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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.103 no.265 Brasília set./dez 2022

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.103i265.5160 

Estudos

Os museus virtuais enquanto campo de conhecimento na formação inicial do pedagogo

Virtual museums as a field of knowledge in the initial formation of the teacher

Los museos virtuales como campo de conocimiento en la formación inicial del pedagogo

Waldemir Rodrigues Costa JuniorI  II 
http://orcid.org/0000-0001-7039-4576

Luiz Carlos Cerquinho de BritoIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-0239-9399

Zeina Rebouças Corrêa ThoméV  VI 
http://orcid.org/0000-0002-2132-8713

I Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: <junior.wrc@gmail.com>;

II Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Manaus, Amazonas, Brasil.

III Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: <luizcerquinho@gmail.com>;

IV Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

V Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Manaus, Amazonas, Brasil. E-mail: <zeinathome@gmail.com>;

VI Doutora em Engenharia de Produção - Mídia e Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.


Resumo:

O principal objetivo deste artigo é refletir sobre os museus virtuais como campo de construção de conhecimento na formação inicial do pedagogo. É um estudo propositivo, desenvolvido com base em levantamento bibliográfico e estudo exploratório, tratando das possibilidades de construção do conhecimento histórico e geográfico pelo futuro docente. Evidencia-se como mediação o total de 47 museus virtuais, sendo 25 disponíveis no portal Era Virtual e 22 na plataforma Museusbr, tendo em vista que a implementação da proposta curricular da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) constitui uma das demandas recentes na formação de professores. Compreende-se que os museus virtuais são campos de conhecimento, nos quais os professores em formação inicial têm, entre outras possibilidades: a descoberta de objetos de conhecimento ali existentes; a construção de estruturas cognitivas; a aquisição do conhecimento histórico e geográfico. A ação didática com os museus virtuais possibilita ao pedagogo em formação inicial a apropriação de unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades propostos pela BNCC, para as aulas de História e Geografia no 5º ano do ensino fundamental. Portanto, os museus virtuais são “laboratórios” de experimentações na formação inicial do professor, favorecendo a construção de noções sobre espaço-tempo e a aquisição de competências e habilidades.

Palavras-chave: museus virtuais; conhecimento; formação do professor.

Abstract:

This article aims mainly to reflect on virtual museums as a field of knowledge construction in the initial formation of teachers. This is a propositional study, developed from a bibliographic survey and exploratory study, dealing with the future teacher’s possibilities of constructing historical and geographic knowledge. A total of 47 virtual museums are evidenced as mediation, 25 of which are available on the Era Virtual portal and 22 on the Museusbr platform, considering that implementing the curricular proposal of the document Base Nacional Comum Curricular (BNCC) is one of the recent demands in teacher training. Virtual museums are understood as fields of knowledge, in which initial training teachers are given, among others, such possibilities: to discover knowledge objects there; to construct cognitive structures; to acquire historical and geographic knowledge. Didactic action with virtual museums enables the teacher in initial formation to appropriate thematic units, objects of knowledge and the skills BNCC proposes for 5th-year-elementary History and Geography classes. Therefore, virtual museums are "laboratories" for experimenting in the education of initial teachers, favoring the construction of notions about space-time and the acquisition of skills and abilities.

Keywords: virtual museums; knowledge; teacher training

Resumen:

El principal objetivo de este artículo es reflexionar sobre los museos virtuales como campo de construcción del conocimiento en la formación inicial del Pedagogo. Se trata de un estudio proposicional, desarrollado a partir de un relevamiento bibliográfico y un estudio exploratorio, que aborda las posibilidades de construcción del conocimiento histórico y geográfico por parte del futuro docente. Un total de 47 museos virtuales se evidencian como mediación, de los cuales 25 están disponibles en el Portal Era Virtual y 22 en la Plataforma Museusbr, considerando que la implementación de la propuesta curricular del BNCC es una de las demandas recientes en la formación del profesorado. Se entiende que los museos virtuales son campos de conocimiento, en los que los docentes en formación inicial tienen, entre otras posibilidades: el descubrimiento de los objetos de conocimiento que allí existen; construcción de estructuras cognitivas; la adquisición de conocimientos históricos y geográficos. La acción didáctica con los museos virtuales habilita al Pedagogo en formación inicial a apropiarse de las unidades temáticas, objetos de conocimiento y destrezas propuestos por el BNCC, para las clases de Historia y Geografía en el 5º año de Educación Primaria. Por tanto, los museos virtuales son “laboratorios” de experimentación en la formación inicial del profesorado, favoreciendo la construcción de nociones sobre el espacio-tiempo y la adquisición de competencias y habilidades.

Palabras clave: museos virtuales; conocimiento; formación docente

Introdução

As tecnologias da informação e comunicação (TIC) são consideradas mediações em diferentes modalidades e níveis da educação, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - Lei nº 9.394/1996. Esses dispositivos tecnológicos se configuram como novas necessidades e condições fundamentais à formação do sujeito, da educação infantil ao ensino superior e à pós-graduação.

Na formação inicial de professores no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam)/Campus Manaus, as TIC são ferramentas necessárias não apenas à formação e inclusão tecnológica e digital do professor, mas também da criança, do adolescente e dos jovens, pois esse público é o foco do trabalho pedagógico do futuro professor. O uso das TIC nas mediações didáticas, em face do desenvolvimento da prática docente, pressupõe, no entanto, o planejamento e o desenvolvimento de propostas pedagógicas e curriculares específicas (Ufam, 2018).

Tanto a inclusão tecnológica e digital quanto o uso das TIC nas mediações didáticas na formação de professores fazem parte de um contexto global de profundas transformações em todas as esferas da vida social (Cavalcanti, 2002). O advento da internet tornou as relações de espaço e tempo mais céleres e complexas, extrapolando, de um lado, relações de espaço-tempo como o “aqui” e o “agora”, e configurando, por outro lado, novas possibilidades de produção de conhecimento (Levy, 1999) e de subjetividades mutantes (Deleuze; Guatarri, 1995).

Entre essas tecnologias, destacam-se os museus virtuais, porém na literatura sobre a formação de professores há lacunas sobre como essas tecnologias se constituem em campos de construção na formação inicial do pedagogo. Como essas tecnologias podem potencializar a construção do conhecimento sobre espaço-tempo pelo futuro professor?

O presente artigo tem por objetivo principal refletir sobre os museus virtuais enquanto campo de construção de conhecimento na formação inicial do pedagogo, tendo as suas bases assentadas no construtivismo piagetiano em consonância com a perspectiva construtivista da formação do professor pesquisador-reflexivo e da aprendizagem de objetos de conhecimento da História e da Geografia escolar. Reflete sobre possibilidades investigativas de construção do conhecimento sobre espaço-tempo nas mediações didáticas com os museus virtuais pelo professor em formação inicial a partir de recortes de unidades temáticas, objetos temáticos e habilidades, propostos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 5º ano do Ensino Fundamental (Brasil. MEC, 2018).

Metodologia

Esta investigação se caracteriza como qualitativa. Segundo Mirian Goldenberg (2004), na pesquisa qualitativa, os dados não são padronizados, não há regras precisas e passos prontos para as técnicas, e a coleta de dados requer flexibilidade e criatividade por parte do pesquisador.

A pesquisa qualitativa, conforme John Cresswell (2007), emerge de questões abertas e lida com dados de entrevista, de observação, de documentos e audiovisuais, remetendo à análise de texto e imagem. Segundo o autor, as técnicas qualitativas implicam, entre outras, as alegações de conhecimento cujas bases podem ser construtivistas (significados múltiplos de experiências individuais, significados sociais e históricos) ou reivindicatórias/participatórias (questões colaborativas, para mudança) ou ambas. Com base no autor, as alegações de conhecimento implicam suposições - como e o que aprender (paradigmas) -, entre as quais se destacam, nesta pesquisa, a seguinte abordagem filosófica e epistemológica: o construtivismo, com alegações de conhecimento no construtivismo de Jean Piaget e Pierre Levy, sobre o entendimento e os múltiplos significados dos museus virtuais nas aulas de História e Geografia na formação inicial do pedagogo. Os procedimentos metodológicos consistiram em pesquisa bibliográfica e exploratória, observação e análise dos museus virtuais disponíveis no portal Era Virtual e na plataforma Museusbr, que possibilitam aos professores em formação inicial a aquisição da proposta curricular estabelecida pela BNCC.

Museus e construção do conhecimento na formação do sujeito: uma interpretação da Epistemologia Genética de Jean Piaget

Os museus são campos de conhecimento, uma vez que desenvolvem processos sistemáticos de levantamento, identificação, caracterização e socialização do conhecimento por meio de acervos de bens patrimoniais de natureza artística, ambiental e cultural, com significativo valor histórico, social e científico (Henriques, 2004). Do ponto de vista da Psicologia e da Epistemologia Genética de Jean Piaget, buscamos refletir sobre como o sujeito constrói de modo ativo o conhecimento e transforma a si mesmo nas interações com esses bens patrimoniais. Quais as implicações da interação do sujeito com os bens patrimoniais em termos de seu desenvolvimento cognitivo e as possibilidades de construção de conhecimento?

Na teoria de Jean Piaget, depreende-se que o conhecimento é construído pelo sujeito de modo vinculado ao meio e ao seu mundo físico e social. O meio é constituído tanto pelos objetos animados e inanimados (incluindo a natureza e o mundo físico, os objetos materiais e imateriais produzidos pelo homem) quanto pelo conjunto das relações estabelecidas entre esses objetos. O universo amplo desses elementos e de suas inter-relações caracteriza-se como objetos de conhecimento (Ramozzi-Chiarotino, 1988; Becker, 2003). Nesse sentido, todo bem patrimonial, seja de natureza artística e ambiental, seja ainda cultural, bem como as relações estabelecidas entre eles e o desenvolvimento histórico, social e cultural de um grupo ou sociedade, pode ser compreendido, à luz da teoria piagetiana, como objeto de conhecimento.

Os mecanismos pelos quais o sujeito se apropria desses bens patrimoniais remetem ao conceito piagetiano de interação. Para Becker (2003), na teoria de Piaget, o núcleo explicativo da capacidade de o sujeito construir conhecimento se dá nos níveis progressivos e diferenciados da interação. Para o autor, o conhecimento não se origina no sujeito nem no objeto, mas na relação entre ambos. Sendo assim, o conhecimento construído a partir do acervo de bens patrimoniais se encontra no poder construtivo da interação estabelecida entre o sujeito, o museu e todo o acervo de objeto de conhecimento ali disponível. O que significa o conhecimento para Piaget e de que forma é constituído pelo sujeito nas interações com o meio?

Na teoria de Piaget, as fontes do conhecimento não são apenas a observação empírica e a linguagem,1 mas a ação. Assim, a ação tem a ver com o conhecimento, sendo-lhe uma condição necessária, mas não suficiente. Até certa medida, o conhecimento carece da ação, mas essa não é a única fonte de conhecimento e nem toda ação gera conhecimento (Kesselring, 1990).

O conhecimento para Piaget implica conhecer, e esse processo significa organizar, estruturar e explicar com base no vivido (experimentado). Conhecer não se reduz a explicar nem somente a viver, mas está para além da vivência, considerando a ação do sujeito sobre o objeto de conhecimento e a inserção num dado sistema de relações. No entanto, cabe frisar que viver não é o mesmo que conhecer, pois o sujeito pode ter uma experiência com algum objeto, mas desconhecê-lo. Conhecer o objeto significa se apropriar e compreender conceitos e estabelecer o sistema de relações. Por outro lado, não há conhecimento sem vivência, pois um não substitui o outro, do mesmo modo que não há conhecimento sem conceitos: o conhecimento é construído pela ação do sujeito sobre o seu meio, porém isso implica que as coisas e os fatos vividos sejam inseridos numa estrutura (Ramozzi-Chiarottino, 1988).

Observa-se que, na obra de Piaget, a estrutura tem o sentido de estrutura mental. As estruturas mentais estão vinculadas tanto a um conteúdo quanto implicam a forma das ações, o foco da teoria do autor. As estruturas são a base de explicação dos saberes. E todo tipo de saber é isomorfo ao conhecimento científico, uma vez que este se configura por estruturas e a lógica das ações é a mesma para todo ser humano. As variações de uma pessoa para outra estão nas possiblidades e nas construções orgânicas endógenas e exógenas, inclusive os conteúdos, em virtude das interações entre meio e organismo. Que possibilidades seriam essas? A possibilidade de passar do nível das trocas com o meio, que não implicam representação imagética, para o nível das trocas simbólicas, que englobam imagens visuais, símbolos, signos, sistemas, memória, prospectiva, hipóteses, valores etc. (Ramozzi-Chiarottino, 1988, p. 23).

Dessas trocas entre organismo e meio tem origem não apenas o conhecimento, como também a própria capacidade do sujeito de conhecer. Essas trocas vão desde o nível elementar das trocas bioquímicas às trocas simbólicas, em nível inconsciente ou consciente (sendo este último mais avançado que o primeiro). O processo envolvido nessas trocas se dá por vias da adaptação do sujeito. Para Piaget, a adaptação é o funcionamento de qualquer organismo vivo, mas, antes de tudo, corresponde à capacidade de seriação, ordenação e classificação. Além da capacidade de estabelecer relações (a razão), classificar e seriar, o homem também é capaz de estabelecer implicações, favorecendo a inclusão de objetos e eventos tanto no espaço como no tempo, o que contribui com o desenvolvimento da noção de causalidade, cujos níveis vão do elementar ao complexo, no plano da representação (Ramozzi-Chiarottino, 1988).

O processo de adaptação se desenvolve de modo progressivo através dos polos da assimilação e acomodação, ou seja, em diferentes níveis, indo do elementar ao das trocas simbólicas. Todo conhecimento, do elementar (primeiros meses de vida) até o nível da Física, por exemplo, implica a assimilação do objeto de conhecimento a uma estrutura, dotando-o assim de significado. Sem a assimilação, o esquema é adaptado (acomodação) para se tornar outro mais adequado e passível de realizar a assimilação (Ramozzi-Chiarotino, 1988).

Para Brito (2018), assimilar implica incorporar aspectos da realidade física e social às estruturas preestabelecidas, significando uma construção própria do sujeito, que se realiza através de esquemas de ação, mesmo não implicando alterações dos esquemas e das estruturas. Segundo o autor, a assimilação se realiza por meio de esquemas de ação, pois, agindo sobre os objetos, o sujeito não só os assimila como também os transforma, modificando a si próprio, “acomodando seus significados em estruturas prévias ou tendo que reiterar suas ações no sentido de modificar seus esquemas prévios para processar a assimilação e a acomodação” (Brito, 2018, p. 91-92).

Porém, quando o sujeito encontra dificuldade de assimilar o objeto, “volta-se para si mesmo e, em um esforço de acomodação, produz transformações em si mesmo” (Becker, 2003, p. 19). O meio não produz transformações diretamente no sujeito, mas lhe produz desequilíbrios cognitivos quando o sujeito o assimila, o qual se transforma pela acomodação. Portanto, a ação do sujeito produz duas formas de transformações: a ação transformadora do meio por assimilação; e a ação transformadora do sujeito por acomodação (Becker, 2007).

A acomodação é, segundo Piaget, a variação de um esquema e diz respeito a dois aspectos: 1) implica uma atividade, quando, embora o esquema se transforme pela resistência do objeto, ela é resultado da reação de o sujeito equilibrar tal resistência; 2) a acomodação deriva da assimilação quando consiste em diferenciar o esquema de assimilação. Esses esquemas de assimilação são coordenados enquanto sistemas de significação aos quais objetos e eventos do meio são assimilados (Ramozzi-Chiarottino, 1988).

Com o processo de construções progressivas e diferenciadas da assimilação e da acomodação, as ações transformam-se gradualmente em operações, uma vez que o sujeito desenvolve, ao mesmo tempo, tanto a capacidade endógena de estabelecer relações quanto a de preservar na memória diversas coordenações que estabelecera na ação. Nesse sentido, operação corresponde à ação interiorizada pelo sujeito (Ramozzi-Chiarotino, 1988, p. 42).

A aquisição da linguagem torna enriquecidos os sistemas de significação do sujeito, embora este continue vinculado às suas ações, uma vez que toda mensagem que ele recebe é decodificada em razão da ação realizada no meio. Graças aos sistemas de significação desenvolvidos no nível da representação, o sujeito assimila não só o meio mediante seus sistemas de esquemas como também mediante os sistemas de significação construídos no nível da representação (Ramozzi-Chiarottino, 1988).

Todavia, a atribuição de significação não depende ainda da capacidade de operar. Essa capacidade, que envolve estabelecer relações, surge no sujeito por volta de sete anos em média e pode ser definida como a capacidade de agrupar elementos no todo, gerando um sistema de relações, mas sendo estas lógicas e exaustivas. Nesse processo cabe destacar que a identidade é uma condição para que a ação se transforme em operação, e esta não é a representação da ação, porém é uma ação reversível, ou seja, conserva-se o objeto ao longo de transformações que, por sua vez, são reversíveis (Ramozzi-Chiarottino, 1988).

Em qualquer conhecimento ou interpretação do mundo, estão implicadas também as relações espaço-temporais e causais que condicionam a estruturação da experiência vivida pelo sujeito. Essas relações são o modo pelo qual o sujeito insere a si mesmo, aos eventos e aos objetos tanto no espaço quanto no tempo, desenvolvendo relações espaciais (ao lado de, em frente de, embaixo etc.) e temporais (sequências temporais: ontem, hoje, amanhã etc.). Além disso, a relação causal também é implicada no conhecimento, a qual diz respeito ao vínculo causal, que se desenvolve em todos os níveis, do elementar ao científico, quando o sujeito descobre ou acredita ter descoberto a causa de um fenômeno, identificando a relação entre antecedente e consequente (Ramozzi-Chiarotino, 1988).

O sujeito, na teoria de Piaget, não é o indivíduo nem o “eu” psicológico, mas o “sujeito epistêmico”, ou seja, o sujeito do conhecimento, de sua epistemologia (Ramozzi-Chiarotino, 1988). Trata-se de um sujeito que se encontra em permanente processo tanto de aquisição do conhecimento quanto de transformação de si, ou seja, um sujeito em formação, com “mecanismos próprios, construídos e reconstruídos pela ação (criadora) do sujeito, num movimento constitutivo de si e da realidade” (Brito, 2018, p. 78).

Mediações didáticas e museus virtuais nas aulas de História e Geografia na formação inicial do pedagogo

A teoria do conhecimento de Piaget é uma referência orientadora dos processos de ensino-aprendizagem, uma vez que considera e potencializa as ações e operações do sujeito epistêmico. Na produção do conhecimento, forma e conteúdo não se dissociam, e o trabalho educativo opera de modo constante pela reconstituição ou tematização, em que os meios ou esquemas de ação são os próprios fins, mas coordenam-se entre si por processos recíprocos de assimilação e acomodação, tendo assim uma função instrumental (Macedo, 1993).

No construtivismo, tematizar um esquema de ação, sendo ele um meio/instrumento de outras ações/acontecimentos, significa refazer seu caminho inverso. Isso implica, no contexto educativo de formação do sujeito, não apenas conhecer suas características, mas também reconstituí-lo, transformá-lo, criticá-lo. Tematizar corresponde à reconstrução, em nível superior, daquilo que se realizou em nível anterior, ou seja, é o movimento de construir novos conhecimentos “para velho e ignorado saber”, o que requer demonstração, reconstituição e transformação do que já se sabe (Macedo, 1993, p. 26).

A teoria de Piaget traz caminhos para se repensar o ensino-aprendizagem escolar, destacando-se, segundo Becker (2003), a concepção de aprendizagem humana como construção de estruturas de assimilação, ou seja, o sujeito aprende quando age sobre algo e, a partir daí, se apropria dos mecanismos dessa ação. Se, ao agir, o sujeito aprende, a implicação disso para o ensino é que, da educação infantil à pós-graduação, o ensino não é a fonte de aprendizagem, e sim a ação do sujeito, emergindo daí, entre outras concepções, o “aprender a aprender”. Por outro lado, segundo o autor, abre-se a possibilidade de um novo ensino não focado no professor omisso ou passivo e, nessa perspectiva, cabe ao professor criar situações de experimentação para que o estudante crie.

Na perspectiva construtivista, o processo de construção do conhecimento é uma condição prévia, isto é, uma estrutura, e o conteúdo é o meio, e não o objetivo. Assim, a aprendizagem se dá na interação entre o sujeito e o meio físico e social. A novidade dessa concepção de aprendizagem é a invenção, e não a cópia, e o seu núcleo explicativo está na interação, a qual se realiza em níveis progressivos e diferenciados. O conhecimento não se constrói apenas no plano das ações lógico-matemáticas, mas também necessita da afetividade, que é um fator desencadeador ou sinalizador dessa ação. O processo de aprendizagem não se desvincula do processo de desenvolvimento, pois entre ambos há uma relação dialética (Becker, 2003).

Sendo assim, tanto o estudante quanto o professor são sujeitos epistêmicos, ou seja, produtores de conhecimento. No ato de conhecer, professor e estudante produzem conhecimento na aquisição de conteúdo e no desenvolvimento de capacidades cognitivas (estruturas). A ação do sujeito epistêmico sobre diversos objetos (físicos, culturais, científicos etc.), foco de sua curiosidade ou busca de compreensão, possibilita assimilá-los às estruturas precárias de que já dispõe e, com isso, amplia e reestrutura progressivamente as suas capacidades cognitivas. A interiorização dessa ação exercida sobre o objeto de conhecimento, que culmina com a aprendizagem de um novo conteúdo, desencadeia o desenvolvimento de operações, as quais são coordenadas em estruturas internas (Becker, 2007; Piaget, 1955 apudBecker, 2007).

O professor se encontra sempre em ilimitado processo de aprendizagem e constante reconstrução de sua capacidade de conhecer e aprender conteúdos, pois estes estão longe de serem prontos e acabados. O seu compromisso não é apenas com a construção do conhecimento, mas também com a aprendizagem e o conhecimento do estudante. E sua função não se reduz ao ensino mecânico, isto é, transmitir procedimentos burocráticos e repetir conhecimentos prontos. Ele também é um pesquisador em sentido amplo, pois o pesquisar é intrínseco à sua missão de educar. Na perspectiva construtivista, trata-se de um professor-pesquisador, que contextualiza o ensino por meio de sua atividade investigadora e, ainda, reflete sobre, entre outros aspectos, suas ações didático-pedagógicas, os modos como os estudantes assimilam os conhecimentos ensinados, bem como suas dificuldades e limitações, tornando-se, além de pesquisador, um professor reflexivo. Esse professor pesquisador e reflexivo vê-se sempre diante de um problema a solucionar (o método a utilizar para atingir determinado objetivo) e da necessidade de abrir um espaço para as questões dos estudantes, o início de toda investigação. A docência desse profissional é transformada por ele em atividade intelectual, em que a fonte empírica se dá por suas atividades de ensino e pelo processo de aprendizagem dos estudantes (Schön, 1992; Becker, 2007).

Museus virtuais e campo de conhecimento na formação inicial do pedagogo

Com a rede mundial de computadores, inaugurou-se o ciberespaço, um novo ambiente de interações entre pessoas e lugares, marcado com o desenvolvimento potencial da cibercultura, que trouxe como implicação novas formas de construção do conhecimento e novas experiências (Levy, 1999).

Com o advento do ciberespaço, faz-se necessária uma modificação qualitativa nos processos de ensino-aprendizagem, pois a demanda passa a ser um novo papel do professor. Esse profissional aprende simultaneamente à atualização dos estudantes quanto aos seus saberes e suas competências. O ciberespaço é constituído por uma infraestrutura material de comunicação e pelas informações que favorecem tanto a produção quanto a troca da inteligência coletiva, sendo permeado por relações sociais, econômicas e de poder, pelo acesso às informações e pelas interações (Levy, 1999). A inteligência coletiva desenvolve-se em vários lugares e diz respeito à identificação, à mobilização, à coordenação e ao uso coletivo de habilidades individuais, sendo reconhecida e organizada em tempo real (Levy, 2003).

As novas tecnologias da inteligência são meios de construção do conhecimento que não eliminam a função do professor na sala de aula, porém potencializam as diferentes formas de aquisição do conhecimento histórico e geográfico pelo estudante e ampliam as possibilidades de mediações didáticas do professor nesse processo de construção de conhecimento. Levy (1999, 2003) evidencia que o papel do professor não se reduz à transmissão dos conhecimentos, mas a mobilização de sua competência deve potencializar a aprendizagem e o pensamento, constituindo-se como um “animador da inteligência coletiva” dos grupos.

Para o autor, o papel do professor é acompanhar e gerir as aprendizagens dos estudantes, incentivando-os à troca dos saberes, estabelecendo a mediação relacional/simbólica e conduzindo a aprendizagem desses sujeitos. Entre as novas TIC na construção do conhecimento, destacam-se os museus virtuais. O que são os museus virtuais e quais as suas possibilidades na formação inicial do pedagogo na construção do conhecimento sobre espaço-tempo?

O uso da internet pelos museus tradicionais/clássicos revolucionou o campo da Museologia, uma vez que, entre outros avanços, culminou com o surgimento dos museus virtuais. Conforme Henriques (2018), o conceito de museu virtual se assenta no conceito de virtual e este se distingue do conceito de digital.

De acordo com Pierre Levy (1996), o virtual não é o que se opõe ao real, mas ao atual, sendo a virtualidade e a atualidade formas de ser diferentes. Para o autor, o virtual é o que existe em potência e não em ato, pois a virtualização não é a transformação do real em não real, mas coloca em movimento o centro de gravidade do objeto. Através do virtual, as noções de espaço-tempo se alteram, pois, de um lado, promove-se a desterritorialização do espaço e, por outro lado, extrapola-se o tempo.

O virtual se diferencia do digital, pois a digitalização de imagens não significa a criação de imagens virtuais. Além disso, o virtual não tem o mesmo sentido de tecnologia nem de internet (Henriques, 2018).

Para Pierre Levy (1999), o que, muitas vezes, é denominado como museu virtual nada mais é do que um catálogo na internet, daí fazendo-se necessário, segundo o autor, o trabalho com a própria noção de valor e de conservação do patrimônio. Segundo Henriques (2018), grande parte dos denominados museus virtuais preocupam-se mais em se expressar, e se justificar como virtuais, por meio de representações, do que explorar as potencialidades da internet nas interações com o usuário. Segundo Henriques (2018), apresentações 3D num site não configuram um museu virtual.

O museu virtual é aquele que faz da internet o seu espaço de interação mediante ações museológicas com o público. Nessa concepção, os termos “interação”, “mediação” e “virtual” são elementos-chave definidores do museu virtual, pois este é um espaço virtual, complementar e paralelo ao físico, que privilegia a mediação, a relação e a interação do público com o patrimônio, e essa mediação ocorre através de ações museológicas no espaço virtual entre o museu e o público (Henriques, 2018).

A interatividade é outro elemento-chave implicado na concepção de museus virtuais, uma vez que estes também comunicam e seu público visitante não é um sujeito/receptor passivo. Para Pierre Levy (1999), no livro Cibercultura, a interatividade se refere à participação ativa do usuário no processo da informação, envolvendo vários níveis, em que o destinatário descodifica, interpreta, participa e movimenta seu sistema nervoso de diferentes maneiras. O grau de interatividade, segundo o autor, pode ser avaliado pela “possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu receptor” (Levy, 1999, p. 80).

Nessa perspectiva, o museu virtual pode ter duas vertentes: 1) pode ser outra dimensão de um museu físico, complementando-o; 2) pode ser um museu essencialmente virtual, não pressupondo a existência de um museu físico (Henriques, 2018). Na primeira vertente, pode-se destacar o projeto Era Virtual, criado em 2008, a princípio voltado para a criação de visitas virtuais aos museus do Brasil e seus acervos. Em 2013, foi ampliado envolvendo parques nacionais e cidades com sítios reconhecidos pela Unesco como patrimônio da humanidade. Esse projeto consiste em registros e transposições de museus, exposições e monumentos do patrimônio cultural brasileiro, do real para o virtual, visando promover a identidade plural brasileira e se tornando referência de material didático para as escolas (Era Virtual, 2010b).

O portal Era Virtual, do referido projeto, caracteriza-se como uma plataforma voltada à promoção do patrimônio cultural brasileiro de modo on-line, na qual foram transpostos virtualmente 25 museus físicos brasileiros, além de cidades e sítios históricos considerados patrimônio. Os conteúdos são interativos e proporcionam ao sujeito visitas imersivas a 360º, o que possibilita experiências e sensações de estar realmente presente em um museu físico. Diversos recursos como áudio-guias, fotografias panorâmicas em 360º e em visão tridimensional, mapas de localização, setas e cursores trazem ao visitante diversas possibilidades de imersão e experimentações (Dutra, 2018). No Quadro 1, dos 25 museus virtuais registrados no portal Era Virtual, foram selecionados e categorizados alguns, que podem ser utilizados nas aulas de História e de Geografia na formação inicial do pedagogo.

Fonte: Elaboração própria com base em Era Virtual (2010b)

Quadro 1  Distribuição de museus virtuais no Brasil por coleções/conteúdos 

Esses museus virtuais se configuram como espaços virtuais interativos e como campos de construção de conhecimento. Trata-se de meios pelos quais o sujeito tem várias possibilidades de descobrir os objetos de conhecimento ali existentes, mediante uma ação criadora que modifica tanto esses objetos quanto a si próprio, construindo estruturas cognitivas e um novo conhecimento com base no saber museológico ali presente.

Quanto às tipologias e temáticas dos museus virtuais existentes no Brasil, há um grupo de museus relacionados a diversas áreas do conhecimento, das Artes e Filosofia às Ciências Humanas, Sociais, Exatas e da Natureza. Na plataforma Museusbr, da Rede Nacional de Identificação de Museus, no sistema nacional de identificação, mapeamento colaborativo e compartilhamento de informações, criado pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), encontram-se registrados 48 museus classificados como virtuais. Nesse levantamento, a busca pode ser realizada pelo nome do museu ou por meio de filtros de navegação, tornando possível identificá-los por estado, tipo e temática (Bento; Amaral; Kauark, 2020).

Observa-se que, na plataforma Museus.br, os museus são assim classificados em: 1) Tradicionais/Clássicos; 2) Virtual; 3) Museu de Território/Ecomuseu; 4) Unidade de conservação da natureza; 5) Jardim zoológico, botânico, herbário, oceanário ou planetário. Por meio do levantamento pelo filtro de navegação por temáticas, os museus são assim classificados: 1) Artes, arquitetura e linguística; 2) Antropologia e arqueologia; 3) Ciências exatas, da Terra, biológicas e da saúde; 4) História; 5) Educação, esporte e lazer; 6) Meios de comunicação e transporte; 7) Produção de bens e serviços; 8) Defesa e segurança pública. No levantamento, foram entrecruzados filtros de navegação, como estados, tipos e temáticas, sendo identificados 19 museus em “História” e três em “Meios de comunicação e transporte”, dos quais alguns podem ser utilizados nas mediações didáticas nas aulas de História e Geografia na formação inicial do pedagogo (Quadro 2).

Fonte: Elaboração própria com base em Museusbr ([s.d.])

Quadro 2  Distribuição dos museus virtuais por temática no Brasil 

Os museus virtuais podem potencializar a formação inicial do pedagogo, visto que esses espaços e seus objetos constituem fontes diversificadas para a produção do conhecimento e o desenvolvimento cognitivo do sujeito. Como pensar o processo de descoberta e a interpretação dos bens patrimoniais dos museus virtuais, considerando que, conforme Brito (2018), esse futuro profissional é um “sujeito em formação” permanente? A princípio, é necessário construir com o pedagogo em formação o conceito de museus tradicionais/clássicos, sua função quanto à memória social, identificando os objetos preservados e expostos, para depois se trabalhar a concepção de museus virtuais, pois estes têm as suas bases nos museus tradicionais/clássicos e na concepção de virtualização. Assim, o professor em formação precisa ser levado a descobrir qual a trajetória dos objetos desde o lugar onde foram encontrados até como chegaram à instituição museológica, tornando-se “peça de museu” (Bittencourt, 2011). Quanto aos museus virtuais, cabe investigar como se deu a transposição dos bens patrimoniais do mundo físico para o mundo virtual, levando-os a compreenderem a autenticidade, a noção de valor e de conservação do patrimônio (Levy, 1999; Dutra, 2018).

O processo de descoberta e interpretação de objetos dos museus se dá, conforme a Educação Museológica, através de dois critérios: o estético e o científico. O critério estético implica desenvolver a sensibilidade estética dos professores em formação na sua interação com o objeto, no sentido de guiá-los ao “contato” com as peças, estimulando-os a expressarem livremente suas impressões e a construírem uma compreensão global decorrente do seu conhecimento intuitivo. No critério científico, os professores em formação constroem conhecimento sobre a cultura material a partir do horizonte científico. Isso significa desenvolver experiências imersivas nos museus virtuais e na compreensão dos objetos como elementos integrantes da organização social, da vida cotidiana, dos rituais, da arte e dos grupos sociais. Nesse sentido, cabe aos professores estabelecerem relações entre os objetos do museu, para desenvolverem a capacidade de comparar, de identificar semelhanças e diferenças entre as peças e suas formas, estabelecer analogias, construir hipóteses quanto ao seu uso ou técnicas de fabricação (Bittencourt, 2011).

O método de investigação dos objetos, proposto pela Educação Museológica, é desenvolvido em diversas etapas, porém flexíveis, dependendo do tipo de museu, da temática etc. O princípio desse método consiste na observação livre e na observação dirigida, cujo objetivo é levar os professores a aprenderem a “ver”, quando se detêm diante de um objeto e estabelecem sobre este um olhar fixo e concentrado. Mediante essa observação, desenvolve-se a identificação e a descrição do objeto. As etapas desse método consistem em: 1) Observação isolada do objeto mediante análise interna: o que é o objeto? De que material é feito? Como foi produzido (técnicas artesanais ou fabris)? Quais os seus elementos decorativos? Qual a sua finalidade? Como e quem o utilizava (construção de hipóteses)? 2) Comparação dos objetos: Consiste na seleção de peças semelhantes e diferentes entre si, bem como na ordenação, buscando-se identificá-las no conjunto de outras peças e chegar ao que se denomina, pelos especialistas, de tipologias. Com isso, identifica-se o contexto histórico e geográfico (quando e onde?) em que o objeto foi produzido. Essa é a etapa de classificação das peças, em que o foco também é a compreensão do objeto como parte integrante de uma cultura; 3) Síntese, a qual é construída do contexto concreto/particular ao geral, isto é, vai da peça ao seu contexto mais amplo em que se insere (a cultura). Essa etapa pressupõe que o sujeito construiu conhecimentos, o que lhe traz como possibilidade a reconstrução das fases anteriores e a explicação do objeto, situando-o no tempo e no espaço, relacionando-o com a economia, o desenvolvimento tecnológico, os costumes, a organização do trabalho ou as organizações sociais vinculadas ao grupo familiar, aos rituais e às crenças (Bittencourt, 2011).

Com base no método de investigação de objetos e no levantamento dos museus virtuais, realizado no portal Era Virtual e na plataforma Museusbr, qual o recorte de unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades, propostos pela BNCC para o 5º ano do ensino fundamental, pode ser trabalhado utilizando-se tais dispositivos tecnológicos enquanto campo de conhecimento nas aulas de História e Geografia na formação inicial do pedagogo?

Museus virtuais nas aulas de História e Geografia: possibilidades de trabalho com a BNCC na formação inicial do pedagogo

A História e a Geografia escolar têm papel fundamental na formação humana e na compreensão do espaço e do tempo, pois consideram as características da sociedade globalizada, os aspectos cotidianos, subjetivos e as múltiplas escalas espaciais e temporais (Cavalcanti, 2010; Bittencourt, 2011). No contexto de globalização, a educação para a cidadania representa um desafio e extrapola o âmbito de várias disciplinas. Trata-se da formação do cidadão que reconhece o seu mundo, compreendendo não apenas a si como sujeito social, mas também sua sociedade e seu espaço, o que envolve o desenvolvimento de mecanismos e de instrumentos para o exercício de uma vida cidadã (Callai, 2001).

A formação cidadã implica, na perspectiva construtivista, a preparação do estudante para “aprender a aprender”, para “saber fazer”, o que está relacionado ao método de ensino da História e da Geografia, entre outras disciplinas escolares, ou seja, como a realidade pode ser abordada. Daí a necessidade de clareza do objeto de conhecimento da História e da Geografia. Na História, os objetos de conhecimento são os saberes referentes ao tempo e, na Geografia, os saberes se relacionam ao espaço geográfico (Callai, 2001; Bittencourt, 2011).

Com base em Becker (2007), pode-se afirmar que as aulas de História e Geografia na formação inicial do pedagogo devem mirar não apenas o conteúdo, mas também a forma, as estruturas cognitivas implicadas no conhecimento histórico e geográfico. Na relação dialética entre conhecimento cotidiano e conhecimento acadêmico, o foco é a construção de novos conhecimentos na articulação entre conceitos, esquemas e experiências do sujeito (Castellar, 2005).

No item “4.4 Área de Ciências Humanas”, a BNCC evidencia que as Ciências Humanas favorecem o desenvolvimento da cognição sem deixar de lado a contextualização que se configura pelas noções de tempo e espaço. Esse documento curricular destaca que cognição e contexto são categorias construídas em conjunto em momentos históricos específicos, reconhecendo-se a diversidade humana e a necessidade de acolhimento da diferença (Brasil. MEC, 2018).

A BNCC traz como referência do ensino-aprendizagem de História e Geografia o raciocínio espaço-temporal, na perspectiva de que o ser humano produz e se apropria do espaço ao longo do tempo, constituindo-se como agente do saber produzido e de domínio sobre os fenômenos naturais e históricos, cabendo a ele a capacidade de identificação dessas situações, visando compreender, interpretar e avaliar os significados de suas ações.

Na concepção do referido documento, espaço e tempo se imbricam, pois são dimensões indissociáveis da realidade, orientando assim a abordagem das relações entre esses conceitos no ensino de Ciências Humanas, visando levar o estudante a construir a capacidade de compreensão quanto aos tempos sociais e naturais e às relações destes com os espaços. Além disso, o documento evidencia, em sua concepção, a inseparabilidade entre o homem e a natureza (Brasil. MEC, 2018).

O documento orienta que, na análise geográfica, as três dimensões do espaço (percebido, concebido e vivido) não são lineares. Tempo, espaço e movimento são concebidos ainda de modo articulado e como categorias básicas no trabalho pedagógico com a área de Ciências Humanas, com foco para a crítica à ação humana, às relações sociais e de poder, e à produção dos conhecimentos construídos em diferentes contextos históricos e geográficos.

Cabe ressaltar que o patrimônio cultural, objeto de conhecimento dos museus virtuais, com o qual o sujeito ativo interage, apresenta aproximações com os objetos de conhecimento da História e da Geografia, uma vez que todo patrimônio cultural envolve relações e contextos diversificados de espaço-tempo. No entanto, essa abordagem na formação inicial do pedagogo requer que sejam consideradas as orientações curriculares para a delimitação das competências, das habilidades, das unidades temáticas e dos objetos de conhecimento.

A BNCC evidencia a necessidade de se articular as experiências cotidianas das crianças e suas singularidades (a curiosidade, a linguagem oral, o uso da linguagem fotográfica e a ludicidade) com o desenvolvimento da capacidade de elaborar hipóteses e o pensamento histórico e espacial crítico. Tanto na História quanto na Geografia escolar, a imersão do pedagogo, em formação inicial, nos museus virtuais abre a possibilidade do desenvolvimento de um trabalho investigativo a partir de questionamentos, tendo como foco a resolução de problemas.

Para isso, o conhecimento tanto da História quanto da Geografia precisa ser assimilado pelo professor em formação inicial, visando desenvolver a sua capacidade de compreender a realidade social, tanto no espaço quanto no tempo, bem como um pensamento crítico sobre a história e os modos de organização/produção social do espaço geográfico. Esse processo envolve a mediação das linguagens específicas das duas áreas e outras linguagens mais gerais (iconográficas, fotográfica, gêneros textuais etc.), além do uso, da avaliação e da compreensão do significado das TIC, em especial os museus virtuais.

Os museus virtuais também são leques de possibilidades de desenvolvimento das competências e habilidades de leitura, escrita e produção de textos pelo pedagogo em formação inicial. Por outro lado, esses museus podem ser objetos de reflexão e planejamento didático por esse futuro profissional, no sentido de utilizá-los na formação da criança nos anos iniciais do ensino fundamental, para implementação da proposta curricular da BNCC. O Quadro 3 traz um recorte das possíveis unidades temáticas, dos objetos de conhecimento e das habilidades estabelecidos pela BNCC de História e Geografia para o 5º do ano ensino fundamental, que podem ser vivenciados pelo professor em formação inicial.

Fonte: Elaboração própria com base em Brasil. MEC (2018)

Quadro 3  Temáticas, objetos de conhecimento e habilidades de História e Geografia - BNCC para o 5º ano 

Conceitos e categorias tanto da História quanto da Geografia apresentam entre si aproximações que possibilitam a aquisição da natureza do espaço no tempo e vice-versa, favorecendo a construção do conhecimento articulado/interdisciplinar sobre espaço-tempo, evidenciando a lógica e a indissociabilidade dessa relação.

No trabalho investigativo na formação inicial do pedagogo, o trabalho pedagógico com esse recorte de conhecimentos e habilidades de História e Geografia aponta para: 1) a necessidade de desenvolvimento de habilidades de identificação, explicação, reconhecimento e comparação de processos naturais e sociais na produção/organização do território e da paisagem, nas relações de trabalho e lazer (na cidade e no campo), na análise histórica das transformações econômicas, políticas, sociais e culturais ao longo do tempo; 2) os conceitos de território, paisagem, tempo histórico no estudo do patrimônio material e imaterial, uma vez que tanto na cidade quanto no campo esses bens surgiram e se transformaram em espaços de memória.

As recomendações da BNCC podem ser implementadas na formação inicial do pedagogo mediante experimentações, incorporando metodologias ativas e o trabalho investigativo, uma vez que, conforme Fernando Becker (2007), em nenhum domínio dos saberes, o conhecimento-conteúdo é algo pronto e o professor encontra-se em constante processo de aprendizagem e de (re)construção de sua capacidade de conhecer.

Considerações finais

As TIC potencializam a construção, a difusão e a constante desterritorialização do conhecimento. Entre essas tecnologias, os museus virtuais se apresentam como possibilidades não apenas de ressignificação do campo da Museologia, ao ampliar as ações museológicas e as interações entre os sujeitos visitantes e o patrimônio cultural, mas também da própria formação inicial do pedagogo. Os museus virtuais, do ponto de vista da teoria de Jean Piaget, são campos de conhecimento, pois potencializam o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo do sujeito, bem como a sua ação criadora na construção de conhecimento histórico e geográfico, ao mesmo tempo descobrindo e valorizando os bens patrimoniais.

Interagir com esses objetos de conhecimento abre a possibilidade de o pedagogo em formação transformar a si, de (des/re)construir conhecimentos, adquirindo habilidades cognitivas, aprendendo a desenvolver o pensamento histórico e geográfico. O patrimônio cultural reunido nos acervos dos museus virtuais reporta à memória, à história e à cultura de um grupo e sociedade, possibilitando o resgate e a valorização da história e memória coletiva.

A concepção de sujeito (ativo) da Museologia se aproxima da noção de sujeito ativo da teoria de Piaget, uma vez que ele é compreendido não como sujeito passivo, mero receptor de conhecimentos, mas sim ativo, que, ao agir sobre os bens patrimoniais, se apropria desses bens, descobre os conhecimentos existentes e constrói outros. Pela ação criadora do sujeito epistêmico, nem os estudantes e professores nem os objetos de conhecimento são sempre os mesmos, pois se encontram em contínuo processo de transformação e criação (Becker, 2003, 2007; Brito, 2018).

O repertório de objetos de conhecimento dos museus virtuais, que engloba objetos específicos da Museologia e se aproxima dos objetos da História e da Geografia, possibilita articular a construção do conhecimento sobre espaço-tempo vinculado ao desenvolvimento de competências e habilidades específicas do pensamento espacial e da consciência histórica, estabelecidos pela proposta curricular da BNCC para o 5º ano do ensino fundamental, ressignificando, assim, o campo da formação docente.

Na formação inicial de professores, os museus virtuais se constituem em “laboratório” de pesquisa, de experimentação de situações de aprendizagem as mais variadas, e de reflexão docente mediante exercícios de investigação, que potencializam simultaneamente a descoberta de objetos, a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de estruturas cognitivas pelo sujeito.

Trata-se também de um “laboratório” de experimentações quanto aos exercícios de planejamento didático e vivência metodológica do ensino de História e Geografia, favorecendo a construção de noções específicas sobre as relações entre espaço e tempo, e de incorporação de competências e habilidades docentes específicas na seleção, estruturação, organização e construção do conhecimento escolar, considerando-se as bases epistemológicas da construção do conhecimento, das orientações curriculares da BNCC e das bases didáticas e pedagógicas características da História e da Geografia escolar.

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Recebido: 21 de Outubro de 2021; Aceito: 18 de Agosto de 2022

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