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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.264 Brasília maio/ago 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i264.5146 

Resenhas

Uma enciclopédia temática para a educação superior brasileira

Maria do Carmo de Lacerda PeixotoI  II 
http://orcid.org/0000-0001-9960-707x

IUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <mcarmolp@gmail.com>.

IIDoutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

MOROSINI, M. Enciclopédia Brasileira de Educação Superior - EBES. ., Porto Alegre: EDIPUCRS, 2021. 2 v.,


Em 2003 e 2006, com o objetivo de contribuir para a metateoria da pedagogia universitária numa perspectiva epistemológica, pesquisadores integrantes da Rede Sul Brasileira de Investigadores da Educação Superior (Ries) publicaram os volumes I e II da Enciclopédia de Pedagogia Universitária - Glossário. Em 2021, a rede publicou a Enciclopédia Brasileira de Educação Superior (Ebes) com o objetivo de proporcionar olhares sobre posições, pensamentos e fatos na contemporaneidade, externar tendências e motivar a busca de respostas aos desafios para a educação superior na atualidade.

Em dois volumes, a Ebes contém oito capítulos e um índice temático. Os capítulos se estruturam em eixos, abordando natureza, desenvolvimento e organização do campo, e contextos emergentes. No primeiro volume, encontram-se os temas: a internacionalização, as políticas, a gestão e a avaliação da educação superior, enquanto no segundo volume se acham os temas: a história, o currículo e as práticas da educação superior e dois atores: os professores e os estudantes da educação superior.

No capítulo sobre a internacionalização da educação superior, Marília Morosini e Marilene Gabriel Dalla Corte ressaltam a ampla abrangência e ambiguidade do fenômeno. Apontam que ele se constitui num campo científico com abordagem interdisciplinar, influenciado pelos movimentos mundiais de nacionalismo, regionalização e globalização, em diferentes gradações, com diferentes ethos, e se associa a três movimentos mundiais interconectados: os marcos regulatórios da União Europeia, a busca de aperfeiçoamento de estudantes de países emergentes, baseada na crença da cientificidade do conhecimento do norte, e o movimento na direção sul-sul, que valoriza o conhecimento de realidades emergentes. O capítulo é composto por três eixos temáticos, focalizando as concepções e interfaces de internacionalização, as políticas públicas da educação superior, a internacionalização em contextos emergentes, os atores da internacionalização, as questões relacionadas a esse processo na América Latina e no Brasil, além das estratégias de expansão, institucionalização e avaliação da qualidade.

No capítulo sobre políticas da educação superior, Sérgio Roberto Kieling Franco aborda a concepção de política e sua interação com as relações de poder, destacando que os fluxos de ação do Estado envolvem as interações entre os agentes governamentais e a sociedade civil e entre a configuração institucional do Estado e o ordenamento jurídico. Ressalta a complexidade da política da educação superior brasileira, tendo em vista sua forte regulação e os diversos interesses envolvidos. Nos quatro eixos temáticos, o autor aborda conceitos da política da educação superior, como políticas sociais, políticas públicas, políticas educacionais, políticas da educação superior, política regional/internacional, além de tratar dos atos legais e normativos e dos preceitos constitucionais e legais, e de aspectos relacionados à estratégia nacional de ciência, tecnologia e inovação. São também abordados aspectos estruturais da educação superior no Brasil e seus atores institucionais, a regulação da educação superior, as políticas de desenvolvimento da pesquisa e o desenvolvimento da educação superior brasileira como campo das disputas, que dá materialidade aos princípios legais e constitucionais. Apesar de o capítulo ser amplo e detalhado, cabe fazer uma ressalva ao tratamento teórico da política na parte inicial do texto. Por ser característico de uma enciclopédia se dirigir a um público amplo, o aprofundamento da abordagem teórica seria importante para a compreensão dos conflitos e do contexto da política da educação superior brasileira.

No capítulo sobre gestão da educação superior, Maria Estela Dal Pai Franco e Solange Maria Longhi abordam a gestão como um campo de conhecimentos multidisciplinares com perspectiva interdisciplinar e interligado a diversas áreas disciplinares. Como campo do conhecimento, sua origem e seu desenvolvimento se reportam à administração da educação e às teorias de organização, destacando a eficiência econômica e a eficácia pedagógica como características da teoria organizacional clássica; a administração para a efetividade política da teoria política comparada; a relevância da razão para a teoria crítica; os elementos como globalização, internacionalização e neoliberalismo, que caracterizam os princípios gerenciais contemporâneos; e, nas abordagens emergentes, o princípio da organização. O capítulo está estruturado em três eixos, abordando conceitos da gestão na educação superior, tais como a gestão democrática e do conhecimento, a gestão da tecnologia e da sustentabilidade. Os eixos abordam ainda a organização e os processos decisórios institucionais, envolvendo o planejamento e o desenvolvimento da educação superior, além da relação entre os movimentos associativos acadêmicos e a gestão da educação superior.

No capítulo sobre a avaliação da educação superior, Denise Balarine Cavalheiro Leite e Marlis Morosini Polidori discutem as origens da avaliação, a gênese de sua relação com exames e seleção, sua natureza como campo científico, considerando conteúdos, paradigmas e modelos numa perspectiva clássica. As autoras registram que, para esse capítulo, revisaram, reelaboraram e ampliaram o corpus teórico constante do capítulo Avaliação da Educação Superior, da Enciclopédia de Pedagogia Universitária e do Glossário Avaliação da Educação Superior. O texto está estruturado em três eixos, nos quais são abordados a avaliação tradicional, com suas concepções clássicas, tradicionais e hegemônicas de avaliação; os aspectos relacionados à avaliação da pesquisa; as medidas em avaliação; os indicadores e impactos da avaliação e acreditação; bem como os programas e sistemas de avaliação da graduação e da pós-graduação brasileira. É discutida, ainda, a autoavaliação como avaliação solidária, entendida como contribuição da América Latina aos estudos sobre avaliação da educação superior.

No capítulo sobre a história da educação superior, José Vieira de Sousa analisa os múltiplos fatores que concorrem para explicar a gênese, o sentido e o alcance das transformações históricas da educação superior no mundo e no Brasil, tendo como ponto de partida a criação da Universidade de Bolonha. A partir do século 16, analisa o fenômeno em relação aos cenários mundiais, latino-americano e brasileiro, com suas especificidades, contradições e similaridades. O capítulo está organizado em quatro eixos, nos quais são abordadas a configuração do campo da história da educação superior, a pluralidade de atores e as tendências investigativas do campo, a origem da universidade, a ideia de modelos históricos de universidade e sua relação com ideias medievais, humanistas, iluministas e positivistas e a evolução da educação superior na América Latina, no Caribe e no Brasil, entre os séculos 16 e 19. Os acontecimentos do século 20 e início do 21 são tratados como legado da universidade e da diversidade institucional, estando presente também a discussão de temas característicos dos contextos emergentes, como as crises da universidade na sociedade globalizada, implicações da perspectiva gerencialista sobre as instituições e disparidades mundiais no acesso à educação superior.

No capítulo sobre os currículos e as práticas na educação superior, Cleoni Maria Barboza Fernandes busca clarificar a polissemia, a historicidade e o modo como o conceito de currículo tem sido apropriado. Discute a evolução do conceito e de suas concepções na perspectiva funcionalista, nas vertentes marxistas, e nos reconceptualistas, sintetizadas em três categorias: teorias tradicionais, críticas e pós-críticas. Compreende o desenvolvimento do currículo como um processo complexo, polissêmico e em contínuos movimentos políticos, envolvendo concepção, realização e avaliação. O capítulo é composto por três eixos, abordando a relação entre o currículo e suas práticas e as epistemologias, a partir da compreensão do conceito de epistemologias do Sul e dos ciclos de conhecimentos historicamente produzidos, visando abranger a historicidade dos estudos sobre o tema em sua complexidade e diversidade cultural e política. A organização curricular na educação superior e a relação que se estabelece entre as práticas curriculares e esta organização é também abordada, além de temas como currículo e cidadania, reinvenção de pedagogias universitárias, contextualização curricular, currículo e avaliação da aprendizagem.

No capítulo sobre o professor da educação superior, Maria Isabel da Cunha, Doris Pires Vargas Bolzan e Sílvia Maria de Aguiar Isaia discutem a profissão de professor, ressaltando que a noção de profissão se relaciona com a vida social política, cultural e econômica, residindo a responsabilidade por certificar o status social no grau de autonomia técnica do profissional. Nesse sentido, afirmam as autoras ser o professor uma semiprofissão, uma vez que sua ação oscila entre uma autonomia parcial e a obediência a uma regulação moral, política e institucional pré-definida. O capítulo está estruturado em dois eixos, abordando, em primeiro lugar, a formação docente, em que os processos formativos (lugares de formação) se configuram como categoria transversal e tem por componentes a formação inicial, em serviço, continuada (modalidades) e permanente. Em seguida, é discutido o desenvolvimento profissional do docente, tendo a docência como categoria transversal e como componentes as dimensões da docência, as culturas, a aprendizagem docente, as trajetórias, as redes de conhecimento e a profissão docente.

No capítulo sobre o estudante da educação superior, Vera Lúcia Felicetti discute a diferença entre o estudante e o aluno, estando caracterizado este último apenas pela figura legal do seu vínculo institucional, enquanto o estudante se insere numa cultura educacional mais complexa, sendo nela protagonista e partícipe, pois, além de receber lições, sobre elas se debruça para consolidar sua aprendizagem. Os estudos sobre o tema têm abordado o estudante considerando três dimensões: o acesso à educação superior, o percurso formativo e os resultados da formação, mas, dado que o egresso já não mais pertence ao contexto da educação superior, o capítulo abrange apenas as duas primeiras delas. Sendo assim, são dois os eixos: acesso e percurso formativo. O acesso se compõe de quatro aspectos: o nacional, relacionado aos processos de seleção organizados pelo governo federal; o institucional, relacionado aos processos próprios das instituições de educação superior; as outras formas de seleção; e as condições pessoais do estudante (cotista, primeira geração etc.). No eixo percurso formativo, a autora aborda o tipo de estudante na instituição, a inclusão do estudante, a aprendizagem, as estratégias de estudo e a interação acadêmica e social na educação superior. Cabe observar que, embora o conceito de inclusão constante do item 2.2 do capítulo seja abrangente, a abordagem da inclusão apresentada nos verbetes do percurso formativo é restrita às pessoas com necessidades especiais. Desse modo, estão ausentes do capítulo questões importantes também relativas à inclusão no percurso formativo, como é o caso dos diversos tipos de programas de apoio ao estudante implementados pelas instituições de educação superior, bem como das políticas públicas de permanência voltadas à assistência estudantil.

A publicação da Enciclopédia Brasileira de Educação Superior demonstra o empenho do grupo de pesquisadores aplicado na construção de uma obra de vulto, como referência para a compreensão da complexidade da educação superior no contexto atual. Os capítulos são trabalhados seguindo metodologia que dá abrangência e profundidade ao conhecimento acumulado sobre a temática, aportando contribuição para a reflexão sobre a educação superior brasileira. Deve ser observado, contudo, que a opção por trabalhar o fenômeno por temas e atores abriu lacunas que fazem com que a Ebes não atenda à complexidade da educação superior brasileira. Essa opção, certamente resultante da dimensão da equipe de autores, fez com que questões presentes na alteração da configuração da educação superior brasileira, tais como os resultados da introdução de cotas para negros e indígenas, os cursos de graduação tecnológica e, mesmo as relações com o mercado (empresa júnior, por exemplo), embora mencionados em alguns casos, não chegaram a estar devidamente abordados. Tendo em vista a contínua evolução da sociedade, de seus movimentos e, consequentemente, da educação superior, uma futura nova versão dessa enciclopédia poderia incluir capítulos que ampliem seu escopo, além de revisão das questões apontadas para dois dos capítulos.

Referências

MOROSINI, M. (Org.). Enciclopédia Brasileira de Educação Superior - EBES. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2021. 2 v. [ Links ]

Recebido: 08 de Outubro de 2021; Aceito: 18 de Abril de 2022

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