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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.264 Brasília maio/ago 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i264.5121 

Resenhas

O elogio da escola como lugar específico em que ocorre o ensinar e o aprender

IProfessor Titular da Universidade Federal de Itajubá (Unifei). Itajubá, Minas Gerais, Brasil. E-mail: <rrunifei@hotmail.com>.

IIDoutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, São Paulo, Brasil.

LARROSA, Jorge. Elogio da escola. ., Tradução de, Coelho, Fernando. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.


Em 2017, o livro Elogio da escola foi editado no Brasil, pela primeira vez, por Jorge Larrosa. Em 2021, foi reimpresso, o que evidencia a necessidade de pensar a escola como lugar específico para o sujeito realizar a atividade educativa junto com o outro numa forma de experiência de vida.

Compreendemos que a reprodução dessa edição do livro indica que estamos diante de algo interessante a pensar e, principalmente, praticar para compreender o significado do espaço escolar. Aqui, encontra-se toda a dimensão da discussão sobre o elogio da escola em suas múltiplas possibilidades de interpretação.

Nesse sentido, é importante indicar que esta resenha se refere à reimpressão da edição de 2017, mas o lugar do elogio da escola já não é o mesmo, principalmente, após o período de distanciamento social em que se fez necessário o fechamento das escolas a partir de março de 2020 por causa da pandemia de covid-19. Precisamos retomar a discussão do elogio da escola diante desse acontecimento, uma vez que ele permite outras significações que destituem o espaço escolar como lugar próprio para aprender e ensinar diante das tecnologias de ensino remoto.

Estar distante ou perto do outro pode implicar diversas questões subjetivas, mas estar presente no espaço escolar é determinado pela objetividade de reconhecer a escola como aparelho que pode aproximar os sujeitos. No momento atual, compreender a importância do espaço escolar é fundamental para a realização do trabalho de aprender e ensinar junto com o outro.

Reapresentar o livro Elogio da escola (Larrosa, 2021) numa resenha é uma atividade complexa, visto que o educar é compreendido numa dinâmica ampla que se compõe numa relação entre o ensinar e o aprender. A escola seria um lugar específico para essa atividade, que se pauta no encontro entre os sujeitos em que a “[...] experiência, e não a verdade, é o que dá sentido à educação” (Larrosa; Kohan, 2021, p. 5).

Jorge Larrosa é:

[...] doutor em Pedagogia pela Universidade de Barcelona, Espanha, onde atualmente é professor titular de Filosofia da Educação. Publicou diversos artigos em periódicos brasileiros e tem dois livros traduzidos para o português: Imagens do outro (Vozes, 1998) e Pedagogia profana (Autêntica, 1999). (Bondía, 2002, p. 28).

O autor tem perspectiva educativa centrada no encontro entre os sujeitos e, portanto, estar presente com o outro é elemento primordial da experiência pedagógica. Aqui, há uma linha de corte que se distancia por completo das diversas outras imposições da lógica da escola como lugar de estar sem tempo para aprender. Essas formas de aprender sem o ensinar precarizam o espaço escolar, destituindo a importância do sujeito a partir do exacerbado elogio aos instrumentos.

Grande parte das críticas sobre a escola se refere ao fato de que ela deixou de ser atual e está em desacordo com a realidade, em que as formas tecnológicas atuais promovem, em tempo real, uma conexão com o acontecimento. Essa forma imediata da transmissão de dados se impõe na velocidade em que o acontecimento se apresenta sem o devido trabalho do pensamento. O sujeito entra em contato com algo instantaneamente quando segura smartphones, tablets e outros equipamentos.

A velocidade ampliada das mídias eletrônicas se opõe por completo à forma lenta em que se apresenta a cultura no encontro dos sujeitos no interior da escola. Entretanto, aquilo que se aponta como crítica à escola, na forma lenta de se relacionar com o acontecimento, é que deveria ser compreendido como o ponto mais rico em termos de elogio à escola. Seria a lentidão do processo de análise do acontecimento que se constitui o tempo para pensar.

O tempo escolar seria o sentido próprio para a palavra skholé - aquele que tem tempo livre para criar. Essa condição é um verdadeiro paradoxo numa sociedade que impõe o tempo do trabalho. A escola seria um lugar de resistência que destitui, por um lado, o lugar da experiência escolar pelo viés do fetiche da mercadoria no imediatismo, no elogio de coisas e equipamentos. Por outro lado, a forma lenta do trabalho escolar seria o lugar próprio para se constituir os processos formativos da consciência crítica.

Diríamos que o elogio da escola seria, em parte, o reconhecimento desse espaço como lugar em que ocorre o ensinar e o aprender para além da aparência fenomênica. Ali, os sujeitos estabelecem uma experiência única. Primordialmente com o outro e, secundariamente, com coisas e equipamentos. Trata-se de compreender que a escola se destina ao encontro dos sujeitos para uma finalidade pedagógica.

A compreensão da escola como aparelho serve de fio condutor para pensarmos o elogio da escola. Tal elogio faz referência direta aos sujeitos que ali se encontram para uma atividade específica, alinhados no ensinar e no aprender com tempo livre para estarem presentes perante o outro para escutar e dizer.

Portanto, a escola é um lugar para uma atividade complexa e o livro organizado por Larrosa (2021) evidencia isso, em conjunto com autores que discutem a proposição da organização e do funcionamento do aparelho escolar.

A complexidade desta resenha se amplia ainda mais se levarmos em conta que o livro em questão é uma coletânea escrita por diversos autores em que se apresenta um pensamento amplo para compreender a escola nas contradições da realidade social relacionada com a questão do processo formativo no ambiente escolar.

Estabelecemos como ponto específico de análise evidenciar a importância da escola para a vida em sociedade, ou seja, a necessidade de responder por qual motivo devemos fazer o elogio da escola? Para responder essa questão, devemos significar o papel da escola numa sociedade de desiguais. Esse ponto é central para Larrosa (2004), que já enfrentava isso ao compreender a escola como um lugar comum para todos os comuns. Para que isso possa ocorrer, há o pressuposto de que deveria prevalecer a palavra anunciada no espaço escolar, pautada na responsabilidade e na autoridade.

Essa vertente de compreender a escola como espaço público é algo que permite organizar o livro em textos alinhados no conjunto de diversos autores que buscam analisar a escola como um lugar específico, onde se realiza a atividade do ensinar e do aprender no ambiente escolar, algo peculiar no sentido de ampliar a experiência própria daqueles ali presentes.

Portanto, os diversos autores se alinham na perspectiva de entender os processos formativos pelo viés da criticidade, de que a escola não se reduz a um ambiente meramente informativo. Ela se apresenta como lugar de encontro de todos os comuns para apropriação daquilo que deveria ser comum a todos - a cultura científica escolar.

Nesse contexto, o nosso primeiro contato com o pensamento de Jorge Larrosa, em seu livro intitulado Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas (Larrosa, 2004), permitiu compreender que se busca resgatar uma representação de escola pautada na troca de experiências entre os sujeitos em seu interior. Isso é algo que já indicava uma perspectiva de entender o ensinar e o aprender como algo que gira em torno da palavra que possa produzir algo inédito em termos de formação do sujeito. Sobre isso:

A educação é o modo como as pessoas, as instituições e as sociedades respondem à chegada daqueles que nascem. A educação é a forma com que o mundo recebe os que nascem. Responder é abrir-se à interpelação de uma chamada e aceitar uma responsabilidade. Receber é criar um lugar: abrir um espaço em que aquele que vem possa habitar; pôr-se à disposição daquele que vem, sem pretender reduzi-lo à lógica que impera em nossa casa. (Larrosa, 2004, p. 188).

Partimos do pressuposto de que fazer o elogio da escola é reconhecer a importância desse modo específico, o de que a escola pode receber o sujeito para uma experiência de abertura para o mundo. Para tanto, ela deveria estar alinhada como forma de realização de atividades para dizer algo específico nesse lugar e, principalmente, para ter tempo livre para fazer algo significativo com os sujeitos.

Na Grécia antiga, skholé significava o momento em que se escapava da determinação do fazer. É sobre o não terminado, o não fazer a apropriação e a destinação do tempo e, como tal, um catalisador de começos. A escola nesse sentido coloca alguém na posição de começar. (Simons; Masschelein, 2021, p. 54).

O que está em jogo no processo de realizar o elogio da escola é uma determinada concepção de mundo, sujeito e, no caso específico da escola, o papel dos que ali se encontram para realizar as atividades de ensinar e aprender como forma de estudo escolar.

A compreensão do que seria o trabalho escolar é algo que atravessa como tema os diversos autores que se encontram no livro organizado por Larrosa (2021), pois o entendimento específico da atividade de ensino é algo de ampla e dedicada dinâmica, que pode se apresentar inclusive em uma caminhada com os alunos pela cidade. Portanto, o ato de caminhar pela cidade pode ser uma forma específica de trabalho escolar, em que:

[...] o pedagogo, professor universitário, vive uma espécie de experiência de amizade com os estudantes, no sentido de alguém que compartilha, com eles, uma preocupação com o mundo e que compartilha, com eles, uma exposição ao que o caminho pode porventura trazer de mundo. (Kohan, 2021, p. 74-75).

Nessa proposição do ensinar e aprender, caminhando pelos espaços das cidades, encontra-se a concepção de escola mais ampla possível, em que o entendimento do exercício do estudo é encontrado num modo de relacionamento direto com a vida. Os acontecimentos que ocorrem na dinâmica da realidade deveriam ser de interesse de todos os sujeitos comuns e, portanto, o elogio da escola se apresenta como lugar específico para a tarefa de elaborar o modo de existência na vida em sociedade, trata-se de lugar específico para o sujeito elaborar seu próprio modo de existência.

Por fim, o livro contém um DVD com três documentários e o registro de duas exposições para ampliar a proposta entre o texto escrito e outras formas de mídia. Aqui, apresenta-se a premissa básica, que também fundamenta o papel dos professores e dos alunos no interior da escola - “aí está” - (Larrosa; Venceslao, 2021, p. 142) como modo de pensar e fazer o espaço escolar como lugar de livre acesso à cultura. Para tanto, a escola deve ser um lugar em que todos os sujeitos em idade escolar devem estar efetivamente presentes, conforme o nosso preceito constitucional (Brasil, 1988).

Referências

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002. Disponível em: <Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Ycc5QDzZKcYVspCNspZVDxC/?lang=pt&format=pdf#:~:text=JORGE%20LARROSA%20BOND%C3%8DA%20%C3%A9%20doutor,Au%2D%20t%C3%AAntica%2C%201999 >. Acesso em: 22 set. 2021. [ Links ]

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm >. Acesso em: 20 set. 2021. [ Links ]

KOHAN, W. O. Em defesa de uma defesa: elogio de uma vida feita escola. In: LARROSA, J. (Org.). Elogio da escola. Tradução de Fernando Coelho . Belo Horizonte: Autêntica, 2021. p. 65-85. [ Links ]

LARROSA, J. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. Tradução de Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte: Autêntica , 2004. [ Links ]

LARROSA, J.; KOHAN, W. Apresentação. In: LARROSA, J. (Org.). Elogio da escola . Tradução deFernando Coelho . Belo Horizonte: Autêntica , 2021. p. 5-6. [ Links ]

LARROSA, J.; VENCESLAO, M. Um povo capaz de skholé: elogio das Missões Pedagógicas da II República Espanhola. In: LARROSA, J. (Org.). Elogio da escola . Tradução de Fernando Coelho . Belo Horizonte: Autêntica , 2021. p. 113-144. [ Links ]

SIMONS, M.; MASSCHELEIN, J. Experiências escolares: uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica. In: LARROSA, J. (Org.). Elogio da escola . Tradução deFernando Coelho . Belo Horizonte: Autêntica , 2021. p. 41-63 [ Links ]

Recebido: 22 de Setembro de 2021; Aceito: 19 de Maio de 2022

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