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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.263 Brasília jan./abr 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i263.5335 

Editorial

Inep: 85 anos de contribuições à sociedade brasileira

IPesquisadora colaboradora da Fundação Carlos Chagas (FCC). São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: <gattibe@gmail.com>.


Este número da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBEP abre a série de publicações que se seguirão em comemoração aos 85 anos de existência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep. Analisam-se, nos artigos selecionados para este número, temas variados relativos ao espectro de atuação do Instituto, abrindo possibilidades para reflexões e contrapontos.

A memória institucional é fator que sustenta seu sentido próprio e seu sentido social, por isso, embora já devidamente documentada, relembro inicialmente as raízes que permitiram ao Inep constituir seu arcabouço como instituição que reflete sobre a educação com base em conhecimentos. Mesmo variando em seu perfil no decorrer e em decorrência de conjunturas histórico-sociais, e hoje sendo prevalentemente uma agência de avaliação, nunca deixou de disseminar análises sobre variados aspectos relevantes à educação em geral e aos processos educacionais.

Nos anos 1920/30, movimentos de renovação social agitaram a vida cultural no Brasil e novos horizontes foram buscados nas artes e nas ciências. A consolidação de algumas universidades, nas quais as ciências começavam a florescer no Brasil, coloca no cenário nacional intelectuais profundamente interessados nos destinos de nossa Nação, que tomava corpo com sua territorialidade expandida, sua população crescente, a industrialização despontando, começando a alterar as relações sociais e de trabalho vigentes, bem como as perspectivas culturais e educacionais. A demanda da população por educação formal se apresenta e, apesar das lutas por meios diversos, ante a lentidão de resposta governamental a essa necessidade, 26 intelectuais preocupados com a educação do povo brasileiro se movimentam e, a partir de análises das condições necessárias à educação e ao desenvolvimento do País, produzem o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Lançado em 1932, assumido como um instrumento de ação política, reivindicava a expansão da escola pública, qualificada por pedagogias renovadas, e a formação superior para os professores, entre outros aspectos. Entre os que assinavam o documento, e tentaram conseguir a concretização de seus propósitos, estavam grandes expressões da cultura nacional, como Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Noemy da Silveira, Cecília Meireles, Paschoal Lemme, Sampaio Dória, Frota Pessoa, Almeida Júnior, entre outros. Brandão (1999) sinaliza que a intelectualidade via na educação o único meio de incorporar a população brasileira no processo de construção do País, bem como de construção do espírito de cidadania com base na cultura e na ciência. Pouco se obteve à época, em razão dos interesses predominantes e da estreiteza de visão dos políticos brasileiros daquele período.

Dois dos signatários desse documento, não por acaso, seriam, no futuro, diretores do hoje Inep, que abriga a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos - RBEP. Lourenço Filho foi o primeiro diretor-geral desse Instituto, que iniciou seus trabalhos em 1938 e se denominava Instituto Nacional de Pedagogia. Lourenço Filho permaneceu na função de seu dirigente até 1946. Ali instalou uma seção de psicologia aplicada para o desenvolvimento de pesquisas psicopedagógicas. A influência do pensamento de Dewey e outros estudiosos da aprendizagem humana se fez presente. Havia constante preocupação com a formação de professores, expressão de perspectivas de seu diretor-geral. O Inep estendeu, então, suas ações, com a organização de estágios e cursos de aperfeiçoamento para professores de Psicologia e coordenadores de serviços educacionais. Lourenço Filho foi homem de grande cultura geral e psicopedagógica, e, entre tantas ações docentes e produções educacionais em que se envolveu, destaco sua preocupação constante com o processo de alfabetização das crianças. Publicou, em 1928, a Cartilha do Povo; nos anos 50, a cartilha Upa! Cavalinho, deixando uma coleção composta por essa cartilha e seis livros para a formação de escritores e leitores: a Série de Leitura Graduada Pedrinho. Suas preocupações também se voltaram para as zonas rurais, e, em 1948, implementou a Campanha Nacional de Educação Rural. Foi alvo de críticas acirradas por ter integrado o governo no período da ditadura de Getúlio Vargas, período do chamado Estado Novo.

Anísio Teixeira assumirá a direção do Instituto em 1952, em auspicioso momento de uma retomada da democracia no Brasil. Permaneceu nessa função até 1964, quando, com o advento do governo militar, foi afastado e aposentado compulsoriamente. Em 2001, seu nome se incorporou na denominação do Instituto, em homenagem a todo o seu percurso em prol da educação pública e à sua ação renovadora nesse órgão, especialmente na ênfase dos trabalhos de pesquisa e na formação de pesquisadores em educação. Foi um grande batalhador pela escola pública para todos, uma escola laica e com qualidade, em que a formação integral do educando era a meta. Na direção do Inep, destaco a realização das Campanhas: Inquérito e Levantamento do Ensino Médio; e Livro Didático e Manuais de Ensino. A realização mais importante em sua gestão, no entanto, foi a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, no Rio de Janeiro, e dos Centros Regionais de Pesquisa em Educação em Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, vinculados ao Inep. A pesquisa educacional era rarefeita à época e esses centros aglutinaram estudiosos, tiveram a contribuição de pesquisadores internacionais, muitos dos quais latino-americanos, e deram vida a pesquisas, publicações importantes e cursos, não só sobre metodologias de investigação científica, mas também sobre teorias pedagógicas e política educacional. Foram o germe que frutificou depois nas universidades e nos programas de pós-graduação.

Tive a oportunidade de vivenciar por dentro o universo desta revista participando, de 2008 a 2013, da sua Editoria Científica. Nesse período, buscou-se consolidar sua vocação científica colocando-a no sistema Scielo. O número 234, de 2012, comemorou os 75 anos do Inep, com artigos de proeminentes pesquisadores que perscrutaram aspectos de sua contribuição científico-social, analisando seus percursos, os avatares e os entusiasmos dos tempos que atravessou. Lembro aqui dois desses artigos que demarcam horizontes. Dermeval Saviani, no estudo “O Inep, o diagnóstico da educação brasileira e a Rbep”, apresenta uma aguçada análise de aspectos marcantes da trajetória do Inep, arrolando suas produções e comentando aspectos educacionais, epistêmicos, metodológicos e políticos que marcaram a existência do Instituto, abordando em tópico específico a trajetória da RBEP desde 1944, quando de seu primeiro número. Lembra que a revista foi lançada como um órgão oficial das pesquisas do Ministério da Educação. Detalha e caracteriza as produções publicadas até o primeiro número de 2012, “mostrando a passagem de seu perfil original de órgão oficial do Ministério da Educação (MEC) para a condição de revista organizada segundo o padrão corrente dos periódicos científicos” (Saviani, 2012, p. 291). Na conclusão de seu texto, faz observações levantando problemas quanto ao domínio, cada vez maior, das avaliações estruturadas e uniformes e seus números em detrimento de análises multifacetadas com base em pesquisas de profundidade, por exemplo, como anteriormente se propôs, e não se realizou, no Programa Diagnóstico do Setor Educação, projeto do Inep proposto em 1990. Expressou, então: “... oxalá esse Instituto venha a se inspirar em seu patrono e restabeleça a perspectiva original que o configurou como uma agência de pesquisas pedagógicas voltada para o conhecimento preciso dos problemas educacionais do País, tendo em vista o encaminhamento adequado de sua solução” (Saviani, 2012, p. 317). Outro artigo desse número, de autoria de Silke Weber, traz uma análise das questões abordadas nos artigos publicados na RBEP entre 1997 e 2011 sobre políticas educacionais, mostrando as diferentes ênfases em perspectivas havidas, discutindo os embates acerca dos sentidos que se apresentavam sobre “qualidade educacional”, bem como o debate sobre a relação entre Estado e educação, e os problemas das interpretações de dados educacionais. Ao concluir a análise dos artigos, diz: “A tônica que parece perpassar o conjunto dos textos examinados é de que as políticas educacionais estabelecidas nas diferentes esferas de governo, de caráter reformador ou não, mesclam demandas de contextos determinados com as linhas gerais do debate internacional a respeito da educação. Em todo caso, é admitido tratar-se de processo de longa duração cujas tensões e contradições, que envolvem relações de poder e conflitos, são passíveis de ser ressignificadas pelos diversos atores envolvidos” (Weber, 2012, p. 347).

Os textos dos artigos do número comemorativo dos 75 anos do Inep, que analisam as produções publicadas mais especialmente nas duas décadas anteriores, ainda ressoam no presente pelas suas contribuições e pela sua atualidade, tendo o potencial de nos despertar para compreensões relativas a situações histórico-político-epistêmicas, para problemas e para possíveis caminhos na lida educacional. Weber (2012, p. 348) assim se expressa sobre os artigos estudados: “... têm como premissa a educação como direito social básico ao compartilhamento de conhecimentos, cultura, arte, tecnologia produzidos pela humanidade ao longo de sua história, e a escola, como instância de formação e exercício de cidadania. Nessa perspectiva, caberia às políticas educacionais dar materialidade a tal direito, apresentando-se, por conseguinte, o estudo crítico de seu processo feito pela comunidade acadêmica, expressão do compromisso com a consolidação de valores democráticos calcados na justiça e na ética.” Um chamamento ao futuro que cabe ainda hoje. Educação se faz em tempos largos, não há imediatismo na formação do humano. Assim, a contribuição e influência de estudos e pesquisas também se faz em tempos largos, por mediações diversas, por reinterpretações territorializadas.

Para a comemoração dos 85 anos do Inep, adotou-se outro caminho: selecionar, por meio de pareceres, artigos que utilizaram informações produzidas pelo Inep, em atendimento à chamada pública efetivada em 2021; e, também, resgatar textos já publicados na RBEP que evidenciam a atuação do Inep em outros momentos da história. Ambas as estratégias viabilizaram a composição da Seção Comemorativa, que estará presente nas três edições da RBEP este ano. Nesta edição, especificamente, a Seção Comemorativa apresenta três estudos inéditos, o primeiro aborda a RBEP e o processo de institucionalização da pesquisa educacional no Brasil e os dois seguintes contribuem com questões ligadas às avaliações nacionais (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - Enade; Exame Nacional do Ensino Médio - Enem). Na sequência, é exibido um documento histórico, em segunda edição, que rememora uma ação do Inep em1959:o planejamento do sistema de ensino do Distrito Federal.

Além dessa Seção Comemorativa, fazem parte deste número sete trabalhos que propiciam reflexões acerca das trajetórias formativas, da vida acadêmica de dirigentes do Ministério da Educação e da cultura político-educacional, adentrando em aspectos da formação de professores, de posições pedagógicas freirianas, da neurociência e piagetianas. Espera-se que esse conjunto de produções, e as ideias trazidas à luz, provoque diálogos, debates, constitua memória e alavanque o aperfeiçoamento de ações nas políticas públicas.

Referências

AZEVEDO, Fernando et al. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e dos Educadores (1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. [ Links ]

BRANDÃO, Zaia. A inteligentsia educacional: um percurso com Paschoal Lemme por entre as memórias e as histórias da Escola Nova no Brasil. Bragança Paulista: CDAPH-IFAN/EDUSF, 1999. [ Links ]

SAVIANI, Dermeval. O Inep, o diagnóstico da educação brasileira e a Rbep. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 93, n. 234, [número especial], p. 291-322, maio/ago. 2012. [ Links ]

WEBER, Silke. A Rbep e as políticas educacionais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos , Brasília, v. 93, n. 234, [número especial], p. 323-352, maio/ago. 2012 [ Links ]

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