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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

Print version ISSN 0034-7183On-line version ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.104  Brasília  2023  Epub Sep 12, 2023

https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.5431 

ESTUDOS

A formação didático-pedagógica de professores do ensino jurídico: análise sobre as percepções de docentes a respeito do estágio docente vivenciado no âmbito da pós-graduação stricto sensu em Direito

Didactic and pedagogical training of professors of legal education: analyzing the perceptions of professors regarding the teaching internship experienced within the scope of stricto sensu postgraduate Law programs

La formación didáctico-pedagógica de los profesores de la educación jurídica: análisis de las percepciones de los profesores acerca de la práctica docente vivida en el ámbito del posgrado en Derecho stricto sensu

Luiz Gustavo TiroliI  II 
http://orcid.org/0000-0002-7912-8319

Adriana Regina de Jesus SantosIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-9346-5311

I Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: <luiz.gustavo.tiroli@uel.br>;

II Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná, Brasil.

III Universidade Estadual de Londrina (UEL). Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: <adrianar@uel.br>;

IV Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo, São Paulo, Brasil.


Resumo:

A formação didático-pedagógica de professores para o ensino jurídico é um desafio da área. Conforme o artigo 66, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), compete, prioritariamente, aos cursos de mestrado e doutorado esse processo formativo. Todavia, o foco desses cursos é a pesquisa, sendo poucas as estratégias voltadas à formação docente, entre essas, o estágio em docência. Assim, questiona-se: de que maneira os egressos dos cursos de mestrado e doutorado em Direito têm percebido a formação didático-pedagógica ofertada a partir do estágio docente e, consequentemente, suas repercussões para a formação de professores para o ensino jurídico? O objetivo é caracterizar as percepções e desvelar os significados que os docentes do ensino jurídico construíram em relação ao estágio docente vivenciado durante sua formação nos cursos de mestrado e doutorado em Direito, a fim de discutir a formação didático-pedagógica dos professores do ensino jurídico. A pesquisa bibliográfica e de campo, o tratamento qualitativo dos dados e a análise de conteúdo foram os encaminhamentos metodológicos da investigação. Os dados foram coletados mediante entrevista com 90 professores egressos dos cursos de mestrado ou doutorado em Direito, no estado do Paraná, entre o período de 2017 a 2020. Nas considerações finais, verificou-se a prevalência da percepção do estágio como uma etapa burocrático-formal (31%) ou espaço de representações de modelos e antimodelos (18%). Constatou-se, também, a presença de uma concepção de estágio docente como etapa formativa intencional (9%), um processo crítico e transformador da prática docente.

Palavras-chave: formação de professores; estágio docente; ensino jurídico

Abstract:

The didactic and pedagogical training of Law professors presents a challenge for the field. In accordance with Article 66 of the National Education Guidelines and Framework Law (Leis de Diretrizes de Bases da Educação Nacional - LDB), this training process is, predominantly, the responsibility of master's and doctoral programs. However, the focus of these programs is research, with few strategies directed to a pedagogical training, being one among them, teaching internships. Therefore, our inquiry is: How those egressing Law master's and doctoral programs have perceived the didactic and pedagogical training offered in the teaching internship and, consequently, its repercussions for the training of professors of legal education? The intent is to characterize the perceptions and reveal the context which Law professors constructed in relation to the teaching internship experienced during their training in Law master's and doctoral courses, in order to discuss the didactic and pedagogical training of legal education professors. Bibliographic and field research, content and qualitative data analysis were the methodological routes of the investigation. Data were collected through interviews conducted with 90 professors, who are graduates of Law master's or doctoral degrees in the State of Paraná, between 2017 to 2020. Ultimately, the notion of the internship as a bureaucratic and formal stage (31%) or as space for representations of models and anti-models (18%) were the most prevalent. It was also verified the concept of teaching internships as a critical and transforming process of the teaching practice and an intentional formative step (9%).

Keywords: teacher education; teaching internship; legal education

Resumen:

La formación didáctico-pedagógica de los profesores de la educación jurídica es un desafío en el área. Según el artículo 66 de la Ley de Directrices y Bases de la Educación Nacional, este proceso de formación es responsabilidad primordial de los cursos de maestría y doctorado. Sin embargo, el foco de estos cursos es la investigación, con pocas estrategias dirigidas a la formación docente, entre ellas, la práctica docente. Así, la pregunta es: ¿Cómo han percibido los egresados de los cursos de maestría y doctorado en Derecho la formación didáctico-pedagógica que se ofrece desde la práctica docente y, en consecuencia, sus repercusiones para la formación de profesores para la educación jurídica? El objetivo es caracterizar las percepciones y desvelar los significados que los profesores de educación jurídica construyeron con relación a la práctica docente vivida durante su formación en los cursos de maestría y doctorado en Derecho, con el fin de discutir la formación didáctico-pedagógica de los profesores de la educación jurídica. La investigación bibliográfica y de campo, el tratamiento cualitativo de los datos y el análisis de contenido fueron los referentes metodológicos de la investigación. Los datos fueron recolectados a través de entrevistas con 90 profesores egresados de cursos de maestría o doctorado en Derecho, ubicados en el Estado de Paraná, entre el período de 2017 a 2020. En las consideraciones finales, se comprobó la prevalencia de la percepción de la práctica como un proceso burocrático-escenario formal (31%) o espacio de representaciones de modelos y antimodelos (18%). También se verificó la presencia de una concepción de la práctica docente como paso formativo intencional (9%), proceso crítico y transformador de la práctica docente.

Palabras clave: formación de profesores; práctica docente; educación jurídica

Introdução

A formação de professores é fundamental para a educação, tanto para garantir a reprodução e manutenção do modelo educacional vigente, quanto para promover mudanças significativas na construção de novas realidades. Por consequência, deve ocupar o epicentro das pesquisas, discussões e reflexões do campo educacional, tendo em vista que as modificações estruturais, curriculares e metodológicas, promovidas na educação, para serem efetivadas, precisam estar em sintonia com a formação de professores, concebida como ponto de partida para efetivar mudanças ou permanências, para transformar ou para conservar, para criar ou reproduzir.

No âmbito do ensino superior, são muitos os desafios no tocante à formação de professores. Primeiro, devido à abrangência das atividades e à profundidade do trabalho desenvolvido, atravessado por excessiva carga horária de trabalho (Cunha; Bolzan; Isaia, 2021), ora marcada pela pressão relativa à produtividade (pesquisa), ora pela sobrecarga de horas-aula, alunos e turmas (ensino). Segundo, pela carência de parâmetros para a promoção dessa formação, com exceção de poucos indicativos presentes na legislação. E terceiro, pelo fato de o professor do ensino superior ser, recorrentemente, caracterizado como o sujeito que dispõe de especialidade em determinado tema, sem, contudo, ser levado em consideração que a profissão exige conhecimentos intrínsecos ao ser e fazer docente (Abreu; Masetto, 1987; Oliveira; Silva, 2012).

Além desses elementos, especificamente no campo do ensino jurídico, ressaltam-se algumas características que podem ser identificadas na prática docente, tais como o verbalismo, o dogmatismo, a neutralidade epistemológica, o antidialogismo e o legalismo, marcas do ensino jurídico brasileiro, presentes desde a fundação dos cursos primordiais, em 1827, e persistentes até os dias atuais. À vista disso, destaca-se que a formação didático-pedagógica para o exercício do magistério pode ser apontada como fundamental nesse contexto: tanto para causar e garantir a manutenção do sistema vigente, quanto para promover a transformação na consecução de um ensino jurídico crítico, democrático e emancipatório.

Embora a formação didático-pedagógica seja essencial nesse processo, a ausência dela, no âmbito do ensino jurídico, é anunciada por diversos autores, entre eles, Abikair Neto (2014, 2018); Adorno (2019); Bastos (2000); Bittar (2006); Ferreira Sobrinho (1997); Ghirardi (2012); Machado (2009); Martinez (2008, 2012); Mello (2007); Sá Neto e Menezes (2019); Venâncio Filho (1982) e Ventura (2004).

Conforme o exposto, são poucas as diretrizes que norteiam a formação de professores para o ensino superior, tais como o artigo 52, inciso II, e o artigo 66, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que atribuem essa tarefa, prioritariamente, aos cursos de mestrado e doutorado (Brasil, 1996). No entanto, o foco da pós-graduação stricto sensu é a pesquisa, de modo que são poucas as estratégias voltadas à formação de professores, das quais o estágio em docência é um desses métodos.

Entretanto, mesmo sendo, por vezes, a única estratégia voltada à formação didático-pedagógica dos professores do ensino jurídico, o trabalho desenvolvido por Calado e Santos (2018) aponta que o estágio é preterido em face de outras disciplinas, o que, segundo os autores, repercute na formação de professores, haja vista que os alunos se formam e recebem a titulação com a qual podem exercer a atividade docente, sem ter adquirido, necessariamente, experiência no que se refere aos aspectos teóricos e práticos da profissão (Calado; Santos, 2018).

Isso posto, a presente investigação se justifica na medida em que visa analisar os desafios do estágio docente na formação didático-pedagógica dos professores dos cursos de Direito, buscando contribuir para a discussão sobre a temática, principalmente pela lacuna de trabalhos empíricos, uma vez que as principais referências são oriundas de revisões bibliográficas ou documentais.

Diante disso, considerando os programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, localizados no estado do Paraná, que ofertam formação didático-pedagógica para seus alunos, em conformidade com o artigo 66, da LDB, o questionamento que se buscou responder com a presente investigação é: de que maneira os egressos percebem a formação didático-pedagógica ofertada nos cursos de mestrado e doutorado em Direito a partir do estágio na docência e, consequentemente, suas repercussões para a formação de professores para o ensino jurídico?

Com intuito de responder ao problema formulado, o objetivo deste artigo consiste em caracterizar as percepções e desvelar os significados que os docentes do ensino jurídico construíram em relação ao estágio docente vivenciado durante sua formação nos cursos de mestrado e doutorado. Perante essa caracterização, tem-se a possibilidade de discutir implicações para a formação didático-pedagógica dos professores dos cursos de Direito.

Na consecução de tal objetivo, o trabalho está organizado em duas seções. Inicialmente, busca-se discorrer a respeito da formação de professores para o ensino jurídico e a importância da pós-graduação stricto sensu para esse processo formativo. Por fim, analisam-se as falas dos egressos entrevistados sobre a experiência formativa vivenciada no estágio em docência durante a feitura dos cursos de mestrado e doutorado em Direito, problematizando os desafios para o aprimoramento dessa estratégia formativa e para a formação didático-pedagógica dos professores do ensino jurídico.

A importância dos cursos de mestrado e doutorado em Direito para a formação didático-pedagógica dos professores do ensino jurídico

A formação continuada está atrelada ao processo formativo posterior à formação inicial, que pode ocorrer por iniciativa do professor mediante estratégias formativas, como cursos livres e leituras, bem como via institucional, por intermédio de especialização, mestrado e doutorado. Cumpre destacar que a formação didático-pedagógica é uma das dimensões da formação docente e, no caso do ensino jurídico, acaba restringindo-se ao âmbito da formação continuada, tendo em vista que a formação inicial desses professores, em regra, é um curso de bacharelado, o qual, geralmente, não dispõe desses conteúdos formativos voltados ao ser e fazer docente.

Por meio da formação continuada institucional, em conformidade com a LDB, artigo 66, Scaff (2002, p. 27) defende que “é na pós-graduação que se ensina a ensinar. E é de lá que devem sair os novos mestres que alimentarão o sistema de ensino”. Para Oliveira (2010, p. 43), “[...] a pós-graduação é valorizada e indicada como local de formação do docente do Ensino Superior”. Logo, vale evidenciar: os cursos de mestrado e doutorado são os responsáveis prioritários pela formação de professores. À vista disso, assim devem ser concebidos pelos sistemas de controle e avaliação, pelas Instituições de Ensino Superior (IES), pelos coordenadores e professores dos programas de pós-graduação stricto sensu: um lócus privilegiado para formar professores e pesquisadores para o ensino jurídico.

Entretanto, muitos cursos da pós-graduação stricto sensu têm foco, principalmente, na pesquisa e na produção acadêmica, preterindo o fazer docente e a formação no aspecto relativo à docência (Gatti et al., 2019; Paiva, 2010). Além disso, Ventura (2004) ressalta que são raros os professores dos cursos de Direito que buscam formação específica para a prática docente ou que buscam titulação no campo da educação, como também são raros os cursos de pós-graduação stricto sensu em Direito que oferecem uma formação pedagógica para a prática do ensino jurídico. A maioria dos programas de pós-graduação stricto sensu designa apenas, quando o faz, uma disciplina de 30 ou 45 horas para a didática e a prática do ensino jurídico, por vezes optativa, além de não ofertar atividades complementares que pudessem colaborar com a formação dos docentes para os cursos jurídicos (Moura, 2009).

Para Vasconcelos (2009, p. 86), há “pouca preocupação com o tema formação pedagógica de mestres e doutores oriundos de diversos cursos de pós-graduação do País. A graduação tem sido ‘alimentada’ por docentes titulados, porém, sem a menor competência pedagógica”. Assim, embora seja fundamental no processo formativo do docente, a simples titulação de mestre ou doutor não significa, necessariamente, que o docente saiba trabalhar com a metodologia do ensino jurídico. Abikair Neto (2018, p. 67) sustenta que “o fato de o docente ter frequentado uma pós-graduação stricto sensu não é garantia de uma formação docente adequada”.

Ventura (2004), nesse mesmo sentido, ensina que a titulação não é capaz de distinguir aqueles que são profissionais-professores, que baseiam sua prática no empirismo, daqueles que sabem manejar as metodologias de ensino e possuem formação didático-pedagógica para o exercício da docência. Isso ocorre porque os cursos de mestrado e doutorado nem sempre contemplam questões didático-pedagógicas. Berbel (1994, p. 60) assinala que, embora tenham um progresso científico, os egressos continuam “[...] carentes de informações pedagógicas, sendo que a grande maioria sequer teve oportunidade de discutir essas questões”.

Assim, a titulação não é garantia da efetividade da prática docente, pois é preciso analisar como tem sido proporcionada essa formação, suas experiências práticas e perspectivas teóricas no interior dos cursos de mestrado e doutorado, ainda que baseadas nas percepções dos seus egressos. Posto que muitos dos problemas enfrentados no contexto do ensino jurídico podem ser superados por meio da formação docente, logo, a necessidade de investigar os processos formativos é primordial, a fim de ter elementos que possam subsidiar uma leitura crítica da realidade com vistas à sua transformação. Por isso, este trabalho objetivou caracterizar as percepções e desvelar os significados que os docentes do ensino jurídico construíram em relação ao estágio docente vivenciado durante sua formação nos cursos de mestrado e doutorado.

Procedimento metodológico

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina, o qual emitiu o parecer de aprovação sob o nº 44043421.2.0000.5231. A escolha dos participantes realizou-se a partir de convite feito aos professores, que atuam no ensino superior no curso de graduação em Direito, e que são egressos dos programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, do estado do Paraná, unidade federativa que atualmente dispõe o total de 13 IES que oferecem os referidos cursos.

As três instituições que ofertam somente o mestrado profissional foram retiradas da coleta de dados, em consonância ao recorte do objeto de análise da pesquisa. Outra instituição iniciou suas atividades do mestrado acadêmico muito recentemente, portanto, também foi retirada da coleta de dados, considerando a ausência de egressos que tenham vivenciado os aspectos relativos à investigação. Por conseguinte, a coleta de dados ocorreu em nove programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, localizados no estado do Paraná.

O parâmetro temporal adotado corresponde aos egressos dos últimos quatro anos, contemplando o período da Avaliação Quadrienal (2017-2020) realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em relação aos programas de pós-graduação stricto sensu no País.

Em atendimento às orientações para procedimentos em pesquisas com qualquer etapa do ambiente virtual (Ofício Circular nº 2/2021/Conep/SECNS/MS), as entrevistas foram realizadas de maneira não presencial, por intermédio de aplicativo de videoconferência. Quanto ao procedimento para o recrutamento da amostra, ressalta-se que o convite para participar da coleta de dados foi personalíssimo, sem a possibilidade de identificação dos demais participantes, e realizado por meio dos endereços eletrônicos e redes sociais localizados a partir dos nomes dos participantes.

O convite também explicitou que o participante teria acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da realização da coleta de dados para manifestação da anuência.

Foram entrevistados 90 professores, uma amostra composta por dez participantes de cada programa de pós-graduação stricto sensu em Direito, que declararam sendo 54% do gênero feminino e 46% do gênero masculino; 77% têm entre 30 e 45 anos; 66% são oriundos dos cursos de mestrado e 34% dos cursos de doutorado; 82% exercem a docência entre 3 e 10 anos, em IES privadas (93%) localizadas no estado do Paraná (90%). Ao se aplicar a medida de tendência central denominada de “Moda”, que consiste na demonstração do valor que mais frequentemente aparece no conjunto de valores observados (Morettin; Bussab, 2010), tem-se o perfil dos sujeitos da pesquisa: docentes do gênero feminino com 33 anos de idade, egressas do curso de mestrado e que exercem a docência há aproximadamente dois anos, em IES privadas localizadas no estado do Paraná, tendo como atividade principal a advocacia elegida pelo critério de tempo de dedicação.

O questionamento feito aos egressos teve como base a percepção deles sobre a experiência formativa do estágio na docência vivenciado durante a realização dos cursos de mestrado e doutorado. Com os dados coletados, buscou-se analisar as concepções e percepções dos egressos a respeito do estágio na docência com foco em discutir e problematizar a formação de professores para o ensino jurídico brasileiro.

Ademais, salienta-se que se trata de uma pesquisa bibliográfica e de campo, a qual teve como parâmetros o tratamento qualitativo dos dados e a análise de conteúdo apresentada por Bardin (2016). Na fase de pré-análise, as entrevistas semiestruturadas foram registradas e integralmente transcritas, cada documento formado foi enumerado e arquivado separadamente, sendo tratado como uma parte constitutiva do corpus de análise (Bardin, 2016).

A unidade de registro - unidade de significado - utilizada para a construção das categorias analíticas é o tema, uma vez que é uma unidade cuja significação é mais complexa, podendo ser uma afirmação, frase simples ou composta, ou palavras que expressam elementos da ordem psicológica, e não necessariamente da ordem linguística, além de ser essa unidade de registro - tema - a base de análise de entrevistas individuais. Logo, a análise temática demanda que o recorte aconteça em relação ao sentido, e não à forma (Bardin, 2016).

As unidades de registro temáticas foram aproximadas por meio da analogia e demonstradas por intermédio da frequência de aparição de temas - palavras, frases, expressões - (Biagi, 2010; Moraes, 1999) mencionados pelos egressos entrevistados, fundamentando-se no aspecto objetivo-quantitativo sobre a porcentagem de repetição das unidades de registro temáticas.

A constituição das categorias foi a posteriori, a fim de que pudessem emergir das respostas dos participantes da pesquisa, e não fossem impostas de maneira preestabelecida (Moraes, 2017). Portanto, o sistema de categorias foi progressivo, derivando da classificação por analogia, valendo-se do procedimento denominado de “acervo”, em que o título da categoria é definido somente após a finalização do procedimento.

Na fase de exploração do material, foi possível identificar, por meio da fala dos participantes da pesquisa e da frequência de aparição, as seguintes categorias: I) Estágio como atividade burocrática; II) Estágio docente como espaço de repetição de modelos e antimodelos; e III) Estágio como etapa formativa intencional. Ao final, na fase de tratamento e interpretação dos dados, procedeu-se à análise a partir da revisão bibliográfica, problematizando os dados coletados de acordo com os objetivos da investigação.

Estágio docente: análise da experiência formativa vivenciada nos cursos de mestrado e doutorado em Direito localizados no estado do Paraná/BR

O estágio docente diz respeito a uma etapa do processo educativo do pós-graduando, uma atividade formativa fundamental para a superação da histórica dicotomia teoria-prática. Para Pimenta e Lima (2008), o estágio não pode ser considerado um polo prático da etapa formativa, mas um momento de aproximação da realidade em uma perspectiva da práxis, que “compreende princípios e regras posturais e de conduta pessoal e social, entrelaçando teoria e prática, visão e ação” (Correia; Carvalho, 2012, p. 76). Nesse sentido, “[...] o estágio deixa de ser considerado apenas um dos componentes e mesmo um apêndice do currículo e passa a integrar o corpo de conhecimentos do curso de formação de professores” (Pimenta; Lima, 2008, p. 55).

Com o estágio na docência, o pós-graduando tem a oportunidade de aproximar as discussões teórico-metodológicas da vivência prática cotidiana, não se admitindo a suplementação de uma em detrimento da outra. Orientado por um docente, o estágio pode contribuir para a formação didático-pedagógica do estagiário, promovendo análises críticas sobre a prática docente nos aspectos de planejamento, avaliação, metodologia de ensino e relacionamento interpessoal.

No âmbito da pós-graduação stricto sensu brasileira, o estágio docente assume papel central no que diz respeito à formação de professores. Conforme o artigo 18, da Portaria Capes nº 76/2010, “o estágio docente é parte integrante da formação do pós-graduando, objetivando a preparação para a docência e a qualificação do ensino de graduação sendo obrigatório para todos os bolsistas do Programa de Demanda Social” (Brasil. Capes, 2010, p. 32).

Inicialmente, embora seja fundamental para o processo formativo, aponta-se que aproximadamente 42% dos entrevistados não participaram do estágio na docência, tanto pelo fato de não ser obrigatório (19%), quanto pelo fato de já ter experiência em sala de aula (23%). As justificativas são muitas, tais como bagagem e experiência de sala de aula, falta de tempo, compromissos profissionais, incompatibilidade de agenda e horários, falta de obrigatoriedade, falta de percepção a respeito da importância da atividade no processo formativo, ou, até mesmo, rebeldia, conforme relatado.

Eu não fiz, eu sou uma aluna rebelde, eu não fiz (E37). Eu não entendi que seria algo imprescindível para a minha formação (E62). Os alunos que não eram bolsistas eram dispensados, então eu não fiz, a maioria da minha turma não fez estágio docência (E66). Estava como uma disciplina optativa, e aí eu não fiz, acredito que da minha turma, ninguém tenha feito (E70). Então, por ser uma disciplina optativa, e por eu ter tido uma bagagem no passado, aquilo para mim não fazia sentido (E74). Acabei optando por não fazer a matéria de docência (E87).

Cumpre ressaltar que a ausência dessa vivência do estágio docente pode implicar a não problematização dos egressos no tocante à sua prática docente, para aqueles que já exercem a profissão, ou, em muitos casos, resulta na impossibilidade de se ter uma primeira experiência em sala de aula, o que acaba ocorrendo somente quando for exercer a atividade docente propriamente dita.

Destarte, o recorte teórico deste artigo teve como base os dados dos egressos que vivenciaram o estágio em docência, totalizando 58% dos participantes. Portanto, por meio da fala dos entrevistados e da frequência de aparição, têm-se as seguintes categorias: I) Estágio como atividade burocrática (31%); II) Estágio docente como espaço de repetição de modelos e antimodelos (18%); e III) Estágio como etapa formativa intencional (9%).

Estágio docente como atividade burocrática

O estágio na docência é uma atividade obrigatória para alunos bolsistas, conforme determinação da Capes. De acordo com a concepção do programa de pós-graduação stricto sensu, este pode ser obrigatório para todos os estudantes ou optativo como atividade curricular atribuidora de créditos. Nesse ponto, é importante perceber que essas características, sobretudo a obrigatoriedade, podem contribuir para transformar o estágio docente em uma atividade meramente burocrática-formal, uma mera etapa a ser vencida no processo formativo, sem contribuições para o ser e fazer docente, algo que foi relatado por aproximadamente 31% do total dos egressos.

Eu não posso dizer que ajudou, porque como eu já dava aula, eu encarei aquilo como uma atividade obrigatória para alunos de uma outra instituição, não muito diferente daquilo que eu já fazia (E01). Então, não foi uma coisa que interferiu na minha prática como docente, porque eu só repeti uma coisa que eu já fazia aqui na Universidade (E09). Eu fiz como cumprimento protocolar, fiz um relatório, mas, assim, penso que eu me dediquei mais a preencher um relatório bem-organizado (E55). Eu posso dizer, assim, que não agregou muito, pelo menos não para mim, eu acho que foi muito, assim, superficial, a gente ministrou uma única aula (E83). Eu e mais dois colegas demos aula, substituímos o professor na época (E73). Poxa, era participar das aulas com ele e ver como ele dava aula, esse foi o meu estágio de docência, nada mais do que acabei assistindo uma aula (E78).

Me mandaram para a sala de aula, essa foi minha experiência [...] agora um acompanhamento para ver como é que é feito, uma troca de experiências, uma discussão um pouquinho mais profunda, isso não existiu, foi nula a formação (E82).

Eu preparei os slides, encaminhei uma semana antes, para aprovação, mas não obtive resposta se o slide estava ok ou não e me jogou na sala de aula uma noite, essa foi minha experiência no estágio docente no mestrado, foram três horas, e acabou aí, eu encerrei meu estágio docente (E65).

Segundo as falas apresentadas, tendo como premissas as percepções dos egressos, infere-se que não basta ser obrigatório o estágio. Torna-se necessário analisar e discutir os fundamentos que norteiam a realização concreta do estágio na docência, uma vez que o preenchimento de relatórios, a substituição improvisada de professores e a observação passiva da ministração de aulas são atividades que, sem uma intencionalidade formativa, um planejamento e uma orientação prévios e, sobretudo, uma fundamentação teórico-metodológica, pouco contribuem para a formação de professores, pois não têm uma finalidade crítica e formativa (Barreiro; Gebran, 2006).

Oliveira e Vasconcellos (2016, p. 11) reconhecem o estágio docente como um “[...] componente introdutório na trajetória da formação para o exercício do magistério superior” e, para tanto, precisa ser uma experiência formativa intencional e contextualizada. Inclusive, as autoras apresentam uma metáfora proposta por Fincato (2010, p. 36) de que os programas de pós-graduação stricto sensu em Direito não podem reduzir a experiência do estágio a elementos procedimentais burocráticos, pois seria como “[...] formar auxiliares de cozinha, jeitosos, mas sem criatividade e raciocínio autônomo ou qualquer compromisso para além de suas panelas (salvo vocacionadas e honrosas exceções)”.

A referida metáfora defende que em vez de reprodutores acríticos, o papel desses cursos, a partir da experiência formativa do estágio, consiste em formar “[...] chefs jurídicos: surpreendentes, habilidosos, semeadores de novos paradigmas, lastreados na ciência e na renovação constante de seus saberes e, sobretudo, comprometidos com ‘as fomes’ do mundo” (Fincato, 2010, p. 36).

Os relatos, ainda, apontam para uma atividade realizada de forma aligeirada e descontextualizada, em alguns casos, e o estágio se reduziu à observação da aula do orientador, quando muito consistiu em ministrar uma aula, substituir o professor ausente e, em situações mais problemáticas, tornou-se uma aventura, em que o estagiário foi “mandado”, “jogado” ou “lançado” na sala de aula, sem qualquer acompanhamento ou preparo que pudesse atribuir intencionalidade para a estratégia formativa.

É importante ressaltar que o cumprimento de uma atividade burocrático-formal não pode ser concebido como formação de professores, assim também não o consideram os entrevistados que experienciaram o estágio docente dessa maneira. As etapas de desenvolvimento do estágio na docência são relevantes à organização e sistematização da atividade, todavia, não pode o estágio docente ser reduzido a uma etapa protocolar, ou a uma atividade improvisada sem orientação e com duração reduzida.

Embora possam ser concebidos como uma etapa do processo formativo que permite a aproximação do estudante da realidade da sala de aula, para Pimenta e Lima (2006, p. 14), “a aproximação à realidade só tem sentido quando tem conotação de envolvimento, de intencionalidade, pois a maioria dos estágios burocratizados, carregados de fichas de observação, está numa visão míope de aproximação da realidade”.

O estágio na docência em uma perspectiva burocrática-formal mitiga o processo de formação de professores, pois se restringe a um procedimento ritualístico que impede o aproveitamento dessa estratégia formativa em uma perspectiva da práxis. Conforme Gadotti (2000, p. 11), “[...] a reflexão crítica não basta, como também não basta à prática sem a reflexão sobre ela”. Por isso, o estágio na docência precisa ser concebido na relação indissociável entre teoria e prática com vistas a promover uma formação crítica-emancipatória capaz de modificar as estruturas tradicionais que persistam no ensino jurídico.

Essa perspectiva formativa do estágio docente como etapa burocrático-formal corrobora a funcionalização do trabalho docente com lógica do mercado. Frigotto e Ciavatta (2003) ensinam que essa educação voltada ao cidadão produtivo, tendo como premissa o mercado como princípio organizador da vida coletiva e social, afasta-se de um projeto emancipador do sujeito que pudesse colaborar para a construção de uma sociedade alicerçada na solidariedade.

Ressaltando que se trata de uma análise com base nas percepções dos egressos, as falas apontam para a realização de uma atividade esvaziada de intencionalidade e sentido, que ignora o fato de o trabalho do professor ser uma atividade intelectual (Giroux, 1997). Além disso, inviabiliza o pensamento crítico-emancipatório, solapando, portanto, o compromisso com a esperança e com a transformação da realidade que o professor deve possuir.

Estágio docente como espaço de repetição de modelos e antimodelos

Nesse contexto do estágio docente como etapa formativa, tem-se ainda o fenômeno da formação por “modelos” e “antimodelos”, em que, sem uma base teórica a qual pudesse nortear o processo formativo, o pós-graduando acaba, subjetiva e contingencialmente, reproduzindo ou rechaçando as estratégias de ensino e os padrões comportamentais dos seus professores, os responsáveis pela supervisão do estágio docente. Hooks (2017) instrui que a maioria dos professores aprendem a ensinar replicando atitudes de seus professores. Relativamente a essa perspectiva, 19% dos entrevistados mencionaram esse fenômeno quando perguntados sobre o estágio na docência, como pode-se verificar nos relatos a seguir.

Aquele professor que ele se forma como professor a partir de modelos e antimodelos [...]. Então, pela ausência de uma formação mais pedagógica, uma formação mais didática, mais científica mesmo para refletir sobre a prática docente, o professor de Direito é aquele professor que ele tenta mimetizar outros professores, ele não consegue pensar a prática dele como uma coisa autônoma, ele leva em consideração os exemplos positivos e negativos que ele teve (E09).

Nós vemos os professores ali na frente, a gente acaba reproduzindo também uma metodologia (E02). Trabalha muito com a questão de emular, o professor fez isso, eu quero fazer também (E10). A gente dá aula, a gente se baseia naqueles professores que teve, aqueles professores que a gente considerava bons, a gente imita, aqueles professores que a gente achava ruim, a gente tentava evitar (E33). Vou tentar seguir o exemplo de professores que eu acho que são bons, vou tentar me distanciar dos modelos que eu considero ruim, você vai meio pela intuição (E43). Você acaba se espelhando e tentando reproduzir em sala (E59).

As expressões “modelos” e “antimodelos” caracterizam bem essa categoria, além disso, outras emergem, tais como: “reproduzindo uma metodologia”, “emular”, “o professor fez isso, quero fazer também”, “a gente imita”, “distanciar dos modelos que considero ruim”, representando uma experiência formativa baseada na “intuição”. Esses relatos apontam para um processo de mimetização acrítica da prática docente, alinhada a uma abordagem técnico-prática e distante de uma perspectiva crítica-emancipatória.

Esse processo de aprendizagem por imitação de modelos é percebido como uma realidade por Pimenta e Lima (2006), principalmente pelo fato de que a profissão docente é também prática. Contudo, as autoras reconhecem os limites e as fragilidades dessa perspectiva formativa, pois nem sempre o observador dispõe de repertório para realizar uma ponderação crítica, mas somente uma assimilação. Desse modo, “essa perspectiva está ligada a uma concepção de professor que não valoriza sua formação intelectual, reduzindo a atividade docente apenas a um fazer, que será bem-sucedido quanto mais se aproximar dos modelos que observou” (Pimenta; Lima, 2006, p. 8).

Nesse processo mimético e acrítico de representar, encenar e repetir as metodologias, posturas e trejeitos dos professores que acompanharam durante a realização do estágio na docência, os entrevistados chegam a afirmar que a própria constituição do seu ser docente, a sua identidade profissional e a sua visão de mundo em relação ao ensino jurídico foram elaboradas a partir dessa relação intuitiva de observação e de assimilação de “modelos e antimodelos”, como pode ser visto a seguir.

Eu sou, na verdade, um compilado de meus professores, eu sou o que os meus professores eram (E03). Com certeza me fez perceber o que eu quero ser e o que eu não quero ser, modelaram minha percepção sobre o que é ser um docente de Direito (E49).

Não obstante, esse processo possa parecer natural, principalmente pela influência que o professor exerce sobre seus alunos, por laços de admiração, respeito e afetividade; com base nos relatos, pode-se inferir que a repetição e mimetização representa um processo formativo descomprometido com o pensamento crítico, pois privilegia a reprodução de práticas contingenciais-subjetivas, um eterno retorno do mesmo, pois, sem uma teorização prévia, o estagiário não tem condições de desenvolver uma análise crítica sobre a prática observada, e tampouco poderá intervir de maneira transformadora na realidade, não tendo outra saída a não ser reproduzir as práticas pedagógicas assimiladas.

Estágio docente como etapa formativa intencional

O estágio docente é um momento propício de descoberta do sujeito para a docência, uma oportunidade de manifestar o sentimento de pertencimento e de decidir pelo trabalho docente como atividade profissional. Essas questões podem ser visualizadas por meio dos próximos relatos.

Quando eu fui para o estágio em docência, eu me apresentei, digamos assim, à docência e foi nesse momento, assim, que eu defini que eu queria ser docente (E11). Foi quando eu finalizei a primeira aula que eu decidi, eu nasci para isso, eu quero isso para minha vida, também tem a realização pessoal no sentido de definir o que eu queria para minha vida (E48).

O depoimento do egresso sintetiza um dos mais importantes objetivos da atividade do estágio docente: possibilitar que o sujeito tenha contato com uma experiência que possa implicar a sua decisão profissional, qual seja, tornar-se professor. Isso ocorreu, por exemplo, com os entrevistados os quais afirmaram que, por meio do estágio, definiram ser docentes. Isso é muito interessante, pois partindo do pressuposto de que o docente não nasce, mas torna-se, o trabalho docente é considerado uma atividade profissional como as demais e o estágio pode contribuir para a opção do indivíduo por essa carreira.

Ademais, para aproximadamente 9% dos egressos entrevistados, o estágio docente teve impacto significativo no processo formativo voltado à docência. Para alguns, foi a possibilidade de ter o primeiro contato com a prática docente e, muitas vezes, principalmente pela lacuna legislativa no que se refere à formação de professores para o ensino superior, torna-se não somente o primeiro contato, mas também a única experiência formativa que o pós-graduando terá no transcorrer do processo de formação docente (Joaquim; Vilas Boas; Carrieri, 2013). Sendo assim, é reconhecido pelos entrevistados como uma estratégia que precisa ser valorizada no âmbito dos cursos de mestrado e doutorado.

Eu já tive uma experiência maior, de ir lá uma vez por semana, de acompanhar, de corrigir, de aplicar prova, exame, então, para mim foi uma experiência muito válida, tive a oportunidade de fazer banca de TCC, então esse primeiro contato, para quem nunca teve contato nenhum, para mim foi essencial (E15). Foi muito positivo ter um contato com a sala de aula, eu não atuava, o estágio foi um contato mais próximo, um primeiro contato (E75). Me ajudou muito, hoje eu tenho bem mais confiança, saber o que falar, como falar, isso eu acho que foi muito importante para mim (E06). Foi essencial, foi onde eu aprendi realmente a dar aula, e agradeço muito ao meu professor orientador, ele explicava: “você fala assim”, “você precisa saber”, eu assisti a todas as aulas dele, fazia anotações, fizemos questões de prova, então, foi essencial para que eu conseguisse iniciar a carreira docente (E27). Achei muito válido, eu tive muita ideia, penso, isso poderia ser feito de um jeito, ou de outro (E23). Modificou muito em ter o ambiente de pesquisa, o ambiente prático, o ambiente de ensino jurídico como um ambiente de acolhimento para que você desenvolva um pensamento e não para que você já chegue com algo pronto e acabado (E10).

Além disso, a atividade formativa do estágio foi uma ocasião para refletir, analisar, perceber, anotar e experimentar. Um momento de troca de experiências que interveio nas suas carreiras docentes, inclusive na visão de mundo, pois consideram que, por meio do estágio na docência, tiveram a oportunidade de se sentir como alunos, criando um pensamento crítico sobre o ser e fazer docente, como pode-se observar.

Inclusive, eu mudei questões didáticas de sala de aula a partir do estágio na docência que eu fiz com meu orientador (E28). Muda demais a abordagem daquele professor que é um professorzão tradicional que chega na frente e despeja conteúdo, depois que eu fiz o estágio docente eu mudei completamente a minha dinâmica de aula, a grande diferença, eu mudei como professor depois do estágio docente (E47). Foi relevante sim, por mais que eu já soubesse, eu desenvolvi meu próprio método (E63). É de uma grandeza muito grande porque ele transforma o aluno em professor e coloca aquele professor também na cadeira do aluno, ou seja, eu consigo ver da ótica de quem está ministrando a docência, mas coloca o professor na cadeira do aluno, e isso cria um pensamento crítico (E79).

Dito isso, percebe-se que a experiência formativa do estágio possibilitou aos egressos uma análise crítica das práticas que podem ser adotadas em sala de aula, pois viabilizou que o estagiário confrontasse seus conhecimentos, modificando, dessa maneira, sua prática interventiva.

Os entrevistados relatam que o estágio na docência ressignificou a prática docente, visto que reconhecem uma modificação das questões didáticas, da dinâmica em sala de aula com os alunos, inclusive, do desenvolvimento de método próprio de ensino, tornando-se uma atividade formativa produtiva, embora esses professores, conforme examinado, já possuíssem experiência como docentes nos cursos jurídicos. Desse modo, o pós-graduando assume uma postura de inacabamento e constante aprendizagem (Freire, 2020), tendo a formação de professores como um continuum, que ocorre de maneira processual (Cunha, 2013; Gatti et al., 2019).

Entretanto, a fim de que seja uma atividade formativa intencional, o estágio na docência não pode ser reduzido a uma perspectiva prática de experimentação da atividade docente. Por isso, na consecução da formação intencional, um ponto a ser destacado, emergido dos relatos dos participantes da pesquisa, é a importância do conhecimento teórico aliado à experiência prática do estágio. E, segundo os egressos, isso poderia ocorrer por meio de uma disciplina teórica, isto é, uma disciplina de metodologia do ensino jurídico que fosse capaz de discutir previamente os conteúdos, conceitos e categorias, contribuindo para a feitura de um estágio mais crítico, contextualizado e formador. A necessidade dessa formação teórica precedente é apontada por alguns dos egressos, como vislumbra-se abaixo.

Eu acho que foi uma experiência boa. Mas eu acho um pouco complicado a gente ir para o estágio, que é a formação prática, sem ter passado pela teoria, como se a gente fosse colocada na selva sem ter vestido a armadura (E11). O ideal seria que o estágio na docência fosse necessariamente composto por um módulo teórico e não somente prático, porque senão a gente incorre no mesmo problema. Fazer a prática só porque está fazendo com alguém que já é professor não garante que você vai ter acesso a essa informação específica do conteúdo didático (E18). A disciplina de estágio docência fica bem a cargo do orientador, eu tive a sorte de ter um bom orientador, talvez pudesse ter um pouco mais de diretrizes da própria disciplina para ser um pouquinho mais uniformizada, ou uma disciplina que pudesse trazer conteúdos teóricos anteriormente, porque eu tive colegas que também tiveram estágio docente e não tiveram uma experiência tão boa quanto eu (E30).

Em parte das IES, afirmam Joaquim, Vilas Boas e Carreri (2013, p. 354), o estágio docente “está baseado apenas no saber prático, e não há como pautar a formação de professores somente na prática pela prática”. Assim, o estágio não pode ser concebido como um espaço da atividade prática no processo formativo, como se pudesse ser dissociado em uma perspectiva dicotômica teoria-prática, por isso a importância de uma formação anterior e concomitante que seja profundamente sólida e teórica.

Pimenta e Lima (2006, p. 16) ressaltam que a função da formação teórica é proporcionar aos “[...] professores perspectivas de análise para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os”. Sem a formação teórica, não é possível confrontar e intervir na realidade, apenas refletir sobre ela em si mesma, limitando o universo de possibilidades em que essa realidade poderia vir a se transformar.

A disciplina sobre metodologia do ensino antecedente e, também, concomitante, teria a função de possibilitar a internalização de conceitos que poderão ser aplicados em casos particulares. De modo que, na atividade, o estagiário tenha condições de explorar contrastes entre a teoria e a prática, operacionalizando os conceitos apropriados internamente, isto é, a atividade humana contida nesses conteúdos, como acervo histórico-cultural produzido pelo trabalho e acumulado pela humanidade ao longo da história, equipando este estagiário para a prática social.

Isso porque, ausente a formação teórica profundamente sólida, o processo formativo pode se reduzir a adestramento, pois essa ausência impede o reconhecimento dos processos culturais, ideológicos, políticos e sociais que atravessam o campo do ensino jurídico, inviabiliza a identificação das condições de opressão e, consequentemente, frustra a consolidação de uma formação na perspectiva crítico-emancipatória. A previsão de diretrizes objetivas e a disciplina teórica precedente são proposições que podem ser incorporadas institucionalmente pelos programas de pós-graduação stricto sensu, no sentido de consagrar o estágio na docência como atividade formativa intencional capaz de preparar para a docência no ensino superior.

O estágio docente cumpre uma função primordial no processo formativo dos professores, assim, não pode ser reduzido a uma carga horária diminuta e insuficiente, ser transformado em um processo de preenchimento de relatórios e planilhas ou, por ausência de fundamentação teórica, tornar-se oportunidade para assimilação ou rejeição de comportamentos e trejeitos dos professores regentes.

Ressalta-se, portanto, a importância da formação teórica precedente ao estágio, necessidade apontada pelos entrevistados que, mesmo considerando o estágio docente como uma experiência formativa intencional, reconhecem que carece de fundamentação que pudesse aprimorar o processo. Essa formação teórica contribui para que o estágio seja alicerçado em uma práxis libertadora, uma relação indissociável entre teoria e prática, que ultrapasse a repetição de modelos e atinja a emancipação do pós-graduando, tornando-o capaz de pensar criticamente sua atuação com vistas à emancipação dos seus alunos.

Considerações finais

O processo formativo do professor para o ensino superior é um grande desafio, sobretudo, pela carência de diretrizes que pudessem nortear essa formação. Como visto, entre as poucas existentes, tem-se o artigo 66, da LDB, que estabelece os cursos de mestrado e doutorado como espaços prioritários para esse processo formativo. Todavia, conforme a bibliografia analisada, o foco desses cursos é a pesquisa científica e a produção acadêmica, preterindo, muitas vezes, os aspectos relacionados ao ensino, de modo que as estratégias voltadas para a formação docente são escassas, com exceção do estágio docente.

No âmbito do ensino jurídico, como discutido ao longo do texto, o estágio docente torna-se ainda mais relevante, haja vista que pode ser uma das poucas, senão a única experiência formativa que o bacharel em Direito terá durante seu percurso formativo. Contudo, não se pode limitar a análise dessa temática a questões de obrigatoriedade ou dispensa da realização dessa atividade; é preciso compreender como os egressos têm percebido essa estratégia formativa no interior dos cursos de mestrado e doutorado em Direito e seus impactos para o ser e fazer docente no contexto do ensino jurídico, sendo esse o objetivo que direcionou tal investigação.

Na consecução do problema de pesquisa e considerando as respostas dos entrevistados e suas percepções, verifica-se a emergência de três categorias. A parcela majoritária dos egressos considerou a experiência apenas como uma etapa burocrática-formal, resumida ao preenchimento de relatórios ou substituição improvisada dos orientadores (31%). Um contingente intermediário apontou que o estágio na docência foi um espaço formativo destinado à repetição de modelos e antimodelos (18%), apenas assimilando, reproduzindo ou rechaçando comportamentos, estratégias e ações dos supervisores de estágio.

Embora predominante, essas concepções não foram totalizadoras, visto que 9% ressaltaram que o estágio docente teve um impacto significativo no seu processo de formação continuada para o trabalho docente no ensino jurídico, sendo fundamental, inclusive, para a descoberta do sujeito para o magistério, para o desenvolvimento de método próprio e para ressignificação da prática docente em sala de aula.

Entretanto, mesmo para os que consideraram o estágio uma experiência formativa intencional, emergiu das respostas uma necessidade de formação teórica prévia e concomitante, que pudesse ampliar os horizontes do estagiário na realização da atividade formativa, superando a dicotomia histórica teoria-prática.

Como visto, com apoio na revisão bibliográfica, existe a necessidade histórica de ampliar a discussão a respeito da importância da formação didático-pedagógica dos professores do ensino jurídico, inclusive do papel dos programas de pós-graduação nesse processo formativo. Sobre isso, a presente investigação procurou contribuir para a promoção dessa reflexão, dialogando com autores da área e com as falas dos entrevistados, trazendo dados que poderão subsidiar outras análises e discussões acerca do assunto.

Portanto, considerando tal problemática, a finalidade da investigação consistiu em provocar, pois, embora os resultados sejam incipientes, apontam para a necessidade de se discutir os desafios do estágio em docência, uma vez que esse estágio precisa ser concebido como uma estratégia formativa intencional, umbilicalmente vinculada a uma perspectiva teórica, a qual possa ampliar os horizontes dos estagiários na consecução de uma formação teórica, científica e cultural capaz de contribuir para a superação dos problemas históricos do ensino jurídico.

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Recebido: 29 de Junho de 2022; Aceito: 25 de Abril de 2023

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