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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

versão impressa ISSN 0034-7183versão On-line ISSN 2176-6681

R. Bras. Est. Pedag. vol.104  Brasília  2023  Epub 28-Mar-2023

https://doi.org/10.24109/2176-5201.rbep.104.5178 

RESENHA

Lições finlandesas 2.0: o fortalecimento do sistema educacional público para a potente formação docente

Alessandra Pereira PedrosoI  II 
http://orcid.org/0000-0003-1897-6143

Fabiane Bitello PedroIII  IV 
http://orcid.org/0000-0002-1545-5388

I Prefeitura Municipal de São Leopoldo, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <pedroso.alessandra2012@gmail.com>;

II Mestra em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

III Prefeitura Municipal de São Leopoldo, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. E-mail: <fabi.bitello@gmail.com>;

IV Mestra em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil.

SAHLBERG, P. Lições finlandesas 2.0, : o que a mudança educacional na Finlândia pode ensinar ao mundo?. São Paulo: Sesi-SP, 2018.


Lições finlandesas 2.0: o que a mudança educacional na Finlândia pode ensinar ao mundo? é uma tradução de Sesi-SP Editora da obra lançada em 2015. Consideramos que é endereçado às pessoas formuladoras de políticas públicas, às gestoras públicas, às diretoras escolares e às professoras da educação básica e do ensino superior. O objetivo do autor é partilhar o que a população finlandesa vivenciou na reforma do sistema educacional e, de forma sucinta, relatar as batalhas para a Finlândia ser um país independente. Com as experiências, as leitoras têm a oportunidade de mobilizar a reflexão a respeito da (re)organização do sistema educacional, da formação docente desde a etapa inicial, assim como da valorização da docência e das docentes, tanto profissional como socialmente.

O autor, professor doutor Pasi Sahlberg, nasceu em 26 de outubro de 1959, em Oulu/FI. Ele é especialista em educação finlandesa e autor de obras sobre a temática, bem como de assuntos relacionados à educação e formação docente disponíveis em seu sítio ([PasiSahlberg.com], 2017).

Atualmente, o autor é professor de Política Educacional na Universidade de New South Wales em Sydney/AU. Sua experiência abarca a educação básica e universitária, sendo que já lecionou como professor convidado na Escola de Educação da Universidade de Harvard. Prestou serviços a vários países e recebeu prêmios pelo seu trabalho sobre a equidade e os avanços no campo da educação que ele propõe.

Primeiramente, a seção “Elogios à primeira edição de Lições finlandesas” traz as manifestações favoráveis às ações finlandesas que o autor apresenta em seu primeiro livro. Os minitextos dão uma ideia do que a leitora encontrará no conjunto do livro, despertando o interesse pela leitura mediante um convite à reflexão.

Walter Vicione Gonçalves, diretor regional do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e superintendente do Serviço Social da Indústria (Sesi) de São Paulo, expressou no texto “Apresentação da edição brasileira” a motivação para a tradução do livro no Brasil, considerando as reformas educacionais que estavam ocorrendo aqui e em diversos países.

No “Prefácio da segunda edição: um universo alternativo”, Diane Ravitch, professora e pesquisadora de educação na Universidade de Nova York, nos brinda com seus estudos sobre as reformas educacionais que vários países estão colocando em prática, entre eles os Estados Unidos. Nesse país, os testes em larga escala vêm aumentando ao longo dos anos. As professoras, a partir de 2009, são bonificadas ou são demitidas, dependendo dos resultados alcançados pelas estudantes.

O “Prefácio da primeira edição: negócio não finlandizado” foi escrito por Andy Hargreaves, professor universitário em vários países e uma das maiores referências mundiais no debate sobre as políticas educacionais, bem como autor de livros premiados. O autor apresenta as semelhanças e as diferenças da realidade americana, comparada a outros países, como a China e a Inglaterra, e traz um relato de sua ida à Finlândia em 2007, para estruturar informações sobre o sistema educacional finlandês e sobre a biografia do Dr. Pasi Sahlberg.

Já no “Prefácio da segunda edição”, há o destaque sobre os países que estão com as melhores classificações no campo educacional em nível mundial, que são justamente aqueles que se preocupam de fato com a equidade e com a igualdade de oportunidades, para garantir aprendizagens significativas a todos. Assim, Sahlberg relata que estar no topo foi uma consequência para a Finlândia e não um objetivo.

Sahlberg (2018, p. 32), ao escrever os “Agradecimentos”, manifesta sua gratidão a um grupo de pessoas que contribuiu para sua obra, por meio de elogios ou críticas eloquentes e de maneira respeitosa. “Sou grato a todos os meus públicos e alunos, que tornaram a produção deste livro uma viagem empolgante e um processo de crescimento pessoal para mim”.

O texto “Sobre a edição brasileira” contextualiza as leitoras que alguns termos foram adequados à cultura escolar brasileira e outros termos foram deixados em inglês para que o sentido não fosse alterado.

Uma citação do ex-presidente da Finlândia de 1994 a 2000, Sr. Martti Ahtisaari, é utilizada para abrir a seção intitulada “Introdução: sim, nós podemos (aprender um com os outros)”, pois essa menção expressa a preocupação com o futuro das jovens nos dez anos seguintes, quando o então presidente mobilizava o planejamento das políticas para a nação. A partir desse excerto, Sahlberg explana algumas características do sistema educacional da Finlândia, que serão retomadas de forma mais detalhada nos cinco capítulos que organizam a obra, e retrata o seu desenvolvimento como autor, ao contar um pouco sobre sua origem, seus pais educadores e seu trabalho.

O “Capítulo I - O sonho finlandês: uma boa escola para todos” discorre sobre a história da Finlândia, desde que seu território foi alvo de disputas entre alemães e russos, suas batalhas internas e os desafios que foram sendo travados dentro do território, na procura de “descreve[r] como a Finlândia progrediu de um país pobre, agrário e modestamente educado, a uma sociedade moderna e baseada em conhecimento com um sistema educacional de alto desempenho e um ambiente de inovação de primeiro mundo” (Sahlberg, 2018, p. 54).

No “Capítulo II - O paradoxo finlandês: menos é mais”, o autor inicia sua escrita informando que os finlandeses competem menos e cooperam mais entre si. Essa característica reflete-se de forma espontânea nas escolas e em todo o sistema de ensino. Assim, Sahlberg pondera que o país criou oportunidades para todas as crianças e estudantes, melhorando a qualidade do ensino e da aprendizagem por meio da equidade e do financiamento público de toda a educação básica e do ensino superior. Dessa forma, as diferenças sociais não interferem na ação pedagógica, tornando o sistema de ensino justo e inclusivo. Esse capítulo traz fortemente a reflexão sobre a educação inclusiva/personalizada, com base em paradoxos mundiais, em que se ensina menos, mas se aprende mais com outras ações, como o esporte.

No “Capítulo III - A vantagem finlandesa: os professores”, a formação docente é abordada, assim como a cultura do ensino, capítulo no qual o autor aponta que na Finlândia a formação, tanto para atuar como docente quanto na direção da escola, é um trabalho comprometido com a profissionalização, com a pesquisa e com a liderança escolar. As formações docentes são totalmente custeadas pelo poder público, inclusive o mestrado, que é obrigatório para lecionar no ensino fundamental. A direção escolar ainda recebe formação de questões administrativas em relação à escola. Outro ponto trazido por Sahlberg é que a classe educadora é a responsável pela criação do currículo escolar, mesmo a Finlândia tendo uma base nacional comum com regulamentação e orientações, mas o foco é o desenvolvimento do conhecimento e não a padronização da aprendizagem para mensurar os resultados via provas em larga escala.

No “Capítulo IV - A via finlandesa: estado competitivo de bem-estar social”, o autor descreve que “o que torna a educação finlandesa única é o seu progresso estável de um sistema que mal ficava nas médias internacionais para um dos raros sistemas públicos de ensino da atualidade com ótimo desempenho” (Sahlberg, 2018, p. 197). A reforma na Finlândia não ocorreu somente na área educacional, mas foi realizada em todos os setores públicos, e isso gerou a melhoria na educação, reduzindo a retenção escolar.

O “Capítulo V - O futuro é finlandês?” enfatiza que o sucesso da educação finlandesa não está baseado nas orientações do Educational Reform Movement (Germ). Contudo, o país buscou modelos internacionais para estudo, o que possibilitou a criação de políticas educacionais próprias, tendo como foco central a equidade social e educacional. Sahlberg descreve em tópicos como a Finlândia conseguiu concretizar uma melhor educação para todas as pessoas envolvidas. Contudo, o autor alerta que as crianças estão perdendo a curiosidade e trocando a leitura de livros pelas redes sociais, visto que a proficiência em leitura caiu e, de forma concomitante, o desenvolvimento de outras áreas do conhecimento, sendo esses os desafios futuros do país.

Para finalizar o livro, o “Posfácio” foi escrito por Sir Ken Robinson, que enfatiza a educação em que Pasi Sahlberg acredita, mesmo não sendo perfeita. A defesa ocorreu quando foi apresentada a reforma educacional da Finlândia e os desafios: os já superados e os que estão por vir.

Em “Notas” encontramos explicações ou referências que complementam o texto principal, tendo a numeração iniciada a cada capítulo do livro. Na parte que traz as referências bibliográficas, são apresentadas as mais de 300 obras utilizadas para embasar o livro por meio de teorias, dados estatísticos, dados históricos, pesquisas e informações da reforma educacional. De sua própria autoria, Sahlberg referenciou 11 obras. O índice remissivo traz verbetes ou palavras-chave identificando as páginas que se encontram dentro da obra, a fim de auxiliar as leitoras. O livro finda com os dados do autor que já foram expressos no início da presente resenha e atualizados com outros que estão disponíveis em seu sítio.

Nossa análise crítica começa pela capa do livro. A imagem utilizada já transmite um dos pontos imperativos que Sahlberg defendeu em toda a sua obra, o trabalho colaborativo, seja na gestão pública, na direção escolar, bem como na formação e no planejamento docente.

Os dados e as “receitas” utilizadas pela Finlândia para a reforma educacional não podem ser aplicados diretamente em outros países, por mais que tenham estrutura econômica e social semelhantes. Contudo, qualquer nação pode, mediante as experiências finlandesas, fazer seus estudos e a partir de reflexões elaborar a própria reforma educacional sem interferências de instituições estrangeiras, que trazem em seu bojo um conjunto de “critérios de desenvolvimento” que contrariam uma escola para todos com equidade.

Como alerta a obra de Sahlberg, organizar a própria reforma de maneira personalizada é um processo moroso para obter os resultados almejados com durabilidade, mesmo que se busque exemplos de outros países para partir de experiências exitosas, de dados e/ou pesquisas atualizadas. Sahlberg destacou como o trabalho com liberdade, responsabilidade compartilhada e colaborativa, que busque soluções dentro da realidade local é um potente diferencial para que crianças e estudantes desenvolvam o seu potencial máximo.

Após essa cara contribuição para a área da educação de forma geral, queremos discorrer sobre a formação continuada normatizada em 27 de outubro de 2020, pelo Conselho Nacional de Educação por meio da Resolução CNE/CP nº 1/2020. Essa normativa “[d]ispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada)” (Brasil. CNE. CP, 2020).

De forma reflexiva, Fabiane Bitello Pedro e Alessandra Pereira Pedroso (2021) tecem comentários à respectiva norma para suspeitar da responsabilização individual das professoras. Outro ponto que fragiliza a docência e a qualificação da educação brasileira é a formação continuada estar focada fortemente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como está estabelecido na referida normativa. Além disso, desconsidera as normativas dos sistemas municipais de educação e as especificidades das comunidades escolares, presentes nos projetos político-pedagógicos. As autoras discorrem, por meio de suas pesquisas, que essas ações geram a padronização na formação docente, a qual visivelmente tem a intenção de atender aos índices das testagens nacionais e não ao desenvolvimento integral das crianças e estudantes.

Refletindo a respeito do papel das avaliações em larga escala, compreendemos a importância delas no território brasileiro, uma vez que fomentam políticas públicas com a intenção da qualificação da educação. Entretanto, destacamos que toda a publicidade envolvida, seja das gestões públicas ou mesmo da grande mídia, dá “toda ênfase aos resultados, em detrimento da reflexão sobre o cotidiano dos processos de ensino e de aprendizagem,” (Fischer, 2010, p. 36), o que fragiliza a real finalidade do processo educativo e da própria avaliação.

A classe docente na Finlândia tem reconhecimento social e profissional em diferentes pontos da obra, em especial no Capítulo III, no qual é destacado que as formações são custeadas, promovidas e estimuladas pelo poder público, gerando a valoração da profissão e a liberdade docente para a construção do currículo. Em contrapartida, no Brasil, tomando o inciso IV do artigo 5º da BNC-Formação Continuada, podemos observar a responsabilização prioritária, mas não exclusiva, das professoras pelo desenvolvimento cognitivo, acadêmico e social das estudantes. Dessa forma, a Resolução CNE/CP nº 1/2020 traz o engajamento profissional, que claramente responsabiliza as professoras pelo desempenho escolar mensurado em provas em larga escala.

Assim, o estudo desse livro nos provoca a refletir que é possível realizar transformações na educação brasileira, assim como em todos os setores públicos. Portanto, nos desafia a projetar o futuro resolvendo os problemas no presente, a fim de alcançarmos a educação de qualidade com justiça social. Logo, buscar experiências de outras nações nos ajuda a compreender o processo e o possível ritmo da reforma, mas queimar etapas ou utilizar receitas prontas enfraquece o sistema educacional. Urge a união das pessoas formuladoras das políticas públicas, com as professoras, assim como com a sociedade no geral, para que as normas educacionais sejam construídas coletivamente de fato e dentro da realidade das comunidades.

Referências

BRASIL. Conselho Nacional de Educação (CNE). Conselho Pleno (CP). Resolução nº 1, de 27 de outubro de 2020. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 out. 2020. Seção 1, p. 103-106. [ Links ]

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HARGREAVES, A. Prefácio da primeira edição: negócio não finlandizado. In: SAHLBERG, P. Lições finlandesas 2.0: o que a mudança educacional na Finlândia pode ensinar ao mundo? São Paulo: Sesi-SP , 2018. [ Links ]

[PASISAHLBERG.COM]. [S.l.], 2017. Available in: <Available in: https://pasisahlberg.com/ >. Access in: 1 Jan. 2023. [ Links ]

PEDRO, F. B. Formação continuada de professoras da educação básica: produção discursiva na pesquisa acadêmica (1997-2018). 2020. 133 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2020. Disponível em: <Disponível em: http://www.repositorio.jesuita.org.br/bitstream/handle/UNISINOS/9490/Fabiane%20Bitello%20Pedro_.pdf?sequence=1&isAllowed=y >. Acesso em: 2 jun. 2022. [ Links ]

PEDRO, F. B.; PEDROSO, A. P. Diretrizes e BNC- Formação Continuada: comentários a respeito da Resolução CNE/CP nº 1/2020. São Leopoldo: UNCME-RS, 2021. (Caderno 6). Disponível em: <Disponível em: https://uncme.org.br/rs/blog/2021/10/15/caderno-6- formacao- continuada/ >. Acesso em: 15 out. 2021. [ Links ]

RAVITCH, D. Prefácio da segunda edição: um universo alternativo. In.: SAHLBERG, P. Lições finlandesas 2.0: o que a mudança educacional na Finlândia pode ensinar ao mundo? São Paulo: Sesi-SP, 2018. [ Links ]

Recebido: 15 de Novembro de 2021; Aceito: 16 de Novembro de 2022

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