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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versión impresa ISSN 0034-7183versión On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.102 no.262 Brasília set./dic. 2021

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102i262.4175 

ESTUDOS

O sentido do brincar e do jogar na infância como fundamentos para a construção da democracia social

The sense of playing and playing as a team in childhood as foundations for the construction of social democracy

El significado del jugar y el juego en la niñez como base para la construcción de la socialdemocracia

Carmem Lúcia Albrecht da SilveiraI  II 
http://orcid.org/0000-0002-9411-8709

Munir José LauerIII  IV 
http://orcid.org/0000-0003-2561-786X

Rosimar Serena Siqueira EsquinsaniV  VI 
http://orcid.org/0000-0002-6918-2899

IUniversidade de Passo Fundo (UPF). Carazinho, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <carmem.albrecht@hotmail.com>.

IIMestra em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil.

IIIUniversidade de Passo Fundo (UPF). Pontão, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <munirjlauer@gmail.com>.

IVDoutor em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil.

VUniversidade de Passo Fundo (UPF). Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <rosimaresquinsani@upf.br>.

VIDoutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.


Resumo:

O artigo tem por objetivo discutir o sentido do brincar e do jogar, no período de desenvolvimento da infância do ser humano, como elementos fundamentais da educação cidadã democrática. A investigação realiza uma revisão qualitativa da contribuição bibliográfica e teórica de Mead (2010), Casagrande (2014), Kishimoto (2011) e Maturana (1994) sobre o tema. Inicialmente, aborda o processo de desenvolvimento da autoconsciência na criança, considerando o brincar e o jogar como condições sociais interativas necessárias para tal fim. Em seguida, aborda a questão da democracia como obra de arte, produzida diariamente pelo conviver fraterno, e enfatiza o brincar e o jogar como seus fundamentos, pois tais atividades auxiliam na construção do eu democrático. A convivência democrática é fundamentalmente educativa, ao ensinar as crianças pela compreensão, pelo diálogo, pela tomada de consciência, pela correção do erro como elemento construtivo e inerente à aprendizagem.

Palavras-chave: brincar e jogar; democracia; educação cidadã; infância

Abstract:

The aim of this article was to discuss the elementary sense of playing and playing as a team, in the period of human development in childhood, as fundamental elements to democratic citizen education. The study in question is justified because it leads to the understanding of playing as elementary foundations for democratic citizen formation. The investigation takes the qualitative path of the bibliographical and theoretical review, of the authors Mead (2010), Casagrande (2014), Kishimoto (2011) and Maturana (1994), which is intended to the robustness of the discussion of the subject in question. Initially, it addresses the process of development of the child's self-awareness, having in playing and playing as a team the necessary interactive social conditions, the consolidation of the genesis and the structuring of the individual's self (himself). Subsequently, it addresses the issue of democracy as a piece of art, as it is produced daily by fraternal coexistence. It emphasizes playing and playing as a team as essential foundations of democracy. Such activities help in the mechanism of identity construction of the democratic self. Democratic coexistence is constituted by being fundamentally educational, educating children through understanding, dialogue, agreements, awareness, correcting error as something constructive and learning.

Keywords: childhood and play; citizen education; democracy

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo discutir el significado del jugar y del juego, en el período de desarrollo de la niñez humana, como elementos fundamentales de la educación ciudadana democrática. La investigación realiza una revisión cualitativa del aporte bibliográfico y teórico de Mead (2010), Casagrande (2014), Kishimoto (2011) y Maturana (1994) sobre el tema. Inicialmente, aborda el proceso de desarrollo de la autoconciencia en los niños, considerando el juego y el jugar como condiciones sociales interactivas necesarias para tal fin. Luego, aborda el tema de la democracia como obra de arte, producida cotidianamente por la convivencia fraterna, y enfatiza el jugar y el juego como sus fundamentos, ya que tales actividades ayudan en la construcción del yo democrático. La convivencia democrática es fundamentalmente educativa, puesto que enseña a los niños por medio de la comprensión, del diálogo, de la conciencia y de la corrección del error como elemento constructivo e inherente al aprendizaje.

Palabras clave: democracia; educación ciudadana; niñez y jugar

Introdução

O estudo se propõe a compreender o brincar e o jogar1 como fundamentos elementares da formação cidadã democrática. Visando à discussão do tema, a democracia aqui é pensada não só para a atuação do cidadão inserido socialmente nos sistemas políticos de governo, mas, prioritariamente, para um estilo ou uma forma de vida, algo a ser vivenciado no cotidiano das ações, das interações e das inserções dos indivíduos. Democracia não distante do para si mesmo, do “eu” e das relações entre si e o outro. A democracia, como ideal, tem inerente os princípios de conhecimento do self (si mesmo) e se baseia na ideia de que o indivíduo somente existe (enquanto ser social) se o seu si mesmo ou seu eu interior for “construído/elaborado” na relação com o outro (diferente de si) e em comunidade (com suas contradições, também pautadas pelas relações inerentes à educação escolar).

A identidade do eu democrático constitui-se pelo processo formativo, o qual requer aprimoramento desde a infância (quando criança), tanto na relação familiar como nas relações escolares. Para isso, alguns elementos são fundamentais: a presença do outro, a estimulação e a interação social. Nada mais favorável para fomentar o processo formativo dos princípios democráticos do que o brincar e o jogar, cada qual com suas particularidades, ao representarem a internalização dos papéis sociais. No brincar ocorrem os processos simbólicos e evolutivos, com início nas posturas egocêntricas, que avançam para situações mais elaboradas de convívio social do sujeito. Ou, por intermédio de ações táticas (de tomada de decisões) no jogo, que oferecem à criança a possiblidade de agir com o outro (em princípios de cooperação) e contra o outro (em respeito à postura e às ações adversárias).

Com esse propósito de discussão, a estrutura do texto está delimitada por momentos distintos. A primeira seção aborda o processo de desenvolvimento da autoconsciência da criança, com base nas ideias de Mead (2010) e de Casagrande (2014). A segunda seção apresenta o brincar e o jogar como condições sociais interativas necessárias à gênese e à estruturação do self (si mesmo). Posteriormente, com apoio em Maturana (1994), o texto aborda a infância do ser humano como o período fundamental de formação da democracia. O viver democrático é uma “obra de arte”. A convivência democrática não tem a ver com a eficiência, com a perfeição, mas com o desejo de conviver pela fraternidade.

A gênese e a estruturação do self do ser humano

Para compreender o conceito de self e sua relação com o brincar e o jogar, torna-se necessário recorrer ao pensamento de Mead (2010). Conforme Casagrande (2014), o conceito de self é central na obra de Mead e consiste em um olhar multidisciplinar sobre a realidade do ser humano, associado à psicologia social, à ciência e à política. Seguindo Casagrande (2014), o enfoque de Mead quanto ao significado da gênese e da estruturação do self o compreende como a procura pelas condições de viabilidade emergente da identidade pessoal enquanto forma de consciência de si mesmo.

O conceito de self, na teoria psicossocial de Mead (2010), apresenta correlação com o conceito de “eu” originário, da época do romantismo filosófico.2 Um dos requisitos prévios para a gênese do self está na consistência do desenvolvimento da competência de o sujeito perceber a si mesmo como um objeto num contexto de interações e transformações. A atividade de se converter em objeto para si mesmo não ocorre mediante a direção solipsista (nada existe fora do pensamento individual), mas por intermédio de ações interativas e simbólicas (Casagrande, 2014). Assim, torna-se possível definir a gênese do self como essencialmente social.

A consciência e a consciência de si mesmo (self), para Mead (2010), são aspectos distintos na experiência humana. Isso significa que a consciência e a consciência de si somente adquirem reconhecimento nas ações e nas relações no transcorrer da vida. A consciência não é algo isolado ou independente, mas traduzida pela decorrência de processos vitais de interação, da relação do indivíduo com outros organismos sensíveis e com o próprio contexto em que ele está inserido. A consciência encontra-se firmada e manifesta-se na eficiência para selecionar respostas ou reações ao contexto do ambiente. Reafirma-se com isso que, para Mead (2010), é somente no contexto social que o sujeito tem a possibilidade de desenvolver a consciência de si mesmo, ou seja, numa interpretação essencialmente cognitivo-interativa, considerados os processos de internalização e dramatização simbólica dos papéis relevantes do círculo social do sujeito (Casagrande, 2014).

A consciência alcança a consciência de si mediante a ação social. Diz respeito ao processo fundamentado na ação comunicativa do eu e na reação permissiva do outro. O aspecto central se situa na estimulação social, que, ativada pela interação simbólica e conciliada pela linguagem, provoca a demanda por respostas tanto de si como do outro (Casagrande, 2014). De acordo com Mead (2010), a gênese do si mesmo se desenvolve no interior da sociedade, mediante a inclusão do sujeito nos mecanismos de comunicação e internalização das bases simbólicas atuantes na linguagem. Logo, a mediação pela linguagem tem a função de intervir na emergência do self, ou seja, da mente e da consciência de si, representadas pela locução na prática comunicativa e pela mediação linguística no processo de internalização do comportamento do outro (Casagrande, 2014). A conduta social humana oportuniza os sistemas de individuação e socialização e serve às bases do self para a efetivação da consciência de si.

De acordo com Casagrande (2014), o vínculo entre a sociedade e o indivíduo ocorre pela atuação do ser humano nas atividades sociais, as quais requerem interação, comunicação simbólica e compartilhamento de experiências. Desse modo, a participação social e a adoção da atitude do outro são preponderantes para a gênese do si mesmo. Quando o sujeito acolhe a atitude ou a ação dos demais integrantes do grupo social, necessariamente, compartilha de maneira integral das experiências desse coletivo e passa a legitimar os comportamentos por meio do respeito à concepção e ao espaço do outro. O ato/ação, para ser dimensionado/a como social, necessita ser direcionado/a ao outro, de forma a ocasionar a interação e a cooperação entre os indivíduos.

O ser humano desenvolve individualmente a identidade de si mesmo mediante os mecanismos de criação e recriação, ao ritmo das interações sociais que mantém, por ações cooperativas e por comportamentos linguísticos no meio comunitário. O desenvolvimento de si mesmo torna-se inerente à internalização das atitudes e das funções sociais do outro, diante do vínculo e do compartilhamento da vida social e simbólica da comunidade a que pertence. De acordo com Mead (2010, p. 185),

Esa incorporación de las actividades amplias de cualquier todo social dado, o sociedad organizada, al campo experiencial de cualquiera de los individuos involucrado o incluidos en ese todo, en otras palabras, la base esencial y prerrequisito para el pleno desarrollo de la persona de ese individuo; sólo en la medida en que adopte las actitudes del grupo social organizado al cual pertenece, hacia la actividad social organizada, cooperativa, o hacia la serie de actividades en la cual ese grupo está ocupado, sólo en esa medida desarrollará una persona completa o poseerá la clase de persona completa que ha desarrollado. Y, por otra parte, los complejos procesos y actividades cooperativos y funciones institucionales de la sociedad humana organizada son, también, posibles sólo en la medida en que cada uno de los individuos involucrados en ellos o pertenecientes a esa sociedad puedan adoptar las actitudes generales de todos esos otros individuos con referencia a esos procesos y actividades y funciones institucionales y al todo social de relaciones e interacciones experienciales de eso modo constituidas - y pueden dirigir su conducta de acuerdo con ello.

O ser humano reage à manifestação gestual do outro pelo processo de comunicação simbólica. Essa reação ao outro facilita a internalização da atitude ou do papel social deste. Somado a tal processo de comunicação, Mead (2010) compreende o brincar e o jogar como correspondentes às fases do processo de gênese do self. O brincar e o jogar antecedem a estruturação da percepção da existência do outro, consistindo num contexto planejado de vivência coletiva, de cooperação e de interlocução da sociedade (Casagrande, 2014), como numa configuração universalizada do desejo coletivo de comunidade, o qual intervém na internalização de comportamentos por parte do indivíduo e provoca o alargamento de seu self.

O brincar e o jogar no processo de construção do self do indivíduo

A criança brinca com o jogo? A criança joga com o brinquedo para brincar e interagir com o outro? O brinquedo do jogo é uma brincadeira? Afinal, quais os sentidos do brinquedo, da brincadeira ou do jogar na convivência da criança?

Quando a criança brinca, ela se distancia do real pela imaginação. Utiliza o brinquedo como suporte para a brincadeira e, na brincadeira, se faz valer das ações que organizam o brincar. “O brinquedo supõe uma relação íntima com a criança e uma indeterminação quanto ao uso, ou seja, a ausência de um sistema de regras que organizam sua utilização”, conforme Kishimoto (2011, p. 20). O brinquedo simboliza situações reais e coloca a reprodução como oportunidade para a criança recriar o que existe no cotidiano, de forma a propor o imaginário. Além disso, para Bomtempo (2011, p. 76-77), o brincar da criança “tenta resolver problemas do passado, ao mesmo tempo que se projeta para o futuro”. A criança se utiliza dos brinquedos e das brincadeiras para estabelecer o contato com o mundo dos adultos, faz do cabo de vassoura a montaria do cavalo.

Ao jogar, a criança se vale de uma ação lúdica, estruturada para o próprio objeto em jogo (dominó, trilha, xadrez). Todo jogo, ao ser jogado, requer regras explícitas e implícitas, bem como um espaço/tempo definido. A ação voluntária da criança, ao jogar, não busca um fim em si mesmo, pois seu valor está no processo do brincar da criança. Para Kishimoto (2011, p. 18-19), o jogo pode ser identificado como “resultado de um sistema linguístico que funciona dentro de um contexto social”, presente nas relações familiares, bem como nas atividades da escola e, com maior ênfase, na etapa da educação infantil3. Cada contexto social elabora e dá sentido aos formatos do jogo, no qual “um sistema de regras” caracteriza a estrutura das regras específicas de cada modalidade e no qual o “objeto” materializa o instrumento do jogo, que pode ser confeccionado com diversos materiais.

O brincar na infância “é uma atividade realizada como plenamente válida em si mesma” (sem intencionalidade e propositividade), e a brincadeira, por sua vez, se distingue por ser “qualquer atividade vivida no presente de sua realização e desempenhada de modo emocional, sem nenhum propósito que lhe seja exterior”, conforme Verden-Zoller (2015, p. 144). O brincar caracteriza-se por ações elementares nesse período do desenvolvimento humano, que tornam possível o surgimento da noção de si mesmo, enquanto eu, na expansão dos comportamentos sociais e na adaptação das atividades substanciais do grupo social.

As ações que envolvem o brincar podem ser consideradas como nucleares à estruturação da autoconsciência e da identidade particular, agregando influências marcantes para toda a vida. No espaço/tempo do brincar, a criança legitima distintos papéis, sequenciados um após o outro, seja de pessoas, de animais ou de objetos (Casagrande, 2014). A experimentação de vários papéis fomenta a superação de obstáculos do próprio corpo, voltados para as ações sociais, nas quais as atitudes egocêntricas começam a sofrer uma ruptura direcionada à noção da presença de um outro e, consequentemente, de um nós.

Conforme Casagrande (2014), o brincar precede os jogos organizados e consiste em brincar “sobre alguma coisa”. O brincar livre, aparentemente não regrado e de espaço e tempo provisórios, promove a organização e a sustentação do diálogo interior. Ao mencionar algo, apropriando-se de um personagem, e ao manter esse processo, respondendo por meio de outro personagem, a criança avoluma a estrutura ordenada dos papéis sociais, por tempo ilimitado, de maneira livre e enquanto lhe der prazer. Segundo o autor, o período do brincar como condição de jogar com os papéis sociais, acessíveis e familiares, encarrega-se pelas primeiras experiências da criança para “sair de si mesmo” e assenhorar-se da imagem do outro.

Para Casagrande (2014), o jogo, basicamente, diz respeito às atividades com regras que acolhem a participação do outro, mas que podem ter mais de um jogador. Normalmente, esse gênero de atividades contempla os esportes coletivos,4 em que uma equipe atua com outra equipe. No ato de jogar, cada sujeito torna-se responsável pela capacidade de executar com êxito seu papel. Segundo o autor, o efeito do êxito ou da vitória de uma equipe sobre outra vincula-se à competência e à coordenação dos componentes, da apreciação das regras do jogo e da conexão dos papéis de cada indivíduo jogador.

A criança, ao se integrar no jogo coletivo, desenvolve a organização do próprio comportamento, adequando seu comportamento ao dos outros jogadores, de maneira que a atividade possa se efetivar paulatinamente. O indivíduo, enquanto jogador, assume seu papel no jogo e, concomitantemente, possui a capacidade de modificação ou de troca de papéis de maneira que, durante a realização do jogo, haja a possibilidade de antecipação dos movimentos e das ações dos companheiros de equipe e, também, dos adversários. Isso ocorre mediante a internalização das expectativas de ação, da organização e da generalização dessas expectativas, até o ponto em que possa haver intervenções no andamento do jogo (Casagrande, 2014). A oportunidade de experimentar distintos papéis, de maneira organizada, fundamenta a elaboração da consciência de si, como consequência para a formação da identidade pessoal.

O jogar em equipe, como sugere Casagrande (2014), desencadeia um extenso progresso em relação ao brincar individual, o qual amplia os limites de participação, de cooperação social e do descentramento de si mesmo. Representa, ainda, um cenário propício ao desenvolvimento da consciência de si, pois trabalha com a responsabilidade dos papéis sociais, com a experiência das regras estabelecidas na sociedade e com o necessário controle do comportamento pessoal, vinculado ao logro de uma atividade na qual ocorra a cooperação e a participação de si próprio e do outro. O jogo5 se constitui, assim, numa situação favorável à elaboração e à organização da personalidade e da convivência democrática.

Conforme a criança vai assimilando a atitude do outro, permite que a atitude do outro determine o que ela fará, visando a um objetivo comum e se convertendo em membro orgânico da sociedade. Ao incorporar a moral dessa sociedade, consequentemente, tornar-se-á um membro dela, permitindo a atitude do outro em si (Mead, 2010). A experiência regrada do jogo supõe certa continuidade na vida social da criança. A importância dele reside justamente na experiência da criança, em paralelo com a forma de educação moderna. O que ocorre no jogo tende a continuar ocorrendo na vivência da criança. Ela adota continuamente as atitudes dos que a cercam, especificamente dos papéis que, de algum modo, a dominam e causam dependência.

A moral dos jogos se apodera com maior força das crianças em relação à moral da comunidade e da própria família. Ao ingressar nos jogos coletivos (que expressam uma situação social), a criança poderá intervir por completo. Há uma gama de organizações sociais, algumas de contextos duradouros, outras temporárias, em que a criança se introduz e realiza seu jogo, conforme seu agrado. O jogo se transforma em espaço/tempo de relações sociais, com graus de funcionamento organizado e diferenciado, determinando a expectativa da relação com a especificidade do grupo ao qual o indivíduo está vinculado (Mead, 2010). Esse processo estabelece uma notável etapa do desenvolvimento moral da criança, tornando-a partícipe consciente de si e da comunidade a que pertence.

Para a realização do jogo, são organizados acordos de ação entre os envolvidos, os quais permeiam o contexto das reações dos jogadores. Com isso, ocorre no jogo a entrada do outro aceito no processo. Esse outro não representa um novo sujeito, mas assinala a composição de atitudes e de execuções supraindividuais, que abrangem a totalidade dos integrantes no mesmo processo. Mead (2010) denomina o outro generalizado6 a assimilação (interna) da imagem desse outro concebido por intermédio do processo de universalização (Casagrande, 2014). No entanto, Mead (2010) destaca que a tomada das perspectivas globais da comunidade, ou seja, do outro generalizado, se desenvolve por meio do processo de interiorização, o que implica uma performance formativa das instâncias reguladoras da conduta na sociedade, deslocando-se do exterior (da sociedade) para o intrínseco do sujeito.

Ao assimilar internamente a concepção do outro generalizado, segundo Casagrande (2014), o indivíduo está empoderado para efetivar e avançar no pensamento abstrato e na formação das bases da personalidade, bem como na internalização da percepção simbólica do outro generalizado, ou na apropriação do comportamento do núcleo social ao qual ele pertence, o que condiz com o pré-requisito para a obtenção da identidade pessoal. A importância da participação e da colaboração no grupo social revela a necessidade do processo civilizatório para a concretização da individuação. Entretanto, importa considerar o controle, através dos valores sociais e dos regramentos, que a sociedade opera sobre seus membros (Casagrande, 2014). Para o indivíduo, não basta apenas situar-se num território geográfico estipulado, mas compartilhar as vivências como membro de um grupo, que introjeta em si os valores, as crenças e os propósitos específicos da comunidade em que vive.

As relações de convivência na infância como fundamentos para a democracia social

A democracia surge como criação humana em meio aos valores culturais da sociedade patriarcal7 (os temas da família são propriedade do patriarca), que se caracteriza por estar centrada na luta/guerra, na hierarquia, na autoridade, na competição, no controle, no poder, na procriação, na sexualidade e em que a mulher depende do homem; quando surge a apropriação, a exploração, a exclusão, a dominação, a submissão, entre outros valores, conforme Maturana (1994). Para o autor, a relação patriarcal instrumentaliza a criança para servir de dispositivo do sistema econômico e político, atendendo àquilo que os organismos internacionais recomendam que deva ser a educação, pois é o “crescimento [...] a justificação racional do controle e da dominação dos outros por meio da apropriação da verdade” (Maturana, 2015, p. 37), que assinala a evolução social e produtiva do mundo globalizado.

A convivência democrática incomoda e é ineficiente para o sistema produtivo como consequência da morosidade das decisões, de forma que estas não são tomadas rapidamente, atendendo aos requisitos das orientações da flexibilização. Na democracia, todos têm direito/dever de participação, de intervenção pelo diálogo, de respeito ao indivíduo e onde ninguém pode subordinar-se à autoridade impositiva do outro. Portanto, não é a lógica da razão que leva à democracia, mas o desejo da convivência social democrática.

A condição do ser humano distingue-se da condição dos demais seres vivos pela relação que os indivíduos estabelecem uns com os outros através da linguagem, chegando a usufruir profundamente do fluir da palavra. A linguagem permite o conhecer, o falar, e organiza a convivência pela comunicação, ou seja, “el lenguaje es un modo de convivir en coordinación de conductas, pero no meras coordinaciones de conductas sino en coordinación de coordinaciones de conductas”, conforme Maturana (1994, p. 10). Por sua vez, a linguagem como elemento de coordenação do comportamento na relação do si mesmo com o outro está amplamente presente no brincar e no jogar infantil, nos quais se criam espaços de aprendizagem e se constitui o fundamento do self, facilitado pela relação com o outro. Para Maturana (1994, p. 14), a linguagem essencial à democracia contribui para a atividade em rede na relação com o outro, pois a convivência humana ocorre em redes de comunicação associadas “a ningún modo particular de interacción, que bien puede ser el habla o los gestos”.

Entretanto, como é possível estabelecer uma convivência baseada na linguagem do respeito mútuo, na colaboração e na igualdade, se a cultura social patriarcal está centrada na guerra e na negação? - questiona Maturana (1994). O autor acredita que existe essa possibilidade ao considerar que “hemos tenido una infancia matrística,8 porque aprendimos el respeto mutuo en la relación materno infantil y en la relación de los niños pequeños en el ámbito de la infancia” (Maturana, 1994, p. 27). Na relação “materno infantil”, torna-se possível aprender a respeitar, aprender a colaborar, a participar, a conversar e a resolver as diferenças pela negociação mútua, além de aprender o sentido do tornar provável a democracia pela emoção do convívio. A relação matrística se estabelece pelo jogo da conexão maternal da mãe com seus rebentos. A emoção pela ação em tornar possível as relações do conviver democrático desenvolve-se desde a infância, ou seja, aprende-se na infância. A humanidade segue, historicamente, o percurso da formação que as crianças recebem, isto é, os adultos de hoje conservam os costumes, as maneiras e as estratégias do que viveram na sua infância.

O conviver democrático é uma “obra de arte”, segundo Maturana (1994). O viver não tem a ver com a eficiência, com a perfeição, mas tem a ver com o desejo de conviver em fraternidade, de viver o projeto comum da democracia, configurado momento a momento pela convivência recíproca do diálogo. Diferentemente da democracia representativa definida por dinâmicas tirânicas, empunhada pela bandeira do poder e da dominação antidemocrática, o conviver democrático, que supõe a democracia como obra de arte, caracteriza-se pelo “conversar, del equivocarse y del ser capaz de reflexionar sobre lo que se ha hecho de modo que se pueda corrigir” (Maturana, 1994, p. 31). Para tanto, o projeto de convivência democrática constitui-se por ser fundamentalmente educativo, por educar a criança pela compreensão, pelo diálogo, pelos acordos, pelo tomar consciência, pelo corrigir o erro, como algo construtivo e de aprendizagem.

Dessa forma, o jogar e o brincar se constituem espaços/tempos fundamentais de desenvolvimento do self e de elaboração (construção) da convivência democrática com o outro. A educação escolar, em que o outro está sempre presente na sua diversidade e singularidade, tem relação direta com a democracia mediante a formação humana, na qual o sentido elementar do brincar e do jogar representa os recursos fundamentais de interação da criança. No brincar e no jogar, a criança acondiciona suas próprias (rel)ações ao outro, estabelece os vínculos pelo respeito à presença de mais alguém e pelo respeito aos desejos desse alguém.

O ser humano identifica-se como tal por seu modo de vida, não apenas por sua corporeidade. Etimologicamente, a palavra corporeidade9 é a tradução literal do termo latino corporalitas, que, por sua vez, deriva de corpus - oris (Santin, 2014). Ela depende do modo de vida que cada ser humano leva, ou seja, a corporeidade do ser humano tem relação dinâmica com seu modo de viver. A criança cresce e se transforma segundo a vivência que tem, porém transforma sua corporeidade não só por crescer e se desenvolver, mas se transforma de maneira contingente e circunstanciada pela vida que leva. Para Maturana (1994, p. 44), em “sentido estricto somos lo que somos gracias al aprendizaje de los niños”, pois, enquanto os valores dos sistemas de relação de vida se conservam, geram espaços e formas para que esses valores se perpetuem.

A democracia repercute como uma ameaça ao patriarcado, em razão de a expansão das conversações matrísticas colocarem em risco e negarem a ordem das dinâmicas patriarcais. A democracia surge pela luta de ampliação da cidadania e pela participação como modo de vida dos seres humanos. Mas o que é a democracia? Segundo Maturana (1994), sem considerar as origens da democracia, o que se pode compreender é que ela é um modo de convivência entre iguais, entre seres que se respeitam, que têm direito de opinar e de participar das decisões que lhes dizem respeito.

No entanto, o que é, de fato, necessário para que possa ocorrer uma convivência democrática? “Tenemos que ser capaces de vivir en la colaboración, tenemos que ser padres capaces de hacer de ese espacio de convivencia, que es la familia, un ámbito social” (Maturana, 1994, p. 51). Para isso, há de se respeitar e ser capaz de ir ao encontro do outro - como ser legítimo -, convivendo como se fosse um. Há de se respeitar a si mesmo. O respeito pelo outro passa pelo respeito por si mesmo, ou, de outra forma, o respeito por si mesmo passa pelo respeito pelo outro. Para que isso ocorra, a criança necessita crescer de tal maneira que adquira essa consciência de si e do outro; do outro, que pode legitimar a relação social democrática, na qual o jogar e o brincar desempenham fundamental importância.

Outrossim, Maturana (1994) acredita que a relação, ou o jogo, “materno infantil” permite aos bebês e às crianças adquirirem a consciência corporal e a consciência de si concomitante à consciência da corporeidade do outro, bem como da consciência e da legitimidade do outro. O jogo “materno infantil” é uma relação de proximidade, de atenção e de aceitação corporal (sem exigências de permuta), em total aceitação da legitimidade do outro. É uma relação unívoca entre a criança e o adulto, que representa o fundamento para o desenvolvimento da consciência social. Para Maturana (1994, p. 56), a concretização da convivência democrática requer que

[...] tenemos que asumir que la democracia se funda en el respeto por el otro y que el respeto se aprende en la relación materno infantil y se puede conservar si uno es cuidadoso en el desenvolvimiento de los niños, de modo que lleguen a ser adultos capaces de consciencia social.

Maturana (1994, p. 66) reafirma ser a democracia um modo de vida, uma “expansión de la relación de mutuo respeto, de confianza, de colaboración, que se vive desde la infancia, que se prolonga hasta la adultez.” Segundo ele, a infância pode contribuir para a construção da democracia na medida em que as crianças crescem como seres que conservam o respeito por si mesmos e o respeito pelo outro. O autor enfatiza que a relação “materno infantil” tem a função de fazer surgir a consciência social das crianças e que, por isso, precisa ser incentivada. Segundo Maturana e Verden-Zoller (2015, p. 11-12), a criança “cria seu espaço psíquico como seu espaço relacional, ao viver na intimidade e no contato com a mãe”. Isso quer dizer que a convivência íntima da mãe com o filho encarrega-se de gerar na criança a confiança e a aceitação de si com o outro, ou seja, fica reconhecido o fundamento da relação de cuidado materno infantil como base para a formação da democracia. Na compreensão de Maturana e Verden-Zoller (2015, p. 16), a relação “materno-infantil tem de ser vivida no brincar (a mãe humana encontra o bebê no brincar), numa intimidade corporal baseada na total confiança e aceitação mútua e não no controle e na exigência”. A confiança e a aceitação são qualidades imprescindíveis para a construção do conviver saudável das relações grupais, desde a infância até a fase adulta do indivíduo.

A democracia é uma obra de arte, elaborada por um conviver no movimento do cotidiano e que, ao mesmo tempo em que se opõe, nega o próprio Estado, ao romper com os sistemas de hierarquia. A democracia se fundamenta na honestidade e no respeito, contradizendo as relações de manipulação e de mentira. Maturana (1994, p. 80) enfatiza que “no hay que ser perfecto para esto, pues no se trata de perfección. La democracia no es un sistema perfecto ni quizá el mejor”. O melhor sistema de convivência depende daquilo que possa estar identificado pelos interesses comuns dos indivíduos, como sendo o melhor. O querer viver a democracia corresponde ao recuperar a dignidade, o autorrespeito e o respeito pelo outro no espaço/tempo da vida humana, valores esses iniciados no contato da relação materna e que se alongam nas estratégias contextuais do que convém no brincar e no jogar infantil.

No entanto, o desenvolvimento da consciência humana na infância, consideradas as transformações sociais que ora ocorrem, vem sofrendo distorções preocupantes ocasionadas pelo meio de vida ruidoso, rápido e desvitalizado que foi sendo instalado pela civilização moderna, conforme denuncia Verden-Zoller (2015). O ambiente de liberdade e de paz, indispensável para que a criança se desenvolva, cede espaço à sobrecarga de informações. Tal situação revoga o conviver pelo autorrespeito e pelo respeito ao outro, além das distorções estética e emocional que compõem o quadro da vida moderna, trazendo implicações severas para o desenvolvimento do self infantil. A formação da consciência da criança pode ser afetada pelo barulho, pela agitação e pela monotonia da civilização, que subtraem e/ou distorcem a intimidade da relação materno-infantil da convivência (Verden-Zoller, 2015).

Verden-Zoller (2015, p. 195) alerta quanto ao risco para a criança da “intervenção exagerada e humanamente incongruente em seu próprio espaço vital e formas sociais, e por meio da configuração de valores que negam o humano, o homem moderno mudou [...] seu mundo, distanciando-se dos aspectos básicos de sua biologia.” Desse modo, as crianças são prejudicadas pela ausência de condições para o desenvolvimento adequado das características inatas da consciência. As brincadeiras materno-infantis, necessárias à confiança e à aceitação mútua e social, estão cada vez mais ausentes, e a relação com a natureza para a liberdade de movimentos e a opção de escolher os parceiros para o brincar implicam profundamente a autoconsciência, a consciência corporal, social e de mundo. Os fatores mencionados como prejudiciais à formação da consciência do si e do outro interferem negativamente na convivência social e na construção das relações democráticas. Isso leva a crer que a tirania do patriarcado se renova e se fortalece com a modernização da sociedade. No entanto, poderá a educação (familiar e escolar), pelas vias do brincar e do jogar infantil, alimentar a esperança de construção da democracia social?

Considerações finais

A criança cria seu espaço relacional, com o outro e com o mundo, ao viver a intimidade da relação de cuidado oferecido pela mãe, responsável pela confiança e aceitação mútua. O autoentendimento e a compreensão de si, do seu lugar na sociedade, do respeito pelo outro, são pré-requisitos quando se atenta para os valores de convívio compartilhado e humanista. O brincar e o jogar auxiliam na elaboração dessa construção da identidade do eu democrático. Práticas de colaboração e oposição difundidas no brincar e no jogar despertam, desde cedo, para a fragilidade individual do ser humano, bem como, para a imprescindibilidade do amparo ao outro e do outro.

Tornar-se democrático incorre no processo formativo e - por que não? - evolutivo. Requer trato, aprimoramento, prática e convivência social. Tornar-se defensor da convivência democrática demanda a internalização dos papéis sociais, tendo na atividade infantil o elo entre o que somos e o que poderemos ser enquanto sociedade. As experiências de vida da etapa infantil do desenvolvimento compreendem, para o ser humano, a fase embrionária do futuro social, pois, conforme Maturana e Verden-Zoller (2015, p. 19), importa que a criança viva na “dignidade de ser respeitada e respeitar o outro para que chegue a ser um adulto com o mesmo comportamento social, qualquer que seja o tipo de vida que lhe caiba”.

O jogar, tanto mais que o brincar, abrange a problemática contemporânea que atinge as crianças e os adolescentes: o saber perder e a dor da derrota. É nas estratégias do jogo, com suas estruturas internas e seus papéis definidos de ação/colaboração que a criança compreende a relação com a vitória e a derrota. A compreensão (ou não) da derrota no jogo poderá levar aos desdobramentos positivos ou negativos da vida futura. A derrota no jogo nem sempre significa uma atitude individual (uma falha), mas uma desconexão coletiva. Alguns clichês devem ser identificados pela criança: “um dia ganhamos, outro dia perdemos”, “todos ganhamos, todos perdemos”. O jogo propicia a eliminação ou a diminuição do somente “eu ganho” (aspecto narcisista) ou do somente “eu perco” (aspecto de frustração, inferioridade).

A escola é o espaço por excelência onde o brincar e o jogar podem atuar na condução de práticas de superação das desigualdades individuais e grupais. Um dos elementos a ser trabalhado no brincar e no jogar é a igualdade. Tornar-se igual perante os demais significa respeitar as diferenças de cada um. Na ludicidade do brincar e do jogar, há um universo de potencialidades a serem exploradas, em que o ponto crítico desse processo é o direcionamento dado pelo adulto (família e grupos sociais), reforçando os ideários democráticos ou não.

A interação social, oportunizada pelo brincar e pelo jogar, desempenha importante função na formação da consciência da criança. É nas relações interpessoais ampliadas pelas dinâmicas do brincar e do jogar que a criança conhece a si mesma e compreende as intenções, os sentimentos e as frustrações do outro. O interagir com o outro, mediante ações práticas, sejam simbólicas (no brincar) ou táticas (no jogo), estabelecem as relações de reciprocidade. O ato de jogar coletivo, as ações motoras desprendidas oportunizam aos indivíduos a percepção da fragilidade individual e de que sozinho não há coletividade. As fraquezas são reconhecidas durante o jogo, durante a busca por espaços tanto ofensivos quanto defensivos. Nessa relação, fica nítida a insignificância do individualismo frente às atividades coletivas organizadas.

O jogo em equipe leva a compreender a vulnerabilidade do individual e a necessidade da colaboração entre os pares do grupo. Tanto o reconhecimento da fragilidade do individual (si isolado) torna-se imprescindível como o trato dado a essa percepção (no próprio jogo e nas relações no meio social) possibilitam o avançar para as relações contextuais além do jogo, visualizando a convivência participativa no espaço/tempo da comunidade. Portanto, a criança adquire sua autoconsciência e a consciência social quando convive com a operacionalização da sua corporeidade com a corporeidade do outro. Isso leva a crer que as trocas mútuas de entrosamento oportunizadas tanto pelo brincar como pelo jogar favorecem a formação para a convivência social democrática

Referências

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1 De acordo com Kishimoto (1993), brincar é uma atividade fundamental para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. Desde muito cedo, as crianças se comunicam por gestos, sons e, mais tarde, pela imaginação. Podemos dizer que brincar é uma atividade natural, espontânea e necessária para sua formação. De outra forma, o que quer dizer “jogo”? E daí, o que significa “jogar”? Em diferentes idiomas e em forma condizente, o termo “jogo” é empregado para “indicar união e movimento; conjunto de elementos que se combinam entre si [...]; artefato ou instalação [...]; atividade específica [...]; ação [...]” (Pavía, 2014, p. 398).. Precisamente, o conceito de forma “do jogo” e “modo de jogar” são duas dimensões a considerar para uma análise crítica da atividade lúdica que se desenvolve nas aulas de educação física (Pavía, 2014). Portanto, o brincar aqui é concebido como uma fase anterior ao jogar e compreendido numa perspectiva em que a criança parte de ações individuais (egocêntricas) para ações com outra ou outras crianças. Já o jogar presume atitudes de grupo ou coletivas que desencadeiam ações da própria equipe no embate com outra equipe. O jogar refere-se à participação da criança tanto nos jogos quanto nos esportes. Sabe-se que há, conceitualmente, diferença entre jogo e esporte, mas neste estudo o jogar faz parte do mesmo contexto, sem distinções.

2Percebe-se que Mead arrolou da história do pensamento ocidental ideias sobre o que constitui a percepção de subjetividade e do self, ou “si mesmo”, a partir de concepções de Kant e Hegel (Casagrande, 2014).

3A proposta do “Caramba, carambola: o brincar tá na escola”, segundo a professora Maria L. Medeiros, coordenadora do Projeto Brincar, discute questões no sentido de promover distintas atuações e olhares relacionados ao desenvolvimento da criança através da brincadeira e mostra, ao professor da rede pública, maneiras de promover a brincadeira na escola, pois “brincar é um jeito de existir” ou “a infância não pode esperar pelas crianças no lado de fora da escola”. (Plataforma do Letramento, 2014).

4 Em Mead (2010), a caracterização do esporte, de modo conceitual, está bem coesa. Entretanto, o jogo está definido de maneira abstrata e relacionado com a brincadeira. Casagrande (2014), ao fazer a releitura da obra de Mead, delimitou o brincar e o jogar como atividades distintas, aproximando o jogar aos esportes coletivos.

5 Mead (2010), em sua obra, utiliza o termo “deporte”.

6Sobre o outro generalizado, Mead (2010, p. 184) ressalta que “tenemos entonces un ‘otro’ que es una organización de las actitudes de los que están involucrados en el mismo proceso. La comunidad o grupo social organizados que proporciona al individuo su unidad de persona pueden ser llamados ‘el otro generalizado’. La actitud del otro generalizado es la actitud de toda la comunidad”.

7Conforme Maturana (2015, p. 38-39), na nossa cultura patriarcal, vive-se “na desconfiança da autonomia dos outros. Apropriamo-nos o tempo todo do direito de decidir o que é legítimo para eles, no contínuo propósito de controlar suas vidas. Em nossa cultura patriarcal, vivemos na hierarquia, que exige obediência. Afirmamos que uma existência ordenada requer autoridade e subordinação, superioridade e inferioridade, poder e debilidade ou submissão. [...] Assim justificamos a competição, isto é, o encontro na negação mútua como a maneira de estabelecer hierarquia dos privilégios, sob a afirmação de que a competição promove o progresso social, ao permitir que o melhor apareça e prospere. [...] estamos sempre prontos a tratar os desacordos como disputas e lutas. Vemos os argumentos como armas e descrevemos uma relação harmônica como pacífica [...]”.

8O termo “matrístico” é “usado [...] com o propósito de conotar uma situação cultural na qual a mulher tem uma presença mística, que implica a coerência sistêmica acolhedora e liberadora do maternal fora do autoritário e do hierárquico. A palavra ‘matrístico’, portanto, é o contrário de ‘matriarcal’, que significa o mesmo que o termo ‘patriarcal’, numa cultura na qual as mulheres têm o papel dominante” (Maturana, 2015, p. 25).

9Numa definição ampla, a corporeidade assume a ideia abstrata de corpo, de ser corpóreo. Esse sentido é herança do pensamento grego, expresso no conceito de soma ou somático. Para os gregos, soma designa o que é material, especialmente no homem, em oposição à psique ou ao psíquico. As culturas latina e cristã reforçaram essa significação ao entender a corporalitas como aquilo que é de natureza material ou, simplesmente, materialidade, radicalmente oposta à espiritualidade. Nesse sentido, portanto, corporeidade diz respeito a tudo o que é material, porque todo ser material se manifesta como corpo (Santin, 2014). Corporeidade seria toda e qualquer organização, seja de ordem material, seja de ordem cultural. Assim, pode-se falar numa corporeidade social, doutrinal, jurídica, profissional etc. O “sentido de corporeidade deve confundir-se com o sentido de corpo [...]. Sendo assim, corporeidade é o que constitui um corpo tal qual é, e cada corpo é uno, individual e inalienável. Cada um, portanto, é a sua corporeidade” (Santin, 2014, p. 158).

Recebido: 19 de Fevereiro de 2020; Aceito: 07 de Junho de 2021

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