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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.264 Brasília maio/ago 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i264.4933 

Resenhas

Histórias de vida e políticas de sentido no currículo e na formação docente

Joelson de Sousa MoraisI  II 
http://orcid.org/0000-0003-1893-1316

IUniversidade Federal do Maranhão (UFMA). Codó, Maranhão, Brasil. E-mail: <joelsonmorais@hotmail.com>.

IIDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, São Paulo, Brasil.

GOODSON, Ivor F. Aprendizagem, currículo e política de vida, : obras selecionadas de Ivor F. Goodson. Henriques, Daniela Barbosa. Petrópolis: Vozes, 2020.


De uma sensibilidade e perspicácia de grande potencialidade, Ivor F. Goodson é uma referência mundial no campo da educação, do currículo, das histórias de vida e da pesquisa narrativa. Está envolvido também com estudos que levam em consideração a vida e a carreira dos professores, bem como o profissionalismo docente. Atualmente, Goodson é professor de Teoria da Aprendizagem no Centro de Pesquisa em Educação, na Universidade de Brighton, no Reino Unido, e de Pesquisa Internacional na Universidade de Tallinn, na Estônia, além de ter vasta experiência em pesquisa, publicações e produção do conhecimento na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, ocupando inúmeros cargos como visitante em diferentes países.

Com uma rica produção e contribuições no campo da educação em nível mundial acerca das histórias de vida e narrativas de professores e profissionais de outras áreas, que vêm se consolidando há mais de quarenta anos, Ivor Goodson nos abrilhanta com mais uma obra sua lançada no Brasil, no final do ano de 2020.

Trata-se do livro Aprendizagem, currículo e política de vida: obras selecionadas de Ivor F. Goodson, lançado pela Editora Vozes. A obra é constituída de 392 páginas, contemplando textos do autor já publicados em língua inglesa e que foram traduzidos para o português. É um projeto que chega a professores e pesquisadores brasileiros, sobretudo da área da educação, mas também de outras tantas áreas que tomam suas reflexões como possibilidade investigativa, de aprendizagem e de formação.

O livro se organiza, inicialmente, com o “Prefácio à edição brasileira”, os “Agradecimentos” e a “Introdução - Aprendizagem, currículo e política de vida”. Compõe-se, a seguir, de três partes, assim tematizadas: “Parte I - Aprendizagem e currículo”; “Parte II - Métodos”; e “Parte III - Política de vida”. Apresentam-se, no total, 19 capítulos que, embora independentes entre si e elucidando determinadas perspectivas no campo da educação, estão interligados, situando as políticas educacionais, o currículo, a formação docente e a necessidade de ouvir a voz do professor, entre outras questões.

Suas preocupações aludem, por exemplo, às implicações das histórias de vida dos professores e buscam, em especial, situar como eles se percebem em embates e refrações das estruturas e organizações sociais.

Na obra, são tratados vários temas que se relacionam com as experiências de vida, pesquisa e formação do autor ao longo de sua trajetória, destacando-se: a diferença entre estórias e histórias de vida; a história do currículo; a criação curricular; as reformas educacionais; os métodos de ensino ao longo de diferentes épocas; a estória da história de vida; a pesquisa-ação, entre outros assuntos.

A importância do livro se reflete no foco crescente na “política de vida”, devido ao “triunfo da sociedade individualizada”, segundo a qual:

[...] a política de vida individual torna o ponto de contestação social. Antes o foco estava nos movimentos sociais coletivos, por exemplo, para a mudança curricular ou escolar. Agora uma estratégia principal para entender a mudança social deve se concentrar na política de vida dos indivíduos (Goodson, 2020, p. 25).

Nesse sentido, os saberes e conhecimentos da vida individual, pautados na subjetividade de professores (pelas histórias de vida) e de outros agentes educacionais, configuram-se como determinantes para a melhoria das carreiras e a emergência de políticas, fundamentais ao desenvolvimento da vida e profissão da pessoa, do professor.

Goodson aposta muito no conhecimento das histórias de vida dos professores e defende a potencialidade da educação pública como promotora de transformações substanciais nas políticas e reformas educativas, no currículo, na avaliação da aprendizagem, na formação e na profissionalização desses sujeitos, mediatizados pelas histórias de vida e narrativas produzidas e circuladas no cotidiano escolar e para além de seus muros.

As abordagens teóricas e epistemológicas sobre o currículo são uma dimensão muito presente em toda a obra do autor e evidenciam sua pertinência conceitual e implicações formativas, que têm um valor inestimável no campo da educação. Cabe então salientar, segundo o educador, que:

[...] a palavra ‘currículo’ deriva da palavra latina currere, que significa ‘correr’ e se refere a um curso (ou corrida de carruagens). As implicações da etimologia são que o currículo é, portanto, definido como um curso a seguir ou, sobretudo, a apresentar (Goodson, 2020, p. 72, grifo do autor).

Em suas reflexões conceituais acerca do currículo, o autor aprofunda um pouco a sua historicidade, mostrando-nos que o surgimento do termo data de 1633, em Glasgow, na Escócia; também aponta o modo de organização e surgimento das “classes”, o que sinalizava um tipo de currículo escolar que foi discutido na Faculdade de Montaigne, em Paris, entre os séculos 16 e 17.

Além do mais, “um dos problemas perenes de se estudar o currículo é que ele é um conceito multifacetado construído, negociado e renegociado em vários níveis e arenas” (Goodson, 2020, p. 199), o que o torna crucial de ser entendido e que faz toda a diferença na construção de uma educação de qualidade.

Nas discussões acerca do currículo, o autor defende veementemente em todo o livro: a construção social cotidiana do currículo e da educação; o currículo em ação; o currículo como produto histórico-social; o currículo como negociação, entre outras dimensões.

Em um dos relevantes capítulos da obra, intitulado “A estória da história de vida”, Goodson faz uma viagem aprofundada e potencialmente significativa ao surgimento das histórias de vida como corrente de pensamento e produção de saberes e conhecimentos, trazendo as diferenças e pertinências entre estórias de vida e histórias de vida. A esse respeito, pontua:

“A estória da história de vida” apresenta um breve resumo da emergência histórica da tradição de história de vida, especialmente na Universidade de Chicago na década de 1920. Na sua primeira encarnação, a abordagem da história de vida perdeu prestígio devido a defesa cada vez mais poderosa dos métodos estatísticos, mas também porque a natureza qualitativa do método solapou a postura da sociologia como possuidora de status científico. Ademais, até mesmo entre os sociólogos inclinados à etnografia, mais ênfase passou a ser dada a situações interativas do que na biografia como a base para entender o comportamento humano (Goodson, 2020, p. 26).

É nessa historicidade que o autor mostra tanto o surgimento das histórias de vida no campo acadêmico no início do século 20 como o seu declínio, que perdurou por algumas décadas, ressurgindo com total vigor e potencialidade a partir da década de 1980, tornando-se, atualmente, uma fonte rica e contribuidora de transformações e políticas na escola, na educação, no sistema de ensino e na própria vida do professor.

Mediante as histórias de vida dos professores, é possível depreender e compreender a realidade histórico-social da qual eles fazem parte, os conflitos que enfrentam em seu cotidiano existencial e desenvolvimento profissional, bem como o currículo operacionalizado, as políticas educacionais, a formação que possuem os docentes, as práticas de ensino etc.

Por meio dessas histórias de vida, acentua-se uma precípua possibilidade de refletir e refratar a realidade diante das políticas educativas vigentes e que impactam, sobremaneira, a vida e profissão do professor, reverberando, entre outras questões: na tessitura de suas subjetividades; na organização do trabalho pedagógico; nos conhecimentos mobilizados no cotidiano da prática pedagógica; na avaliação realizada com os alunos; na sua formação; na consciência crítica e reflexiva; na relação com os alunos, os outros professores e demais agentes educacionais.

No entanto, é preciso compreender qual a diferença existente entre estórias de vida e histórias de vida, tendo em vista que a primeira se reflete na emergência da própria história contada pelos professores e a segunda diz respeito a um nível de politicidade tramada pela interpretação, pela influência e pela relação com outros contextos sociais mais amplos. Segundo retrata o educador:

A diferença vital entre narrativas/estórias de vida e histórias de vida totalmente desenvolvidas é que a estória ou narrativa está localizada no contexto histórico em que as vidas estão incorporadas e enraizadas. Os enredos e roteiros pelos quais recontamos a nossa vida se relacionam às condições e possibilidades atuais em determinados períodos históricos (Goodson, 2020, p. 25-26).

Ademais, Goodson acredita na potencialidade e riqueza que as histórias de vida podem significar e trazer à vida do professor, às políticas e reformas educativas, curriculares e pedagógicas e à consequente melhoria da escola pública gratuita, laica e de qualidade.

Aprendizagem, currículo e política de vida: obras selecionadas de Ivor F. Goodson é, portanto, uma obra inestimável e especialmente valorosa (com a qual nos presenteou Ivor Goodson) no campo da educação, sobretudo para os pesquisadores narrativos que atuam na área. Espera-se que suas ideias contribuam para o surgimento de um cenário fértil de compreensão da realidade à nossa volta (em nossas vidas, formação e desenvolvimento profissional), permitindo a percepção sobre a riqueza e potencialidade do currículo, das histórias de vida e das políticas subjetivas da vida do sujeito como transformadores e possibilitadores de mudanças substanciais e de emancipação das consciências.

Referências

GOODSON, I. F. Aprendizagem, currículo e política de vida: obras selecionadas de Ivor F. Goodson. Tradução de Daniela Barbosa Henriques. Petrópolis: Vozes, 2020. [ Links ]

Recebido: 24 de Maio de 2021; Aceito: 20 de Fevereiro de 2022

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