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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.264 Brasília maio/ago 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i264.5447 

Editorial

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira: uma trajetória em busca de uma educação de qualidade

Carlos Roberto Jamil CuryI  II 
http://orcid.org/0000-0001-5555-6602

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <crjcury.bh@terra.com.br>.

IIDoutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). São Paulo, São Paulo, Brasil.


O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ao editar este número de sua revista, considerada a mais longeva das revistas sobre educação, preserva uma identidade que lhe foi atribuída desde seus primórdios.

Criado em 1937, ainda sob a égide do Estado Democrático de 1934, em 11 de janeiro daquele ano, sob o nome de Instituto Nacional de Pedagogia (INP), o conteúdo desta revista preserva um elo com o federalismo e com a busca pelo aperfeiçoamento da educação nacional. Um pequeno escorço histórico pode evidenciar que, apesar das turbulências políticas e da descontinuidade administrativa, o corpo estável de seus servidores buscou preservar essas linhas mestras de atuação, inclusive com a publicação de resultados.

Pode-se dizer que houve um antecedente longínquo e similar ao Inep na República nascente. Trata-se do Paedagogium, criado por Benjamin Constant, via Decreto nº 981, de 8 de novembro de 1890, o qual se destinava a oferecer para toda a educação nacional uma série de ações em vista dos melhores métodos e processos pedagógicos. No momento em que se redefinia o modelo centralizador do Império para o federalismo da República, tratava-se de um centro de referência para os estados em termos pedagógicos, vide o nome do instituto. Ele contaria com um museu pedagógico, uma biblioteca e a publicação de uma revista. A Revista Pedagógica teve vigência por seis anos, a partir de 1890.

A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, ao reorganizar o então Ministério da Educação e Saúde Pública, incumbia o Instituto Nacional de Pedagogia de “realizar pesquisas sobre os problemas do ensino, nos seus diferentes aspectos” (Brasil, 1937). Como Instituto Nacional, além de cuidar da rede federal, exercia a ação supletiva da União em relação aos estados e, quanto a esses diferentes aspectos, cabia-lhe o que denominamos de educação inclusiva. Assim, previa-se o ensino emendativo com a educação de cegos, inclusive com uma seção em Braille na Biblioteca Nacional e a manutenção do Instituto Benjamin Constant. Com a reorganização do INP, pelo Decreto-Lei nº 580, de 30 de julho de 1938, já sob o Estado Novo, o INP ficava responsável por ser um “centro de estudos de todos as questões educacionais” (Brasil, 1938), do qual fariam parte o inquérito sobre métodos e processos pedagógicos, a documentação sobre a educação, o intercâmbio nacional e internacional e a divulgação de resultados. Em 1940, com a inauguração do novo prédio do Ministério da Educação (MEC), hoje Palácio Capanema, o INP ganhou um novo habitat no Distrito Federal (à época, localizado no Rio de Janeiro), inclusive com um andar só para a Biblioteca Pedagógica. Caberia a ele propor políticas públicas para a educação e, em especial, cursos de formação de professores. Em 1944, nasce a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), de cuja linhagem mantida, este número faz parte. Ao longo do tempo, o Inep dialogou com vários momentos da educação nacional, ampliando seu escopo da documentação pedagógica para a feitura de pesquisas, com destaque para a criação dos centros regionais de pesquisa, na dinâmica gestão de Anísio Teixeira. Coube ao Inep a organização da primeira Conferência Nacional de Educação.

O nascedouro do Inep como INP se fez sob a Constituição de 1934, que asseverava ser a educação um direito de todos. Apesar da ditadura do Estado Novo, o Instituto foi preservado com as iniciativas as quais, posteriormente, foram ressignificadas, quando dos processos de restauração do Estado de Direito. A Constituição de 1946 também previa a educação como um direito de todos, uma temática constante da obra e ação de Anísio Teixeira, contestando a educação como privilégio.

A proclamação do direito à educação, tornado juridicamente protegido, na Constituição de 1988, dá cobertura, desde que preservado e efetivado, ao “pleno desenvolvimento da pessoa” (Brasil, 1988), conforme prevê o artigo 205. De fato, como queria Pontes de Miranda, em 1933, a educação tornou-se um direito público subjetivo para todos, e mais, um direito social aberto às políticas públicas. Ampliada a faixa etária da obrigatoriedade, o financiamento se tornou mais seguro e houve a necessidade de um plano nacional de educação articulado a um sistema nacional de educação. A RBEP, desde seu início, é testemunha e documento dessas idas e vindas da educação.

Hoje, à luz da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, coube ao Inep, como órgão ligado ao MEC, realizar as avaliações periódicas das instituições e dos cursos de nível superior. Essa atribuição foi confirmada e ampliada com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), com a incumbência de “disseminar informações sobre a educação e assegurar processo nacional de avaliação do rendimento escolar” (Brasil, 1996), em regime de colaboração federativa, de modo a consistir em um sistema nacional de avaliação do rendimento escolar.

Essa avaliação não pode fugir ao princípio constitucional de um padrão de qualidade nem se distanciar da previsão posta na LDB de que os dados quantitativos das avaliações, necessários como um termômetro da situação, devem se aliar aos qualitativos. Como assevera o art. 24, inc. V, letra “a”, da LDB, acerca das regras comuns do ensino fundamental e médio: “a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais” (Brasil, 1996).

Como não ver nesses quesitos de uma educação de qualidade a formação de docentes? Formação inicial sólida e continuamente perseguida pela formação continuada, responsabilidade das instituições formadoras e dos sistemas de ensino.

O conjunto dos estudos e das seções deste número responde a essa trajetória, não isenta de contradições, ao apresentar-se, mais uma vez, com artigos que preservam o federalismo e intentam trazer elementos, baseados em pesquisas e estudos, tendo em vista o aperfeiçoamento da educação nacional como direito.

Este número traz um notável estudo de Anísio Teixeira sobre a necessidade de se repensar a formação de professores. Tendo lutado muito pela elaboração de uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, este artigo retoma o veio inicial que ele traçara quando da criação da Universidade do Distrito Federal, nos anos 1930. Resgatando a análise dessa formação, desde o Império, Anísio Teixeira não só retoma criticamente a dupla rede que ele já acusara nos anos 1930 e que fora incorporada no Manifesto de 1932, como diz textualmente nesse artigo de 1966, em boa hora republicado: “Nesta situação, sobremodo confusa, o problema da formação do magistério faz-se o problema máximo da educação brasileira” (Teixeira, 1966, p. 5). Seria, hoje, diferente?

O autor, consciente das transformações pelas quais a base material da sociedade passava e sabedor dos tempos difíceis vivenciados no Brasil, calcado na LDB, pronuncia-se como o caminho de uma reformulação integral por dentro das instituições:

Será o novo professor que irá dar consistência e sentido às tendências de popularização da educação primária e do primeiro ciclo da escola média; que irá tornar possível e eficiente o curso do colégio, com suas preocupações de dar cultura técnica, cultura preparatória ao ingresso na universidade e cultura de natureza predominantemente científica e que irá preparar a transformação da universidade para suas novas funções de introduzir a escola pós-graduada para a formação dos cientistas e a formação do magistério superior tendo em vista as transformações em curso no sistema escolar, sem esquecer que lhe caberá, inevitavelmente, uma grande responsabilidade na difusão da nova cultura geral que a atual fase de conhecimentos humanos está a exigir (Teixeira, 1966, p. 5).

A universidade, pois, torna-se o locus, por excelência, da formação docente, não podendo essa ser residual. E, para tanto, ele chama a atenção e nos chama também para a nova cultura geral que exige o novo professor. Seria o que se chama de formação omnilateral? Em que a formação atende a várias dimensões do trabalho e da cidadania?

Tais preocupações já faziam parte, de longa data, da preocupação desse intelectual, gestor e pensador, inclusive quando da elaboração do Plano Nacional de Educação, expresso nos fundos financeiros para a sustentação qualificada da escola pública. Apesar da inscrição constitucional nos incisos V e VIII do artigo 206 da Constituição de 1988, pelos quais se determina a valorização dos docentes, com a devida formação e remuneração condigna, esse veio ainda está por ser constituído na sua efetivação.

No âmbito dessa valorização, aos docentes cabe o domínio das novas tecnologias da informação e da comunicação. Elas são muito importantes como ferramentas complementares do ensino presencial, inclusive para ter uma aproximação maior com as novas gerações de estudantes. O domínio dessas ferramentas de aprendizagem auxilia, e muito, no desenvolvimento e na aplicação das diretrizes curriculares.

Esse conjunto legal e normativo expressa, a um só tempo, aspirações e iniciativas correspondentes ao federalismo e aos direitos de cidadania. Desse modo, o Inep, como órgão de Estado da União, exercia e exerce a função supletiva, de caráter técnico, a fim de suprir os limites das deficiências locais. Se antes eram os centros regionais de pesquisa que deveriam traduzir aqueles princípios em vista dos sistemas estaduais de ensino, hoje, cabe às instituições de ensino superior uma formação docente que componha, com outros critérios, a valorização dos profissionais da educação.

Isso posto, cumpre assinalar que a Constituição Federal de 1988, garantindo formalmente o direito à educação como direito de igualdade, avança muito ao explicitar o direito à diversidade. Além da diversidade regional e local, próprias do federalismo, as minorias culturais, até então apontadas genericamente, serão postas em evidência nessa Constituição. De fato, o artigo 3º, dispondo sobre os objetivos fundamentais da República, prevê que entre esses está o de: “IV - Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Brasil, 1988).

O bem de todos implica a desconstrução de todos os preconceitos e discriminações. Tal parâmetro vai perpassar o capítulo da educação e outros artigos concorrentes como o que manda levar em conta, no ensino de História, as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. Tais contribuições serão objeto de artigos na LDB de 1996.

Este número da revista acolhe estudo da educação de jovens e adultos, as crianças, sujeitos da educação infantil, as cotas como especificação de ações afirmativas, a inclusão das pessoas em situação de deficiência e as pessoas do campo. Esses são direitos de especificação, nos termos de Norberto Bobbio, que pedem pelo seu reconhecimento legal e seu escoamento nas políticas educacionais para se tornar efetivo na prática docente e no conjunto da sociedade.

Mas os direitos de especificação não param aí: a Terra, nossa casa comum, planeta dos viventes, hoje e amanhã, necessita ser preservada. Eis por que a defesa do meio ambiente e sua conservação comparecem em vários artigos da Constituição, inclusive entre os mais antigos defensores da sustentabilidade: as populações tradicionais dos povos da floresta. Nessa perspectiva, o artigo 225 dispõe que deve haver a promoção da “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (Brasil, 1988).

O conjunto dos estudos e artigos deste número faz jus aos 85 anos do Inep, que, ao longo dessa trajetória, busca preservar um de seus veios fundamentais: pôr-se a serviço de uma educação de qualidade, da qual a formação docente sempre se colocou no horizonte e na pauta de suas políticas.

Referências

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