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Roteiro

On-line version ISSN 2177-6059

Roteiro vol.45  Joaçaba Jan./Dec 2020  Epub June 09, 2020

https://doi.org/10.18593/r.v45i0.23216 

Seção temática: Políticas educacionais e o avanço da nova (ou extrema?) direita

Quando fundamentalismo religioso e mercado se encontram: as bases históricas, econômicas e políticas da escola sem partido

Encounter between religious fundamentalism and the market: historical, economical and political foundations of Brazilian’s “escola sem partido” (school without party)

Cuando fundamentalismo religioso y mercado se encuentran: las bases históricas, económicas y políticas de la escuela sin partido

Jorge Fernando Hermida1I  , Professor titular
http://orcid.org/0000-0003-1963-4639

Jailton de Souza Lira2II  , Professor Adjunto
http://orcid.org/0000-0002-3534-0553

IUniversidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-graduação em Educação e Mestrado Profissional em Gestão em Organizações Aprendentes, Professor titular.

I Universidade Federal de Alagoas, Programa de Pós-Graduação em Educação, Professor Adjunto.


Resumo:

Este artigo realiza uma análise dos últimos acontecimentos políticos e sociais, vinculados à emergência e expansão do movimento Escola Sem Partido, procurando estabelecer um diálogo entre as proposituras do movimento e as nuances acontecidas na vida política e nas economias brasileira e mundial. A questão norteadora que gerou sua elaboração foi a seguinte: quais bases históricas, econômicas e políticas orientaram as ações e proposições do movimento Escola Sem Partido? Com base na interpretação marxista da história, o artigo utilizou como método o materialismo histórico e dialético. Procurou-se identificar as bases e pressupostos políticos, econômicos e históricos que sustentam as teses fundamentalistas e religiosas do movimento, relacionando-os à atual etapa da crise do sistema capitalista e a consequente ascensão da ideologia ultraliberal. O artigo conclui que a existência de movimentos como o Escola sem Partido faz parte de uma ação articulada pelos setores políticos de extrema direita que têm como propósito a desconstrução dos fundamentos da democracia liberal. Ao adotar a ideologia ultraliberal e o fundamentalismo religioso dos evangélicos neopentecostais e da Renovação Carismática Católica, o movimento procura garantir a formação de cidadãos submissos à lógica da classe dominante. Nesse contexto, a esfera educacional tornou-se uma das frentes preferenciais dos governos de extrema direita que objetivam hegemonizar ideologias e interesses das classes dominantes nas relações sociais por meio da educação.

Palavras-chave: Políticas Educacionais; Escola Sem Partido (ESP); Fundamentalismo religioso; Democracia Liberal; Ultraliberalismo.

Abstract:

This article analyzes the latest political and social events related to the appearance and the increase of Brazilian’s movement called “Escola sem partido” (School Without Party). This article also seeks to stablish a dialogue between the propositions of that movement and the nuances occurred in political life and in Brazilian and world economy. The question that guided the development of this article was: what are the historical, economical and political foundations that are oriented as actions and proposals of the movement School without Party? Based on the Marxist interpretation of history, this article uses as method historical and dialectical material. The article sought to identify the political, economical and historical foundations and assumptions which support the fundamentalist and religious theses of the movement “School without Party”, relating them to the current stage of the crisis of the capitalist system and the consequent rise of ultraliberal ideology. The article concludes that the existence of movements such as the “School without Party” is part of an action articulated by the far-right political sectors, and those actions aim to deconstruct the foundations of liberal democracy. By adopting the ultraliberal ideology and religious fundamentalism of Neo-pentecostal Protestants and Catholic Charismatic Renewal, the movement “School without Party” seeks to ensure the formation of citizens who are submissive to the logic of the ruling class. In this context, the educational sphere has become one of the favorites fronts of far-right governments that intent to hegemonize ideologies and interests of ruling classes in social relations through education.

Keywords: Educational Policies; School Without Party (SWP); Religious fundamentalism; Liberal Democracy; Ultraliberalism.

Resumen:

Este artículo analiza los últimos acontecimientos políticos y sociales vinculados al surgimiento y posterior disolución del movimiento Escuela sin Partido, buscando establecer un diálogo entre las propuestas del movimiento y los matices en la vida política y en la economía brasileña y mundial. La pregunta guía que orientó su elaboración fue la siguiente: ¿Qué bases históricas, económicas y políticas orientaron las acciones y proposiciones del movimiento Escuela sin Partido? Basado en la interpretación marxista de la historia, el artículo utilizó el materialismo histórico y dialéctico como método. Intentamos identificar las bases y los supuestos políticos, económicos e históricos que respaldan las tesis fundamentalistas y religiosas del movimiento, relacionando estos supuestos con la etapa actual de la crisis del sistema capitalista y la consiguiente asunción de la ideología ultraliberal. El artículo concluye de la siguiente manera: la existencia de movimientos como Escuela sin Partido es parte de una acción articulada por sectores políticos de extrema derecha, con el propósito de desconstruir los fundamentos de la democracia liberal. Al adoptar la ideología ultraliberal y el fundamentalismo religioso de los evangélicos neopentecostales y la Renovación Carismática Católica, el movimiento busca asegurar la formación de ciudadanos sumisos a la lógica de la clase dominante. En este contexto, la esfera educativa se volvió una de los frentes preferenciales de los gobiernos de extrema derecha para hegemonizar las ideologías e intereses de las clases dominantes en las relaciones sociales de educación.

Palabras clave: Políticas educativas; Escuela sin Partido; Fundamentalismo religioso; Democracia Liberal; Ultraliberalismo.

1 INTRODUÇÃO

Nos últimos 15 anos, a educação brasileira tem estado no foco de um intenso debate, que envolve aspectos políticos, filosóficos, legais, ideológicos e morais relacionados às propostas do movimento Escola sem Partido,3 que se multiplicam pelo País afora e que visam combater a liberdade de expressão e de cátedra, mas também controlar as práticas pedagógicas dos professores, desde a Educação Infantil ao Ensino Superior. Sob o argumento de que as escolas estão exercendo uma doutrinação ideológica marxista, influenciando negativamente a formação política e a sexualidade de crianças e jovens, agredindo os arranjos familiares tradicionais e se desviando das suas finalidades educativas, esses projetos visam criminalizar as atividades do magistério e impedir que as instituições educacionais possibilitem a reflexão crítica e contextualizada sobre as principais questões da contemporaneidade.

Nas origens do movimento, essas propostas não eram sequer conhecidas (2004). Isso só aconteceu a partir do ano de 2014, após um encontro entre o Procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, e a família Bolsonaro, fato que mudou os destinos do movimento: o vereador Carlos Bolsonaro apresentou um projeto de lei elaborado por Nagib na Câmara de Vereadores, e seu irmão, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, fez o mesmo na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro.

A apresentação desses projetos elaborados por Nagib na Câmara de Vereadores e na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro desencadeou um efeito dominó sem precedentes: depois que o advogado mentor do projeto disponibilizou os dois projetos no site do movimento, projetos de cunho semelhante se multiplicaram nos demais estados, municípios e também no Congresso Nacional - sempre evocando os mesmos princípios: a defesa da família tradicional contra os desvios da “ideologia de gênero”, o combate à “doutrinação ideológica” e a “caça aos professores comunistas”4 (HERMIDA; LIRA, 2018b). Deputados e vereadores ligados a bancadas religiosas e a partidos conservadores começam a apoiar incondicionalmente essas ideias.

A primeira vez que um projeto vinculado ao movimento Escola sem Partido conseguiu ser aprovado foi no ano de 2016. Na época, a lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas - a Lei n. 7.800, de 5 de maio de 2016, que segundo sua ementa, “Institui, no âmbito do Sistema Estadual de Ensino, o Programa Escola Livre” (ALAGOAS, 2016) - repercutiu intensamente na sociedade brasileira e deu início a intensos debates entre segmentos da sociedade civil vinculados a instituições educacionais, religiosas, movimentos sociais defensores do ensino público e organizações estudantis dos mais diversos setores de ensino. A Lei n.7.800/2016, que na época foi denominada pelos alagoanos como “lei da Escola Livre”, havia sido aprovada por maioria absoluta pelos parlamentares presentes.

Apelidada pela comunidade educacional defensora do ensino público de “Lei da mordaça”, consideramos que essa Lei representa uma verdadeira afronta aos princípios educacionais que orientam a educação brasileira desde a aprovação da Constituição Federal de 1988, ferindo os princípios sobre os quais está alicerçada a institucionalidade democrática brasileira e interferindo decisivamente na construção da reflexão crítica e no processo de ensino-aprendizagem das escolas. Com isso, a potencialidade transformadora da educação fica “neutralizada”, não havendo espaço para a formação crítica, somente possível em ambientes livres e plurais. Com base em princípios políticos conservadores e religiosos fundamentalistas, as iniciativas do movimento Escola sem Partido procuram impedir legalmente o exercício das liberdades, desconhecendo os avanços conseguidos em matéria educativa desde a aprovação da Constituição Federal de 1988, baseados na diversidade social, ética, cultural e, principalmente, de gênero.

Todavia, mesmo com uma conjuntura amplamente favorável para potencializar suas propostas, principalmente com a posse na presidência da República do ultraconservador e reacionário Jair Messias Bolsonaro (PSL) em 1º de janeiro de 2019, o criador do movimento Miguel Nagib comunicou a decisão de encerramento oficial das suas atividades, alegando falta de apoio do Presidente da República, acúmulo de funções e sufocamento financeiro (BASILIO, 2019).

Utilizando uma mídia social (Facebook), o movimento declarou o seguinte:

Por absoluta falta de apoio, suspenderemos nossas atividades neste perfil a partir de 1° de agosto. Daí pra frente, denúncias, pedidos de socorro e orientação deverão ser dirigidos ao MEC, secretarias de educação, Ministério Público e políticos que se elegeram com a bandeira do ESP. (ESCOLA SEM PARTIDO, 2019).

Fato igualmente importante foi a declaração da inconstitucionalidade, de forma unânime, de uma lei municipal no município de Nova Gama (GO) por parte do Supremo Tribunal Federal em julgamento virtual encerrado em 25 de abril deste ano. Segundo o Ministério Público Federal, houve, por parte do legislativo municipal, a invasão da competência privativa da União, legislando sobre as bases nacionais da educação, além de contrariar os princípios constitucionais relativos à igualdade de gênero, o direito à educação plural e democrática e a laicidade do Estado. Existem outras 15 ações tramitando no STF sobre o mesmo tema; com essa decisão inquestionável, é bastante provável que as demais legislações aprovadas em outros municípios e estados do País obtenham resultado semelhante.

Esses fatos, porém, não significam que as ideias do movimento tenham perdido força. Por mais absurdas que as ideias do movimento pareçam, o fato é que, do ponto de vista do debate público, a aceitação das teses da Escola sem Partido por parte da sociedade civil e grande parte da sociedade política foi notória, haja vista as reações cotidianas observadas no dia a dia, que questionavam a capacidade e as “reais intenções” dos profissionais da educação, colocados em um permanente clima de suspeição.

Outro indicativo importante pode ser encontrado nas eleições nacionais de 2018, nas quais muitos representantes políticos identificados com as propostas do movimento Escola sem Partido e com as ideias conservadoras de Jair Bolsonaro conseguiram se eleger. Esses agentes políticos, simpatizantes do movimento e adeptos à política anti-establishment ancorada na ideologia ultraliberal e de extrema direita foram apoiados por setores organizados conservadores da sociedade civil (igrejas evangélicas, organizações ruralistas, simpatizantes da Ditadura Militar e defensores da liberalização do porte de armas), que garantiram sua eleição.

O fato é que muitas de suas ideias centrais foram adotadas pelas autoridades educativas competentes, principalmente as vinculadas ao Ministério da Educação do Governo de Jair Bolsonaro, ainda que essas autoridades tenham, segundo o comunicado do movimento Escola sem Partido, ignorado sua existência institucional. Sem dúvida, as desavenças acontecidas entre as autoridades políticas e os mentores e principais intelectuais do movimento Escola sem Partido demonstram a complexa articulação que existe entre as ideias reacionárias e retrógradas do movimento e as formas de pensar e de fazer política do atual governo nacional.

Em que pese termos feito uma breve exposição do contexto inicial do movimento Escola sem Partido, é preciso salientar que esse aspecto se justifica em razão da questão norteadora deste trabalho, a saber: quais bases históricas, econômicas e políticas orientaram as ações e proposições do movimento Escola Sem Partido?

Em consequência, defenderemos a seguinte hipótese de trabalho: a existência de movimentos como Escola sem Partido faz parte de uma ação internacional articulada por setores políticos vinculados à extrema direita, com o propósito de desconstruir os fundamentos da democracia liberal por um modelo de organização societária de viés autoritário, com vistas à manutenção do processo de acumulação do capital. Leis dessa natureza procuram assegurar, dessa maneira, a formação de cidadãos submissos à lógica da classe dominante, possibilitando o êxito da retirada dos direitos sociais e trabalhistas e a geração de mais-valia ilimitada, vinculada ao sistema do grande capital. Nesse contexto, nas formações sociais capitalistas ocidentais, a esfera educacional é uma das frentes prioritárias de hegemonização das ideologias e dos interesses da classe dominante.

Com base na interpretação marxista da história, o artigo procurou realizar uma análise pormenorizada dos fatos vinculados com o movimento Escola sem Partido, tentando relacionar o caráter concreto do conhecimento histórico-educacional com uma perspectiva de longa duração, associada a um olhar analítico-sintético no trato com as fontes, sempre procurando articular os fatos singulares com os universais (SAVIANI, 2011). Valendo-nos dos princípios do materialismo histórico e dialético, tentaremos realizar um movimento que parta do todo caótico (síncrese) para, por meio da abstração (análise), conseguir uma melhor compreensão do todo concreto (síntese),

Por meio desse método, poderemos ter uma compreensão global do fenômeno investigado, partindo da premissa básica da existência de conflitos de classe na formação social capitalista, entendendo que, na mencionada formação, o Estado não se constitui como uma entidade neutra ou imparcial (GRAMSCI, 1988, 2000, 2002, 2010).

Para as finalidades propostas, este artigo foi organizado em dois momentos, além desta Introdução e das Considerações finais. Primeiramente, apresentamos as principais mudanças ocorridas nas formações sociais e políticas capitalistas nos últimos 30 anos, tentando compreender a relação que existe entre a atual crise do capitalismo mundial, as estratégias de produção, reprodução e acumulação das riquezas produzidas e o colapso gradual do modelo político de representação e governança das democracias liberais.5 Em seguida, buscaremos identificar os fundamentos políticos e religiosos contidos nas proposições do movimento Escola sem Partido em meio à crise geral dos sistemas políticos e econômicos em vigor, articulando suas ideias aos marcos ideológicos internacionais (principalmente dos Estados Unidos da América). Tais fundamentos se relacionam à atual etapa da crise do capitalismo, à retomada da ideologia ultraliberal e à entrada em cena do fundamentalismo religioso. Procuramos, também, evidenciar a fragilidade de suas contradições, inerentes à lógica das suas proposições. O artigo se encerra com a apresentação das Considerações finais, que foram divididas em dois momentos. No primeiro, apresentamos a síntese das principais descobertas desta pesquisa. Em seguida, tratamos dos problemas abertos, passíveis de serem aprofundados pelos autores ou por outros colegas em futuros estudos e pesquisas, tendo em vista as complexidades que caracterizam o atual momento conjuntural da política no Brasil.

2 A CRISE DO CAPITALISMO MUNDIAL, O COLAPSO DA DEMOCRACIA LIBERAL E A SITUAÇÃO DO BRASIL

A complexidade da atual crise do sistema capitalista não tem paralelo na história. A sua magnitude é tão ampla que ela consegue envolver todos os setores da vida social, decorrente da inédita expansão conseguida pelo capital em seu processo de financeirização econômica acontecida nos últimos 30 anos. No nosso entendimento, podem ser identificados três grandes momentos no quais o ordenamento mundial capitalista respondeu a diversos interesses, sem colocar em risco a continuidade a sua formação social (capitalista):

o fim da experiência do Estado do Bem-estar Social e o fortalecimento da ideologia neoliberal;

a emergência dos governos progressistas na América do Sul e no Brasil, que, mesmo conseguindo significativos avanços políticos e sociais, não desencadearam nenhuma modificação estrutural dentro da ordem social e econômica capitalista;

a crise da economia mundial de 2008, acompanhada nos anos seguintes da desaceleração da economia mundial e da queda da taxa de lucro, que promoveram a desestabilização política, econômica e social em alguns países do capitalismo central, mas principalmente em países capitalistas periféricos. Será nesse cenário de crise que surgirão a extrema direita, o autoritarismo e, em casos muito específicos, o neofascismo concomitante ao colapso da democracia liberal.6

Na continuação, trataremos desses três grandes momentos. No entanto, por motivos de espaço, priorizaremos a descrição do terceiro momento, pois é nele que se desencadeia a maioria dos acontecimentos vinculados ao nosso objeto de estudo.

a) O fim do Estado do Bem-estar Social e o fortalecimento da ideologia neoliberal

A emergência e consolidação do neoliberalismo em muitas partes do mundo aconteceu em paralelo ao fim da experiência do Estado de Bem-estar Social (Welfare State), sempre seguindo as regras de jogo da democracia liberal e focando no processo de diminuição e esvaziamento do caráter público do Estado e na realização de reformas estruturais. O processo reformista permitiu um profundo processo de privatização, que foi acompanhado da subtração de direitos sociais e trabalhistas.

Uma série de acontecimentos contribuiu para acelerar o processo de reestruturação regressiva do Estado capitalista, depois de uma era de prosperidade sem precedentes na história.

Depois da Segunda Guerra Mundial, seguiram 30 anos gloriosos nos quais os países capitalistas construíram seus Estados de Bem-estar Social à luz da dinâmica política da democracia liberal. Esses estados conseguiram garantir um bem-estar mínimo a sua população, na tentativa de afastar qualquer tipo de adesão e simpatias com as conquistas conseguidas pelo bloco de países comunistas (HOBSBAWM, 1995).7 Porém, a crise do petróleo da década de 1970 fez com que o modelo estatal econômico e intervencionista entrasse em franco declínio. A forte intervenção estatal na economia, no emprego, na regulação do investimento privado e na formulação de políticas públicas e sociais (que fez cair a taxa média de lucro), associada à crise fiscal do Estado (a diminuição da arrecadação associada ao aumento dos gastos sociais), foram fenômenos que conduziram o Estado de Bem-estar Social à falência.

Nesse cenário, as instituições e organismos internacionais criados após a Segunda Guerra Mundial para definir políticas econômicas para os estados capitalistas periféricos8 começam a executar os Programas de Ajuste Estrutural (PAE) para serem aplicados nos países devedores. O processo de regulação das políticas e da economia nacionais foi realizado em função dos interesses econômicos e financeiros dos países capitalistas mais poderosos (EUA, Canadá, Alemanha, França, Itália, Japão e Reino Unido). Dessa maneira, teve início uma cruzada neoliberal que se tornou avassaladora nas décadas de 1980 e 1990 e que permitiu a emergência da Nova Direita no marco político da democracia liberal. Em cada país que eles conquistavam o governo, os partidos que comungavam com os ideais da Nova Direita e sua ideologia neoliberal implementavam market-oriented-reforms (reformas orientadas para e pelo mercado). Para Hermida e Lira (2018b, p. 151):

A ideologia dominante que orientou esse processo de dominação social, política e econômica foi o neoliberalismo. Fazem parte da ideologia neoliberal a economia neoclássica, a racionalidade tecnocrática, o "fim da história" e sua contrapartida - a “morte do marxismo”, a naturalização das relações coloniais de dominação, a fragmentação do conhecimento, a glorificação do individualismo e a exaltação das virtudes do mercado e da econômica, a superexploração dos recursos naturais e a consequente destruição ecológica do planeta.

A ascensão do neoliberalismo também coincidiu com a debacle da União Soviética. Para Wallerstein (2002), a destruição do Muro de Berlim e a posterior dissolução da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) foram comemoradas como o fim do comunismo e do colapso do marxismo-leninismo como força ideológica no mundo moderno. “Esses acontecimentos também foram comemorados como prova do triunfo final do liberalismo como ideologia.” (WALLERSTEIN, 2002, p. 9). Com uma conjuntura favorável, o neoliberalismo do fim do século XX apresentou-se como uma revolução anticomunista. Além de impor uma contração monetária, a elevação das taxas de juros, associada à desregulamentação financeira e à expansão dos processos de privatização, permitiu que os governos que assumiam essa ideologia para seus Estados também perseguissem e atacassem os sindicatos. Dessa maneira, tinha início um processo de desconstrução do Estado na esteira da retirada dos direitos sociais.

No que diz respeito ao Brasil, com Fernando Henrique Cardoso (FHC) na Presidência da República (1995-1998 e 1999-2002) o País desenvolveu um conjunto de reformas, visando adequar o Estado às imposições propostas pelos organismos externos. Com o esgotamento do antigo modelo estatal intervencionista e o avanço das revoluções tecnológicas e informática, o Governo FHC deu início a um processo reformista que instituiu, em 1996, um “Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado”. Contando com o apoio dos representantes do grande capital financeiro nacional e internacional, empresas estatais começaram a ser privatizadas, as barreiras alfandegárias às importações foram suspensas, e a circulação de capitais externos foi desregulamentada. Por fim, o ajuste cambial, o controle da inflação, o regime de câmbio flutuante, a alta da taxa de juros e o ajuste fiscal realizado no transcurso dos dois governos de FHC garantiram os ganhos do capital especulativo.

Em termos de institucionalização política, a democracia liberal vivia seu momento de glória. Castells (2018, p. 11-12) considera que a democracia liberal é um modelo de regime político que propõe:

[...] respeito aos direitos básicos das pessoas e aos direitos políticos dos cidadãos, incluídas as liberdades de associação, reunião e expressão, mediante o império da lei protegida pelos tribunais; separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário; eleição livre, periódica e contrastada dos que ocupam os cargos decisórios em cada um dos poderes; submissão do Estado, e de todos os seus aparelhos, àqueles que receberam a delegação do poder dos cidadãos; possibilidade de rever e atualizar a Constituição na qual se plasmam os princípios das instituições democráticas. E claro, exclusão dos poderes econômicos ou ideológicos na condução dos assuntos públicos mediante sua influência oculta sobre o sistema político.

O número de países que adotaram o regime político da democracia liberal havia crescido consideravelmente no último quartel do século XX. Contribuíram para esse crescimento o fim das ditaduras militares latino-americanas, a independência de muitos países africanos, o desaparecimento da União Soviética e a transição de muitos países comunistas do Leste europeu ao modelo democrático liberal. “Segundo o Polity Project (projeto que classifica o regime político dos países ao longo do tempo), em 1985 havia 42 democracias, onde moravam 20% da população mundial. Em 2015, o número saltou para 103, com 56% da população mundial.” (NICOLAU, 2018, p. 7-8).

Sinteticamente, enquanto o Estado de Bem-estar Social significou a obtenção de vantagens materiais nas democracias liberais do hemisfério Norte, tal fato não ocorreu em países capitalistas periféricos como o Brasil, onde nunca foi instituído um Estado com tais características. Dessa afirmativa, podemos inferir que as vantagens materiais conquistadas nas democracias liberais europeias nunca se concretizaram no País (que vivenciou mais de 20 anos de ditadura militar, com a ausência das liberdades democráticas fundamentais). Quando o País retomou as bases do Estado de Direito, o neoliberalismo estava em franca ascensão política, restringindo todo tipo de conquista social e material para as amplas maiorias da população. Por esses motivos, podemos afirmar que, apesar da sua indisfarçável afinidade com as forças do capital, o governo FHC representou evidente declínio econômico e social do País. Com a crise instaurada, o bloco político de centro-direita que estava no poder desde 1995 perdeu as eleições nacionais de 2002.

b) A emergência dos governos progressistas na América Latina

A virada de século trouxe novidades na cena política para muitos países da América Latina. Na Venezuela (2000), Brasil (2002), Uruguai (2004), Chile (2006), Bolívia (2006), novamente no Brasil (2006), Equador (2006) e Argentina (2007), as eleições nacionais para a Presidência da República conduziram ao poder partidos políticos comprometidos com princípios de solidariedade e igualdade social. “Se não podemos definir esses governos exatamente como sendo socialistas, no mínimo eles aderem, do ponto de vista político e programático, a princípios socialistas.” (HERMIDA, 2008). Segundo Aguiar (2006), as políticas públicas de todos esses governos passaram a ser formuladas a partir de princípios republicanos e democráticos.

As novas experiências políticas latino-americanas não surgiram por acaso. Elas eram consequência de décadas de luta de partidos políticos e movimentos sociais que se propuseram a lutar contra a estagnação econômica, o desemprego e a desigualdade social. Na opinião desses partidos políticos e movimentos sociais, a alternativa que permitiria superar os problemas, as desigualdades e as injustiças sociais que caracterizavam as formações sociais capitalistas colocava na pauta a conquista do governo pela via da democracia liberal, para, assim, poder implantar novas políticas públicas que valorizassem principalmente as políticas sociais. No Brasil não foi diferente.

Com a crise política e social instaurada no País no final do Governo de FHC, o bloco político que até então estava no poder no Brasil não conseguiu garantir mais a sua hegemonia, por conta das contradições internas existentes. Segundo Boito Júnior (2018), a burguesia interna atravessava um momento de crise. Se, por um lado, a grande burguesia nacional (indústria, agronegócio e comércio de exportação) apoiava a política social neoliberal - pois era a favor da desregulamentação econômica e trabalhista, da mercantilização dos direitos sociais e da desindexação salarial dentre outros -, por outro, era contra a política econômica neoliberal - que favorecia o outro setor da grande burguesia nacional, associada ao grande capital internacional, favorável à livre importação de mercadorias e quinquilharias. De fato, a livre importação de mercadorias colocava em xeque as conquistas obtidas pela grande burguesia nacional industrial e agroexportadora no mercado interno.

O cenário da crise política e social se completava com o operariado urbano (os servidores públicos federais, os camponeses assentados e as centrais sindicais) que, associado a setores da baixa classe média e à grande massa marginal (desempregados, trabalho precarizado, subempregados), passou a clamar por mudanças sociais e profundas. A intenção era pôr fim aos oito anos de perda de direitos sociais e arrocho salarial, dando a vitória ao Partido dos Trabalhadores nas eleições nacionais de 2002, única alternativa de mudança política possível naquele momento histórico (HERMIDA; LIRA, 2008a).

Essa mudança política se concretizou com a ascensão de Luiz Inácio “Lula” da Silva ao poder em 1° de janeiro de 2003. Naquele contexto de crise, um governo liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) aparentava ser capaz de defender a burguesia interna e ainda contava com credibilidade das camadas menos abastadas da população, que exigiam a implementação de políticas que tivessem como objetivo a inclusão social, o desenvolvimento econômico e a geração de empregos.

A estratégia de governar para um amplo espectro ideológico deu certo. As primeiras movimentações políticas deixaram claro que o governo que assumiu a presidência em 2003 não iria fazer grandes mudanças em matéria econômica, dando continuidade às políticas implementadas pelo seu antecessor. Ao analisarmos as autoridades indicadas pelo PT durante o governo, constatamos que os principais dirigentes do Ministério da Fazenda e do Banco Central eram praticamente ao mesmos do Governo de FHC. Ao tratar dessa nova fase política, Hermida e Lira (2018a, p. 50-51) afirmaram o seguinte:

A disputa ideológica, marcante nas eleições de 1989, cedeu lugar a um programa de governo associado aos princípios da gestão do Estado alinhado aos parâmetros de governabilidade impostos pelo sistema capitalista, excluindo qualquer possibilidade de ruptura institucional com a ordem burguesa. Esses princípios básicos da candidatura Lula da Silva em 2002 são facilmente verificáveis na “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgada pelo PT, meses antes das eleições do mês de outubro daquele ano.

A receita política e econômica elaborada pelo PT naqueles anos foi descrita por Singer (2012, p. 76) da seguinte maneira:

O pulo do gato de Lula foi, sobre o pano de fundo da ortodoxia econômica, construir substantiva política de promoção do mercado interno voltado aos menos favorecidos, a qual, somada à manutenção da estabilidade, corresponde a nada mais nada menos que a realização de um completo programa de classe (ou fração de classe, para ser exato).

Em termos teóricos, a mudança programática do PT na gestão do governo federal situou o partido no horizonte ideológico da socialdemocracia. Essa guinada política dada pelo PT contou com a aprovação do FMI, do Banco Mundial e das maiores potências econômicas mundiais (o grupo G7), pois tal modificação era totalmente compatível com a lógica política da democracia liberal.

Dessa maneira, pode-se afirmar que houve um continuum das principais políticas implementadas por FHC nos governos do PT, dentre as quais destacamos: uma agressiva política exportadora de commodities, petróleo, minerais, outros recursos naturais e produtos industriais de baixa tecnologia, ocupando um lugar preponderante as exportações do agronegócio (soja, carne, madeiras, papel celulose, açúcar, etc.), que chegaram a significar 40% do total. “Concretizava-se na infraestrutura aquilo que politicamente havia sido cogitado em nível superestrutural: a ascensão da burguesia interna (indústria, agronegócio e comércio exportador)” (HERMIDA; LIRA, 2018a, p. 51-52), sempre em completa sintonia com o capital financeiro internacional.

Mesmo eivado de contradições ideológicas, os dois governos de Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010) conseguiram salvaguardar parte da organização estrutural do Estado brasileiro. Nesses governos, as privatizações das empresas públicas foram diminuídas. Foi criado o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), além de outros programas de transferência de renda, destinados para as bases sociais e os setores menos favorecidos da sociedade brasileira, em especial da chamada massa marginal.9 Dentre os principais, destacaram-se o Programa Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida, as Políticas de Cotas para o ingresso nas universidades federais e outras numerosas políticas de inclusão laboral.

No entanto, a crise do capital originada no centro do sistema em 2008 e o processo de desvalorização das commodities começaram a interferir negativamente nos bem-sucedidos governos populares do Brasil e dos demais países latino-americanos. Todos esses governos haviam tomado iniciativas para enveredar suas políticas na direção de princípios humanistas e de distribuição de renda, garantindo, portanto, as dinâmicas políticas características das democracias liberais. É nesse momento de crise econômica que se inicia um movimento de avanço liberal no continente, capitaneado pelas forças políticas de extrema direita.

c) A crise da economia mundial de 2008 e a emergência da extrema direita

O dia 15 de setembro de 2008 foi um dia que passou para a história das economias mundiais, com uma nova grande crise financeira10 internacional, só comparável ao crash da Bolsa de Nova York de 1929 e à Grande Depressão da década de 1930. Para Foster e Magdoff (2009), semelhantemente ao acontecido há quase 90 anos, a crise de 2008 representou um ponto de inflexão na história econômica, com consequências catastróficas ainda em andamento e que conduziram os estados democráticos liberais a vivenciarem uma série de novos fenômenos, desencadeando, em muitos países, mudanças radicais nos seus sistemas econômicos, políticos e sociais.

Trata-se da crise financeira mais grave desde a Segunda Guerra Mundial, pois ela conseguiu superar em intensidade outras crises anteriores ocorridas nos anos 1974-1975 (do petróleo), 1981-1982 (da dívida externa, que atingiu muitos países de América Latina e o México, em particular), 1997 (dos “Tigres Asiáticos”),11 1998 (da Rússia e do Brasil) e 2001 (da Argentina e do Uruguai).12 Para estes autores, a crise financeira de 2008 teve uma grande magnitude porque, tendo como epicentro a economia americana, propagou-se por todo o mundo com uma força avassaladora. Como a economia de produção de bens e serviços havia chegado a patamares tão altos que provocaram a estagnação e brecaram a expansão da rentabilidade, o capital especulativo começou a oferecer fundos de cobertura de alto risco, especulação em dívidas e mercados do futuro.

Tais medidas ampliaram o endividamento, que passou a ser cada vez mais amplo, existindo uma tendência de descenso nos salários dos trabalhadores (que passavam a ser ajustados pela inflação), acompanhada da ampliação dos ganhos dos mais ricos (por meio da redução e da extinção de impostos e da redução dos serviços sociais). Tratava-se de uma autêntica guerra de classes declarada unilateralmente pelas autoridades para satisfazer os setores mais abastados da sociedade americana, pois “A enorme expansão da dívida e da especulação fornece novas maneiras de extrair mais excedentes da população em geral e, portanto, fazem parte da exploração dos trabalhadores e da parte baixa da classe média.” (FOSTER; MAGDOFF, 2009, p. 88, tradução nossa). Com maior capital de giro para ofertar empréstimos no mercado imobiliário, foi se criando, aos poucos, uma verdadeira bolha imobiliária.

A química financeira conciliava uma severa perda do poder de compra dos salários (o primeiro emprego raramente pagava mais do que um salário mínimo), expansão do crédito imobiliário, dívidas de alto risco, baixa das taxas de juros e a voracidade da classe empresarial, que ansiava pelos enormes benefícios especulativos associados ao capital, popularizando empréstimos bancários e imobiliários. Como havia liquidez e facilidade para a concessão de empréstimos, os financiamentos imobiliários eram renegociados, e o valor das moradias passava a ter um preço cada vez mais alto. Por sua vez, os credores de empréstimos de alto risco agrupavam os mesmos em pacotes, que eram renegociados frequentemente no mercado financeiro. Dessa maneira, nasciam os bens hipotecários subprime.

Porém, as hipotecas subprime, que em 2005 chegaram a representar 69,4% do Produto Bruto Interno dos Estados Unidos da América (EUA), começam a sentir os efeitos perversos advindos da existência de uma “bolha” imobiliária. O aumento das taxas de juros associado à queda do preço das moradias, ao aumento das prestações e à desaceleração do mercado imobiliário levou a prestamistas e muitos investidores à falência. Quando essa bolha estourou em 2007 com a implosão dos hedge founds (fundos de cobertura de alto risco), os bancos dos EUA, da Europa e da Ásia viram suas hipotecas subprime conduzirem as instituições financeiras para uma grave crise de credibilidade (FOSTER; MAGDOFF, 2009).

Quem teve que arcar com as consequências da crise foram obviamente os trabalhadores, que, ao assumirem novos empréstimos imobiliários, não conseguiam honrar seus compromissos, perdendo, assim, os seus imóveis. Com a crise instalada, os bancos Bear Stearns (em julho de 2007) e Lehman Brothers (em setembro de 2008), foram abandonados pelo Tesouro dos EUA e pela Reserva Federal (FED, o Banco Central dos EUA). Depois de Ben Bernanke (presidente do FED) reconhecer que o sistema mundial esteve perto de sofrer um colapso financeiro, um melancólico George W. Bush (presidente dos EUA na época) teve que reconhecer publicamente, em 24 de setembro de 2008, que, caso não houvesse ajuda estatal, tudo poderia ir para o inferno (PÉREZ, 2018).

Com a crise instaurada, iniciou-se um amplo resgate de instituições financeiras (privadas) com dinheiro do Tesouro dos EUA e do FED (públicos): a seguradora American International Group (AIG) foi nacionalizada; a corretora da bolsa mais famosa dos EUA, Merril Lynch, “autovendeu-se” ao Bank of América; e Goldman Sachs e Morgan Stanley - que eram conhecidos como “senhores do universo” - viraram bancos regulados pelo FED.

Muitos outros bancos foram nacionalizados nos EUA, assim como na Europa. Esse fenômeno chamou a atenção dos especialistas, em particular pela flagrante contradição verificada, pois governos conservadores que tradicionalmente sempre foram inimigos das atividades reguladoras e da presença do setor público nas atividades econômicas começaram a injetar dinheiro público na economia e, assim, salvar instituições financeiras e bancos privados. No dizer de Pérez (2018), depois da quebra de Lehman Brothers em 2008, o mundo financeiro voltava ao cristianismo sem inferno!

Mesmo assim, o pânico tomou conta do mercado mundial, e intensas fugas de capital revelavam ao mundo uma nova conjuntura: enquanto as taxas de lucro caíam, as empresas transnacionais iniciaram uma competição para baratear a circulação do capital e desregulamentar todo tipo de barreira alfandegária que prejudicasse a geração de mais-valia e a geração de riquezas. Diante disso, “o controle de fornecimento de matérias-primas, alimentos e energia e uma força de trabalho barata” passaram a ser os principais objetivos econômicos dos países capitalistas dominantes (SECCO, 2018, p. 7).

Nesse novo cenário econômico mundial, o desenvolvimento das forças produtivas e seus complexos processos de automação terminaram demolindo os meios clássicos de produção de bens materiais existentes e de geração de riquezas na economia, avançando em um processo de especulação interminável que começou a arruinar as economias de muitos países europeus, mas também de países localizados na periferia econômica do sistema, destruindo suas economias nacionais. Numa perspectiva inversamente proporcional, cada avanço tecnológico associado ao desenvolvimento da produção e sua maquinaria (trabalho morto) significava um retrocesso para a classe trabalhadora (trabalho vivo), pois esses avanços tecnológicos eram utilizados para valorizar o capital e gerar mais-valia, em detrimento do trabalho vivo e suas históricas conquistas sociais. A devastação dos direitos sociais e trabalhistas foi acompanhada do fechamento das fontes de trabalho clássicas e tradicionais.

A denominada volatilidade do capital expressa bem essa situação que, em última análise, tende a ser autodestrutiva para as sociedades. Como se não bastassem os lucros ilegítimos obtidos nessas movimentações pelo mundo, os representantes do investimento em capital especulativo e não produtivo também começaram a pressionar os governos para que os recursos originalmente destinados para as áreas sociais fossem aplicados nos setores produtivos e empresariais. Se na época dos governos progressistas, os Estados tinham possibilidade de deslocar excedentes de capital para serem investidos em programas sociais básicos, depois da crise sistêmica de 2008 os setores mais conservadores da sociedade e da política social liberal começaram a criticar esse tipo de investimentos sociais.

Como a crise do capital que aconteceu no centro do sistema em 2008 também interferiu no processo de desvalorização das commodities, as receitas começaram a diminuir, e os bem-sucedidos governos populares do Brasil e da América Latina (que baseavam sua economia na exportação de matérias-primas) vivenciaram momentos de crise social.

Com a entrada em cena do terrorismo, das guerras e dos processos migratórios como novos protagonistas, uma espécie de “efeito dominó” começou a afetar o mundo (até então regido por democracias liberais), pois

A globalização da economia e da comunicação solapou e desestruturou as economias nacionais e limitou a capacidade do Estado-nação de responder em seu âmbito a problemas que são globais na origem, tais como as crises financeiras, a violação aos direitos humanos, a mudança climática, a economia criminosa ou o terrorismo. O paradoxal é que foram os Estados-nação a estimular o processo de globalização desmantelando regulações e fronteiras desde a década de 1980, nas administrações de Reagan e Thatcher, nos dois países então líderes da economia internacional. (CASTELLS, 2018, p. 17-18).

Esse processo de globalização da economia e da comunicação era duplamente perverso, já que, quanto mais um Estado ou nação procurava se inserir no processo de globalização, mais ele se distanciava da nação que ele representava, “com a consequente crise de legitimidade na mente de muitos cidadãos, mantidos à margem de decisões essenciais para sua vida, tomadas para além das instituições de representação direta.” (CASTELLS, 2018, p. 19).

Nesse novo cenário político de questionamento geral das autoridades instituídas nos países democráticos liberais, uma dupla cisão começa a acontecer internamente entre os cidadãos desses países: à fratura social imposta pela nova ordem econômica internacional - na qual os ricos passaram a ganhar cada vez mais, e os pobres, golpeados pelo crescimento do desemprego e das condições de vida, passaram a ganhar cada vez menos -, temos que somar a fratura cultural, que era alimentada pelo medo e desprezo das elites a pessoas economicamente diferentes, que pensavam diferente, alimentando, assim, os germes da xenofobia e da intolerância. Todos esses condicionantes econômicos, sociais e culturais desestabilizaram as democracias liberais, romperam a tradicional relação que existia entre governantes e governados e criaram condições para a emergência de ideias, personagens e partidos políticos, que, ancorando-se na perspectiva da pós-verdade, começam a realizar interpretações grotescas dos principais acontecimentos sociais para firmarem-se como um movimento anti-establishment contra a democracia liberal.

Para Castells (2018), o multiculturalismo e a imigração (que até então eram dimensões essenciais da globalização) começam a inspirar a criação de comunidades identitárias que passam a desconfiar da “velha política”, revelando novos protagonistas políticos e sociais. A rejeição antissistema transformou a ordem global política e economicamente estabelecida, e as comunidades identitárias se apropriaram do medo da crise sistêmica do capital para a retomada do nacionalismo. Foi nesse contexto que ressurgiram fortalecidos grupos que, articulados à alt-right (direita alternativa), passaram a defender ideias racistas, neonazistas, antissemitas, nacionalistas, homofóbicas, anti-imigração.

Quando a Presidenta Dilma Rousseff assumiu o governo brasileiro em 2011, a crise do capitalismo internacional e seus desdobramentos econômicos e sociais já haviam começado a interferir nos condicionantes de natureza objetiva e subjetiva que sustentavam a paz social e o crescimento econômico no Brasil. Com o esgotamento da fase de crescimento e a emergência da instabilidade econômica, começam a acontecer as primeiras mobilizações contra o governo (BOITO JÚNIOR, 2018).

À crise econômica e financeira somou-se uma crise política, que se alimentava daquela, e assim sucessivamente. De tal modo, os instrumentos típicos de mediação econômica e ação reguladora dos mecanismos manejados pelo Estado se tornaram claramente insuficientes na contenção e amenização das consequências dessas crises, decisivas para o impeachment da Ex-presidenta Dilma Rousseff em 2016, sem desprezar outras variáveis de cunho político conjuntural, como os erros de condução da política macroeconômica da própria gestão petista. “Com o golpe jurídico-midiático-parlamentar orquestrado pelo campo burguês filiado ao grande capital internacional, a institucionalidade foi quebrada - no final de contas, o voto popular é o único meio legal e legítimo que os regimes democráticos têm para alcançar o poder.” (HERMIDA; LIRA, 2018a, p. 56).

Diante do exposto, podemos concluir que a dinâmica democrática que caracterizou a democracia liberal ficou ferida de morte. Favorecido pelo Golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016, o Presidente Michel Temer pôs em execução um conjunto de medidas de feição neoliberal, como, por exemplo, a retirada de direitos sociais e trabalhistas. Tais direitos, que haviam sido conquistados nas décadas anteriores, foram relegados para favorecer interesses econômicos. A retirada de direitos atendeu a compromissos assumidos pelo próprio Michel Temer com forças do mercado (ramos empresariais, do mundo das finanças, do agronegócio, da grande mídia e de parcela do Poder Judiciário). Dessa forma, teve início um processo de reversão neocolonial que levou ao paroxismo, à superexploração do trabalho e às oportunidades de geração e acumulação de capital, paralelo ao processo de desconstrução de históricas conquistas sociais e da ampliação da privatização do Estado.

O Golpe jurídico-midiático-parlamentar de 2016 e a emergência de grupos políticos de tendência autoritária filiados ao ultraliberalismo desestabilizaram a democracia liberal no Brasil. Com o colapso da democracia liberal, partidos de extrema direita, com discursos anti-establishment e ancorados na ideologia ultraliberal, conseguiram chegar ao poder por meio de processos eleitorais. O ocorrido no Brasil também aconteceu na Argentina, na Colômbia, no Equador, no Chile e no Paraguai. Castells (2018) caracterizou esse momento político como sendo pós-liberal.

3 O MOVIMENTO ESCOLA SEM PARTIDO E SEUS FUNDAMENTOS POLÍTICOS E RELIGIOSOS

Após apresentar as principais mudanças que aconteceram nas formações sociais capitalistas nos últimos anos, pode-se afirmar, em linhas gerais, que existe uma relação direta entre o atual estágio do capitalismo mundial, o colapso do modelo da democracia liberal e as teses da Escola sem Partido. Nessa perspectiva, coincidimos com Frigotto (2017) quando ele nos alerta sobre a necessidade de analisarmos as teses da Escola sem Partido na perspectiva da historicidade dos fatos, para compreender como esse fenômeno conseguiu sedimentar-se nas relações sociais da nossa sociedade.

Com a desestabilização gradual do sistema democrático brasileiro ocorrido mesmo antes do Golpe de 2016, em decorrência da criminalização da política enquanto instrumento de organização societária e representação das demandas dos grupos hegemônicos, os próprios valores democráticos são neutralizados pela instauração do Estado policial, faceta escamoteada por uma cobertura jurídica que se apresenta como neutra, mas que na realidade é uma das ferramentas utilizadas para o aprofundamento das crises das democracias liberais.

Nesse novo cenário pós-Golpe de 2016, o movimento Escola sem Partido e seu ideário ultraconservador, social e político começaram a conquistar significativos espaços na sociedade política e na sociedade civil, ao ponto de conseguir eleger não só o seu candidato para a Presidência da República, mas também muitos de seus candidatos nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional. Para Castells (2018, p. 8) “[...] Trump, Brexit, Le Pen, Macron são expressões significativas de uma ordem (ou um caos) pós-liberal. Assim como o é a total decomposição do sistema político do Brasil, país fundamental da América Latina.”

Com o sistema capitalista em crise permanente, que descamba em desagregação social e desesperança, as pregações moralistas de perfil fundamentalistas passam a marcar forte presença, associadas aos interesses daqueles setores que desejam a exclusão de segmentos sociais que lutam pela criação de espaços de maior democratização das esferas de poder. Ao tratar desse risco, Frigotto (2017, p. 37) afirmou que

A junção das teses dos arautos do fundamentalismo do mercado e do fundamentalismo religioso, se transformadas em legislação, como está correndo, constituirá o lado mais voraz da esfinge que se alastra na sociedade e não apenas na escola. Escola sem Partido avança num território que historicamente desembocou na insanidade da intolerância e da eliminação de seres humanos sob o nazismo, o fascismo e similares. Uma proposta que é absurda e letal pelo que manifesta e pelo que esconde.

Acompanhando o desmonte do Estado, o movimento Escola sem Partido também propõe o desmantelamento da educação pública mediante a negação dos recursos necessários ao seu adequado funcionamento, desacreditando-a junto à opinião pública para, em seguida, serem oferecidas soluções aparentemente mais exitosas, conforme indicadores de desempenho construídos seguindo as regras do mercado. Evidentemente, os parâmetros de mercado por si mesmos não guardam relação com o interesse público, com uma educação democrática e plural, acessível a todos. Pelo contrário: a adequação da educação pública nesses esquemas avaliativos é impraticável em vista das suas finalidades sociais precípuas.

As proposições do movimento Escola sem Partido procuram desconstruir históricas conquistas sociais e educacionais, inclusive em termos curriculares. A manifestação favorável à proposição de currículos que pretendem o retorno de disciplinas como Educação Moral e Cívica e Ensino Religioso, associado à eliminação de disciplinas das Ciências Humanas e Sociais (História, Filosofia, Sociologia), a ênfase na exaltação dos símbolos nacionais, a ampliação das escolas militares e a defesa de um modelo educativo dualista (que valoriza a formação instrumental e qualificação profissional) são algumas das iniciativas que esses grupos defendem como o modelo de educação adequado para a sociedade brasileira.

Por mais que a proposta da Escola sem Partido possua esses riscos e que esteja contrariando preceitos constitucionais, seus reflexos estão claramente presentes no cotidiano educacional brasileiro, no qual a perseguição à prática docente se transformou em algo rotineiro (PEREIRA; LIRA, 2019; MIGUEL, 2016), centrada na censura dos processos de ensino e aprendizagem inerentes ao ofício do magistério.

Pereira e Lira (2019, p. 722), utilizando como exemplo a lei aprovada no estado de Alagoas, destacam que aquela lei “busca cercear o exercício das liberdades constitucionalmente resguardadas aos sujeitos da relação pedagógica, no ambiente escolar”, o que caracteriza, em nossa avaliação, uma tentativa de alteração dos currículos escolares à base da coerção, desrespeitando os processos históricos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem considerado, bem como os conhecimentos socialmente legitimados, uma vez que os conceitos discutidos nos espaços educacionais deixariam de ser resultados de uma construção social, mas de uma força externa, representada por um diploma legal, ainda que inconstitucional. Para aqueles autores, esse clima de vigilância perpétua asseguraria o cumprimento da lei, donde só seria possível alguma contraposição em termos estritamente legais por meio de recursos judiciais, descaracterizando a ação pedagógica e transformando-a em uma discussão basicamente jurídica.

Vale a pena relembrar como a Escola sem Partido logrou uma aprovação inédita naquele estado, em que as intenções dos seus idealizadores são reveladoras, pois indubitavelmente objetivam coibir as vozes discordantes do modelo social e econômico vigente, amparado nas forças do mercado e na ideologia neoliberal, usando como argumento principal as questões ligadas aos elementos religiosos de base cristã.

Inicialmente vetada pelo governador do estado, com o argumento de que a lei significava uma ingerência na política educacional, gerando dispêndio pecuniário com a interferência direta em matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, a Lei n. 7.800/2016 foi sancionada pela Assembleia Legislativa. Esse debate sobre o vício de origem da lei versus vício de forma (ou de conteúdo, por conter artigos que contrariam o dispositivo constitucional) é uma das principais questões que provavelmente serão analisadas pelo pleno do STF quando a matéria for pautada. Esse ponto é da maior relevância, posto que uma apreciação legal por parte do Supremo sobre a inconstitucionalidade do próprio sentido da lei expressa em seus artigos vetaria, em tese, a proposição de projetos de lei semelhantes. Prevista inicialmente para ser analisada pelo STF em dezembro de 2018, foi retirada de pauta pelo presidente daquela Corte, em data ainda não definida.

A esse propósito, parlamentares estaduais de Alagoas começaram uma articulação interna pela revogação da Lei da Escola Livre com o objetivo da perda do objeto do julgamento por parte do STF, em uma clara estratégia de recuo tático com vistas à proposição de projetos de lei por parte do Poder Executivo, dessa vez no âmbito federal. A razão dessa manobra se deve ao fato de que os elementos de inconstitucionalidade da Lei já haviam sido amplamente comprovados nos últimos anos. Felizmente, em abril deste ano de 2020, essa estratégia não impediu que o Supremo Tribunal declarasse a inconstitucionalidade de outra lei aprovada (a de Nova Gama, GO), como dito acima, exatamente sobre as mesmas fragilidades formais e materiais sobre o qual padece a lei aprovada em Alagoas.

Em trabalho anterior (HERMIDA; LIRA, 2018b), anotamos, por exemplo, que a Advocacia Geral da União já havia apresentado posicionamento contrário à referida Lei, uma vez que esta feria os princípios em que se fundamenta a educação brasileira, dispostos no artigo 3º da Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que assegura:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; X - valorização da experiência extraescolar; XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais; XII - consideração com a diversidade étnico-racial (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Já em suas alegações principais, o Ministério Público Federal não titubeou em afirmar que

[...] a lei revela o inconformismo com a vitória das diversas lutas emancipatórias durante o processo constituinte e com a formatação de uma sociedade aberta a múltiplas, as diferentes visões de mundo e com o fato de a escola “ser um lugar estratégico para a emancipação política e para o fim das ideologias sexistas”. O MPF adverte que o PL subverte a atual ordem constitucional enumerando. (HERMIDA; LIRA, 2018b, p. 162).

Na contraposição entre os aspectos legais e a realidade concreta, os efeitos da lei sobre a realidade das instituições educacionais é bastante preocupante. Diariamente são noticiadas práticas de denuncismo e perseguição à atuação docente, seja por representantes políticos seja pelo próprio público atendido por essas instituições, ocasionando um clima de apreensão que não colabora para a livre manifestação das ideias e a garantia dos princípios constitucionais indicados anteriormente. No Congresso Nacional e nas centenas de casas legislativas municipais e estaduais, outros projetos dessa natureza são apresentados regularmente, apesar da forte oposição dos profissionais da educação, de entidades representativas, de universidades públicas e dos pronunciamentos de instituições do poder judiciário sobre sua ilegalidade.

O sociólogo Felipe Miguel (2016, p. 615) considera, nesse sentido, que “o projeto Escola Sem Partido é animado por um sentimento de hostilidade aos professores e indica um caminho de criminalização da docência.”

Admitimos, neste texto, que mais do que um jogo situado na esfera das discussões políticas e legais, uma concepção de sociedade política e religiosa está expressa em ideias e projetos afinados com iniciativas dessa natureza e, portanto, de educação. As propostas do movimento Escola sem Partido têm visões de mundo completamente antagônicas a uma perspectiva de sociedade democrática e plural, próprias das sociedades democráticas liberais dos últimos 30 anos. No nosso entendimento, o movimento procura impor:

a censura e o restabelecimento de valores éticos e morais conservadores, autoritários;

a aversão à produção e divulgação do conhecimento científico socialmente acumulado, em razão da vinculação moral religiosa mencionado, que se contrapõem aos preceitos civilizatórios mais básicos, que incluem o respeito à diversidade e à livre manifestação de expressão e opinião;

formas de pensar e conceber a educação associados a interpretações de leituras sagradas (a Bíblia), realizadas por cristãos fundamentalistas neopentecostais e católicos vinculados à Renovação Carismática Católica. Essas religiões cristãs têm manifestado a sua adesão ao movimento “pró-vida” (ou seja, são contra o aborto), mas também são contrárias a pautas identitárias e ao marxismo cultural;

a coibição da reflexão e busca de alternativas contra-hegemônicas ao sistema de capital vigente, que se apropria dos espaços educacionais para transmissão e consolidação dos seus valores de mercado, garantindo, dessa maneira, a reprodução dos mecanismos de dominação por meio das relações sociais de educação.

À primeira vista, parece existir uma fragrante contradição no plano ideológico entre as bases políticas e religiosas que sustentam as propostas da Escola sem Partido e as vertentes liberais que originaram e fundamentam as teorias do livre mercado e da democracia liberal, na medida em que as primeiras se opõem às “luzes da razão”. Esse movimento irracionalista, fundamentado, dentre outras, numa forma muito particular de interpretar os ensinamentos bíblicos, apresenta uma narrativa contrária aos principais valores éticos e políticos que engendraram as principais realizações no plano legal e de construção de políticas públicas com vistas ao reconhecimento das diferenças, do estabelecimento das liberdades e das garantias fundamentais. Os preceitos ideológicos, políticos e filosóficos desse grupo pretendem impor, de maneira autoritária, um pensamento único que, no nosso entendimento, beira os limites do fascismo.

O fundamentalismo religioso de determinadas igrejas cristãs e uma noção autoritária e enviesada de preceitos morais alimentam boa parte das propostas de cerceamento das liberdades democráticas e do exercício da função docente de forma autônoma e plural. Interessante mencionar que, sob a ótica desses grupos, as discussões invariavelmente recaem sobre os assuntos ligados à sexualidade, à moral e aos valores familiares mais tradicionais, com argumentos agressivos e preconceituosos que denotam suas concepções patriarcais e homofóbicas contrárias a qualquer forma de aceitação das diferenças e de inclusão dos segmentos historicamente discriminados pela sociedade, recorrendo a argumentos típicos dos grupos hegemônicos de enquadramento ou exclusão daqueles que fogem a um determinado perfil, considerado por eles como sendo ideal.

Importa lembrar, porém, que os conceitos referentes à religiosidade cristã sempre caminharam passo a passo com a elaboração das políticas educacionais, suas teorias e suas práticas pedagógicas desde o período colonial, boa parte dessa interlocução a cargo da igreja católica e suas ramificações e ordenações internas. Passando pela influência jesuítica sobre os modelos educacionais criados a partir do século XVI até os movimentos de renovação educacional, como a Escola Nova, as legislações educacionais e as Cartas Constitucionais, visto que não se pode falar em estruturação de uma organização política e legal dos sistemas de educação brasileiro sem mencionar a comprovada interface entre a produção dos conhecimentos socialmente valorizados e os valores éticos, morais e doutrinários da fé católica.

De modo geral, as legislações educacionais estabeleceram um modelo de organização que procurou sempre articular as concepções teóricas do campo educacional com as visões de mundo oriundas das matrizes cristãs definidas pelas doutrinas católicas, no qual as demais referências religiosas, como a africana, a indígena, a judaica ou a islâmica - para ficar nos exemplos de algumas importantes concepções religiosas existentes -, estiveram historicamente ausentes do arcabouço legal, resultando de uma invisibilidade e mesmo da negação desse componente imanente à matriz cultural brasileira desde os processos originários da nossa formação social, política e cultural.

Essa influência religiosa no marco legal da educação nacional se caracteriza, quase sempre, por vetos às concepções teóricas que se diferenciam dos valores tradicionais de família, religiosidade e família hegemonizada pela igreja católica. Geralmente, um moralismo autoritário que não dialoga com outras balizas culturais construídas coletivamente. Para Souza (2018, p. 23), esse moralismo tradicional e autoritário não se confunde com o conceito de moral, que ele define “como a ação revestida de propósito no mundo - implicando uma escolha e, portanto, uma responsabilidade pela vida escolhida -, a moralidade é a dimensão mais elevada da vida individual e social”, embora as confusões de sentido sobre ela frequentemente aconteçam com o prejuízo de uma concepção mais ampla e eticamente justificável do ponto de vista discursivo formal.

“Os discursos reacionários provêm, no caso brasileiro, de uma conjugação heteróclita entre o ‘libertarianismo’, o fundamentalismo religioso e o antigo anticomunismo”, conforme acentua Miguel (2016, p. 592). Essa estranha conjugação de valores e pressupostos teóricos minam as bases do Estado democrático de Direito, favorecendo os diversos grupos e segmentos de classe que controlam majoritariamente os processos decisórios no interior do Estado brasileiro.

Em defesa do movimento Escola sem Partido, verificamos, também, o crescimento dos níveis de agressão aos segmentos da população que praticam a religiosidade de matriz africana - valendo-se de conceitos culturais europeus que não tratam as concepções culturais distintas das suas sequer como cultura, posto que associam cultura à civilização, e civilização compreende a civilização ocidental, e todas as demais práticas culturais estão ausentes, resgatando análise precisa feita por Chauí (2016). Encontramos, nesse ponto, além da histórica tentativa de hegemonização da Igreja Católica nos atos de fé da população, a junção e, ao mesmo tempo, a predominância das igrejas neopentecostais na dominação, no controle e na negação das religiosidades de base africana.

Uma preocupação não menos importante é a negação proposta pelos defensores do movimento Escola sem Partido do papel científico da escola, colocando em xeque a função social e integradora até então cumprida pelas instituições escolares na sociedade contemporânea desde a consolidação da formação social capitalista. Ao dissertar sobre esse assunto, Frigotto (2018) nos lembra que a atual forma escolar teve sua gênese histórica concretizada no século XVIII, relacionada à emergência da ciência moderna e da burguesia como classe social revolucionária. Desde suas origens, a instituição escolar burguesa teve sua existência marcada por conflitos que têm como fundamento a profunda cisão entre as classes socais. Para o autor,

Enquanto classe revolucionária, a burguesia representou a escola, no plano discursivo ideológico, como uma instituição pública, gratuita, universal, e laica que tinha, ao mesmo tempo, a função de desenvolver uma nova cultura, integrar as novas gerações na sociedade moderna e socializar, de forma sistemática, o conhecimento socialmente produzido. Trata-se de uma instituição que tinha uma dupla função: contrapor-se ao pensamento metafísico da sociedade feudal, dominado pela Igreja e pelo Estado absolutista; e reproduzir os conhecimentos, valores e atitudes necessárias à construção e reprodução do sistema capitalista. (FRIGOTTO, 2018, p. 16).

A natureza integrativa da escola burguesa e a valoração do conhecimento científico sempre foram evidentes. No fim das contas, depois de tantos séculos de sujeição feudal, a burguesia visava superar históricas mazelas sociais e políticas vinculadas com a formação social feudal e, assim, poder satisfazer seus interesses. Na tentativa de se desfazer dos dogmas da Igreja e das sujeições sociais monárquicas e feudais, o individualismo burguês precisava da ciência moderna e dos fundamentos da razão. Para Ponce (2015, p. 130, grifo do autor),

Nunca, como então, se falou tanto de “humanidade”, “cultura”, “razão” e “luzes”. E é justo reconhecermos que a burguesia comandou o assalto ao mundo feudal e à monarquia absoluta com tal denodo, com tanto brilho e com um entusiasmo tão contagioso, que, por um momento, a burguesia assumiu diante da nobreza o papel de defensora dos direitos gerais da sociedade.

Valendo-se dos aportes de dois autores clássicos, Frigotto (2018) procura esclarecer a função social e integrativa da escola na sociedade capitalista e o papel que o conhecimento e a ciência têm no processo de efetivação das relações sociais democráticas em sociedades classistas. Um deles é Émile Durkheim (1858-1917) - um dos fundadores da Sociologia moderna. Seus estudos científicos tinham como finalidade compreender o avanço dos processos de individualização do sujeito social e o estudo de muitos fenômenos que compunham a nova ordem social. Para Durkheim, a sociedade capitalista é humanamente ideal, cabendo à escola o papel de corrigir as possíveis distorções, por meio da socialização do conhecimento. Nessa perspectiva, coube à escola valorizar o processo de socialização integrativa como uma das tantas formas de resolver as complexidades que caracterizam a diversidade social na sociedade capitalista.

O outro autor clássico mencionado por Frigotto é Karl Marx (1818-1883). Sua teoria sociológica do conflito social procura demonstrar a existência de interesses antagônicos entre capital e trabalho que dividem essencialmente os sistemas sociais em dois lados: as classes dominantes e a classe trabalhadora. Essa perspectiva se apresenta como antagônica à Sociologia da ordem de Durkheim. Nela, caberia à escola colaborar no processo de formação de uma nova sociedade por meio da socialização do conhecimento, da ciência e da cultura. Contribuindo, dessa maneira, na formação do “homem novo” numa sociedade sem classes e sem exploração (FRIGOTTO, 2018, p. 19). Ao ressaltar o importante papel da escola na valoração e socialização do conhecimento científico, o autor faz a seguinte afirmação:

Para ambos, a escola tem um papel científico. E é no antagonismo do sentido da cientificidade do conhecimento que se expressa o caráter inequívoco da função política da instituição escolar. No caso de Durkheim, a ciência funcional à reprodução capitalista numa perspectiva integradora, ainda que desigual. Para Marx, uma ciência que historicize a realidade e, como tal, desvele as relações de desigualdade e exploração do sistema capitalista. A ciência dos seres humanos (da história e da natureza) como mediação fecunda contra todas as formas de alienação. (FRIGOTTO, 2018, p. 19).

Souza e Oliveira (2017) chamam atenção para outro fato da maior significância nessa marcha irracionalista da Escola sem Partido. Como uma das funções tradicionais das instituições educacionais ocidentais sempre foi a preparação dos sujeitos para o exercício da cidadania, da atuação na pólis, na vida pública, a separação da esfera política da esfera educacional reflete a falta de consciência crítica e de reflexão sobre os processos mais amplos que dizem respeito às decisões dos governantes e aos destinos da coletividade.

A negação da política, por esse prisma, amplia o distanciamento da população no que diz respeito a uma análise e à possibilidade de tomada de posição com relação aos seus próprios problemas, restringindo ainda mais esse campo de ação para uma minoria geralmente privilegiada do ponto de vista socioeconômico. Ao contrário dessa perspectiva, para cumprir razoavelmente seu papel institucional, achamos fundamental que a “formação para o exercício da cidadania” estimule uma produção teórica que forneça instrumentos para uma análise da realidade e o consequente posicionamento frente a ela. A separação enganosa e artificial entre os aspectos pedagógicos e políticos apenas favorece os grupos dominantes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base na interpretação marxista da história, o artigo procurou realizar uma análise dos principais fatos históricos, econômicos e políticos dos últimos 30 anos, na tentativa de identificar as teses fundamentalistas (econômicas e religiosas) do movimento Escola sem Partido.

O estudo nos permitiu identificar a existência de conflitos de classe na formação social capitalista, que, conforme estudos desenvolvidos por Gramsci (1988, 2000, 2002, 2010), fazem parte da dinâmica da vida política do Estado no capitalismo contemporâneo. Mesmo que na atual conjuntura o governo apregoe que suas ações se pautam na “eficiência técnica” e “no fim da velha política” - ou seja, numa proposta de Estado politicamente apartidária -, o Estado brasileiro não pode ser concebido como uma entidade neutra ou imparcial.

Esses conflitos de classe na formação social capitalista nos permitiram identificar três grandes momentos nos quais o ordenamento mundial capitalista respondeu a diversos interesses, a saber: a) o do fim da experiência do Estado do Bem-estar Social e o fortalecimento da ideologia neoliberal; b) o momento da emergência dos governos progressistas na América do Sul e no Brasil, que propiciaram substantivos avanços políticos e sociais sem desencadear nenhuma modificação estrutural dentro da ordem social e econômica; e c) o momento da crise da economia mundial de 2008, acompanhado da desaceleração da economia mundial e da queda das margens de geração de lucro e mais-valia.

Além de o ordenamento mundial não colocar em risco a continuidade da sua formação social (capitalista), a dinâmica desses três grandes momentos está vinculada ao surgimento da extrema direita, do autoritarismo e, em casos pontuais, do neofascismo.

Nosso objeto de estudo se localiza no contexto do terceiro momento, o da crise do capital pós-2008. Precisamos ficar atentos ao movimento do real neste momento de crise. Não se trata de uma crise qualquer, mas de uma crise do sistema capitalista que não tem paralelo na história, porque ela conseguiu abranger todas as ordens da sociedade: a economia, a política, a educação, a religião, a moral e a ética. Trata-se de uma crise que ainda não tem fim, tendo em vista a pandemia de Coronavírus que se alastra sobre nosso País e sobre o mundo todo. Ela dizima o trabalho vivo e verdadeiro protagonista da geração de capital e mais-valor - a classe trabalhadora -, ao tempo que governos de extrema direita, autoritários, reacionários e com traços neofascistas reagem à pandemia negando e subestimando seus efeitos perversos. Não é por acaso que esse vírus causou mais estrago naqueles países onde seus governantes, de extrema direita, decidiram minimizar as consequências da pandemia nos seus começos, como foi no caso dos Estados Unidos da América de Donald Trump, da Inglaterra de Boris Johnson e do Brasil de Jair Messias Bolsonaro. O caso do Brasil chega a ser perverso. Diferentemente dos outros países que no começo negaram a pandemia e depois reconheceram seu potencial de perigo, aqui no nosso País o Presidente Jair Bolsonaro continua acreditando que se trata de uma simples “gripezinha”.

Concomitante ao processo de desconstrução da democracia liberal, a nova ordem econômica internacional criou uma dupla cisão interna entre os cidadãos de um mesmo país: uma fratura social - na qual o rico fica mais rico, e o pobre, sem emprego e com o deterioro das condições materiais de vida, mais pobre -, associada a uma fratura cultural, que estimula o medo e desprezo das elites para com as pessoas diferentes, alimentando, dessa forma, a xenofobia e a intolerância. Todos esses condicionantes econômicos, sociais e culturais criaram condições para a emergência de movimentos e partidos anti-establishment que, ancorados na perspectiva da pós-verdade, terminam desconstruindo a dinâmica da democracia liberal. É nesse contexto que surge o movimento Escola sem Partido.

Diante do exposto, o estudo nos permitiu constatar que existe relação direta entre a crise do capitalismo mundial, as estratégias de produção, reprodução e acumulação capitalistas e o colapso do modelo político até então dominante: a democracia liberal. Nessa perspectiva, é possível confirmar a nossa hipótese de trabalho, pois a existência de movimentos como o Escola sem Partido faz parte de uma ação internacional articulada por setores políticos vinculados à extrema direita, com o propósito de desconstruir os fundamentos da democracia liberal por um modelo de organização societária de viés autoritário, com vistas à manutenção do processo de acumulação do capital.

Não temos dúvidas de que, sob a ótica dos idealizadores do movimento Escola sem Partido, o espaço educacional deve se submeter aos desígnios do autoritarismo como condição básica de imposição da hegemonia das classes dominantes e do sistema de acumulação do capital, ainda que eles não afirmem isso categoricamente. A Lei da Escola sem Partido representa um precedente perigoso no contexto de crescimento da intolerância existente no País, onde os educadores são os alvos preferenciais nesse caminho de cerceamento do debate democrático e da livre manifestação das ideias que estamos presenciando.

De modo geral, as evidências apontam para o aprofundamento desse clima de intolerância e para o aumento da perseguição, sobretudo aos professores, em consonância com um maior controle das manifestações públicas e das limitações da democracia formal frente ao avanço do capital especulativo sobre o fundo público, fortalecido pela vitória eleitoral da extrema direita nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil.

As declarações oficiais de combate às ideologias na educação servem ao propósito indisfarçável do sistema e dos seus agentes políticos de não apenas impedir posições contrárias à hegemonia dominante, mas fazer com que esta seja a única visão de mundo realmente possível de ser difundida nos espaços educacionais. A junção dos valores neoliberais e das ideias fundamentalistas religiosas, defendidas por estratos médios da sociedade e parte importante das igrejas, especialmente as evangélicas neopentecostais e a Renovação Carismática Católica, colabora para a proposição de um ordenamento jurídico similar aos existentes em nações que vivenciaram momentos semelhantes de autoritarismo e intolerância. Assim, não é possível subestimar as consequências sociais desse movimento direitista que se fortalece a olhos vistos.

A maneira alienada e alienante como os preceitos religiosos são tratados por essas igrejas procura assegurar a formação de cidadãos submissos à lógica da classe dominante, em momentos em que a ideologia ultraliberal propicia reformas que procuram a retirada de direitos sociais e trabalhistas e, assim, facilitar a geração de mais-valia, vinculada ao sistema do grande capital.

A junção entre concepções teóricas ultraliberais, visões de mundo autoritárias e os fundamentos religiosos conservadores submete, em certo sentimento, a estruturação de um modelo de organização educacional, de teorias pedagógicas e das suas práticas emancipatórias a um contexto de estado de censura e perseguição ideológica abominável nas democracias de tipo ocidental, apesar de todas as devidas ressalvas à fragilidade e à superficialidade orgânicas desses regimes legados historicamente com a consolidação da dominação burguesa e o sistema do capital. Demonstrando como nas formações sociais capitalistas ocidentais, a esfera educacional é uma das frentes prioritárias de hegemonização das ideologias e interesses da classe dominante.

Por outro lado, depois de amplas manobras de postergação dos julgamentos sobre o tema, é inegável que as recentes vitórias obtidas no âmbito do STF conferem uma perspectiva positiva no tocante aos entraves interpostos pelas autoridades judiciárias sobre os êxitos das iniciativas do movimento, possibilitando um equilíbrio importante na correlação de forças dos campos em disputa mais favorável aos setores progressistas e de matriz civilizatória.

Não é demais lembrar que, não por acaso, o movimento Escola sem Partido surgiu em um momento histórico fundamental de redefinição das estratégias de confrontação desse clima de perseguição e irracionalismo, de recuperação da vitalidade dos movimentos e organizações democráticos da sociedade a partir de um retorno à formação pedagógica e política da população. Acreditamos, por fim, que isso pode ser feito por meio de um processo educacional com perspectiva crítica, com análise e discussão das questões éticas e políticas dos principais temas da atualidade, objetivando encontrar alternativas possíveis de resolução desses impasses e formulação de um projeto de sociedade mais democrático e solidário.

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3O movimento, autointitulado “Escola sem Partido” foi criado em 2004 a partir de uma iniciativa do Procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib. Desde suas origens, o movimento diz representar pais e estudantes contrários à “doutrinação ideológica” que, segundo a opinião de seus seguidores, acontecia nas salas de aula brasileiras.

4A presença de professores comunistas, principalmente nas universidades, é um dos temas mais hilários e polêmicos dos últimos tempos, dada a irrealidade de tal acusação. Miguel (2016) informa, contudo, que nas origens do Projeto Escola sem Partido, esta era a principal preocupação dos seus propagadores. As questões relacionadas aos aspectos de gênero, morais e comportamentais em geral só foram incluídas nos projetos de lei em função de variáveis políticas com vistas à formação de alianças com outros segmentos da sociedade, notadamente do campo religioso conservador.

5No marco do presente artigo, entendemos que a democracia liberal foi o modelo político consolidado pelo capitalismo mundial no século XX para conter a emergência de Estados autoritários, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial.

6Consideramos, preliminarmente, que a crise econômica e sanitária provocada pela disseminação da Covid-19 no mundo, mais fortemente a partir do primeiro trimestre de 2020, claramente obrigou os governos das nações a redefinir as funções do Estado, no sentido de sua maior atuação na área social e de investimentos na ciência e tecnologia, o que pôs fim a uma hegemonia dos pressupostos ideológicos neoliberais existentes que sustentavam o sistema do capital até então. Porém, quando este texto foi desenvolvido, essa questão não estava prevista, sendo um tema fundamental apenas às vésperas da sua publicação. Por isso, e por conta das variáveis gerais que estão em rápido processo de mudança em decorrência da epidemia (variáveis políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais), optamos por não envidar esforços analíticos sobre esse fenômeno, visto que qualquer avaliação mais consequente sobre os resultados desse tema ainda são bastante imprecisos.

7O tema da centralidade dos estados socialistas do Leste Europeu e dos que faziam parte da União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e sua contraposição à proposta política dos Estados de Bem-estar Social não serão tratados neste artigo. Não temos como fazer referência ao processo de desconstrução do modelo de Estado de Bem-estar Social sem citar a queda dos regimes ocorrida no Leste Europeu. Ainda que o tema seja relevante, escaparia ao escopo que os autores deste artigo imprimiram para suas formulações.

8O Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO), dentre outros.

9Definimos no marco do presente trabalho como massa marginal aqueles setores menos favorecidos da sociedade que sofreram todas as consequências das desastradas políticas econômicas e sociais implantadas pelos Governos de Fernando Henrique Cardoso no período 1995-2002. Dentre as principais consequências que essas políticas de natureza neoliberal trouxeram para esse setor social temos: desemprego, subemprego, perda de renda, perda de direitos sociais, pobreza e miséria.

10Optamos por colocar Grande Crise Financeira com letras maiúsculas porque fazemos nossa a ideia dos autores quando alertam que precisamos enxergar a Grande Crise Financeira como um dos grandes acontecimentos dos últimos tempos (FOSTER; MAGDOFF, 2009, p. 16).

11Os “Tigres Asiáticos” era o apelido dado a uma série de países localizados no Leste Asiático, que vinham se destacando pelo seu desempenho econômico. Eles eram: Coreia do Sul, Taiwan, Hong-Kong e Cingapura. O sucesso econômico desses quatro países foi ampliado para Tailândia, Indonésia, Malásia e Vietnã. A base do sucesso econômico se baseou na exportação de bens de consumo ancorado na exploração dos trabalhadores (perda de direitos sociais e trabalhistas associados ao aproveitamento de mão de obra barata), principalmente para os países da América do Norte e da Europa (TIGRES ASIÁTICOS..., 2013).

12Demos o exemplo do acontecido com o Uruguai. Nessa crise, o país perdeu 11% de sua riqueza, 80% das reservas e 45% dos seus depósitos bancários. Consequência disso, o desemprego chegou a atingir 20% dos uruguaios e a pobreza aumentou significativamente. Nas eleições de 2004 o candidato da Frente Ampla (coalizão de partidos de esquerda) deu forte ênfase durante a campanha ao combate à pobreza. A vitória da Frente Ampla marca o fim de um revezamento de 174 anos de partidos tradicionais conservadores no poder: o Partido Colorado e o Partido Branco.

1Doutor em Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas; Mestre em Educação Motora pela Universidade Estadual de Campinas.

2Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas.

Recebido: 11 de Outubro de 2019; Aceito: 11 de Maio de 2020

Endereço para correspondência: Cidade Universitária, Campus 1, Setor Humanístico, Bloco III, João Pessoa, Paraíba, Brasil; jorgefernandohermida@yahoo.com.br

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