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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.264 Brasília maio/ago 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i264.5126 

Estudos

Desenvolvimento do pensamento algébrico e estudo de padrões e regularidades com crianças: perscrutando possibilidades para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental

Development of algebraic thinking and study of patterns and regularities with children: scrutinizing possibilities for early childhood education and early years of elementary school

Desarrollo del pensamiento algebraico y estudio de patrones y regularidades con niños: explorando posibilidades para la educación infantil y los primeros años de la educación primaria

IPesquisadora independente. São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: <slacerda.lacerda@gmail.com>.

IIDoutora em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo, São Paulo, Brasil.

IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <natalia.gil@ufrgs.br>.

IVDoutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

O objetivo deste artigo é analisar as possibilidades pedagógicas para um ensino que favoreça o desenvolvimento do pensamento algébrico desde os primeiros anos, assumindo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como ponto de partida e pautado em literatura recente acerca do tema. Trata-se de um ensaio em que são apresentados alguns aportes teóricos os quais evidenciam que a melhora das capacidades de raciocínio e comunicação de ideias progressivamente mais abstratas está relacionada com desafios e explorações a que os alunos são expostos desde bem pequenos em atividades que valorizam a criatividade e a resolução de problemas. Destacamos, ainda, que vários pesquisadores têm indicado a importância do estudo de padrões e regularidades em Early Algebra, considerando o desenvolvimento do pensamento algébrico como etapa fundamental para o aprendizado da álgebra. O texto apresenta algumas ideias de trabalho pedagógico com padrões e regularidades para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental com base nas indicações da BNCC e aponta para a importância de destacar esse tema na formação de professores.

Palavras-chave: Base Nacional Comum Curricular; Early Algebra; pensamento algébrico; raciocínio abstrato

Abstract:

The aim of this article is to analyze the pedagogical possibilities for a teaching that favors the development of algebraic thinking since the early years, assuming the Common National Curriculum Base (BNCC) as a starting point and based on recent literature on the subject. It is an essay in which some theoretical contributions are presented that show that the improvement of reasoning skills and communication of progressively more abstract ideas is related to the challenges and explorations to which students are exposed to from an early age in activities that value creativity and problem solving. It is also emphasized that several researchers have indicated the importance of studying patterns and regularities in Early Algebra, considering the development of algebraic thinking as a fundamental step for learning algebra. The text presents some ideas of pedagogical work with standards and regularities for Early Childhood Education and for the early years of Elementary School based on the indications of BNCC and points out to the importance of highlighting this theme in teacher education.

Keywords: Abstract thinking; Algebraic thinking; Base Nacional Comum Curricular; Early Algebra

Resumen:

El objetivo de este artículo es analizar las posibilidades pedagógicas para una enseñanza que favorezca el desarrollo del pensamiento algebraico desde los primeros años, asumiendo la Base Nacional Común Curricular (BNCC) como punto de partida y pautado en literatura reciente acerca del tema. Este es un ensayo en el que se presentan algunos aportes teóricos que evidencian que la mejora de las capacidades de razonamiento y comunicación de ideas progresivamente más abstractas está relacionada con los desafíos y exploraciones a que los alumnos son expuestos desde pequeños en actividades que valorizan la creatividad y la resolución de problemas. Destacamos, aún, que varios investigadores han indicado la importancia del estudio de patrones y regularidades en Early Algebra, considerando el desarrollo del pensamiento algebraico como etapa fundamental para el aprendizaje del álgebra. El texto presenta algunas ideas de trabajo pedagógico con patrones y regularidades para la educación infantil y los años iniciales de la educación primaria con base en las indicaciones de la BNCC y apunta para la importancia de destacar ese tema en la formación de profesores.

Palabras clave: Base Nacional Común Curricular; Early Algebra; pensamiento algebraico; razonamiento abstracto

Introdução

À Matemática escolar apresenta-se o contínuo desafio de manter interlocução com o campo científico, espaço de produção de novos conhecimentos matemáticos e pedagógicos, e com as escolas, nas quais efetivamente acontecem as ações de ensino. Nesse sentido, os documentos curriculares têm se mostrado potentes estímulos para a reflexão e realização da transposição didática (Chevallard, 2013). Recusando a compreensão simplificada de que o currículo prescrito determinaria completamente o trabalho pedagógico1, assume-se aqui que, não obstante seus limites, ele é composto de documentos que mobilizam a atenção de docentes, gestores e formadores de professores, resultando em algumas mudanças nos modos de ensinar. No que se refere à Matemática ensinada nos anos iniciais da escolarização, historicamente os esforços estiveram concentrados na noção de número e nas quatro operações aritméticas (Valente; Silva, 2020). Ainda que outros saberes matemáticos tenham, eventualmente, estado presentes na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental em outras épocas, é mais recente a proposição sistemática de temas variados no ensino da Matemática para esses níveis de ensino.

O que propomos neste artigo é assumir a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como ponto de partida para analisar as possibilidades pedagógicas que se abrem na atualidade a um ensino que favoreça o desenvolvimento do pensamento algébrico desde a primeira infância. Assim, inicialmente, apresentamos alguns aportes da literatura recente sobre o tema que indicam uma importante relação entre o estudo dos padrões e o avanço das competências matemáticas dos alunos. As capacidades de raciocínio e comunicação de ideias progressivamente mais abstratas melhoram quando os alunos são desafiados desde pequenos em atividades de natureza exploratória no âmbito de propostas mais abertas, que valorizem a criatividade e a resolução de problemas (Vale, 2012). Em seguida, buscamos destacar na BNCC indícios do modo como o trabalho com padrões pode ser abordado nas vivências proporcionadas às crianças na educação infantil. Depois, seguindo semelhante propósito, em relação aos anos iniciais do ensino fundamental e tendo por foco o componente curricular Matemática, examinamos, na BNCC, algumas das possibilidades de trabalho pedagógico com padrões e regularidades, elementos fundamentais para o desenvolvimento do pensamento algébrico (Zazkis; Liljedahl, 2002; Blanton; Kaput, 2005; Vale, 2012; Du Plessis, 2018).

Antes de passarmos à apresentação do tema específico, cabe mencionar que a BNCC é um documento curricular de abrangência nacional que constitui referência obrigatória para a elaboração dos currículos de escolas e redes de ensino brasileiras. Homologado em 2018, o texto apresenta competências gerais, competências específicas por áreas de conhecimento e habilidades distribuídas por unidades temáticas, visando estabelecer as aprendizagens esperadas nos três níveis da educação básica: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio.

A relação entre o estudo dos padrões e o desenvolvimento do pensamento algébrico

Diante do propósito de melhorar as competências matemáticas dos alunos, torna-se fundamental não restringir o ensino de Matemática ao conhecimento dos números e ao treino de algoritmos. Vários estudos têm ressaltado a necessidade da proposição em sala de aula de tarefas matematicamente desafiantes, que abram espaço ao pensamento flexível, ao avanço na capacidade de raciocinar, à oportunidade de trocar, argumentar e comunicar ideias matemáticas (Vale, 2012). Nesse sentido, compreende-se que a ênfase recaia sobre propostas pedagógicas que envolvem a exploração de variadas situações cotidianas e a resolução de problemas. O que está posto, portanto, é a recusa à ideia da aula de Matemática unicamente como momento de treino de procedimentos e exposição apenas de conhecimentos prontos e acabados. As aulas de Matemática podem e devem ampliar as possibilidades de discussão, de proposição de soluções alternativas para problemas conhecidos, de exploração e construção de argumentos diante de situações em que não haja apenas uma resposta ou em que não haja resposta alguma. Isso implica, para além de assumir que o ensino de Matemática não deva se resumir ao conhecimento das soluções e dos procedimentos já conhecidos, também reconhecer que nem sempre o pensamento matemático se refere aos números. Tal perspectiva se apresenta explicitamente na BNCC (Brasil. MEC, 2018, p. 265):

A Matemática não se restringe apenas à quantificação de fenômenos determinísticos - contagem, medição de objetos, grandezas - e das técnicas de cálculo com os números e com as grandezas, pois também estuda a incerteza proveniente de fenômenos de caráter aleatório. A Matemática cria sistemas abstratos, que organizam e inter-relacionam fenômenos do espaço, do movimento, das formas e dos números, associados ou não a fenômenos do mundo físico. Esses sistemas contêm ideias e objetos que são fundamentais para a compreensão de fenômenos, a construção de representações significativas e argumentações consistentes nos mais variados contextos.

A generalização de padrões é um desses domínios fundamentais do conhecimento matemático. Zazkis e Liljedahl (2002, p. 379, tradução nossa) afirmam que “padrões são o coração e a alma da Matemática”. Apesar disso, o trabalho com padrões tem tido pouca presença nos currículos de Matemática. Recentemente, a “atenção aos padrões tem sido reconhecida em sua importância como uma introdução à álgebra” (Zazkis; Liljedahl, 2002, p. 380, tradução nossa). Vale (2012, p. 182) reforça essa compreensão ao afirmar “a importância de tarefas de natureza exploratória, em particular as que envolvem generalizações na descoberta e estudo de padrões em contextos figurativos/visuais como componente essencial do pensamento algébrico”. Aqui importa sublinhar que álgebra e pensamento algébrico são domínios indissociáveis e complementares. No que se refere ao ensino, “a introdução da álgebra desde o início da escolarização precisa ser compreendida como desenvolvimento de um modo de pensar que antecede o uso da linguagem algébrica” (Nacarato; Custódio, 2018, p. 16). Ou seja, não se trata propriamente de ensinar álgebra na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, e sim de incluir proposições que permitam o desenvolvimento do pensamento algébrico. Sem isso não é possível chegar a atribuir significado à formalização algébrica, foco de estudos nos níveis mais avançados da escolaridade, ou seja:

A álgebra, como campo da atividade matemática não se reduz à manipulação de fórmulas e regras e explorá-la nos anos iniciais significa dar aos alunos a possibilidade de identificar estruturas dos objetos matemáticos, de estabelecer relações e fazer generalizações, dando abertura a um tipo de pensamento e de expressão (Oliveira; Paulo, 2019, p. 91).

Historicamente, a álgebra esteve fora dos currículos dos anos iniciais de escolarização (Lima; Bianchini, 2017; Oliveira; Paulo, 2019). De modo geral, a álgebra tem sido ensinada, quando os alunos já são maiores, como conjunto de procedimentos sem conexão com os demais conhecimentos matemáticos e sem contextualização. Frequentemente, seu ensino focaliza aspectos de abstração e formalização matemática, não dando aos alunos a oportunidade para que possam refletir sobre tais conhecimentos em suas variadas articulações. Isso dificulta a atribuição de significado ao que é ensinado. Diante disso, vários autores têm enfatizado a importância da introdução de propostas de desenvolvimento do pensamento algébrico desde cedo na escola. Isso se refere a um conjunto bastante variado de ações que favoreçam desenvolver o modo algébrico de pensar. Como destacam Castro e Molina (2007, p. 68, grifo das autoras, tradução nossa):

A proposta da Early Algebra considera que os professores de todos os níveis devem promover o pensamento algébrico, ajudando os alunos a prestarem atenção às propriedades, relações e padrões envolvidos em todo tipo de atividades matemáticas, ainda que não pareçam algébricas à primeira vista. O objetivo é fomentar o modo de pensar algébrico mais do que o desenvolvimento das habilidades necessárias para lidar com procedimentos dessa área da Matemática.

Nesse sentido, torna-se evidente, não apenas a possibilidade de desenvolvimento do pensamento algébrico desde a educação infantil, como também a relevância da introdução dessa abordagem desde cedo. É o que tem sido defendido também pelo National Council of Teachers of Mathmatics (NCTM), o qual considera que,

[...] assumindo a álgebra como uma constante no currículo desde a educação infantil em diante, os professores podem ajudar os estudantes a construírem uma base sólida de aprendizagem e experiência como preparação para um trabalho mais sofisticado em álgebra nos níveis médio e superior da escolaridade (NCTM, 2000, p. 37, tradução nossa).

Há várias possibilidades para introdução desse tema no trabalho cotidiano com crianças. Lima e Bianchini (2017, p. 202) destacam que mais recentemente tem se apresentado “uma tendência de considerar seu desenvolvimento, o do pensamento algébrico, inicialmente, desde os primeiros anos de escolaridade por meio do estudo de padrões e regularidades”.

Nesse sentido, importa enfatizar que o desenvolvimento do pensamento algébrico se relaciona com variadas áreas da Matemática, com a aritmética, por exemplo, e implica a preocupação em habilitar os alunos a reconhecerem e usarem estruturas matemáticas (e não apenas resolverem exercícios). Como destacam Blanton e Kaput (2005, p. 413, tradução nossa), o

[...] raciocínio algébrico pode assumir variadas formas, incluindo (a) o uso da aritmética como um domínio para expressar e formalizar generalizações (aritmética generalizada); (b) a generalização de padrões numéricos para descrever relações funcionais (pensamento funcional); (c) a modelização como um domínio para expressar e formalizar generalizações; e (d) a generalização de sistemas matemáticos abstraídos de cálculos e relações.

Assim, as propostas que envolvem a exploração e o raciocínio com padrões e regularidades, a identificação de estruturas matemáticas em diferentes contextos, a proposição de atividades que envolvem generalização aritmética, a modelagem, entre outras possibilidades, constituem-se em caminhos fecundos para a ampliação das competências matemáticas dos alunos. Não se trata, portanto, propriamente de inserir um novo tema nos currículos dos anos iniciais de escolarização, mas sim de introduzir novos modos de apresentar e articular o que já vem sendo ensinado. Como destacam Oliveira e Paulo (2019, p. 85), a abordagem da álgebra nos primeiros anos de escolarização refere-se a “uma prática em sala de aula que requer um novo olhar para o aprender e ensinar Matemática. Os professores que ensinam Matemática nos anos iniciais precisam compreender e reconhecer o sentido e as potencialidades desse tipo de pensamento”. As autoras sugerem, para isso, proposições que explorem o sentido numérico, as propriedades das operações e regularidades em sequências. O trabalho com padrões e regularidades é, como se pode perceber, apenas um dos caminhos na abordagem da Early Algebra, tendo, no entanto, assumido centralidade entre as habilidades propostas pela BNCC para os anos iniciais do ensino fundamental. Essa é a razão pela qual optamos por dar destaque ao tema neste artigo.

Mas, afinal, o que são padrões? A noção de padrão atrela-se à ocorrência de repetição e/ou de mudanças que envolvem regularidades. Vale (2012, p. 186, grifo da autora) sublinha que “usamos o termo padrão em Matemática quando pretendemos procurar ordem ou estrutura e por isso os termos regularidade, repetição e simetria estão muitas vezes presentes”. Encontramos padrões em muitas situações cotidianas: em estampas de tecidos, na arquitetura, nos ciclos da natureza, nas artes visuais, nos ritmos musicais, nos movimentos do corpo, entre outras. É importante notar que os padrões não têm apenas relação com desenhos e imagens:

O matemático procura padrões em números, em espaços, na ciência, em computadores e na imaginação. Teorias matemáticas explicam as relações entre padrões; funções e mapas, operadores e morfismos ligam um tipo de padrão a outro para produzir estruturas matemáticas duráveis (Steen, 1988, p. 616, tradução nossa).

Disso decorre a evidência de que há variados tipos de padrão e explorar essa diversidade em sala de aula é fundamental para o avanço da competência dos alunos em Matemática. Apenas a título de exemplo dessa variedade, podemos observar, nas Figuras 1 e 2, padrões visuais e numéricos, de repetição e de crescimento:

Fonte: Elaboração própria com base em Pixabay (2015)

Figura 1 Padrões visuais 

Fonte: Elaboração própria

Figura 2 Padrões de repetição 

Identificando padrões na educação infantil

Na educação infantil, a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças estão articulados e ocorrem em meio a situações de interação e brincadeira propiciadas no cotidiano escolar. Condizente com essa concepção, a BNCC estabelece, para esse nível de ensino, objetivos de aprendizagem e desenvolvimento distribuídos em cinco “campos de experiência”: O eu, o outro e o nós; Corpo, gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Além disso, os objetivos estão propostos de acordo com cada um dos grupos de idade determinados no documento: bebês (de zero a 1 ano e 6 meses), crianças bem pequenas (de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (de 4 anos a 5 anos e 11 meses)2.

A prática pedagógica na primeira infância orienta-se, portanto, muito mais pelos interesses e recursos cognitivos que os bebês e as crianças demonstram ter em cada fase, em termos de nível de desenvolvimento e vivências prévias, do que pela lógica interna das áreas de conhecimento. Nesse sentido, seria um equívoco localizar a Matemática em apenas um dos campos de experiências indicados na BNCC. Levando-se em conta a multiplicidade de possibilidades que o desenvolvimento infantil apresenta, vale observar que o trabalho com padrões e regularidades se mostra possível em quase todos os campos de experiência e, certamente, em todas as idades. Ginsburg (2021, tradução nossa) afirma que:

Crianças pequenas, mesmo bebês, estão expostas a muitas regularidades em seu mundo e nelas próprias. Elas encontram regularidades que são fixas e não se movem, como listras nas roupas. Outras regularidades se desdobram com o tempo, como as canções, ou continuam indefinidamente, como contar de dois em dois.

Para os bebês, as crianças bem pequenas e as crianças pequenas, o corpo tem centralidade nos processos de aprendizagem. Por meio de experiências sensórias, os alunos da educação infantil vão desenvolvendo noções fundamentais para que avancem das aprendizagens em Matemática nas etapas seguintes de escolarização, quando vai se tornar necessário o emprego de raciocínios mais abstratos e o uso progressivo de linguagem e formalização matemáticas. Nesse sentido, é interessante observar que o trabalho pedagógico com padrões encontra no campo de experiência “Corpo, gestos e movimentos” muitas possibilidades3. Assim, considerando o objetivo “(EI01CG03) Imitar gestos e movimentos de outras crianças, adultos e animais” (Brasil. MEC, 2018, p. 47), é possível propor que os bebês repitam uma sequência de gestos indicados pela professora. Por exemplo, tocando na boca, em seguida no nariz e, depois, na orelha, para, então, recomeçar a sequência: boca, nariz, orelha; boca, nariz, orelha...

Conforme as crianças crescem, torna-se pertinente incluir propostas um pouco mais elaboradas, já que as habilidades físicas adquiridas com o tempo permitem novos desafios, como pular e correr. Por exemplo, em face do objetivo “(EI02CG03) Explorar formas de deslocamento no espaço (pular, saltar, dançar), combinando movimentos e seguindo orientações” (Brasil. MEC, 2018, p. 47), pode-se propor que as crianças bem pequenas criem sequências de movimentos e(ou) gestos. Também é interessante criar percursos com sequência de obstáculos que pressuponham passar por baixo, subir, pular, escorregar, saltar com um pé só. Para as crianças pequenas, temos o objetivo “(EI03CG03) Criar movimentos, gestos, olhares e mímicas em brincadeiras, jogos e atividades artísticas como dança, teatro e música” (Brasil. MEC, 2018, p. 47). Seguem sendo interessantes propostas semelhantes às já indicadas, mas torna-se também desejável incluir as crianças na própria criação das sequências de gestos e movimentos.

Para o campo de experiência “Traços, sons, cores e formas”, o mais expressivo, no que se refere aos padrões, encontramos os seguintes objetivos: “(EI01TS03) Explorar diferentes fontes sonoras e materiais para acompanhar brincadeiras cantadas, canções, músicas e melodias” e “(EI02TS01) Criar sons com materiais, objetos e instrumentos musicais, para acompanhar diversos ritmos de música” (Brasil. MEC, 2018, p. 48). O trabalho com ritmos musicais e canções traz uma infinidade de novas possibilidades. Com os bebês, o foco deve estar em criar ocasiões nas quais eles possam desenvolver a percepção de regularidades sonoras. Para as crianças, é possível incluir desafios para que criem ritmos e sequências de sons, imitando animais, cantando, acompanhando ritmos nas canções ou tocando instrumentos musicais. Nesse ponto, é interessante observar que vivenciar e perceber ritmos e rimas constitui-se em um dos primeiros contatos das crianças com padrões repetitivos (Du Plessis, 2018). Os professores podem potencializar essas experiências infantis contribuindo para a construção de

[...] hábitos mentais que dão apoio à busca de regularidade e generalização em Matemática pela utilização do ritmo. Continuar um ritmo, estendendo sua regularidade, é um exemplo de generalização de padrões pela identificação de sua estrutura cíclica, o que pode ser apreendido por crianças bem pequenas (Du Plessis, 2018, p. 2, tradução nossa).

No mesmo sentido, as atividades que envolvem o trabalho com rimas, aliterações e a variedade de estruturas literárias também são muito potentes e estão bastante presentes nas proposições para a educação infantil. Quanto a isso, no campo de experiência “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, há um objetivo para cada grupo de idade:

  • (EI01EF08) Participar de situações de escuta de textos em diferentes gêneros textuais (poemas, fábulas, contos, receitas, quadrinhos, anúncios etc.) (Brasil. MEC, 2018, p. 50).

  • (EI02EF02) Identificar e criar diferentes sons e reconhecer rimas e aliterações em cantigas de roda e textos poéticos (Brasil. MEC, 2018, p. 49).

  • (EI03EF02) Inventar brincadeiras cantadas, poemas e canções, criando rimas, aliterações e ritmos (Brasil. MEC, 2018, p. 49).

Na literatura infantil, muitos livros apresentam estruturas de repetição e de crescimento na narrativa das histórias, como no caso do livro Quando nasce um monstro, de Sean Taylor e Nick Sharratt. Nesse livro, há a repetição de uma mesma estrutura ao longo de toda a história:

Quando nasce um monstro... existem duas possibilidades - ou é um monstro das-florestas-distantes, ou... é um monstro debaixo da sua cama. Se ele é um monstro-das-florestas distantes, tudo bem. Mas se ele é um monstro debaixo-da-sua-cama, existem duas possibilidades - ou ele come você, ou... vocês ficam amigos e você o leva para a escola. Se ele come você, tudo bem. Mas se você o leva para a escola, existem duas possibilidades [...] (Taylor; Sharratt, 2009, p. 4-9, grifos nossos).

Evidentemente, a leitura de poemas também envolve muitas situações interessantes para a percepção de padrões. Se considerarmos, por exemplo, o poema As Meninas, de Meireles (1967), podemos notar que tanto a rima, quanto a métrica, são elementos que podem ser mobilizados no trabalho pedagógico com padrões:

As Meninas

Arabela

abria a janela.

Carolina

erguia a cortina.

E Maria

olhava e sorria: “Bom dia!”

Arabela

foi sempre a mais bela.

Carolina

a mais sábia menina.

E Maria

apenas sorria: “Bom dia!”

Pensaremos em cada menina

que vivia naquela janela;

uma que se chamava Arabela,

outra que se chamou Carolina.

Mas a nossa profunda saudade

é Maria, Maria, Maria,

que dizia com voz de amizade: “Bom dia!”

Como o foco nesse nível de ensino está na exploração de padrões, seria interessante, depois da própria leitura e fruição do texto, propor uma atividade de jogral, em que a alternância das crianças ao recitar o poema pode acentuar a percepção das regularidades. Além disso, não seria desafiador propor para os maiores que criassem um poema semelhante, trocando os nomes das meninas?

No que se refere à percepção de cores e formas, vale ressaltar que os bebês têm grande interesse por padrões visuais, que aparecem, por exemplo, em tecidos listrados ou com estampas regulares (Ginsburg, 2021). Isso significa que é valioso criar situações em que eles possam ampliar e diversificar essas experiências. Para as crianças maiores, os traços, as cores e as formas podem ser dispostos em sequências que elas devam identificar e continuar; não apenas em atividades realizadas com papel e lápis, mas também manipulando e posicionando objetos diversos (como blocos coloridos, brinquedos, folhas e pedrinhas, entre outros).

Em “Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações”, temos mais alguns objetivos associados ao trabalho com padrões. Um dos aspectos a destacar diz respeito às experiências infantis com o tempo e a importância de que identifiquem a alternância entre dia e noite, dia de semana e final de semana e, também, noções como ontem, hoje e amanhã: “(EI02ET06) Utilizar conceitos básicos de tempo (agora, antes, durante, depois, ontem, hoje, amanhã, lento, rápido, depressa, devagar)” (Brasil. MEC, 2018, p. 51). Também o desafio de ordenar objetos variados pode abrir espaço para a exploração de modos de organização, seguindo determinado padrão:

  • (EI02ET05) Classificar objetos, considerando determinado atributo (tamanho, peso, cor, forma etc.) (Brasil. MEC, 2018, p. 51).

  • (EI03ET05) Classificar objetos e figuras de acordo com suas semelhanças e diferenças (Brasil. MEC, 2018, p. 51).

Na experiência com espaços e movimentos, mais uma vez a percepção de ritmo entra em cena. As brincadeiras no pátio, a sensação de velocidade e regularidade no balanço, a alternância regular de movimentos nas danças coreografadas permitem a vivência sensória de padrões para os bebês e ampliam para as crianças bem pequenas e pequenas a multiplicidade de novas oportunidades:

  • (EI01ET06) Vivenciar diferentes ritmos, velocidades e fluxos nas interações e brincadeiras (em danças, balanços, escorregadores etc.) (Brasil. MEC, 2018, p. 51).

  • (EI02ET04) Identificar relações espaciais (dentro e fora, em cima, embaixo, acima, abaixo, entre e do lado) e temporais (antes, durante e depois) (Brasil. MEC, 2018, p. 51).

Por fim, entram aqui também os números, nas atividades propostas para as crianças de 4 e 5 anos. Torna-se possível inserir alguns elementos de formalização dos raciocínios que envolvem relações. Tanto na oralidade, em rodas de conversa, como em desenhos e formas intuitivas de registro, é possível propor para esse grupo etário desafios no sentido da comunicação daquilo que eles percebem, das soluções dadas aos problemas, das diferentes estratégias. O conhecimento dos números cria ocasião para identificação, por exemplo, do número que falta em uma sequência, do número subsequente ou anterior. As investigações em relação às formas de medição permitem introduzir a compreensão do registro das medidas recorrendo a uma unidade padrão, que nessa fase pode ser um pedaço de barbante com o qual as crianças possam medir a altura dos colegas, fazendo alguns registros e estabelecendo comparações:

  • (EI03ET04) Registrar observações, manipulações e medidas, usando múltiplas linguagens (desenho, registro por números ou escrita espontânea), em diferentes suportes (Brasil. MEC, 2018, p. 51).

  • (EI03ET07) Relacionar números às suas respectivas quantidades e identificar o antes, o depois e o entre em uma sequência (Brasil. MEC, 2018, p. 52).

  • (EI03ET08) Expressar medidas (peso, altura etc.), construindo gráficos básicos (Brasil. MEC, 2018, p. 52).

A proposição de padrões e regularidades em álgebra nos anos iniciais do ensino fundamental

Para o ensino fundamental, a BNCC aponta o letramento matemático como foco central:

O ensino fundamental deve ter compromisso com o desenvolvimento do letramento matemático, definido como as competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas em uma variedade de contextos, utilizando conceitos, procedimentos, fatos e ferramentas matemáticas (Brasil. MEC, 2018, p. 266, grifo do autor).

Nesse documento, é vinculado à álgebra que o estudo de padrões e regularidades aparece mencionado:

A unidade temática Álgebra, por sua vez, tem como finalidade o desenvolvimento de um tipo especial de pensamento - pensamento algébrico - que é essencial para utilizar modelos matemáticos na compreensão, representação e análise de relações quantitativas de grandezas e, também, de situações e estruturas matemáticas, fazendo uso de letras e outros símbolos. Para esse desenvolvimento, é necessário que os alunos identifiquem regularidades e padrões de sequências numéricas e não numéricas, estabeleçam leis matemáticas que expressem a relação de interdependência entre grandezas em diferentes contextos, bem como criar, interpretar e transitar entre as diversas representações gráficas e simbólicas, para resolver problemas por meio de equações e inequações, com compreensão dos procedimentos utilizados (Brasil. MEC, 2018, p. 270).

No que se refere à formalização matemática propriamente, a previsão é que se inicie nos anos finais, mas isso não significa que o desenvolvimento do pensamento algébrico deva estar restrito àquela etapa:

Nessa perspectiva, é imprescindível que algumas dimensões do trabalho com a álgebra estejam presentes nos processos de ensino e aprendizagem desde o ensino fundamental - anos iniciais, como as ideias de regularidade, generalização de padrões e propriedades da igualdade. No entanto, nessa fase, não se propõe o uso de letras para expressar regularidades, por mais simples que sejam. A relação dessa unidade temática com a de números é bastante evidente no trabalho com sequências (recursivas e repetitivas), seja na ação de completar uma sequência com elementos ausentes, seja na construção de sequências segundo uma determinada regra de formação (Brasil. MEC, 2018, p. 270).

O documento ressalta que, para os anos iniciais do ensino fundamental, “as habilidades matemáticas que os alunos devem desenvolver não podem ficar restritas à aprendizagem dos algoritmos das chamadas ‘quatro operações’, apesar de sua importância” (Brasil. MEC, 2018, p. 276).

Ao analisar a inserção da álgebra como uma das unidades temáticas do estudo da Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental no documento preliminar à BNCC, Lima e Bianchini (2017) concordam com a proposição de começar mais cedo o trabalho com álgebra e enfatizam que isso não significa negligenciar o ensino de aritmética, mas sim a possibilidade de articular essas áreas, visto que “o pensamento algébrico também se desenvolve por meio da compreensão das relações, padrões e estruturas matemáticas, inicialmente da aritmética” (Lima; Bianchini, 2017, p. 202). A proposta do trabalho com regularidades, com o estabelecimento de relações e comparações entre expressões numéricas e padrões geométricos e com a noção de equivalência são alguns dos aspectos destacados pelos autores.

Em continuidade ao exposto, Favero e Manrique (2021, p. 8, grifos das autoras) analisaram a versão homologada em 2018 e afirmam que, na proposição do ensino de álgebra para os anos iniciais, “são enfatizadas a ideia de regularidade, as propriedades da igualdade, a generalização de padrões e a noção intuitiva de função. Não há a exigência do uso de letras e é sugerida a articulação com outras unidades temáticas”. As autoras sistematizaram as habilidades propostas para os anos iniciais que se relacionam com o desenvolvimento do pensamento algébrico e identificaram que essas não se encontram, afinal, restritas à unidade temática “Álgebra”. Além disso, observaram que o documento dá bastante atenção ao trabalho com padrões e regularidades, mas destacam que há excessiva centralização em sequências, ponderando que “é necessário explorar regularidades e padrões em outras situações também” (Favero; Manrique, 2021, p. 13).

Concordando com as análises mencionadas acima, consideramos que é preciso que os professores que ensinam Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental compreendam que o trabalho no sentido do desenvolvimento do pensamento algébrico não se reduz, portanto, àquilo que a BNCC apresenta como álgebra. É possível realizar propostas pedagógicas que mobilizem identificação, descrição e generalização de padrões em atividades associadas à leitura, escrita, arte, educação física etc. No âmbito da matemática, muitas possibilidades se apresentam também nas unidades temáticas “números”, “geometria” e “grandezas e medidas”. Nesse sentido, é preciso atentar para o fato de que há um conjunto muito maior de atividades a serem desenvolvidas do que o documento induz a crer e, mais que isso, é fundamental que os professores compreendam que se trata, principalmente, de levar os alunos a pensarem de um certo modo. No trabalho em sala de aula, um dos primeiros desafios (e isso consta entre as habilidades propostas na BNCC4) é identificar padrões em situações variadas. Tendo sido capazes de identificar um padrão, os alunos podem dar sequência, completando com os termos que faltam ou indicando o elemento seguinte. Há, ainda, a necessidade de descrever, o que pode ser feito oralmente, e registrar o padrão identificado, o que pode ser feito com desenhos, símbolos ou outros recursos. Em qualquer idade, é importante valorizar o desenho como forma de registro; pouco a pouco, os alunos passam a ser capazes de traduzir esses raciocínios em linguagem mais formal.

Além das atividades destacadas pelos verbos mencionados no parágrafo anterior, criar padrões é também uma maneira de permitir que os alunos expressem diferentes possibilidades de pensar e, nesse sentido, avancem na capacidade de generalizar. Isso implica reconhecer que o trabalho com padrões nas aulas de Matemática não pode se tornar uma atividade mecânica e repetitiva de “complete as sequências”, visto que o ganho cognitivo é muito mais significativo quando o aluno passa da identificação dos padrões e sua reprodução intuitiva à compreensão da regra geral e à capacidade de expressar os raciocínios envolvidos na tarefa. Ou seja, é importante que a aula de Matemática com padrões seja um momento de fala, troca de ideias, resolução de problemas e observação das soluções dadas pelos colegas:

As tarefas com padrões dão aos estudantes oportunidades para observar e verbalizar as suas próprias generalizações e traduzi-las numa linguagem mais formal de acordo com a idade. E, se os professores não tiverem nas suas práticas o hábito de propor aos alunos tarefas para exprimir as suas próprias generalizações, então não haverá lugar para o pensamento matemático (Vale, 2012, p. 190).

No que se refere à identificação de padrões, ainda que possa parecer algo muito simples, é preciso observar que não se trata de uma habilidade automática. Os alunos partem do reconhecimento global e intuitivo de um padrão, mas precisam avançar na capacidade de identificar as partes que o constituem. Essa tarefa pode se mostrar bastante desafiadora para os alunos desse grupo etário. Por exemplo, diante de uma sequência como ♪♫♪♫♪♫♪♫♪♫, o mais comum é que não tenham dificuldade em identificar que se trata da alternância de duas unidades diferentes, ♪ e ♫; mas podem achar mais difícil perceber que ♪♫ constitui uma unidade em si, que se repete. Para que os alunos avancem no desenvolvimento do pensamento algébrico, é importante que eles sejam convidados não apenas a continuar uma sequência dada, mas a explicar o raciocínio que os levou a identificar o padrão e que permitiu continuar a sequência. É fundamental, ainda, que tenham ocasião para ouvir as explicações dos colegas, que podem ter outras compreensões em torno de um mesmo desafio. Zapatera Llinares (2017) indica que, diante de um problema que envolve a quantidade de mesas e cadeiras para uma festa infantil, as soluções propostas pelos alunos mobilizam estratégias variadas. De modo geral, os alunos começam adicionando mais mesas e cadeiras seguindo o modelo, mas têm dificuldade em apontar uma generalização do padrão que permita resolver o problema sem desenhar cada mesa e cadeira acrescentada. Segundo o autor, a generalização de padrões é uma das aprendizagens mais importantes:

A generalização consiste em passar do particular ao geral e em ver o geral no particular e a generalização de padrões implica 1) tomar consciência de uma propriedade comum, 2) generalizar essa propriedade a todos os termos da sequência e 3) usar essa propriedade comum para encontrar uma regra que permita calcular diretamente qualquer termo da sequência (Zapatera Llinares, 2017, p. 89, tradução nossa).

No caso das sequências recursivas, por exemplo, é interessante solicitar aos alunos que expressem oralmente ou por escrito, com suas próprias palavras, que regra eles notaram na sequência (por exemplo, a cada figura tem uma bolinha a mais).

Quando a proposta envolve resolução de problemas e comunicação de raciocínios, os alunos são, portanto, desafiados a observar que há mais de uma maneira de compreender um mesmo padrão e isso os impulsiona a flexibilizar os modos de pensar, condição essencial ao avanço de suas capacidades matemáticas. Como argumenta Vale (2012, p. 194-195),

O reconhecimento de padrões e a generalização através de regras que os próprios alunos podem formular, recorrendo à linguagem verbal e à simbologia matemática, permitindo que o ensino de álgebra se processe de modo gradual e ajude a desenvolver a capacidade de abstracção [é] essencial na aprendizagem Matemática.

Isso implica que os professores estabeleçam articulações entre diferentes áreas da Matemática, como propõe a BNCC, abrindo espaço para a diversificação dos modos de pensar, a identificação de estruturas matemáticas, o estabelecimento de relações, o recurso à simbolização:

O papel do professor neste processo é crucial. A forma como se apresenta uma tarefa ou como o questionamento é efectuado pode condicionar que uma simples tarefa aritmética se transforme numa tarefa algébrica, onde há espaço para construir padrões, conjecturar, generalizar e justificar factos e relações matemáticas. Blanton e Kaput (2005) consideram que o raciocínio algébrico pressupõe que os alunos, partindo da observação de um conjunto de evidências, generalizem ideias matemáticas através de argumentações, expressando-as de modos cada vez mais formais de acordo com a idade. Assim, a álgebra é vista como uma ferramenta para expressar tais generalizações (Vale, 2012, p. 187).

Não se trata, portanto, de simplesmente incorporar às aulas algumas atividades com sequências, e sim de criar desafios variados que envolvam momentos em que os alunos precisem explicar seus modos de pensar e conhecer múltiplas possibilidades de raciocínio. Nesse sentido, como sugerem Blanton e Kaput (2005, p. 440, tradução nossa), “os professores da escola elementar devem desenvolver ‘olhos e ouvidos’ para a álgebra como um novo modo tanto de ver a Matemática que eles ensinam como de ouvir os estudantes pensando sobre ela”, ou seja, não basta propor exercícios ou atividades com padrões e regularidades, é preciso acompanhar e estimular os raciocínios. Daí a necessidade de autonomia e preparo do professor para criar atividades pedagógicas e situações de desafio matemático. Como ressalta Vale (2012, p. 184), “O professor ao longo da sua prática tem de efectuar um conjunto de decisões durante o processo de instrução que dependem de vários factores que afectam as suas acções, incluindo a forma de interpretar o currículo e seleccionar os materiais curriculares e estratégias adequados a utilizar”. Portanto, a BNCC não deve ser assumida como determinante da prática. É mais produtivo considerá-la como um recurso que abre interessantes possibilidades. Nacarato e Custódio (2018, p. 23) enfatizam esse ponto ao afirmar que o professor

[...] precisa garantir que as tarefas elaboradas coloquem o estudante num contexto investigativo que permita o levantamento de hipóteses, o diálogo em sala de aula e a elaboração de sínteses, pelos alunos e pelo professor. Assim, apenas a escolha das tarefas não é suficiente para que seja criado um ambiente de apropriação e de produção de conhecimentos, que viabilize o desenvolvimento do pensamento algébrico.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi analisar as possibilidades pedagógicas para um ensino que favoreça o desenvolvimento do pensamento algébrico desde os primeiros anos de escolaridade. Pretendemos lançar um olhar para o potencial e o papel da ação de professores ao ensinar Matemática na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental em relação ao desenvolvimento do pensamento algébrico desde a primeira infância. Para isso, assumimos a BNCC como ponto de partida, tendo em vista que esse documento direciona o olhar de profissionais da educação para o assunto ao colocar álgebra como uma das unidades temáticas no ensino fundamental. Nossa proposta foi ampliar esse olhar também para a educação infantil, considerando que o pensamento algébrico, seguindo o que vários pesquisadores têm demonstrado, pode ser desenvolvido desde os primeiros anos, já no grupo dos bebês e das crianças bem pequenas. Houve, neste artigo, o esforço de mostrar as possibilidades do trabalho com padrões a partir das propostas que estão na BNCC para a educação infantil e, também, para os anos iniciais do ensino fundamental, inclusive fora do bloco temático álgebra.

Procuramos na literatura existente o aporte teórico para lançar a discussão acerca da importância do olhar competente de professores que atuam nos anos iniciais de escolarização para o trabalho pedagógico que favoreça o desenvolvimento do pensamento algébrico. Chamamos a atenção para a necessidade de desenvolver nos profissionais que ensinam ou vão ensinar Matemática na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental a sensibilidade e o conhecimento necessário para perceber esse potencial nos campos de experiência e nas unidades temáticas, conforme consta na BNCC. Para compreender o assunto, é importante saber o que são padrões e de que forma essa noção está relacionada a regularidades, repetição e pensamento algébrico. Foram destacadas neste texto algumas conclusões de estudos recentes que indicam a relação entre o estudo dos padrões e o desenvolvimento do pensamento algébrico. Foram trazidas também contribuições de autores que evidenciam a relação entre o estudo de padrões e o avanço de competências matemáticas nos alunos. Importa notar que há melhora das capacidades de raciocínio e de comunicação de ideias mais abstratas em alunos que são desafiados desde pequenos a desenvolver atividades exploratórias com propostas que valorizam a criatividade e a resolução de problemas.

Buscamos aqui reunir estudos que propõem a introdução desse tema no trabalho com crianças e, nesse sentido, chamamos a atenção para o fato de que não se trata de incluir um assunto novo, e sim de desenvolver, por parte dos professores, um novo olhar para as atividades que são realizadas nessa etapa da escolarização para o ensino de Matemática. Isso nos conduziu à conclusão de que a formação do professor que ensina ou vai ensinar Matemática precisa levar esses aspectos em consideração. Houve um esforço no sentido de trazer algumas sugestões e exemplos de propostas pedagógicas para ilustrar as indicações que foram destacadas da BNCC, tanto para a educação infantil como para os anos iniciais do ensino fundamental.

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1Para o aprofundamento acerca da noção de currículo, ver Gimeno Sacristán (2000).

2Na BNCC, os objetivos para os bebês aparecem indicados pela sigla EI01...; para as crianças bem pequenas, EI02... e para as crianças pequenas, EI03...

3O volume intitulado “O desenvolvimento do pensamento algébrico na educação básica”, organizado por Nacarato e Custódio (2018), traz várias sugestões de atividades para o trabalho em sala de aula com padrões em todos os níveis de ensino, incluindo a educação infantil e os anos iniciais de ensino fundamental.

4Para uma descrição detalhada das habilidades na BNCC que envolvem o desenvolvimento do pensamento algébrico para os anos iniciais do ensino fundamental, ver Favero e Manrique (2021).

Recebido: 24 de Setembro de 2021; Aceito: 16 de Maio de 2022

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