a reescrita no ciclo de alfabetização ao afirmarem: “[...] É escrevendo seu texto e refazendo-o que a criança aprende e consegue apropriar-se do sistema de escrita, desenvolvendo-se como produtor de textos [...]” (Fuza; Menegassi, 2012, p. 50).

De todo o exposto, observamos que a revisão e a reescrita, vistas pela perspectiva metodológica, são atividades que pressupõem uma relação dialógica entre autor, texto e interlocutor. O professor, ao revisar o texto, atribui sentido ao que o aluno escreveu em função da finalidade, do interlocutor e do gênero textual. Na busca do sentido e sua relação com os aspectos linguísticos da modalidade escrita, o professor, no papel de interlocutor, seleciona o que é objeto de atenção e percepção do aluno na atividade de revisão e reescrita. Nessa seleção, prioriza a coesão e a coerência textual, a organização de parágrafos, os aspectos ortográficos do sistema de escrita alfabético e a pontuação.

O aluno, ao voltar-se para o texto revisado pelo professor, direciona sua percepção para os apontamentos orais ou escritos e verifica o que precisa ser melhorado. A linguagem do professor orienta as observações do aluno sobre o objeto, e, nesse caso, o texto e seu discurso também propiciam conhecimentos sobre a língua e a linguagem, além de aprimorarem a capacidade de observação do estudante. Para Sokolov (1969b), a linguagem do professor é fundamental para o desenvolvimento da percepção voluntária dos alunos.

Na reescrita do texto revisado, o aluno tem a oportunidade de responder ao interlocutor, nesse caso, o professor. Na busca por essa resposta, o aluno faz associações armazenadas na memória, seleciona as informações necessárias para organizar o pensamento e o discurso. Essa atividade consciente de controle sobre o que e como responder ao interlocutor caracteriza o desenvolvimento da atenção voluntária. Desse modo, a reescrita possibilita ao aluno a vivência ativa do domínio exterior da atenção, até dominá-la internamente e começar a utilizá-la para direcionar a atividade de produção textual.

A orientação do professor durante o processo de revisão e a reescrita propiciam ao aluno conhecimentos linguísticos, textuais e discursivos no contexto de uso social da língua e, consequentemente, possibilitam a fixação lógico-verbal desses conteúdos na memória, pois, de acordo com Sokolov (1969a), a fixação de conteúdos na memória depende da compreensão e da relação com os conhecimentos prévios do sujeito.

Aprendizagem e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores

Para Vygotsky (1991), o sujeito aprende e se desenvolve desde que nasce, mas essa aprendizagem é diferente da que ocorre na escola, já que a escola é responsável pelo ensino dos conhecimentos científicos. O autor conclui que aprendizagem e desenvolvimento são diferentes, mas se relacionam.

Para explicar a relação entre aprendizagem e desenvolvimento, Vygotsky (1991) apresenta o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que consiste na distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial do sujeito. O autor relata que o nível de desenvolvimento real é determinado pela capacidade que o sujeito tem de fazer sozinho uma tarefa e o nível de desenvolvimento potencial é determinado por aquilo que o sujeito consegue fazer com a ajuda de um adulto ou colega mais experiente. Vygotsky (1991) destaca que as tarefas que o sujeito não realiza com autonomia, a princípio, por intermédio da interação com outro mais experiente, possibilitarão o desenvolvimento de processos internos que permitirão ao sujeito realizá-las com independência.

A zona de desenvolvimento proximal permite ao professor organizar o processo de ensino e aprendizagem da escrita de modo que proporcione ao sujeito acesso não apenas ao que já foi atingindo de acordo com seu desenvolvimento, mas, principalmente, segundo Vygotsky (1991, p. 58), àquilo “que está em processo de maturação”, resultando no desenvolvimento das funções psicológicas superiores.

As pesquisas de Vygotsky (1991) sobre o desenvolvimento cultural do sujeito comprovam a existência de dois tipos de funções psicológicas: as elementares, de caráter biológico; e as superiores, exclusivamente humanas, que resultam do uso de instrumentos e dos signos nas relações estabelecidas com outros sujeitos. Assim, toda função psicológica superior, como atenção voluntária, percepção, memória lógica, formação de conceitos, desenvolvimento da linguagem, entre outras, dá-se primeiramente no plano social, ou seja, nas relações que o sujeito estabelece com o meio em que vive, depois no plano interno, psicológico.

Dessa forma, para Vygotsky (1991), as funções psicológicas superiores resultam da cultura, pois são formas mediadas de comportamento que acontecem primeiramente na relação entre os sujeitos sociais e históricos em uma atividade social, que, posteriormente, é internalizada pelo sujeito com a mediação da linguagem e da cultura. Segundo o autor,

[...] Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na verdade a parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo [...] (Vygotsky, 2008, p. 70, grifo do autor).

Pautada em A. R. Luria, Barreto (2008) afirma que a atenção, a percepção e a memória são funções psicológicas superiores essenciais para a generalização e a abstração humana. Para a autora, “[...] essas funções permitem ao homem generalizar e abstrair do mundo que o rodeia as informações pertinentes e necessárias à sua sobrevivência, diferenciando-o dos animais [...]” (Barreto, 2008, p. 43).

A atenção voluntária tem sua gênese na atenção involuntária, função psicológica elementar que se apresenta na criança em suas primeiras semanas de vida (Luria, 1979b). O autor explica que, nessa fase do desenvolvimento humano, a atenção involuntária é a manifestação do reflexo orientado que só começa a desenvolver se a criança observa, diferencia e concentra-se no estímulo. Mais tarde, a criança passa a manipular objetos, e a ação torna a atenção involuntária mais complexa, porém, instável e não suficiente para desenvolver a atenção voluntária.

O desenvolvimento da atenção voluntária inicia quando a criança atende a instruções verbais de um adulto acompanhadas pela ação, ou seja, o adulto, ao solicitar algo, exemplifica, indicando o objeto referente à instrução dada que está no campo de visão imediata da criança. Ao final do primeiro e início do segundo ano de vida, a nomeação do objeto e a instrução verbal começam a exercer a função orientadora e reguladora da ação da criança, mas a fala do adulto ainda é instável e outros objetos atraem sua atenção (Luria, 1979b).

O autor declara que aproximadamente entre os 2 e 3 anos de vida a explicação verbal do adulto, a apropriação da linguagem e a participação ativa da criança na execução das instruções a ela direcionadas são fatores que passam a orientar sua atenção. Luria (1979b) conclui em seus estudos que é na interação com o adulto, mediada pela linguagem oral e pela atividade prática, que a atenção voluntária se manifesta, depois é internalizada pela criança e possibilita o direcionamento do seu comportamento, ou seja, a organização da sua atividade consciente.

A respeito do desenvolvimento da atenção voluntária, Vygotsky (1996, p. 143, tradução nossa) assegura:

[...] seu desenvolvimento começa com o primeiro gesto indicativo, com ajuda do qual os adultos tentam dirigir a atenção da criança e com o primeiro gesto independente da criança, com o qual começa a dirigir a atenção dos outros. Mais tarde, e em forma muito mais desenvolvida, a criança domina todo o sistema destes meios para dirigir a atenção dos demais. Esse sistema de meios é a linguagem atribuída de sentido; passado algum tempo, a criança aplica à sua pessoa as mesmas normas de conduta que outros lhe aplicavam e que utiliza em suas relações com os demais. Deste modo começa a dirigir sua própria atenção, a transferir sua atenção ao plano voluntário1 [...].

Luria (1979b) e Vygotsky (1996) apontam que a criança depende da interação social com o adulto, mediada pela linguagem oral e pelo uso de instrumentos, para vivenciar ativamente o domínio exterior da atenção até utilizá-la para orientar suas ações em sociedade, tornando-se uma função complexa.

A seleção de informações e de ações adequadas para realizar qualquer atividade consciente e o controle permanente sobre essas ações caracterizam a atenção voluntária (Luria, 1979b).

No contexto escolar, essas características evidenciam que a atenção voluntária é uma função psicológica superior importante para o ensino de produção de texto escrito, pois, diante do que escrever, como escrever, para quem e por que escrever, o aluno depara-se com a necessidade de selecionar informações pertinentes, fazer associações armazenadas na memória para organizar o pensamento e executar o texto escrito. Por isso, acreditamos que, pelo e no ensino da produção de texto escrito, mediado pela atividade de revisão e reescrita, a atenção voluntária pode ser desenvolvida em alunos no ciclo de alfabetização, contribuindo para a aprendizagem de escrita de textos coerentes com as finalidades comunicativas adequadas.

A percepção, função psicológica que também se inicia desde os primeiros meses de vida do ser humano e se aperfeiçoa segundo os conhecimentos que este tem de experiências anteriores, manifesta-se no sujeito de maneira involuntária e voluntária. A percepção involuntária, relacionada a funções inatas do ser humano, é a forma elementar de perceber o mundo exterior. Já a percepção voluntária resulta das formas e objetivos de atuação diante do objeto ou de ocorrências da realidade, tendo como base a interação social, a linguagem e a apropriação das experiências das gerações anteriores (Sokolov, 1969b).

Nessa mesma linha de pensamento, Luria (1979a) explica que o processo de percepção complexa pode ser considerado uma atividade pela qual o sujeito recebe informações. Esse processo compreende a experiência anterior, a comparação de informações recebidas, a distinção das características essenciais do objeto, a criação de hipóteses, a síntese das características essenciais referentes à totalidade do objeto e sua classificação em uma categoria que o define. Essa categorização do objeto é feita por uma palavra que passa a designá-lo mentalmente.

A percepção permite ao ser humano conhecer os objetos e as ocorrências da realidade do mundo em que vive. Nessa relação entre percepção, objeto e experiências anteriores, pela apropriação da linguagem, o indivíduo consegue atribuir conteúdo ao objeto pela palavra, ao analisar, sintetizar, abstrair e generalizar. Luria (1979a) enfatiza que, ao utilizar a palavra na percepção da realidade, o ser humano inicia o processo de pensamento.

Na educação escolar, a relação entre as observações do objeto pelo aluno e a fala do professor é fundamental para o desenvolvimento da percepção voluntária dos discentes (Sokolov, 1969b). Essa relação pode ocorrer em três formas: na primeira, os questionamentos do professor orientam as observações do aluno a respeito do objeto; na segunda, a fala do professor orienta o raciocínio do aluno sobre o que foi observado; na terceira, a fala do professor comunica os conhecimentos, que depois são exemplificados de maneira gráfica (Sokolov, 1969b).

Desse modo, a revisão de texto orientada pelo professor, pela palavra própria, dirige a observação do aluno para o objeto, nesse caso, o texto produzido pelo próprio aluno. Assim, os questionamentos orais e escritos do professor relacionados ao texto produzido, ou seja, a revisão orientada, conduzem o aluno na percepção de características específicas do texto na modalidade escrita.

A memória, terceira função psicológica abordada neste estudo, é conceituada por Luria (1979b, p. 39) como “[...] o registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior [...]”. Para Sokolov (1969a), a memória reflete experiências passadas e é constituída por conexões temporais que possibilitam a reprodução ou a recordação das experiências vividas pelo sujeito.

Em seus estudos sobre memória, Vygotsky (1991) evidenciou que há dois tipos diferentes dela. A primeira, a memória natural, caracteriza-se pela relação direta e imediata de estímulos externos sobre o sujeito, relacionada à capacidade de lembrar objetos vistos. A segunda, a memória mediada por signos, refere-se à utilização de auxiliares mnemônicos, ao uso de objetos e desenhos para lembrar um objeto ou fato vivenciado pelo sujeito. O autor explicita que a utilização de signos com a finalidade de auxílio mnemônico modifica a estrutura psicológica do processo de memória, pois age sobre o sujeito, permitindo a regulação de seu comportamento.

Sokolov (1969a) explica que as experiências fixadas na memória permitem ao sujeito recordar e reconhecer os objetos de seu meio sem que esses estejam presentes, ou seja, o sujeito consegue pensar sobre os objetos por meio da memória. Como o conteúdo é fixado na memória do sujeito, depende de seu interesse e objetivo. A fixação, a recordação e o reconhecimento são processos de memória que tornam possível o ensino e o desenvolvimento intelectual do aluno (Sokolov, 1969a).

Com base nos pressupostos da teoria histórico-cultural, Inumar e Palangana (2004) afirmam que a linguagem, signo que medeia a relação entre sujeito, objeto e outros sujeitos, desenvolve e transforma a memória humana. Dessa forma, a memória humana se constitui no interior do sujeito, de acordo com suas necessidades e interesses, como reflexo de experiências estabelecidas na relação com outros sujeitos e objetos, em um determinado tempo, espaço e cultura.

Sokolov (1969a) afirma que a criança começa a utilizar a memória racional com a apropriação da linguagem, pois suas experiências sociais a ampliam; consequentemente, há o desenvolvimento da memória racional. Ressalta que a compreensão, a repetição e a utilização dos conhecimentos prévios são importantes para desenvolver a memória racional.

Nessa perspectiva, Sokolov (1969a) relata que as atividades que contemplam diferentes tipos de percepção de um mesmo objeto de estudo, desde os primeiros anos escolares, oportunizam ao aluno ilustrar a relação entre objetos e fenômenos, facilitando a fixação racional do conteúdo na memória.

No ensino de produção de texto, por meio das reflexões principais dos achados de pesquisa de Sokolov (1969a, 1969b), inferimos que as atividades de revisão textual orientadas pelo professor ampliam as experiências do aluno com a linguagem escrita, contribuindo para o desenvolvimento do pensamento lógico verbal, pois propiciam ao aluno o retorno ao texto que produziu (mais de uma vez, se necessário), com diferentes finalidades, por exemplo, verificar a coerência em relação à situação comunicativa, examinar os aspectos estruturais do texto ou os aspectos do sistema de escrita alfabético e ortográfico, entre outras já mencionadas.

Desse modo, entendemos que a revisão textual e a reescrita, quando utilizadas pelo professor como estratégias metodológicas, desempenham o papel de orientar o processo de produção textual. A participação do professor no processo de escrita do aluno, mediada pela revisão textual e sua reescrita, possibilita o desenvolvimento da atenção, da percepção e da memória, funções psicológicas superiores essenciais para que os sujeitos produzam textos coerentes e adequados às convenções da modalidade escrita.

Metodologia

O trabalho desenvolvido é uma pesquisa qualitativa do tipo intervenção pedagógica, inserida no Projeto “Educação, Linguagem e Letramento”2, aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Copep), da Universidade Estadual de Maringá (UEM), por meio do Parecer nº 56479116.0.0000.0104.

Damiani et al. (2013), ancorados em Robson (1995), afirmam que esse tipo de investigação é do campo de pesquisas aplicadas que exercem grande influência na prática dos profissionais que atuam nas instituições de ensino.

Segundo os autores, para que a intervenção pedagógica levada a efeito no contexto educacional seja considerada investigativa é necessário destacar dois elementos: o método da intervenção ou método de ensino; e o método da avaliação da intervenção ou método de pesquisa.

A investigação do tipo interventiva foi desenvolvida com 17 alunos devidamente matriculados no 3º ano do ciclo de alfabetização, no turno vespertino, em uma escola pública municipal de educação infantil e ensino fundamental I, localizada no distrito de uma cidade do Noroeste do estado do Paraná.

Descrição das atividades de intervenção pedagógica

O planejamento e a organização da intervenção pedagógica foram realizados a partir de uma conversa com a professora responsável pela turma do 3º ano do ensino fundamental I, seguida da análise do planejamento da disciplina de Língua Portuguesa da referida turma e da observação dos sujeitos da pesquisa em três aulas de leitura e escrita. Em decorrência disso, optamos por sistematizar a intervenção em oito oficinas de produção de textos. O Quadro 1 apresenta as etapas da intervenção pedagógica.

Fonte: Elaboração própria

Quadro 1  Descrição das atividades de intervenção pedagógica 

Em síntese, a primeira etapa da pesquisa interventiva consistiu em: i) análise do planejamento bimestral da turma; ii) observações realizadas em sala de aula e registradas no diário de campo da pesquisadora; iii) planejamento de atividades de leitura e produção textual organizadas em oito oficinas.

Na análise do planejamento bimestral da turma, verificamos os gêneros textuais e os objetivos de leitura e escrita que seriam trabalhados com a turma no período da intervenção. Observamos que, em relação à prática de escrita, a revisão e a reescrita não estavam contempladas no bimestre e, de acordo com informações orais da professora, também não estavam contempladas nos demais.

As observações realizadas em sala de aula permitiram depreender a relação dos alunos com atividades de produção de textos. Os comentários de alguns alunos, coletados na oralidade da sala, após a professora pedir para que produzissem um texto a partir de uma imagem, foram:

Aluno 4: “ - Professora como começa?”

Aluno 15: “ - Eu não sei o que escreve? É pra inventa?”

Aluno 11: “ - Tem que escreve tudo isso de linha?”

Essas indagações subsidiaram a organização das oficinas de leitura e produção de texto, uma vez que produzir texto pressupõe leitura e compreensão textual para que “[...] se tenha o que dizer; [...]” (Geraldi, 1997, p. 137). Nesse sentido, Fuza (2007) afirma que o professor precisa encorajar os alunos desde os primeiros anos de escolaridade a escrever textos com finalidade para que não tenham dificuldades de produzi-los nos anos subsequentes.

As atividades desenvolvidas durante as oficinas partiram do pressuposto de escrita como trabalho, concepção que enfatiza a necessidade de o aluno encorajar-se a escrever por meio da identificação de uma razão que o motive (Menegassi, 2016).

A segunda etapa consistiu na aplicação das oficinas de leitura e produção de texto. Selecionamos o gênero textual a ser trabalhado com base no planejamento bimestral da turma e estabelecemos como critério a predominância da tipologia textual narrativa, utilizada pela ANA para avaliar os alunos do 3º ano do ensino fundamental I em produção textual. Assim, o gênero escolhido foi a fábula. De acordo com Lima e Rosa (2012, p. 158), a fábula, como instrumento de ensino, tem “[...] um significado especial na formação da personalidade dos alunos. [...]”. Nesse sentido, trabalhar com fábulas favorece a humanização do sujeito porque, ao ler, compreender e interpretar esses pequenos textos que abordam temáticas relacionadas aos comportamentos e sentimentos humanos, o indivíduo modifica seu comportamento e a forma de compreender a realidade diante de determinadas situações.

As fábulas escolhidas para o trabalho sistematizado nas oficinas consistiram em duas versões3 de “O rato do campo e o rato da cidade”, que abordam a temática da relação entre o campo e a cidade, elemento de interesse dos sujeitos que convivem diariamente com a dualidade desse contexto. Trabalhamos com a mesma fábula narrada por três autores para que os alunos refletissem que uma mesma história pode ser contada por escrito de diferentes maneiras sem alterar o enredo. Todas as oficinas foram fotografadas, filmadas e transcritas, para posterior análise dos registros.

Nas oficinas 1, 2 e 3, a estrutura textual do gênero fábula foi apresentada e discutida com os alunos com base em uma versão de “O rato do campo e o rato da cidade”. Realizamos a leitura e a compreensão das fábulas com questões orais objetivas e inferenciais (Marcuschi, 2001). Nas oficinas 2 e 3, contemplamos também questões metalinguísticas (Marcuschi, 2001), ou seja, as relacionadas à estrutura do texto, por exemplo, parágrafos e sinais de pontuação. As respostas a essas questões foram dadas pelos alunos oralmente e em atividades por escrito.

Na oficina 4, oportunizamos a produção textual por meio da reprodução da fábula “O rato do campo e o rato da cidade”, com a finalidade de expor no mural da escola para que pudesse ser lida por alunos de outras turmas. Essa atividade foi realizada coletivamente com a turma.

Na oficina 5, propusemos aos alunos a reprodução individual da fábula “O rato do campo e o rato da cidade”, para que cada aluno da turma pudesse ler em voz alta a um estudante do infantil 5, após o texto ser revisado por eles e por nós, e reescrito pelo aluno se fosse necessário. Nesse encontro, para que os alunos pudessem planejar a primeira versão de seus textos, entregamos um questionário elaborado por nós. Em seguida, fizemos a leitura em voz alta das questões com os alunos e socializamos as respostas para que trocassem ideias para a execução de escrita do texto.

Na oficina 6, sugerimos que os alunos reproduzissem a fábula “O rato do campo e o rato da cidade”. Informamos que recolheríamos os textos e faríamos a leitura para revisá-los, ajudando-os a deixar o texto adequado para lerem aos alunos do infantil 5 e depois fixarem no mural da escola, a fim de que os demais também pudessem ler.

Na oficina 7, explicamos à turma que, após lermos cada texto, deixamos alguns bilhetes coloridos para ajudá-los a revisar o texto que foi escrito na oficina 6. Pedimos que lessem o texto e os apontamentos e questionamentos feitos nele e nos bilhetes, verificassem quais informações não haviam ficado claras ao leitor e quais estavam faltando, para acrescentá-las na segunda reescrita da fábula, que seria lida para outro estudante, na oficina 8. Vale ressaltar que os alunos não conheciam os bilhetes de revisão e foi a primeira atividade de revisão orientada de que participaram.

Na oficina 8, sorteamos o nome de um aluno do infantil 5 para cada aluno do 3º ano B. Após o sorteio, demos um tempo para cada um se preparar, relendo o seu texto em voz alta na sala de aula. Em seguida, fomos até a sala do infantil 5, explicamos que cada aluno do 3º ano havia reproduzido a fábula “O rato do campo e o rato da cidade” e que iria ler para eles nas mesas de leitura no pátio da escola. Explicamos que cada estudante iria ouvir a fábula escrita por um aluno do 3º ano B. Na sequência, levamos todos ao pátio, organizamos as duplas e os alunos do 3º ano fizeram a leitura da fábula para aqueles do infantil 5.

As observações e os registros das atividades, feitos durante as oficinas, foram analisados de forma descritiva e interpretativa.

Análise da revisão e reescrita dos textos

A fim de verificarmos como a reescrita, a partir da revisão orientada, desenvolve as funções psicológicas superiores (atenção, memória, percepção) em alunos do final do ciclo de alfabetização, analisamos e discutimos os resultados encontrados nas produções textuais dos alunos decorrentes da revisão e da reescrita dos textos.

Iniciamos a leitura da primeira versão dos textos produzidos pelos alunos para realizarmos a revisão orientada, que consiste na entrega de sugestões por escrito ao aluno-autor para direcioná-lo na revisão de seu texto (Menegassi, 1998). Utilizamos a revisão textual-discursiva, apresentada por Ruiz (2001), para apontar aos sujeitos da pesquisa os problemas de escrita a serem observados e adequados no texto. Para Gasparotto (2014), os comentários e questionamentos que acontecem por meio de bilhetes propiciam a interação entre aluno/autor, professor/leitor e texto.

Na leitura da primeira versão, notamos que os desvios de escrita encontrados nos textos estavam relacionados à coerência, à estrutura do gênero, aos desvios ortográficos, à organização das ideias em parágrafos e à pontuação. Para Fiad (2006, p. 41), esses desvios são “características coletivas da fase inicial de apropriação do sistema de escrita alfabética”. A Tabela 1 mostra o número de desvios de escrita da turma na primeira versão:

Tabela 1 Desvios de escrita encontrados nos textos dos alunos 

Aspectos Número de ocorrência Número de sujeitos que apresentaram a ocorrência
Coerência textual 43 12
Estrutura do gênero 02 02
Ortografia 155 12
Paragrafação 77 12
Pontuação 112 12

Fonte: Elaboração própria com base nos registros da intervenção pedagógica.

Os desvios de escrita com maior recorrência na turma são os relacionados a aspectos ortográficos, pontuação, paragrafação e coerência textual. A seleção dos desvios, apontados na revisão dos textos, alterou-se de acordo com a produção textual e a apropriação de linguagem escrita de cada sujeito, pois, de acordo com Fiad (2006), são os textos dos alunos que indicam o que revisar.

É relevante destacar que nas correções dos textos optamos por apontar lacunas que indicavam a ausência de informações importantes sobre a fábula, além de apontar para desvios relacionados aos aspectos descritos na Tabela 1. Os apontamentos foram, em grande medida, realizados com base em questionamentos que estimulassem o aluno a repensar alguns aspectos de seu texto e procurar uma forma de responder a esse aspecto indicado pela professora. Ressaltamos que os apontamentos foram entregues aos estudantes no formato de bilhetes, conforme sugere Gasparotto (2014).

Na entrega do texto para revisão e do bilhete de revisão aos alunos, explicamos que as palavras, informações ou alterações recomendadas estavam sublinhadas no texto e que, no bilhete, havia alguns questionamentos e sugestões que os ajudariam a reescrever seus textos de forma mais adequada à modalidade escrita. Solicitamos que lessem o bilhete, localizassem a informação no texto e realizassem a reescrita para alterar o que havia sido pedido ou sugerido. Nesse momento, os alunos foram conduzidos a refletir, individualmente, sobre alguns dos aspectos selecionados de seu texto.

Ao término da intervenção pedagógica, iniciamos a análise das possíveis relações entre os resultados do processo de revisão e reescrita e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, a fim de compreender como as práticas contribuíram para o aprimoramento da atenção, da percepção e da memória. Ressaltamos que os dados do processo de revisão e reescrita dos alunos permitiram uma evidente identificação da mobilização das funções psicológicas superiores, pois os estudantes atenderam a três ou mais apontamentos sugeridos nos bilhetes de revisão orientada.

No Quadro 2, expomos a primeira e a segunda versões do texto do aluno 10, que atendeu a todos os apontamentos sugeridos; na sequência, a análise.

Fonte: Elaboração própria

Quadro 2  Primeira e segunda versões do texto do aluno 10 

Em relação à produção textual do aluno 10, fizemos cinco apontamentos no bilhete de revisão orientada relacionados aos seguintes problemas de escrita: conteúdo do texto, pontuação, paragrafação, ortografia e estrutura do gênero fábula. Quanto ao conteúdo do texto, priorizamos a revisão de algumas partes. Em relação à pontuação, sugerimos a utilização do ponto final para encerrar o primeiro parágrafo. Quanto à paragrafação, pedimos que, após acrescentar uma informação e pontuar o primeiro parágrafo, continuasse o texto no próximo parágrafo. Em relação à ortografia, selecionamos duas palavras de estrutura silábica canônica e não canônica para que pudesse refletir sobre a grafia.

Constatamos, na segunda versão, que o aluno 10 atendeu aos cinco apontamentos sugeridos. No início do texto da primeira versão, ele escreve que o rato do campo convidou o rato da cidade e não especifica o motivo do convite; diante dessa informação, perguntamos: “para quê?”. Verificamos que, ao responder, o aluno acrescentou a informação: “para ir na casa dele”. Na sequência, incluiu o ponto final que foi sugerido e continuou o texto no próximo parágrafo.

Aqui, observamos que esse estudante foi estimulado a recuperar, na memória, informações armazenadas sobre a fábula para responder ao questionamento da professora (“para quê?”), tendo êxito na tarefa. Essa resposta demonstra que, no processo de planejamento e de execução do texto, o aluno 10 utilizou a atenção e a percepção para adquirir a informação e armazená-la na memória, recuperando no momento da reescrita.

No segundo parágrafo, em resposta aos questionamentos “Quem viu? Onde estava? E quem tinha raízes?”, o aluno substituiu “e ele” por “o rato da cidade” e acrescentou as informações “chegou no campo” e “o rato do campo”. No final do texto, em resposta ao nosso questionamento “essa palavra é utilizada para finalizar fábulas?”, decidiu não utilizar a palavra “fim”. Em relação à ortografia, inseriu as letras que estavam faltando nas duas palavras sinalizadas.

Também é possível constatar a mobilização das funções psicológicas superiores na recuperação das informações armazenadas na memória sobre a fábula, no intuito de responder aos questionamentos da professora. Além disso, destacamos a importância da inferência da professora sobre a pontuação, paragrafação e ortografia do texto. Com essas conclusões, direcionamos o aluno para um aspecto sobre o qual não havia dedicado atenção, o de modificar e incrementar sua percepção e recuperar, novamente com o auxílio da memória, os conhecimentos já aprendidos em experiências anteriores para solucionar a questão.

Considerações finais

Os dados, os registros e as informações coletados no processo de revisão e reescrita de textos, aplicados na intervenção pedagógica com os alunos do 3º ano do ensino fundamental I, associados às análises da primeira e segunda versões dos alunos, demonstram que os elementos que compõem o processo descrito contribuem para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Essa contribuição ocorre em decorrência, principalmente, da interação entre professor e aluno, sempre mediada pelo texto, seja a fábula, seja a produção textual do aluno. Nessa interação, o professor infere, questiona, sugere e aponta para diversos elementos do texto do aluno, o qual, por sua vez, considera e compreende os apontamentos do professor para proceder à reescrita do texto.

Evidenciamos que o desenvolvimento da atenção, da percepção e da memória ocorreu como um processo contínuo, ou seja, um processo que avança e se enriquece na medida em que os alunos acumulam experiências anteriores, nas quais as funções psicológicas são mobilizadas, além de adquirirem a capacidade de consultar e recuperar as habilidades aprendidas sempre que for preciso. Por ser um processo contínuo, exige a constante estimulação dessas funções, necessitando de um planejamento sistematizado, em que a revisão e a reescrita sejam utilizadas como abordagem metodológica de trabalho em diversos momentos do processo de ensino e aprendizagem.

Apoiadas nesse pressuposto, afirmamos que o trabalho com a revisão e reescrita de texto possibilita o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tendo como característica essencial a qualidade da interação entre professor e aluno, mediada pelo gênero textual escolhido para o trabalho e pela produção textual elaborada pelo aluno.

Constatamos que, ao utilizar essa abordagem metodológica, o professor desempenha o papel de orientar o processo de produção de texto, ao mesmo tempo que promove o estímulo das funções psicológicas superiores da atenção, da percepção e da memória, possibilitando o desenvolvimento dessas.

Referências

BARRETO, L. C. D. B.Sala de recursos: um estudo da aprendizagem da leitura por alunos com dificuldades escolares. 2008. 136 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2008. [ Links ]

BARTLETT, E. J. Learning to revise: some component processes. In: NYSTRAND, M. (Org.). What writers know: the language, process, and structure of written discourse. New York: Academic Press, 1982. p. 345-363. [ Links ]

BRASIL. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Grupo de pesquisa Educação, Linguagem e Letramento. [S. l., 2008]. Disponível em: <Disponível em: http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2055765035637778 >. Acesso em: 17 mar. 2021. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. Brasília, DF: MEC, 1997. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília, DF: MEC , 2017. [ Links ]

DAMIANI, M. F. et al. Discutindo pesquisas do tipo intervenção pedagógica. Cadernos de Educação, Pelotas, n. 45, p. 57-67, maio/ago. 2013. [ Links ]

FIAD, R. S. Escrever é reescrever: caderno do professor. Belo Horizonte: Ceale/UFMG, 2006. [ Links ]

FIAD, R. S.; VAL, M. G. C. Produção de textos. In: GLOSSÁRIO CEALE. Termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo Horizonte, [2018]. Disponível em: <Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/verbetes/producao-de-textos >. Acesso em: 15 jun. 2018. [ Links ]

FLOWER, L. S.; HAYES, J. R. The dynamics of composing: making plans and juggling constraints. In: GREGG, L. W.; STEINBERG, E. R. (Org.). Cognitive processes in writing. Hillsdale: Lawrence Erlbaum Associates, 1980. p. 31-50. [ Links ]

FUZA, A. F. A escrita na sala de aula do ensino fundamental. In: MENEGASSI, R. J. (Org.). Interação e escrita. Maringá: Departamento de Letras Editora, 2007. p. 1-64. [ Links ]

FUZA, A. F.; MENEGASSI, R. J. Revisão e reescrita de textos a partir do gênero textual conto infantil. Diálogo das Letras, Pau dos Ferros, v. 1, n. 1, p. 41-56, jan./jun. 2012. [ Links ]

GASPAROTTO, D. M. O trabalho colaborativo em práticas de revisão e reescrita de textos em séries finais do ensino fundamental I. 2014. 325 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2014. [ Links ]

GERALDI, J. W. Portos de passagem. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. [ Links ]

GOMES, H. S. M. L. Reescrita colaborativa: da interação ao reflexo na escrita individual. 2006. 251 f. Dissertação (Mestrado em Educação em Línguas) - Departamento de Didáctica e Tecnologia Educativa, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2006. [ Links ]

INUMAR, L. Y.; PALANGANA, I. C. A formação da memória no desenvolvimento psíquico: contributo à educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 85, n. 209/210/211, p. 101-113, jan./dez. 2004. [ Links ]

LIMA, R. M. R.; ROSA, L. R. L. O uso das fábulas no ensino fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral e escrita. CIPPUS: Revista de Iniciação Científica, Canoas, v. 1, n. 1, p. 153-169, maio 2012. [ Links ]

LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979a. v. 2. [ Links ]

LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 1979b. v. 3. [ Links ]

MARCUSCHI, L. A. Compreensão de texto: algumas reflexões. In: DIONISIO, A. P.; BEZERRA, M. A. O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001. p. 48-61. [ Links ]

MARTINS, C. S.; ARAÚJO, N. M. S. A prática de revisão orientada de dissertações de mestrado: as sugestões do revisor-leitor, as estratégias do revisor-autor. Signum: Estudos da Linguagem, Londrina, v. 15, n. 2, p. 257-287, dez. 2012. [ Links ]

MENEGASSI, R. J. Da revisão à reescrita: operações e níveis linguísticos na construção do texto. 1998. 291 f. Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, 1998. [ Links ]

MENEGASSI, R. J. Concepções de escrita. In: MENEGASSI, R. J.; SANTOS, A. R.; RITTER, L. C. B. Escrita e ensino. 2. ed. Maringá: Eduem, 2010. p. 11-53. [ Links ]

MENEGASSI, R. J. A escrita como trabalho na sala de aula. In: JORDÃO, C. M. (Org.). A linguística aplicada no Brasil: rumos e passagens. Campinas: Pontes, 2016. p. 193-230. [ Links ]

ROBSON, C. Real World research. Oxford: Blackwell, 1995. [ Links ]

RUIZ, E. D. Como corrigir redações na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2001. [ Links ]

SERAFINI, M. T. Como escrever textos. Tradução de Maria Augusta Barros de Mattos. 9. ed. São Paulo: Globo, 1998. [ Links ]

SOARES, M. Z. A. A prática avaliativa na produção textual escrita dos discentes nos anos iniciais do ensino fundamental. 2014. 108 f. Dissertação (Mestrado em Linguística e Ensino) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes , Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2014. [ Links ]

SOKOLOV, E. N. La memoria. In: SMIRNOV, A. A. et al. Psicología. Ciudad de México: Grijalbo, 1969a. p. 201-231. [ Links ]

SOKOLOV, E. N. La percepción. In: SMIRNOV, A. A. et al. Psicología. Ciudad de México: Grijalbo , 1969b. p. 144-176. [ Links ]

STEVANATO, P. A. A. Revisão e reescrita de texto no desenvolvimento das funções psicológicas superiores: uma intervenção com alunos do 3º ano do ensino fundamental. 2019. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cipolla Neto, Luís Silveira Mena Barreto, Slange Castro Afeche. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes , 1991. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas: psicología infantil. Madrid: Visor, 1996. v. 4. [ Links ]

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes , 2008 [ Links ]

* O artigo é resultado de pesquisa de mestrado de STEVANATO, P. A. A. Revisão e reescrita de texto no desenvolvimento das funções psicológicas superiores: uma intervenção com alunos do 3º ano do ensino fundamental. 2019. 147 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2019.

1“[...] su desarrollo comienza con el primer gesto indicativo, con ayuda del cual los adultos intentan dirigir la atención del niño y con el primer gesto independiente del niño, con el cual empieza a dirigir la atención de otros. Más tarde, y en forma mucho más desarrollada, el niño domina ya todo el sistema de estos medios para dirigir la atención de los demás. Ese sistema de medios es el lenguaje atribuido de sentido; pasado algún tiempo, el niño aplica a su persona las mismas normas de conducta que otros le aplicaban a él y que él utiliza en sus relaciones con los demás. De ese modo empieza a dirigir su propia atención, a trasladar su atención al plano voluntario. [...]”

2Projeto de pesquisa coordenado pela professora Drª. Elsa Midori Shimazaki - UEM, com o Grupo de Pesquisa “Educação, Linguagem e Letramento” (Brasil. CNPq, [2008]).

3Neste trabalho, o vocábulo “versão” é compreendido como modo de relatar uma história.

Recebido: 18 de Novembro de 2019; Aceito: 09 de Dezembro de 2020

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons