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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.102 no.262 Brasília set./dez. 2021

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102i262.4573 

ESTUDOS

O lugar da educação não escolar nos currículos de Pedagogia

The place of non-school education in Pedagogy curricula

El lugar de la educación no escolar en los currículos de Pedagogía

Mariana Aparecida Serejo de SouzaI  II 
http://orcid.org/0000-0002-9478-4509

IUniversidade de Brasília (UnB). Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: <marianaserejo@yahoo.com.br>.

IIMestra em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Brasília, Distrito Federal, Brasil.


Resumo:

Este artigo apresenta resultados de estudo que teve por objetivo analisar como a dimensão da educação não escolar, especificamente, é abordada nos projetos curriculares do curso de Pedagogia, tendo em vista as diversas exigências formativas estabelecidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, aprovadas em 2006. A proposta metodológica foi estruturada em dois momentos: 1) revisão bibliográfica, na qual buscamos aportes que inter-relacionam a educação não escolar com a Pedagogia e referenciais da teoria curricular para lançar luzes sobre a compreensão do texto das diretrizes curriculares; e 2) pesquisa documental, na qual examinamos dez projetos pedagógicos do curso de Pedagogia de instituições de educação superior do Distrito Federal, destrinchando-os em categorias temáticas, por meio das quais efetuamos a análise do conteúdo levantado. Após a imersão nos dados, chegamos ao entendimento de que essas instituições formam o pedagogo docente em atenção às diretrizes do curso, mas sinalizam para os espaços de atuação profissional além da escola, especialmente ao delinearem disciplinas e estágios supervisionados que contemplem esse campo. Porém, observamos o isolamento e a desconexão desses componentes curriculares em relação à proposta formativa geral, o que indica a necessidade de engendrar propostas curriculares mais efetivas para abarcar a dimensão não escolar na formação dos pedagogos.

Palavras-chave: currículo; curso de Pedagogia; educação não escolar.

Abstract:

The article presents results of a study that aimed to analyze how specific non-school education is approached in curricular projects of a pedagogy course, in view of the different training practices applied by the National Curriculum Guidelines, approved in 2006. The methodological proposal was structured in two moments: 1) bibliographic review, in which it is contributed that they are interrelated with non-school education with Pedagogy and references of curricular theory to touch on the understanding of the text of the curricular rules; and 2) documentary research, in which ten pedagogical projects of the Pedagogy course of higher education institutions in the Federal District are examined, distinguishing them in thematic categories, through which an analysis of the surveyed content is effected. After being immersed in the data, we arrived at the understanding that these teaching institutions, in accordance with the course guidelines, form the pedagogue but signal to the spaces of professional performance beyond the school, especially to outline disciplines and supervised internships that contemplate this field. However, we observe the isolation and disconnection of these curricular components in relation to the general training proposal, which signals a need to create more effective curricular proposals to encompass a non-school exhibition in the training of pedagogues.

Keywords: curriculum; non-school education; Pedagogy course.

Resumen:

Este artículo presenta los resultados de un estudio que tuvo como objetivo analizar cómo se aborda la educación no escolar específica en los proyectos curriculares de la carrera de Pedagogía, en vista de las diferentes prácticas de formación aplicadas por las Directrices Curriculares Nacionales, aprobadas en 2006. La propuesta metodológica fue estructurada en dos momentos: 1) revisión bibliográfica, en la que buscamos aportes que interrelacionen la educación no escolar con la Pedagogía y referenciales de la teoría curricular para arrojar luces sobre la comprensión del texto de las directrices curriculares; y 2) investigación documental, en la que se examinaron diez proyectos pedagógicos de la carrera de Pedagogía de las instituciones de educación superior del Distrito Federal, separándolos por categorías temáticas, por medio de las cuales se analizó el contenido planteado. Después de la sumersión en los datos, llegamos a entender que estas instituciones capacitan al pedagogo docente de acuerdo con las directrices de la carrera, pero señalan espacios de práctica profesional más allá de la escuela, especialmente al delinear disciplinas y pasantías supervisadas que abordan este campo. Sin embargo, observamos el aislamiento y la desconexión de estos componentes curriculares en relación con la propuesta de formación general, lo que indica la necesidad de engendrar propuestas curriculares más efectivas para abarcar la dimensión no escolar en la formación de pedagogos.

Palabras clave: carrera de Pedagogía; currículo; educación no escolar.

Palavras iniciais

Ao vislumbrarmos o percurso histórico do curso de Pedagogia no Brasil, observamos que ele revela diferentes direções, o que dificultou a consolidação de sua identidade como campo de investigação específico da educação e como espaço de formação de profissionais.

As determinações legais impostas ao longo do tempo, em grande medida, prescindindo da participação da comunidade acadêmica e dos sujeitos diretamente envolvidos com a questão, conduziram a distorções tais que se chegou a pensar na extinção do curso por falta de objeto próprio (Silva, 2006; Saviani, 2012).

O cenário social, político e econômico influenciou sobremaneira esse trajeto. Não obstante as intempéries, o curso permaneceu. Fortaleceu-se do ponto de vista normativo com a publicação da Resolução CNE/CP nº 1/2006, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia, agora sob a influência de discussões geradas no seio de movimentos organizados de educadores, ainda que em meio a dissensos relacionados às diferentes perspectivas de formação almejadas.

Nesse sentido, o documento consolida a vertente que propugna a docência como base da formação inicial do pedagogo. Ademais, acena para a possibilidade de atuação desse profissional em outros espaços além da escola. Ou seja: observa-se no discurso legal a ampliação do escopo de formação do pedagogo.

Na esteira dessas questões, passados mais de dez anos da edição das diretrizes curriculares, buscamos discutir, neste texto, resultados de pesquisa mais abrangente na qual objetivamos desvelar o lugar da educação não escolar (ENE) na formação dos alunos do curso de Pedagogia, tendo em vista o seguinte questionamento central: como os contextos não escolares são abordados nos projetos pedagógicos das instituições de educação superior (IES)?

Reflexões teóricas

Educação em perspectiva ampliada, Pedagogia além da escola

De início, desejamos assentar que a educação é um fenômeno complexo, multidimensional, que ocorre em diferentes espaços sociais, portanto não abrange somente o ambiente escolar oficial. A amplitude subjacente ao conceito de educação nos conduz a entender que vários são os contextos em que ela está presente na sociedade (Libâneo, 2010; Severo, 2015; 2017; Miranda; Agreda, 2017).

Com esse olhar em perspectiva, observamos que a literatura vislumbra a educação, conceitualmente, sob três modalidades: educação informal, educação formal e educação não formal, taxonomia atribuída a Coombs e Ahmed, registrada em meados dos anos de 1970, segundo Vazquez (1998) e Gonh (2010).

Cada uma dessas dimensões apresenta características que merecem realce. A primeira delas, a educação informal, identifica-se com os processos de socialização do indivíduo e pode ocorrer em diferentes espaços sociais: “[...] família, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento e sentimentos herdados” (Gohn, 2006, p. 27).

A autora ainda enfatiza que a educação informal

[...] socializa os indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, segundo valores e crenças de grupos que se freqüenta (sic) ou que pertence por herança, desde o nascimento. Trata-se do processo de socialização dos indivíduos. (Gohn, 2006, p. 29).

Para entendermos a segunda modalidade, a educação formal, recorremos a outra obra de Gohn (2010), na qual a autora assevera que o seu ambiente é a escola, legalmente instituída, organizada com base em diretrizes nacionais e regras definidas; seu foco é o ensino e a aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados; seu tempo e seu espaço são predeterminados; seu currículo é normatizado; e seu avanço aos níveis mais elevados de ensino é formalizado pela concessão de titulação aos alunos.

Já a educação não formal, a terceira dimensão da tríade, pode ser compreendida como: “[...] o conjunto de processos, meios e instituições específica e diferenciadamente concebidos em função de objetivos explícitos de formação ou instrução não diretamente voltados à outorga dos graus próprios do sistema educacional regrado”, consoante Trilla (2008, p. 42).

A descrição de algumas das principais caraterísticas das modalidades educativas, a princípio, mostra-se fundamental para construirmos uma acepção mais ampliada sobre a educação. Inclusive, alguns autores (Miranda; Agreda, 2017; Libâneo, 2010; Trilla, 2008) advogam que as três dimensões clássicas da educação precisam ser compreendidas a partir das possíveis interfaces entre elas, sem isolamento, para que os sujeitos aprendentes encontrem no sistema educativo as condições necessárias para traçar roteiros de aprendizagem em diferentes situações na vida social além da escola formal.

Observamos, porém, certa dificuldade para estabelecer, de forma cristalina, fronteiras entre cada uma delas. Ao buscarmos uma terminologia capaz de representar os espaços educativos existentes na sociedade além do ambiente escolar, encontramos a expressão “educação não escolar”. De acordo com Severo (2017, p. 136), por englobar as “práticas consideradas formativas situadas fora da escola”, essa proposta conceitual é mais apropriada para se referir às ações inseridas no bojo da educação não formal e informal.

Seguindo a mesma linha de Severo (2017), Moura e Zuchetti (2006) empregam a expressão “educação não escolar” para diferenciar as ações educativas informais e não formais das que ocorrem regularmente na escola. As autoras ressaltam que, historicamente, muitas experiências de ENE no Brasil têm sido sistematizadas como educação não formal. Porém, tal vinculação “[...] pode constituir um importante limitador para a análise das inúmeras experiências de educação fora da escola e sua relação com o complexo contexto atual” (Moura; Zuchetti, 2006 p. 230).

Além disso, Moura e Zuchetti (2006) argumentam que a pretensa oposição entre “formal” e “não formal” poderia denotar a inexistência de práticas formais além dos muros escolares oficiais, premissa improcedente, considerando-se, por exemplo, conforme Severo (2017, p. 136), as ações de “[...] alfabetização ou supletivo e uma cooperativa popular de trabalho que, ao seu término, acredita formalmente a aprendizagem dos trabalhadores com um documento válido como certificação escolar”.

Destarte, a ENE se relaciona com ações educativas que prolongam tempos e espaços formativos, organizados em função das necessidades que emanam no contexto do sujeito aprendente e de sua comunidade, conduzindo a uma proposta de educação mais dinâmica, processual, que acompanha o desenvolvimento de vida das pessoas (Severo, 2015).

De fato, mostra-se evidente que a educação acontece em diferentes ambientes, portanto não é fomentada apenas nas escolas formais. Em virtude de o campo da Pedagogia estudar e articular epistemologicamente a teoria e a prática da educação, podemos concluir que o pedagogo, ao ser formado para desenvolver o trabalho educativo, pode ser inserido profissionalmente nos variegados espaços não escolares presentes na sociedade. É o que reforça Libâneo (2010, p. 51): “[...] o campo de atuação do profissional formado em Pedagogia é tão vasto quanto são as práticas educativas na sociedade”.

Sob o mesmo horizonte, Schimtz (2013, p. 36) ressalta que

[...] o pedagogo deixa de ser o profissional que foi no século XX. Apresenta-se agora como agente de transformação dessa realidade que gradativamente começa a projetar-se. Destarte, o pedagogo se insere no mercado de trabalho de forma mais ampla e diversificada, considerando que a nossa sociedade exige cada vez mais profissionais multifacetados (capazes de exercer diferentes funções em diferentes espaços, formais ou não formais).

As contribuições dos autores apontam para a necessidade de se refletir sobre a formação do pedagogo diante das dinâmicas sociais que se concretizam em relação à aprendizagem nos mais variados contextos. Para vislumbrar essa problemática, é preciso reconhecer que a ENE é um objeto legítimo da Pedagogia, o qual “[...] requer, todavia, ser sistematizado conceitualmente em um nível mais consistente no interior da relação entre educação, sociedade e ação pedagógica” (Severo, 2017, p.133).

Buscando pistas para elucidar a questão, Severo constatou, em sua pesquisa de doutoramento, que a associação entre Pedagogia e ENE nos projetos curriculares do curso de Pedagogia analisados conduz, muitas vezes, ao entendimento de que a atuação pedagógica nesses contextos se reduz a um trabalho de ensino fora da escola. Todavia, ressalta que:

[...] o espectro de habilidades que se associam às dinâmicas dessas práticas, especialmente as que acontecem no âmbito da educação não formal, estrutura-se a partir de um conjunto pluralizado de saberes e modos que são mobilizados de acordo com as especificidades e necessidades de cada cenário educativo. (Severo, 2017, p. 148-149).

Notamos, dessa maneira, que os contextos não escolares se estruturam, em grande medida, de forma diversa das instituições escolares vinculadas à educação básica; possuem idiossincrasias que requerem alguns saberes profissionais do pedagogo, ligadas à dimensão técnico-operativa, além daquelas ligadas à docência, como também nos alerta Severo (2017). Isso não significa que os saberes da docência são dispensáveis, mas que os espaços não escolares precisam de uma abordagem curricular voltada também à reflexão do trabalho pedagógico que se desenvolve nesses cenários.

A crítica de Severo (2017), portanto, não está na formação docente, base do curso de Pedagogia (preconizada nas diretrizes curriculares), e, sim, na visão latente nos documentos curriculares de que essa ênfase formativa favoreça, por si só, o desenvolvimento de saberes profissionais circunscritos às práticas não escolares.

À luz das explicitações, é necessário evoluir nas discussões e reflexões que enfocam a atuação do pedagogo em espaços não escolares, de maneira a aproximá-la, de fato, da formação oferecida nos cursos de Pedagogia, com a estrutura atual preconizada pelas diretrizes; bem como pensar em caminhos e alternativas para o curso que ampliem a visão sobre o trabalho do pedagogo. Além disso, seria importante se desenvolver uma argumentação conceitual que enfatize o fenômeno pedagógico que ocorre no campo não escolar propriamente dito, isto é, uma análise de cunho epistemológico mais aprofundado sobre a natureza do curso que também contemple a questão (Severo, 2017). Percurso a ser construído; passos a serem dados.

Toda essa discussão nos direciona para os processos formativos preconizados pelo curso de Pedagogia aos seus graduandos ao longo de sua história, culminando com a edição das diretrizes curriculares do curso, aprovadas em 2006, as quais evidenciaram a inserção da vertente não escolar entre as preocupações dessa formação.

Curso de Pedagogia no Brasil: percurso até as atuais diretrizes curriculares nacionais

Em breve síntese, como nos auxiliam Saviani (2012), Silva (2006), Brzezinski (2012), Franco, M. A. S., (2008) e Gatti (2010), podemos assinalar as diferentes orientações a que o curso de Pedagogia foi submetido no Brasil ao longo de sua história, conforme seus principais marcos legislativos:

  1. Decreto-lei nº 1.190/1939 (bacharelado) - licenciatura com mais um ano de didática (esquema 3+1);

  2. Parecer CFE nº 251/1962 (bacharelado e licenciatura) - administração escolar como base da formação;

  3. Parecer CFE nº 252/1969 (licenciatura) - foco na formação de especialistas não docentes (diversas habilitações); e

  4. Resolução CNE/CP nº 1/2006 (licenciatura) - centralidade na formação de professores.

Considerando-se a regulamentação de 1969, o curso se manteve sob a égide das premissas tecnicistas durante aproximadamente 30 anos. Até esse momento, observamos que as determinações legais superabundaram no que concerne aos rumos que o curso de Pedagogia seguiu, com forte influência de pensamentos dominantes representados por um pequeno grupo de pessoas com o poder instituído para tomar decisões no âmbito governamental. Como consequência, o espaço para a discussão dos fundamentos da Pedagogia, seu caráter epistemológico e sua identidade ficaram prejudicados.

Nesse ponto, no que tange às questões curriculares, aludimos ao que Borges e Silva (2016, p. 93) assinalaram com propriedade:

A educação em larga medida e o currículo em sentido específico historicamente são alvo de constantes mudanças no contexto educacional brasileiro, reformas estas nem sempre fruto de consensos nas instituições formativas, sejam elas acadêmicas ou profissionais.

As reformas curriculares orquestradas no âmbito da política nacional passam ao largo dos debates travados nas universidades e pelas entidades científicas do campo educativo.

Somente a partir do final da década de 1970 percebemos movimentos de estudantes e de educadores brasileiros para debater a formação dos profissionais da educação e começam a emergir reflexões de cunho acadêmico especificamente para tratar da Pedagogia (Saviani, 2012). Esse fato se deve ao entendimento de que as determinações do Conselho Federal de Educação eram tomadas arbitrariamente e à revelia das discussões dos atores envolvidos com a questão (Brzezinski, 2012).

Entre as ações concretas no sentido de mobilização nacional, representando o avanço das discussões coletivas, destaca-se o Comitê Nacional Pró-Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores (1980) em reação à tentativa do Ministério da Educação (MEC) de outorgar disposições inspiradas em documentos de décadas anteriores para formação de educadores (Silva, 2006).

Silva (2006) descreve que, em 1983, consolidou-se a proposta da Comissão Nacional de Reformulação dos Cursos de Formação do Educador para os cursos de Pedagogia, que se desenvolveu até 1990, sendo, posteriormente, ampliada e conduzida pela Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). A premissa da proposta fincava-se na licenciatura como referência básica para as reflexões sobre a formação de educadores, lançando, assim, a docência como pilar da identidade profissional e a necessidade de uma base comum nacional.

No início da década de 1990, as discussões passam a apresentar a preocupação com a formação do educador em geral até a edição, em 1996, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394), quando o curso de Pedagogia voltou a figurar nos debates.

Nesse contexto, a Anfope foi criada e começa a se posicionar especificamente sobre o curso de Pedagogia, afirmando sua manutenção, oportunidade em que lançou orientações a respeito de alguns itens da formação, inserindo entre as possíveis áreas de atuação do pedagogo a educação não formal (Silva, 2006, p. 80).

A despeito das construções observadas, em 1999 e 2000, o governo federal tenta alocar a formação de professores para educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental nos cursos normais superiores, ou seja, tenta afastar a Pedagogia desse nicho, segundo Silva (2006), mas essa perspectiva não vingou.

Paralelamente, no mesmo interstício, caminhavam as primeiras propostas de elaboração de diretrizes curriculares específicas para o curso de Pedagogia, entre elas, a da Anfope: o curso deveria destinar-se à formação de professores.

Começaram a se desenhar também, no âmbito da Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia, as linhas de elaboração das diretrizes curriculares, que culminaram com o texto da Resolução CNE/CP nº 1/2006, passados mais de 30 anos da última regulamentação, prevalecendo a perspectiva de formação defendida pela Anfope.

Com o texto publicado - nada consensual, alvo de contundentes críticas (Saviani, 2012; Rodrigues e Kuenzer, 2007; Libâneo, 2011; Franco, M. A. S., 2008) -, firma-se a configuração atual do curso de Pedagogia: licenciatura, cujo cerne da formação está na docência, contemplando, ainda, a gestão, a formação de pesquisadores e outras possibilidades relacionadas com o trabalho pedagógico que vão além da escola.

Nas idas e vindas do curso, restou evidente que a dimensão não escolar teve sua demarcação oficial inscrita nessas diretrizes. Do ponto de vista histórico, podemos afirmar que o tema é uma “novidade” normativa, o que acendeu ainda mais a necessidade de reflexão sobre o que se espera da Pedagogia na contemporaneidade.

Notamos que, agora (e isso não aconteceu em outros momentos), temos um vasto campo profissional para o pedagogo em contextos extrínsecos à escola que, possivelmente, vêm se afirmando em função das transformações sociais das últimas décadas, as quais têm demonstrado que a educação é uma necessidade que perpassa toda a vida dos indivíduos. As vertentes formativas encontradas nas legislações anteriores, como constatamos, estavam desalinhadas, em boa medida, das perspectivas do mercado de trabalho aberto ao egresso.

Ao pensarmos na ampliação do espectro formativo das diretrizes, assentimos, com Libâneo (2010), que o pedagogo é o profissional capaz de intervir nos diferentes espaços em que a prática educativa se materializa, com atividades ligadas:

[...] à organização e aos processos de transmissão e assimilação ativa de saberes e modos de ação, tendo em vista objetivos de formação humana definidos em sua contextualização histórica. (Libâneo, 2010, p. 52).

Por isso, entendemos que é necessário discutir essa formação em vista das demandas sociais e dos contextos em que se consolidam as práticas educativas além dos muros escolares.

Diretrizes curriculares da Pedagogia em foco

Para compreendermos a essência das diretrizes curriculares da Pedagogia, recorremos ao campo de estudos do currículo, notadamente, à teoria curricular crítica.

É preciso asseverar que não há possibilidade de encerrarmos o currículo em uma perspectiva simplista, dada a complexidade de fatores intrínsecos e extrínsecos, tácitos e explícitos que influenciam o contexto escolar. Podemos, portanto, arrazoar que existem “significados” para o currículo produzidos e, ao mesmo tempo, vivenciados nos variados momentos em que ele se manifesta.

Nessa esteira, o aporte crítico nos guia a afirmar que o currículo não é apenas um conceito teórico (Sacristán, 2013). Ele revela a situação atual e os condicionantes da prática educativa e nos transporta para o futuro, pois envolve as expectativas que criamos em relação aos alunos, o que esperamos que eles aprendam e sejam: “o currículo dá forma à educação” (Sacristán, 2013, p. 9).

Entendemos, assim, que o currículo é muito mais que um documento. Há vozes e silêncios em suas entrelinhas (Santomé, 1998), ressonâncias e dissonâncias; isto é, dele ecoam concepções de mundo, sociedade, cultura, homem, conhecimento válido e educação. Esse universo em torno do qual gravita direciona as práticas dos espaços educativos; portanto, sua relevância está além do que ele é em termos linguísticos ou técnicos, notadamente está naquilo que dele é feito nos contextos de aprendizagem e nas vozes que ele permite serem ouvidas.

Todo o complexo de nuances subjacente ao currículo requer sua compreensão a partir de uma perspectiva dinâmica, sistêmica. Nesse sentido, Sacristán (2013) propõe uma concepção curricular que se inicia com um plano, um documento formal, perpassa diferentes instâncias, até as avaliações, e engloba todos os sujeitos imbricados no processo. Na tentativa de objetivar esse “sistema curricular”, estabelece os seguintes tipos de currículo: prescrito, apresentado aos professores, modelado pelos professores, em ação, realizado e avaliado (Sacristán, 2017).

Na proposta do autor, o “currículo prescrito” é considerado o primeiro nível de definição do currículo, tem relação direta com a política curricular estabelecida pelo Estado e incide taxativamente sobre as entidades federativas que compõem o País. Ante esse caráter, salienta que a regulação curricular é inerente às sociedades complexas, pois se configura como um poderoso mecanismo dos sistemas educativos a partir dos quais se influencia a cultura e a ordenação social e econômica.

A propósito do exposto, é notória a força das prescrições sobre os sistemas educativos. Todavia, nem sempre essas propostas são coerentes e bem articuladas. Vislumbramos essa situação no histórico do curso de Pedagogia no Brasil, permeado por legislações e normas confusas e difusas.

O fato é que, no Brasil, as prescrições normativas afetas à educação e aos currículos nos mais variados níveis se consolidam por meio de legislações que, muitas vezes, não provêm de profundas discussões acerca das necessidades dos contextos locais. Embora a prescrição seja necessária em nossa sociedade, como bem salientou Sacristán, ainda há de se avançar no processo democrático de diálogo com os sujeitos e as instituições sobre os quais incidem radicalmente os ditames das leis.

De toda forma, as legislações estão postas e, no nosso caso, identificamos como currículo prescrito as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia (Resolução CNE/CP nº 1/2006). Elas são o ordenamento do currículo e revelam a posição oficial que se tem sobre os objetivos e fins da Pedagogia, portanto constituem-se em parâmetros para a organização do curso nas instituições de educação superior do País.

Tendo em vista que as atuais diretrizes trouxeram no seu bojo a ampliação formativa para o percurso de graduação no curso de Pedagogia, abarcando os espaços não escolares como campo de intervenção dos egressos, identificamos os dispositivos da norma tangentes a esse mister, os quais se constituem como referências para os projetos pedagógicos das instituições de ensino:

  1. Artigo 4º: na destinação do curso - vincula-se ao exercício do magistério e à organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, em atividades de planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos, além da produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional.

  2. Artigo 5º: perfil do egresso - trabalho voltado à promoção de aprendizagens e participação da gestão de instituições.

  3. Artigos 6º e 8º: a estrutura curricular do curso - núcleo de estudos básicos, atividades complementares e estágio curricular.

Com esses trechos, entendemos que o “não escolar” figura em diferentes momentos da resolução, cujo texto associa a ENE à docência e aos processos de gestão educativa, embora ponderemos que existem outras possibilidades interventivas para o pedagogo nos diferentes espaços educativos dessa natureza.

Assim, as IES têm alguns desafios a observar a respeito dessa dimensão na consolidação dos projetos pedagógicos do curso de Pedagogia, tendo em vista a explicitação dos princípios e as concepções assumidas em relação ao pedagogo que se pretende formar. Especialmente, elas:

[...] necessitam compreender que a assimilação do não escolar recorrentemente decantados nas diretrizes curriculares nacionais do curso demandam a configuração de espaços curriculares disciplinares e não disciplinares que de fato contemplem temáticas atinentes à magnitude do mundo do trabalho, observando as dimensões locais, regionais e nacionais, procurando abarcar plenamente uma sólida formação teórica e técnico-profissional do pedagogo. (Borges, 2012, p. 138).

Caminhos metodológicos

Considerando toda a exposição teórica antecedente, as bases metodológicas do estudo se centraram na pesquisa documental (Lüdke; André, 1986; Kripka; Scheller; Bonotto, 2015). Nessa linha, foram examinados projetos pedagógicos do curso de Pedagogia ofertado presencialmente (além de informações a respeito do curso encontradas nos sítios eletrônicos das entidades) de IES do Distrito Federal, públicas e privadas, que atingiram o Conceito Preliminar de Curso (CPC) igual ou superior a três nas últimas avaliações externas do MEC (dados disponíveis no sistema e-MEC, no período da pesquisa, concluída em 2018).

Em termos quantitativos, foram identificados dez projetos pedagógicos de diferentes instituições de ensino conforme os critérios elencados. Entre as IES integrantes da pesquisa, duas são universidades, três são centros universitários e o restante, faculdades. Todos os cursos de Pedagogia em foco são reconhecidos pelo MEC, de acordo com o sistema e-MEC, portanto, as IES se encontram aptas para expedição dos diplomas para seus concluintes.

Em relação à localização geográfica, isto é, às regiões administrativas, denominação utilizada para identificar as cidades que compõem o Distrito Federal, predominam as instituições sediadas na área de Taguatinga (50%), dentre as quais estão localizadas duas faculdades, dois centros universitários e uma universidade. Logo na sequência, temos Brasília (20%), que concentra uma universidade e uma faculdade; Águas Claras (10%), com um centro universitário; Guará (10%), com uma faculdade; e Vicente Pires (10%), com uma faculdade.

Definido o escopo da pesquisa, analisamos os conteúdos da massa documental apropriada (Bardin, 2016), organizando os dados em categorias, que são “[...] o ponto crucial da análise de conteúdo” (Franco, M. L. P. B., 2008, p. 42), culminando nas seguintes: “objetivos do curso”, “perfil do egresso”, “campos de atuação” e “estrutura curricular”.

O mergulho analítico nos projetos pedagógicos

Em relação aos “objetivos do curso” de Pedagogia, identificamos que 80% das instituições se reportavam, de alguma maneira, aos ambientes não escolares, abordando a questão de maneira ampla, enfatizando competências para a atuação nesses contextos, em que pese o fato de os cursos centrarem-se na formação docente. Somente uma dessas instituições indicou possíveis áreas de inserção profissional: programas de educação continuada, de desenvolvimento organizacional e no planejamento estratégico e operacional.

O “perfil do egresso”, categoria relevante por expressar a expectativa das instituições quanto ao sujeito que se pretende formar, à semelhança do que ocorreu com os objetivos dos cursos, revelou que 90% das instituições esperavam que, ao final da graduação, os estudantes concluintes estivessem preparados para atuar profissionalmente nos cenários de ENE.

Interessante observar, dos excertos analisados quanto ao perfil do egresso, que as nomenclaturas utilizadas para se referir aos espaços educativos não escolares diferem entre as IES, todavia, indicam proximidade semântica: “espaços não escolares”; “organizações não escolares”; “outros espaços educativos e organizações”; “ambientes não escolares”; “instituições educativas não escolares”.

Nesse ponto, notamos a prevalência do termo “não escolar”. Essa constatação, a princípio textual, vem ao encontro da proposta teórica de educação não escolar que temos seguido nesta pesquisa, isto é, não centrada na abordagem clássica das três modalidades de educação (formal, não formal e informal), mas de maneira ampliada, diferenciando-a da educação escolar (Severo, 2017; Moura; Zuchetti, 2006).

Visando levantar espaços de trabalho além da escola indicados nos projetos, percebemos que as instituições, textualmente, enfatizam uma diversidade de áreas, em que pese a centralidade docente. Dessa forma, na categoria “campos de atuação”, em termos de recorrência, o primeiro lugar fica com as empresas, seguidas dos hospitais, dos órgãos públicos, das organizações não governamentais, dos grupos excluídos dos direitos sociais, dos programas educativos, da educação a distância, dos museus e da pesquisa científica; e, em menor quantidade, surgem espaços como: hotéis, editoras e organismos internacionais.

Essas indicações nos remetem a Libâneo (2011), quando diz que a atividade pedagógica fora da escola é extensa e que há uma diversidade de funções que podem ser desempenhadas pelos pedagogos. Portanto, a formação de profissionais da educação para atuar nesses contextos é uma demanda cada vez mais forte na sociedade.

Antes de adentrarmos a estrutura curricular, categoria fundamental da análise, é necessário salientar que a proposta das DCN/2006 associa a ENE à docência e aos processos de gestão precipuamente (art. 8º, inc. II). Embora essa seja uma visão reducionista da atuação do pedagogo em contextos além da escola, sopesamos que, se todas as ênfases formativas precisam estar calcadas na teoria, deveríamos esperar que os projetos pedagógicos das instituições também oferecessem sustentação teórica para a ENE, mesmo com o foco nas atividades de professor ou de gestor.

Nessa linha, quanto às disciplinas presentes no fluxo do curso, observamos que 80% das instituições pesquisadas apresentavam alguma matéria específica destinada a discutir questões ligadas à educação não escolar. Em termos numéricos, identificamos 18 disciplinas que abordavam diretamente assuntos coadunados com a ENE, além de 9 estágios supervisionados, perfazendo um total de 27 componentes curriculares.

Cabe indicar, a título de informação, as disciplinas mapeadas: Projeto 2; Educação e Trabalho; Introdução à Classe Hospitalar; Componente Curricular Interdisciplinar I - Pedagogia: constituição e campos de atuação; Orientação Prática de Gestão de Educação em Ambiente Escolar e Não Escolar; Tópicos de Atuação Profissional; Pedagogia nas Instituições Não Escolares; Educação e Saúde em Contexto Hospitalar; Competências Gerenciais; Gestão da Qualidade; Consultoria Interna de RH; Gestão de Desempenho; Educação e Trabalho; Pedagogia em Espaços Não Escolares; Educação Formal e Não Formal; Pedagogia Hospitalar; e Pedagogia Social.

Especificamente, três instituições apresentaram disciplina com a nomenclatura “Pedagogia nos espaços não escolares”. Acreditamos ser um avanço, pois denota a preocupação de estabelecer caminhos de reflexão, mesmo que introdutórios, para uma dimensão formativa ainda em processo de consolidação, considerando-se, também, não ser essa a centralidade do curso.

No que tange aos estágios supervisionados, constatamos que o percentual de adesão explícita à ENE foi de 80%, isto é, oito entre as dez IES registram, nos estágios, a possibilidade de atuação dos alunos em contextos além da escola, geralmente, no final do percurso acadêmico. A maioria das instituições registra, também, a possibilidade de as temáticas afetas aos espaços não escolares figurarem como objeto de pesquisa nos trabalhos de conclusão de curso desenvolvidos pelos estudantes.

Além dessas questões, reputamos pertinente aduzir nas nossas discussões os referenciais bibliográficos aludidos pelas IES no que tange à ENE, pois poderiam nos mostrar indícios das bases teóricas referendadas pelas instituições nessa área. Recorrendo às ementas das disciplinas, notamos a predominância de alguns temas nas obras indicadas em termos de ocorrência: “pedagogia empresarial” (8), “pedagogia” (6), “educação não formal” (4), “gestão de pessoas” (2), “formação e atuação profissional” (1) e “pedagogia e ambientes não escolares” (1).

Inferimos, desses dados, que, no direcionamento teórico-conceitual da atuação dos pedagogos em ambientes extrínsecos à escola, as empresas têm maior evidência que outros espaços, sendo que elas são apenas um dos campos plausíveis de intervenção profissional. Entendemos que a ENE não deve estar subsumida na chamada “pedagogia empresarial”, pelo contrário. Sopesamos que um dos motivos dessa prevalência seja a quantidade exígua de estudos científicos na área de educação que discutam a questão em outros âmbitos.

Nessa esteira, identificamos a parcial desconexão entre a ênfase formativa e os materiais bibliográficos de sustentação. Por exemplo, embora determinada instituição associe a ENE à gestão, não localizamos referências que versassem sobre a gestão educativa em contextos não escolares ou sobre a atuação do pedagogo na gestão educativa dessas organizações, o que igualmente ocorre quando a ENE é vinculada à docência.

Em relação às disciplinas específicas de ENE identificadas, observamos que, no caso de duas instituições, essa presença disciplinar parece derivar, tão somente, da prescrição das diretrizes e do reconhecimento do mercado de trabalho aberto ao pedagogo, pois, em que pesem as transcrições literais da norma ou outras citações no corpo dos documentos, não há articulações internas que materializem a questão, visto que privilegiam o magistério escolar.

Notamos, assim, que a materialização dos espaços de ENE nos currículos está concentrada em disciplinas determinadas, portanto, não há um trajeto de consolidação de conhecimentos a esse respeito ao longo do curso como há no caso da docência. Ainda que o trabalho do pedagogo em contextos de ENE se restringisse à docência ou à gestão, por exemplo, o estudante não encontraria nas disciplinas da formação inicial aportes específicos de base para o magistério ou atividades de gestão nos ambientes não escolares, pois a reflexão se centra na escolarização oficial.

Considerações finais

Nossa intenção, com este estudo, foi examinar como a educação não escolar era abordada nos projetos curriculares dos cursos de Pedagogia. Percebemos que as instituições de ensino mencionam a dimensão não escolar na formação do pedagogo em diferentes aspectos da proposta pedagógica, conforme análise das categorias elencadas, conduzindo-nos a concluir que há espaço para essa vertente formativa nos planos curriculares.

Na trajetória imersiva, constatamos que a maioria dessas instituições registra pelo menos uma disciplina que tangencia teoricamente a educação não escolar, em particular, quanto às temáticas: pedagogia hospitalar, gestão, pedagogia nos espaços não escolares, educação não formal. Nesse bojo de componentes curriculares, destacam-se, ainda, os estágios supervisionados direcionados à vivência do aluno em ambientes educativos não escolares.

Não obstante considerarmos relevantes esses aportes curriculares no curso, é nítida a desconexão entre a abordagem do contexto escolar, centralidade da formação, e a do não escolar; isto é, não há diálogo explícito entre os diferentes tipos de educação que nos conduza a compreender as possíveis inter-relações e as particularidades de cada um deles.

Além disso, a abordagem da ENE não parece fazer parte do projeto maior de formação, pois os componentes curriculares existentes tendem a se localizar no final do percurso acadêmico. Acrescido a isso, os projetos pedagógicos não articulam a perspectiva conceitual da dimensão ao longo da formação proposta, mas em momentos pontuais e com restrito acervo bibliográfico.

Importante lacuna a ressaltar é o fato de que nenhuma IES se dedicou a explicitar nos projetos pedagógicos preceitos de fundamentação sobre a ENE, o que ela representa e significa no seio da Pedagogia, levando-nos a inferir que há falta de entendimento quanto aos princípios dessa dimensão.

Embora a base da formação do pedagogo seja a docência, isto é, o pilar que sustenta a concepção do curso, ela não consubstancia a totalidade da trilha formativa (Borges, 2012). Há outras linhas de trabalho possíveis e desejáveis, como é o caso da dimensão não escolar. Todavia, nenhuma delas pode prescindir da referência escolar, que é primordial para a formação do estudante, independentemente do cenário de atuação profissional, como reforça Saviani (2012). Inclusive, sem a centralidade na docência e na escola, corremos sérios riscos de esvaziar o processo formativo dos pedagogos e, ainda, contribuir para o seu desemprego (Borges, 2012).

Nessa esteira, entendemos que a educação não escolar carece de espaço no curso de Pedagogia. Ainda é necessário avançar no sentido de uma formação inicial mais abrangente do ponto de vista da essência da Pedagogia como ciência da educação, embora saibamos das limitações geradas pelas próprias diretrizes do curso, que impõem um arsenal significativo de saberes para uma formação complexa, multidimensional, que precisa dar conta de aspectos muito distintos.

Das análises, resta evidente que a ENE é uma abordagem ainda em processo de consolidação no seio das reflexões da Pedagogia. Não há um corpo robusto de produções científicas que concatenem os saberes e fazeres próprios desses espaços e auxiliem a edificar caminhos para a atuação do pedagogo contextualizados com as realidades particulares dos variados espaços de ENE.

Compreendemos, com Borges (2012), que são necessários espaços no currículo, disciplinares e não disciplinares, que abordem as temáticas do mundo do trabalho, em atenção às realidades locais, regionais e nacionais, de maneira a se fomentar uma formação consistente para o pedagogo do ponto de vista teórico e técnico-profissional. Ou seja, reivindicamos que a temática da educação não escolar figure, realmente, entre as discussões e práticas propostas no interior dos currículos do curso de Pedagogia como vertente integrada e não isolada.

Por fim, ao desenvolver este estudo, vislumbramos que a formação inicial proposta no curso de Pedagogia, para buscar aproximações com as demandas contemporâneas que eclodem nos diferentes espaços sociais, precisa manter aceso o movimento interno de discussão acerca da essência de sua natureza epistemológica e da identidade do profissional pedagogo.

A única certeza que temos é que não há barreiras para a educação. O educativo está em todos os lados, em todos os territórios reais e virtuais. E, a nosso ver, a Pedagogia deve se manter conectada com as transformações do nosso tempo e do vindouro.

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Recebido: 03 de Agosto de 2020; Aceito: 07 de Junho de 2021

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