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Roteiro

On-line version ISSN 2177-6059

Roteiro vol.45  Joaçaba Jan./Dec 2020  Epub Sep 18, 2020

https://doi.org/10.18593/r.v45i.23882 

Artigos de Demanda Contínua

Igualdade de oportunidades e acesso a conhecimentos relevantes: estudo sobre a equidade nas políticas curriculares

Equal opportunities and access to relevant knowledge: a study on equity in curriculum policies

Igualdad de oportunidades y acceso a conocimientos relevantes: estudio acerca de la equidad en las políticas curriculares

Rosane Fátima Vasques1I  , Professora, Professora
http://orcid.org/0000-0001-9496-9725

Roberto Rafael Dias da Silva2II  , Professor
http://orcid.org/0000-0001-6927-3435

I Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, Departamento de Ciências Humanas, Professora; Rede Municipal de Educação de Erechim, Professora

II Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-graduação em Educação, Professor


Resumo:

O presente estudo propôs-se a examinar os tensionamentos existentes entre a igualdade de oportunidades e a democratização do acesso a conhecimentos relevantes, por meio de uma revisão da literatura publicada no Brasil acerca da equidade nas políticas curriculares. A composição teórica do estudo encontra-se na interface entre os estudos curriculares e a sociologia da educação, evidenciando uma intensificação das investigações sobre a equidade. Após o exercício de mapeamento, constatou-se que cinco sentidos de equidade tendem a predominar na literatura brasileira: igualdade de oportunidades, promoção de recursos, processos e resultados, desempenho dos estudantes/eficácia escolar, justiça escolar e acesso ao conhecimento. Os debates em andamento gravitam em torno do debate meritocracia versus conhecimento, ou seja, a equidade no sistema educacional pode ser compreendida como acesso ao conhecimento; para isso se consideram os alunos diferentes no seu ponto de partida e se buscam meios para que alcancem uma efetiva aprendizagem. Mesmo reconhecendo as controvérsias acerca do conceito de equidade, consideramos que este possa contribuir para ampliar os debates acerca da justiça curricular.

Palavras-chave: Política curricular; Equidade; Democratização; Conhecimento escolar.

Abstract:

This study aims to examine the existing tension between equal opportunities and democratization of access to relevant knowledge through a review of the literature published in Brazil about equity in curriculum policies. The theoretical framework of the study stands at the interface between curriculum studies and sociology of education, showing an intensification of research on equity. After the mapping exercise, it was found that five meanings of equity tend to predominate in Brazilian literature: equal opportunities, promotion of resources, processes and results, student performance/school effectiveness, school justice, and access to knowledge. The ongoing debates revolve around meritocracy versus knowledge, that is, equity in the educational system can be understood as access to knowledge; for this reason, students are considered different at their starting point and ways for them to reach effective learning are sought. Even recognizing the controversies about the concept of equity, we believe that it can contribute to broaden debates about curricular justice.

Keywords: Curriculum policy; Equity; Democratization; School knowledge.

Resumen:

El presente estudio se propone examinar las tensiones existentes entre la igualdad de oportunidades y la democratización del acceso a conocimientos relevantes, por medio de una revisión de la literatura publicada en Brasil acerca de la equidad en las políticas curriculares. La composición teórica del estudio se encuentra en la interfaz entre los estudios curriculares y la sociología de la educación, evidenciando una intensificación de las investigaciones sobre equidad. Tras el ejercicio de mapeo, se constató que cinco sentidos de equidad tienden a predominar en la literatura brasileña: igualdad de oportunidades, promoción de recursos, procesos y resultados, desempeño de los estudiantes/eficacia escolar, justicia escolar y acceso al conocimiento. Los debates en marcha gravitan alrededor del debate meritocracia versus conocimiento, es decir, se puede comprender la equidad en el sistema educacional como acceso al conocimiento; para ello se considera que los alumnos son diferentes en su punto de partida y se buscan medios para que ellos logren un aprendizaje efectivo. Aunque se reconozca las controversias acerca del concepto de equidad, consideramos que éste pueda contribuir a ampliar los debates sobre justicia curricular.

Palabras clave: Política curricular; Equidad; Democratización; Conocimiento escolar.

1 INTRODUÇÃO

Trata-se primeiramente de tornar a arbitragem escolar bem mais equitativa do que ela é hoje. Pois se a igualdade das oportunidades não se realiza não é somente porque a sociedade é desigual, mas é também porque o jogo escolar é mais propício aos mais favorecidos. É preciso, portanto, desenvolver a igualdade distributiva das oportunidades, isto é, zelar pela equidade da oferta escolar, às vezes dando mais aos menos favorecidos, de qualquer maneira tentando atenuar os efeitos mais brutais de uma competição pura. (DUBET, 2008, p. 12).

Após a implementação das políticas neoliberais, as preocupações com a proteção social foram sendo reconfiguradas; no entanto, com essa reconfiguração, e num contexto em que o indivíduo passa a ser responsável pelo seu próprio destino, fadado a aprender ao longo da vida (LIMA, 2012), o problema que se desenha é que não se consegue mais produzir igualdade em uma sociedade individualizada (BAUMAN, 2008). Então, parece que a alternativa que se desenha no contemporâneo, acercada de um conjunto de novos direcionamentos e atores políticos, é partir do desigual e buscar a equidade. É nessa esteira que surgiu o problema investigativo que norteou o presente estudo de caráter teórico: quais as relações existentes entre equidade e educação no âmbito da implementação de políticas curriculares?

Porém, em se tratando de produzir equidade, alguns questionamentos inevitáveis emergiram e passaram a ser condutores da proposta de estudo: como seria possível fabricar a equidade em um contexto de capitalização de aprendizagem individualizada ou na sociedade da aprendizagem? Como produzir equidade quando a lógica de oportunidades supõe a igualdade no ponto de partida? Sendo que, no neoliberalismo, fabricam-se individualidades, ao passo que, se dão oportunidades para que cada um faça e seja responsável por seu destino, como produzir a equidade pela meritocracia? Como produzir equidade quando a “nova razão do mundo” (DARDOT; LAVAL, 2016) - o neoliberalismo, produz subjetividades e modos de vida? Como produzir equidade quando o próprio dispositivo escolar produz e reproduz desigualdades?

Então, no decorrer deste artigo, que se insere no campo das políticas curriculares, tem-se por objetivo, partindo de tais questionamentos, compreender como a noção de equidade adquiriu centralidade no campo educacional e por meio de quais racionalidades políticas se tornou central para a concepção das políticas curriculares. É importante destacar, desde o início dessa proposta investigativa, que a leitura feita do currículo se dá a partir do “modelo das racionalidades contextuais” (PACHECO, 2003), em que este é compreendido como prática que, por sua vez, deve ser submetida a uma reflexão crítica.

No entanto, abordar o conceito de equidade apresenta-se como algo complexo, na medida em que vários outros conceitos estão entrelaçados, como: igualdade, diferença, justiça, qualidade, desigualdade, promoção de oportunidades, meritocracia, desempenho, eficiência. Assim, fez-se uma busca em bases de dados - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) - para saber como as pesquisas contemporâneas, nos últimos anos, têm tratado o conceito. Importa, ainda, reiterar que, ao revisar tais operações conceituais, atribui-se centralidade aos modos pelos quais as políticas curriculares são reposicionadas no interior dessa nova gramática política.

2 DAS POLÍTICAS AO CURRÍCULO

Para iniciar uma primeira aproximação conceitual ao objeto deste estudo teórico, vale considerar alguns estudos contemporâneos em torno das políticas curriculares. Conforme Lopes (2004, p. 111), no contexto brasileiro, toda “política curricular é constituída de propostas e práticas curriculares e como também as constitui, não é possível de forma absoluta separá-las e desconsiderar suas inter-relações”, sendo portanto “um processo de seleção e de produção de saberes, de visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados [...]” (LOPES, 2004, p. 111), que são organizados e traduzidos para serem ensinados.

Assim, dessa perspectiva, toda política curricular é “uma política de constituição do conhecimento escolar: um conhecimento construído simultaneamente para a escola (em ações externas à escola) e pela escola (em suas práticas institucionais cotidianas).” (LOPES, 2004, p. 111). Acrescenta-se a essa definição, que toda política curricular é compreendida como uma política cultural, já que, “o currículo é fruto de uma seleção da cultura e é um campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre sujeitos, concepções de conhecimento, formas de entender e construir o mundo.” (LOPES, 2004, p. 111).

No interior dessa concepção, as políticas curriculares não se referem apenas aos documentos escritos (leis, projetos, propostas), mas, como argumenta Lopes (2004, p. 111), “incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplos sujeitos no corpo social da educação. São produções para além das instâncias governamentais.” Porém, importa destacar, isso não significa “desconsiderar o poder privilegiado que a esfera de governo possui na produção de sentidos nas políticas, mas considerar que as práticas e propostas desenvolvidas nas escolas também são produtoras de sentidos para as políticas curriculares.” (LOPES, 2004, p. 111-112). Desse modo, a escola e seus sujeitos encontram-se em um espaço de hibridização e recontextualização curricular.

Ampliando o escopo dessa abordagem conceitual, de outra perspectiva, Pacheco (2003) entende a política curricular como um espaço público de tomada de decisão, em que a escola deve ser aceita como um local de tomada de decisões. Tais decisões “[...] não ficam circunscritas à administração, pois professores, alunos e pais, entre outros que atuam no contexto curricular, são decisores políticos, embora nem sempre reconhecidos.” (PACHECO, 2003, p. 10). Nesse sentido, a política curricular se estabelece nessa articulação entre decisões da administração central e decisores do contexto escolar:

[...] a política curricular representa a racionalização do processo de desenvolvimento do currículo nomeadamente com a regulação do conhecimento, que é a face visível da realidade escolar, e com o papel desempenhado por cada ator educativo dentro de uma dada estrutura de decisões relativas à construção do projeto formativo. (PACHECO, 2003, p. 14).

Então, conforme Pacheco (2003), a política curricular, formalmente, refere-se ao conjunto de leis e regulamentações que definem o que deve ser ensinado nas escolas. Nesse contexto, para além das decisões tomadas pelo poder político oficial, também é preciso considerar o papel dos atores que colocam em prática, direta ou indiretamente, tais decisões.

Ainda, pode-se definir a política curricular, de acordo com Sacristán (2000, p. 109), como “um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo, tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele”, desse modo, intervindo “na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na prática educativa, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus conteúdos e códigos de diferentes tipos.” (SACRISTÁN, 2000, p. 109). Ou seja, desde esse ponto de vista, é a política curricular que define as regras do jogo de todo o sistema curricular, configurando-se, assim, um primeiro condicionante direto do currículo.

Ao coadunar-se as três definições supracitadas, de naturezas conceituais diferenciadas, precisa-se considerar que, como afirmam Ball, Maguire e Braun (2016, p. 21), as políticas educacionais não são apenas implementadas, ao contrário, “colocar as políticas em prática é um processo criativo, sofisticado e complexo.” Assim, as escolas se traduzem em espaços privilegiados e complexos de interpretação, reinterpretação, tradução e reconstrução que “produzem” políticas, “em nossas escolas é sempre um processo de ‘tornar-se’, mudando de fora para dentro e de dentro para fora. É analisada e revista, bem como, por vezes, dispensada ou simplesmente esquecida.” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 15).

Em outras palavras, reconhece-se que as políticas curriculares não se circunscrevem estritamente às dimensões do Estado, uma vez que, ao se constituírem em um terreno controverso, adquirem formas variadas nos cotidianos escolares. As disputas acerca do que conta como conhecimento na escola e seus modos de transmissão, sob essa perspectiva, precisam ser coadunadas aos tensionamentos existentes entre a igualdade de oportunidades e a democratização do acesso a conhecimentos relevantes. Em razão disso, neste momento, avança-se, neste estudo teórico, para o conceito de “equidade”, aquele que tem sido posicionado na interseção entre a qualidade formativa e a democratização da escolarização.

3 EQUIDADE E EDUCAÇÃO: POR UMA COMPREENSÃO DA RELAÇÃO

Após ter revisitado algumas definições de política curricular, neste momento passa-se a mapear algumas relações existentes entre equidade e educação. Para tanto, vale destacar que argumentar acerca do conceito de equidade não é tarefa simples, pois, como afirmado anteriormente, implica considerar muitos outros conceitos que estão entrelaçados. Assim, ao discorrer sobre a noção de equidade, esses conceitos que são perpassados, dependendo da tradição investigativa, podem adquirir diferentes significados. Então, atenta-se para a importância de compreender a emergência do conceito a partir de um ponto de vista teórico, fazendo uma revisão das produções científicas publicadas contemporaneamente.

Para compreender melhor o conceito de equidade, realizou-se uma busca em três plataformas de base de dados brasileiras - Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Scientific Electronic Library Online (SciELO) - coletando as teses, dissertações e artigos publicados recentemente sobre a temática. Para tal coleta, consideraram-se as pesquisas em que a equidade tinha relação com a Educação Básica e com o currículo, compondo um total de 16 trabalhos (seis teses, seis dissertações e quatro artigos) publicados entre os anos de 2013 e 2019. Além disso, compõem também a análise outros quatro ensaios publicados em período anterior (2006-2009), mas que trazem contribuição importante para compreender a emergência do conceito.

A leitura dos textos possibilitou perceber diversas nuances do conceito de equidade, conforme o significado empregado pelos autores. Isso posto, conseguimos mapear cinco tendências predominantes:

  1. equidade como igualdade educacional/igualdade de oportunidades;

  2. equidade como um termo que engloba recursos, processos e resultados;

  3. equidade ligada ao desempenho dos estudantes/eficácia escolar;

  4. equidade como justiça social/escolar;

  5. equidade como acesso ao conhecimento.

Assim, na sequência, descreve-se um pouco dessas pesquisas para compreender tais nuances que o conceito de equidade tem apresentado.

Quanto à igualdade de oportunidades, Sonobe (2013) analisa as condições de oferta das escolas públicas de ensino fundamental de Ribeirão Preto, SP, na perspectiva da equidade. A pesquisa traz brevemente três conceitos de equidade nas políticas educacionais. Na primeira concepção, liberal, destaca-se o conceito de excelência, dando ênfase à competitividade entre as escolas e à liberdade de escolha como mecanismos para promover a qualidade das instituições. Na segunda concepção, igualitária, as instituições devem atender a todos de forma igual e reforçam elementos compensatórios para conseguir igualdade maior de oportunidades, não são aceitas diferenciações, assim, a equidade fica comprometida. Por fim, a terceira, pluralista, prevê proporcionar mais recursos aos que se encontram em zonas menos favorecidas (SONOBE, 2013).

Dessarte, Sonobe (2013) se inscreve nessa terceira concepção, da igualdade de oportunidades, e apresenta dados quantitativos baseados no Censo 2010 e no questionário da Prova Brasil 2009, que demonstram que há diferenças de insumos nos sistemas educacionais, o que impacta o fator equidade. Além disso, aparece também a questão do fator socioeconômico ligado ao sucesso/desempenho do aluno, o que está relacionado ao capital cultural desse aluno desfavorecido. A autora conclui que na mesma rede existem diferenças de qualidade por fatores diversos. Ainda, os alunos menos favorecidos tendem a frequentar escolas com piores condições de oferta, sendo que as regiões mais desfavorecidas são as que possuem essas escolas, logo, evidencia-se a criação de políticas visando à redução de desigualdades, na perspectiva da equidade na oferta de ensino.

Para mais, o estudo de Neves (2014) inicia enfatizando que o Brasil é um dos países que apresenta maior padrão de desigualdades de renda do mundo, e isso impacta as desigualdades educacionais e o aprendizado/desempenho dos estudantes. Assim, apresenta algumas pesquisas que argumentam que a equidade interna educacional produziria melhora no aprendizado dos estudantes, o que amenizaria os efeitos dispersadores das características individuais, produzindo maior igualdade de oportunidade. Porém, em contraposição, mostra algumas pesquisas que argumentam que a escola, ao produzir equidade, oferecendo uma gama de recursos aos indivíduos, poderia aumentar as desigualdades educacionais, ao passo que os estudantes com maior background familiar se apropriariam com mais eficácia desses recursos. Nesse sentido, o autor buscou elucidar o relacionamento entre a eficácia e a equidade educacionais entre escolas municipais urbanas brasileiras, identificando o papel dos insumos escolares, características individuais dos alunos, elementos relacionados à política educacional municipal e determinantes socioeconômicos dos municípios.

Nesse sentido, para o autor, a equidade é tida como antônimo de desigualdade educacional, então, seria o sinônimo de igualdade educacional. A partir disso, fazendo a comparação envolvendo diversos fatores intra e extraescolares, e considerando o desempenho dos estudantes em provas de larga escala, os resultados apontaram que a desigualdade de renda entre os alunos produz maior desigualdade acadêmica. Outra variável é que alunos que já reprovaram ou abandonaram algum ano letivo contribuem para deteriorar a equidade intraescolar. Além disso, os determinantes que atuam no sentido de reduzir a dispersão das notas médias das escolas são os mesmos que atuam no sentido de aumentar a eficácia educacional, ou seja, os determinantes da qualidade educacional são aqueles que induzem a equidade. Desse modo, para Neves (2014), ações diretas para melhorar a qualidade educacional não implicam o aumento da inequidade entre os estudantes. A pesquisa concluiu que não há concorrência entre qualidade e desigualdade, de modo que as políticas voltadas para melhorar a qualidade educacional não provocam a desigualdade entre os estudantes, como apontavam algumas abordagens teóricas.

Em estudo mais recente, Mota (2018) buscou compreender a implementação do Prêmio Escola Nota Dez (PENDez), em escolas do Estado do Ceará, ancorado nos conceitos de meritocracia e equidade. É um modelo de política com vistas à equidade de desempenho entre escolas. Assim, o PENDez busca operar como política indutora da melhoria dos resultados das escolas e, ao mesmo tempo, como política de apoio às escolas com menores resultados. Segundo a autora, o Prêmio traz no seu bojo a meritocracia e a equidade, pois ao mesmo tempo que premia os melhores, também, auxilia financeiramente as escolas com menores resultados de desempenho, tendo como objetivo estabelecer uma equidade entre elas.

Desse modo, Mota (2018), ao considerar que os princípios de meritocracia e equidade embasam o PENDez, apresenta uma análise deste a partir de outro ângulo. Assim, sendo uma política sustentada em princípios como: colaboração, responsabilização, discriminação positiva das escolas mais frágeis e meritocracia, a autora acredita ser possível inseri-la no debate acerca do projeto de uma escola mais justa, na perspectiva desenvolvida por François Dubet e na teoria de justiça de John Rawls. Nessa lógica, ao premiar/bonificar as melhores escolas e, ao mesmo tempo, dando maior incentivo às escolas com menores resultados, por meio de uma discriminação positiva, com a finalidade de beneficiar as segundas sem prejudicar as primeiras, essa política traz a busca da equidade muito próxima à igualdade de oportunidades distributiva proposta por Dubet. Ainda assim, é preciso destacar o impacto negativo dessa política diante de sua face meritocrática, não apenas nos agentes escolares, mas, principalmente, nos estudantes. Os gestores e professores entrevistados relataram que sofrem de ansiedade, depressão e que se sentem constrangidos diante do status negativo da escola, já que ser escola apoiada significa estar numa condição de desprestígio social.

Ao contrário da igualdade distributiva, a pesquisa de Silva (2019), ao abordar os desdobramentos para o ensino de matemática dos discursos sobre equidade presentes nos documentos oficiais produzidos pela Unesco e por outras organizações multilaterais, durante a década de 1990, aponta a igualdade meritocrática. Logo, o autor buscou identificar como os discursos sobre igualdade e equidade presentes nesses documentos internacionais são apropriados pelo ensino da matemática e se desdobram em programas e propostas curriculares para a Educação Básica.

Em sua análise, Silva (2019) mostra como as políticas curriculares foram se estabelecendo com base nos discursos internacionais e em suas concepções de equidade e igualdade, tendo como referência uma igualdade de oportunidade meritocrática, com foco no acesso à educação e padrões mínimos de qualidade. Além disso, o discurso hegemônico, que define a função social do ensino de matemática, apropria-se da educação segundo as lógicas e interesses do neoliberalismo, personificados pelas organizações internacionais, sendo, ainda, marcado pela lógica da eficiência e da produtividade. Nesse contexto, o ensino de matemática é posto como responsável por preparar o aluno para a cidadania e inseri-lo numa sociedade cada vez mais tecnológica e prepará-lo para o mercado de trabalho.

Quanto às políticas curriculares, como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, à luz dos documentos internacionais, que fixaram atender às necessidades básicas de aprendizagem, foram construídos pautados apenas em indicações sobre o aprendizado de operações fundamentais. Assim, para contrapor a apropriação perversa do discurso de equidade na educação pelo neoliberalismo, Silva (2019) apresenta concepções ou perspectivas teóricas que possibilitam uma alternativa ao ensino de matemática proposta pelo discurso hegemônico e que possa ressignificar a noção de matemática para todos.

De outra perspectiva, compreendendo o conceito de equidade como um termo que engloba recursos, processos e resultados, a tese de Simielli (2015) teve por objetivo analisar a equidade educacional no Brasil, nos anos de 2001 e 2011. O estudo apresenta diversas perspectivas sobre equidade e propõe a divisão do campo em três linhas: o entendimento de equidade como o acesso aos recursos e processos; equidade com base no resultado obtido pelos alunos; e equidade numa perspectiva mais abrangente, englobando os recursos, processos e resultados. A última perspectiva é a adotada pela autora.

As análises foram conduzidas para o 5º e o 9º ano, de 2001 a 2011, utilizando os dados do SAEB. Buscou-se medir a evolução na oportunidade de acesso dos alunos aos recursos e processos escolares, considerando-se seu nível socioeconômico, gênero e cor/raça. Conforme a autora, para que haja equidade, os recursos e processos devem ter impacto sobre o desempenho dos alunos - por essa razão, utilizou na análise o recurso que tem maior impacto sobre o desempenho dos alunos, que, de acordo com a literatura, são os professores.

Os resultados da pesquisa apontam para considerações importantes: o nível socioeconômico mostrou-se mais relevante na determinação das oportunidades educacionais (terem professores mais qualificados); verifica-se que o impacto das características observáveis dos professores sobre a proficiência dos alunos mudou de 2001 a 2011, em decorrência das políticas de incentivo à escolarização docente; quanto à oportunidade de os alunos terem professores qualificados, verifica-se grande heterogeneidade entre os estados brasileiros. Com base nesses resultados, Simielli (2015) aponta para três pilares para buscar a equidade: a definição de padrões mínimos de recursos e processos, a adoção de políticas compensatórias e a discriminação positiva na distribuição dos recursos e o investimento nos professores.

Também, na perspectiva da equidade de englobar recursos, processos e resultados, a tese de Karino (2016) teve como objetivo avaliar o sistema educacional brasileiro em termos do quanto ele tem proporcionado equidade e igualdade, além de identificar fatores escolares que podem contribuir para uma maior eficácia escolar. Nesse contexto, a autora entende que a igualdade pode ser definida em termos de todos os estudantes obterem resultados de aprendizado semelhantes; logo, para a igualdade de resultados, é necessário garantir a oportunidade de acesso a recursos e processos escolares. Assim, o termo equidade está relacionado ao senso de justiça e à inclusão. Desse modo, condições diferentes poderão exigir ações e esforços diferentes, podendo relacionar-se com políticas compensatórias ou à alocação diferenciada de recursos.

Para a autora, os resultados apontam problemas de igualdade de oportunidades no sistema educacional brasileiro, o qual não tem conseguido prover nem melhoria no desempenho, nem equidade. Por isso, considerando os diferentes contextos em que os estudantes estão inseridos, a garantia da igualdade perpassa políticas de equidade na alocação de recursos; logo, as políticas educacionais precisam buscar superar as diferenças sociais e étnicas, a fim de prover igualdade de oportunidade (KARINO, 2016).

De outro ponto de vista, Lemos (2013) salienta que a equidade é uma questão que está presente na agenda das políticas educacionais desde a década de 1960 em todo o mundo, sendo a equidade educacional um instrumento fundamental da equidade social. O conceito de equidade não é estável, no entanto, historicamente, pode-se identificar três fases nas políticas educacionais: a igualdade de acesso, que prevê o direito de todos a frequentar a escola; a igualdade de tratamento (ou de recursos), sendo a prestação a todos de igual serviço educativo; e, por fim, recentemente, a igualdade de resultados e competências.

Nessa última fase, o conceito aparece atrelado ao sucesso escolar, logo, ao desempenho do estudante. Conforme Lemos (2013), a forma de medir o nível de sucesso escolar pode ser operacionalizada por indicadores de participação (acesso, frequência e abandono) e aproveitamento (aprovação/reprovação, transição/retenção e diplomação), e nesse último considerando as competências adquiridas (medidas por classificações periódicas, exames e provas de larga escala). Assim, nessa perspectiva, o nível de sucesso escolar tem uma profunda relação com a equidade e com a eficiência em educação.

Ainda na perspectiva da equidade atrelada ao desempenho do estudante, em sua pesquisa, Becskeházy (2014) teve por objetivo compreender se o processo de descentralização das matrículas do ensino fundamental do Estado de São Paulo para seus municípios se deu de forma a contribuir para o binômio qualidade-equidade. A autora não define o que entende por equidade, no entanto, ao longo do trabalho, ela é medida pelo desempenho dos alunos e usada para comparar se as redes escolares municipalizadas prestam um serviço de educação de forma igual/mesmo nível que as estaduais.

Nessa lógica, Becskeházy (2014) utiliza-se dos dados oriundos das avaliações em larga escala e dos censos escolares. Assim, os dados da Prova Brasil e da distorção idade-série foram utilizados para comparar a equidade (desempenho dos estudantes) nas redes. No estudo, percebeu-se que os municípios do Estado de São Paulo que se comprometeram com o ensino fundamental como um todo, colocando sob sua responsabilidade a totalidade das matrículas, demonstraram boa evolução de resultados educacionais, medidos pelas informações disponíveis.

Também nessa perspectiva, Waldhelm (2016) buscou compreender como redes públicas municipais de ensino do Rio de Janeiro se organizam do ponto de vista administrativo para atender ao público matriculado em suas escolas. Assim, investiga os arranjos institucionais e as ações empreendidas pelos órgãos gestores e suas possíveis relações com os diferentes perfis de rendimento das redes de ensino, em termos de qualidade e equidade educacional. O estudo visou conhecer e compreender como redes promovem a qualidade, sem perder de vista a questão da equidade.

A autora interessou-se em saber como essas redes contribuem para desenvolver a igualdade distributiva das oportunidades (dar mais e, sobretudo, melhor aos que têm menos) e a igualdade social das oportunidades educacionais (garantia de aquisições e competências consideradas elementares para os alunos considerados mais fracos ou menos favorecidos), uma vez que essa perspectiva supõe a existência de políticas eficazes nessa direção. Para tal, a análise da equidade educacional das redes municipais concentrou-se no percentual de estudantes nos níveis de proficiência considerados satisfatórios, ou seja, o conceito de equidade foi operacionalizado ligado ao desempenho dos estudantes, considerando determinado percentual de estudantes com nível satisfatório, ou suficiente, nos testes em larga escala de matemática.

O estudo, ainda, foi complementado por estudos de caso de algumas redes educacionais selecionadas. A partir disso, concluiu-se que há compromisso das equipes locais e esforços expressivos empreendidos para garantir a matrícula e a frequência com sucesso escolar dos alunos das redes municipais de ensino. No entanto, conforme Waldhelm (2016), as interferências externas, em especial da política local e limitações de natureza técnica, em contextos socioeconômicos de poucos recursos das famílias e da rede pública de ensino, dificultam a elaboração de políticas educacionais que promovam qualidade com equidade educacional.

Recentemente, Costa (2019) objetivou compreender algumas das características institucionais e pedagógicas de escolas do Estado de Mato Grosso do Sul (MS) que apresentavam, simultaneamente, duas condições: resultados positivos nas avaliações nacionais e concentravam um número significativo de alunos beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF). Foram selecionadas quatro escolas que produziram os melhores resultados, analisando também questões relacionadas à equidade; assim, foram investigadas, in loco, para compreensão do que fazem essas escolas para minimizar o peso da origem social dos estudantes.

Desse modo, o estudo de Costa (2019) considera a equidade relacionada ao desempenho dos alunos, ao passo que busca compreender fatores que interferem na eficácia escolar, ou seja, alunos com bom desempenho mesmo em condições de vulnerabilidade social. A autora conclui que há fatores que se assemelham nas escolas pesquisadas, como: gestão com ênfase pedagógica, exercida pelo diretor, ou delegada aos coordenadores; clima escolar positivo; relações harmoniosas e respeitosas com os alunos; ênfase nos processos de aprendizagem, com atividades diversificadas; acompanhamento do trabalho pedagógico dos professores pelos coordenadores; prestígio institucional das escolas, propiciado por altas notas no IDEB, pela disciplina escolar e pela qualidade do ensino e dos profissionais; e a boa relação família-escola.

De outro prisma, considerando a equidade em conexão com a justiça social, Azevedo (2013) buscou compreender o que é a justiça social e sua conexão com os ideais de igualdade e equidade. O autor argumenta que o conceito de justiça social possui múltiplas interpretações, tanto negativas quanto positivas, e que a igualdade e a equidade substantivas são princípios fundamentais para a construção de sociedades justas e a formulação de políticas públicas voltadas para a promoção da justiça social e da solidariedade.

Com relação às políticas educacionais, o autor enfatiza que, se o Estado trata todos igualmente (direito igual), a desigualdade permanece. Além disso, ressalta que no Brasil essa desigualdade é reforçada ao passo que a classe dominante tem sua formação na escola privada, enquanto os menos favorecidos têm acesso a uma escola pública ainda precária (AZEVEDO, 2013). Por isso, a necessidade de um “direito desigual”, pois só adotando políticas de igualdade e equidade poderá colocar-se a inequidade e a desigualdade em questão e promover a justiça social e uma escola justa.

Também, compreendendo a equidade atrelada à justiça social, Leite e Fernandes (2014), ao discorrer sobre a avaliação da aprendizagem, debatem possibilidades e limites desta em constituir um meio para promover uma educação de qualidade que viabilize o princípio de justiça social. As autoras analisam políticas internacionais que vinculam a avaliação à educação de qualidade e atentam compreender os discursos acadêmicos e legais versus as práticas de avaliação desenvolvidas em Portugal. Para mais, refletem sobre as contribuições da avaliação da aprendizagem para uma educação de qualidade, que cumpra requisitos de equidade e justiça social.

Assim, argumentam que, se a avaliação for realizada em uma perspectiva formadora, numa lógica de corresponsabilização, e de auto e heterorregulação dos estudantes pela sua formação, pode contribuir para conferir maior equidade aos processos educacionais. Nesse caso, o sentido de equidade defendido pelas autoras subentende a partilha de poder da avaliação entre alunos e seus professores, além de colocar a avaliação enquanto um meio capaz de promover uma qualidade que concretiza a justiça social (LEITE; FERNANDES, 2014).

Ainda, Rohling e Valle (2016) debruçam-se no conceito de justiça escolar e na questão da escola justa, logo, examinam a teoria da justiça como equidade. Os autores iniciam reconhecendo a importância da Teoria da Justiça de Rawl, a qual traz ideias como justiça, igualdade e equidade, que formam uma complexa compreensão do que é uma sociedade justa. Assim, apontam o que essa teoria representou para a educação, ou seja, a ressignificação do princípio das oportunidades: não mais uma igualdade formal, mas como o princípio da igualdade equitativa de oportunidades, no qual as instituições devem criar mecanismos que atenuem as diferenças sociais, considerando que o ponto de partida social é desigual e a disposição social das instituições favorece mais uns do que outros.

Então, para Rohling e Valle (2016), uma concepção a respeito da justiça escolar deve considerar minimamente os discursos, as políticas e as práticas educacionais. Além disso, uma escola o menos injusta possível será aquela que, mesmo não podendo assegurar resultados de excelência para todos, pelo menos há de garantir um mínimo de competências. Assim, implica a defesa de que um currículo comum deva ser estabelecido, um currículo que respeite as diferenças e igualdades, que respeite as diversas culturas e que garanta um mínimo cultural comum para os menos favorecidos.

Também, considerando a equidade como justiça social, Gazzola (2017) buscou compreender as interferências do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) na formulação de políticas educacionais para o Ensino Fundamental, além disso, como tais políticas atentam à construção da equidade e à redução das desigualdades educacionais enquanto justiça social.

Desse modo, para Gazzola (2017), um sistema de educação equitativo requer afastar-se de toda desigualdade educacional, de acesso, de tratamento e/ou de conhecimento, no sentido de que todos tenham as mesmas oportunidades desde que respeitadas as suas individualidades. Assim, a autora conclui que a equidade como está posta na sociedade atual, e ao sofrer influências do contexto neoliberal, rege suas ideias em busca da eficiência e eficácia nos resultados dos indicadores. No entanto, na busca pela justiça social, deve “tratar de forma desigual os desiguais”, pois isso poderá contribuir para resultados mais equitativos.

Além do mais, Corrêa (2018), ao investigar as intervenções na primeira infância, seu caráter multifuncional e os níveis atuais de equidade do acesso a creches e pré-escolas no Brasil, também situa a equidade na esfera da justiça social. Conforme a autora, em sociedades marcadas por fortes desigualdades sociais, como é o caso do Brasil, as crianças já partem de condições desiguais para desenhar suas trajetórias de vida, a depender de suas características individuais (demográficas) e das características de sua família (sociais, culturais, econômicas). Logo, a educação infantil é apontada como caminho promissor na redução das desigualdades sociais e geracionais, mas, como as origens sociais podem influenciar as chances de acesso dos indivíduos a essa etapa educacional, tem-se aqui uma situação em que as desigualdades de acesso à educação podem ser explicadas, em parte, pelas desigualdades socioeconômicas. Por isso, a importância de políticas públicas que busquem equidade e justiça social, ou seja, que priorizem o atendimento para a população socioeconomicamente menos favorecida, sem deixar de lado a busca pela ampliação do acesso a todas as crianças.

Dessa forma, Corrêa (2018) conclui que, na medida em que se tornou obrigatória, a pré-escola revelou tendência positiva de redução das desigualdades de acesso em razão da origem social, mas ainda não alcançou êxito em eliminar, por completo, as diferenças nas chances de acesso entre grupos populacionais com características distintas. Além do mais, com relação ao segmento da creche, apesar de este ter assistido à maior expansão em termos de atendimento, não foi observado o mesmo ritmo de avanço no que se refere à redução das desigualdades no acesso. Isso posto, é preciso avançar no sentido de garantir o acesso com equidade à Educação Infantil, em se tratando de um direito de todos e uma forma de diminuir as desigualdades sociais.

Por fim, interpretando a equidade como acesso ao conhecimento, Silva (2016) teve como objetivo de pesquisa situar a desigualdade escolar produzida em razão da vulnerabilidade social nos grandes centros urbanos brasileiros como fenômeno que tem implicações sobre a justiça como equidade na escola. Conforme a autora, estudos têm afirmado que, numa sociedade capitalista e democrática, uma forma justa de lidar com a desigualdade escolar é por meio de políticas e práticas educacionais desenhadas e implementadas com base no princípio de justiça como equidade. Essa perspectiva exige a igualdade de base - todos os alunos aprendem o que o Estado afirma ser necessário, na Educação Básica.

Desse modo, para Silva (2016), a vulnerabilidade social desafia a justiça como equidade na escola porque tem uma forma específica de impor limites à distribuição justa do conhecimento na educação básica: a desigualdade escolar produzida nessa relação advém da sobreposição de fatores internos e externos às escolas. Por isso, a autora afirma que o desenho e a implementação de políticas educacionais e de políticas públicas voltadas ao enfrentamento da influência negativa da vulnerabilidade social no território, sobre a distribuição do conhecimento escolar, são uma forma de ampliar a justiça como equidade nas escolas das grandes cidades.

Assim, Silva (2016) enfatiza que o princípio de justiça como equidade na escola apregoa a igualdade de base, afirmando que nenhum aluno deveria ter um nível de conhecimento abaixo do esperado pelo Estado. A autora, ao analisar o que é uma escola justa, defende que a igualdade de base ou a igualdade de conhecimento adquirido por todos os alunos seria o princípio de justiça ideal para a consecução da justiça na Educação Básica.

Para além desses estudos, encontram-se na literatura outros estudos/autores que procuram definir o conceito de equidade. Assim, por exemplo, Soares e Andrade (2006), ao realizarem uma pesquisa para analisar as escolas de Belo Horizonte (MG), consideraram sua qualidade, equidade e nível socioeconômico. Logo, para a investigação, o conceito de equidade foi definido como a capacidade que as escolas têm para acirrar ou amortecer o efeito do nível socioeconômico no desempenho dos estudantes. “Idealmente não basta que a escola seja boa; ela deve ser boa para todos os seus alunos, independentemente do nível econômico, cor da pele e gênero.” (SOARES; ANDRADE, 2006, p. 110).

Ainda, a equidade, “por ser de mais difícil caracterização, não é usualmente considerada quando a sociedade avalia a escola, mas é crucial para os gestores públicos interessados em implementar políticas públicas educacionais inclusivas.” (SOARES; ANDRADE, 2006, p. 110). Portanto, concluem que no sistema educacional investigado a qualidade só é produzida diante de alta iniquidade, por isso, a necessidade de pensar políticas educacionais que, além da qualidade, considerem a equidade.

Outro estudo, de Franco et al. (2007), sobre a qualidade e a equidade em educação, investiga características escolares que promovem a eficácia escolar e a equidade intraescolar e busca identificar e avaliar o efeito sobre a equidade de características escolares associadas, simultaneamente, à eficácia escolar e ao aumento das desigualdades dentro das unidades escolares. Os autores procuram ilustrar como fatores escolares podem explicar desigualdades entre escolas e dentro das escolas. No estudo, o conceito de equidade está atrelado ao conceito de eficácia escolar.

Dessa forma, os resultados de Franco et al. (2007) indicam que a relação entre qualidade e equidade em educação é complexa, “pois políticas e práticas voltadas para o aumento da qualidade não têm, necessariamente, repercussão direta sobre a equidade intraescolar.” (FRANCO et al., 2007, p. 291). Ou seja, conforme os autores, em seu estudo, diversas variáveis que indicaram qualidade também se mostraram variáveis associadas ao aumento da desigualdade dentro das escolas. Portanto, os autores concluem que é necessário pensar políticas de qualidade atreladas a políticas de equidade intraescolar, já que as primeiras não equacionam automaticamente a equidade.

Além disso, fazendo uma reflexão sobre o Ensino Superior, Felicetti e Morosini (2009) trazem a equidade sob três focos: acesso, participação e resultado. Quanto ao acesso, as autoras destacam que existem duas interpretações; se for tomado com base apenas no acesso a esse nível e no comprometimento individual para o sucesso ou fracasso, traduz-se em igualdade de oportunidade; no entanto, se além do acesso, for oferecida qualidade igual para todos no Ensino Básico, e, assim, condições de competir, uma competição justa, com questões operacionais que garantam que o aluno adquirirá as habilidades necessárias, então isso é equidade.

Conforme Felicetti e Morosini (2009, p. 12), “equidade de resultados está ligada a medidas de apoio e acompanhamento para ajudar os alunos que têm maiores dificuldades, principalmente se estas forem de origem socioeconômica.” Desse modo, as autoras concluem que a equidade não se refere apenas ao acesso, por exemplo, a existência de políticas de ações afirmativas, mas se efetiva com a permanência com qualidade, logo, “a equidade representa a intensidade em que os alunos podem se beneficiar da educação e da formação, através de acesso, oportunidades, acompanhamentos e resultados.” (FELICETTI; MOROSINI, 2009, p. 21). Então, quando esses resultados do “alunado não dependerem de fatores geradores de ‘características iniciais’ e quando o tratamento em relação à aprendizagem corresponder às necessidades específicas de cada um, pode-se dizer que o sistema educacional estará sendo equitativo.” (FELICETTI; MOROSINI, 2009, p. 21).

Por fim, Lima e Rodríguez (2008, p. 61), ao fazerem uma revisão e análise do conceito de equidade, destacam que conforme seu uso ele tem significado diferente:

Desta forma, observamos que o conteúdo do mencionado conceito é abordado de maneira paradoxal por ideólogos de diferentes correntes filosóficas, ou não, assumindo sentidos divergentes a depender da forma como é utilizado: Aristóteles (1999), para o qual o princípio de equidade representa uma correção da justiça legal; Saviani (1998), que reflete sobre o conceito fundamentar-se em razões utilitárias; Rawls (1997), que por meio do conceito “justiça como equidade” reforça o sentido de igualdade de oportunidade; Friedman e Friedman (1979), que o rejeita como igualdade de resultados e Hayek (1990), para o qual o princípio citado quando posto à prova da utilidade torna-se insatisfatório.

Ademais, os autores enfatizam que conforme o conceito for concebido orientará políticas e práticas:

[...] ora o conceito é entendido como em tratar de forma igual os desiguais (igualdade de oportunidade, por exemplo) ora em tratar de forma desigual os desiguais (dar mais a quem tem menos). Atente que não se trata de um jogo de palavras, mas de conceitos que orientam as políticas públicas que se implementam referenciadas nestas concepções. A aplicação prática de “tratar de forma igual os desiguais” produz resultados diferentes de “tratar de forma desigual os desiguais” e este é o conceito de equidade que consideramos correto, pois de alguma forma isto pode contribuir para resultados mais igualitários. (LIMA; RODRÍGUEZ, 2008, p. 61).

Portanto, a análise das 20 pesquisas aqui exposta mostra que o conceito de equidade se desdobra em cinco sentidos: sendo quatro trabalhos em que a equidade tem sentido de igualdade educacional/igualdade de oportunidades; três pesquisas em que ela engloba recursos, processos e resultados; seis em que está atrelada ao desempenho dos estudantes e à eficácia escolar; cinco com foco na justiça social/escolar; e apenas um em que a equidade aparece como acesso ao conhecimento. Logo, destaca-se que a busca pela igualdade de oportunidade pelo desempenho do estudante/eficácia escolar e pela justiça social são fatores que mais têm justificado a busca da equidade no campo educacional.

Assim, podemos inferir que, nas políticas curriculares brasileiras propostas nas últimas décadas, o conceito de equidade tem perpassado por esses sentidos que emergiram na literatura, na medida em que boa parte dessas pesquisas é proveniente da análise da realidade escolar brasileira, em seus textos e contextos.

Nessa esteira, os sentidos de igualdade de oportunidades e de justiça social/escolar, por exemplo, podem ser percebidos nas políticas educacionais ao se estabelecer a democratização do educação, tendo apenas como garantia o acesso (matrículas), sem se preocupar com a qualidade do serviço que vem sendo ofertado. A exemplo, pode-se citar a descontinuidade de políticas curriculares, como o Programa Mais Educação, o Pacto pela Alfabetização na Idade Certa, o Programa Ensino Médio Inovador, o Programa Mais alfabetização, entre outros, que chegaram às escolas, trouxeram mudanças curriculares e, independentemente de resultados, positivos ou negativos, foram abandonados, estabelecendo-se enquanto políticas de governo.

Já o sentido de equidade atrelado ao desempenho do estudante/eficácia escolar pode ser percebido nas políticas curriculares por meio do grande número de avaliações de larga escala desde os anos de 1990, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), a Prova Brasil, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a Provinha Brasil e, mais, a grande ênfase para atingir indicadores educacionais, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).

Ainda, o que chama atenção nessa análise é que, ao mesmo tempo que a busca pela equidade tem tido o foco em promover a igualdade de oportunidades, a justiça social e melhorar o desempenho dos estudantes, tem ficado aquém o debate sobre o acesso ao conhecimento, tendo aparecido em apenas uma pesquisa. Nessa lógica, se olharmos para as políticas curriculares em ação, o que percebemos é um discurso neoliberal, voltado à lógica utilitarista e ao mercado, bem longe da discussão de quais conhecimentos são relevantes para os estudantes.

Destarte, para além de investigar a emergência do conceito de equidade em estudos contemporâneos, como o intuito é compreender a equidade numa esfera educacional, e como percebemos um excesso do discurso da igualdade de oportunidade e uma falta de acesso ao conhecimento, prosseguimos a discussão a partir de autores que entram no campo escolar e do conhecimento, como Dubet e Crahay.

5 EQUIDADE: IGUALDADE DE OPORTUNIDADES OU ACESSO AO CONHECIMENTO?

É por meio da ideia de justiça que alguns autores ajudam a pensar a noção de equidade. O sociólogo François Dubet (2008), por exemplo, num cenário francês, propõe-se a definir o que seria uma escola justa, ou seja, uma escola o menos injusta, e esse debate perpassa diretamente a questão da equidade em educação.

Nesse universo, o autor desenvolve uma discussão entre a igualdade meritocrática das oportunidades e a igualdade distributiva das oportunidades (complementada pela igualdade social e igualdade individual das oportunidades). A primeira, produzindo desigualdades ao passo que considera que os indivíduos são iguais, e somente o mérito pode justificar as diferenças. E a segunda, zelando pela equidade escolar, por vezes, dando mais aos menos favorecidos, para tentar atenuar as diferenças já existentes. Logo, defende-se esta última, já que, para Dubet (2008, p. 13), a “equidade de um sistema escolar pode também ser julgada pela maneira como os mais fracos são tratados.”

Quanto à igualdade meritocrática das oportunidades, Dubet (2008, p. 20) argumenta que ela “é ao mesmo tempo individualmente justa e coletivamente útil”, pois, “enquanto as desigualdades decorrentes do nascimento e da herança são injustas, a igualdade das oportunidades estabelece desigualdades justas ao abrir a todos a competição pelos diplomas e pelas posições sociais.” Ou seja, é uma forma de fabricar desigualdades justas, pois considera que estas são exclusivamente provenientes do mérito e das performances pessoais, e não da origem social, econômica e cultural dos indivíduos.

A igualdade das oportunidades é necessária porque mobiliza princípios de justiça e postulados morais fundamentais numa sociedade democrática. Ela repousa sobre a ideia essencial de que há algo de igual em todos: a capacidade de ser o mestre de sua vida e de seu destino, de exercer um poder sobre si mesmo. Nesse sentido, a igualdade das oportunidades é consubstancial ao princípio da liberdade individual que dá a cada um o direito e o poder de medir seu valor em relação ao dos outros. É por essa razão que a igualdade de acesso aos estudos é tão decisiva e que tudo o que a limita a priori nos é insuportável. É preciso então que a competição desses sujeitos iguais e desses indivíduos empiricamente desiguais, o que se chama de mérito, seja a mais justa possível. (DUBET, 2008, p. 49).

Logo, o autor defende um outro projeto: a igualdade distributiva das oportunidades, pois esta acolhe a equidade, na medida em que distribui de forma controlada e razoável os recursos atribuídos à educação, buscando uma maior igualdade de competição no aparelho escolar. Nessa lógica, “a igualdade das oportunidades deve ser ponderada por um princípio de garantia comum, pela criação de um bem escolar partilhado com todos, independentemente do êxito de cada um.” (DUBET, 2008, p. 13). Ou seja, uma escola justa deve oferecer um bem comum, uma cultura comum a todos, sem considerar o mérito, todos devem ter garantidos os conhecimentos e competências a que têm direito.

É nessa esteira que Dubet (2008) coloca a igualdade social das oportunidades, a qual coloca em tela a questão da cultura comum. “A obsessão do mérito não deve deixar esquecer que a igualdade também é definida pelo que os membros de uma sociedade têm em comum, pelos primeiros bens de que eles dispõem.” (DUBET, 2008, p. 72). Ou seja, a cultura comum é considerada uma escolha de justiça fundamental, “pois, preserva os mais fracos de uma degradação de sua situação. Mais ainda, ele faz do aumento de seu nível de formação geral uma prioridade de justiça, uma exigência de cidadania e, provavelmente, uma condição de eficiência coletiva.” (DUBET, 2008, p. 93).

Para além de garantir uma cultura comum, a escola justa, ou o menos injusta possível, deve preocupar-se com a formação dos sujeitos, e é aí que Dubet (2008) traz a igualdade individual das oportunidades, a qual deve produzir “a formação de indivíduos como sujeitos capazes de dominar sua vida, de construir suas capacidades subjetivas de confiança em si e de confiança em outrem” (DUBET, 2008, p. 95), ou seja, deve formar sujeitos para uma sociedade democrática e solidária. A escola traz uma grande utilidade individual na medida em que quanto maior o grau de escolaridade do sujeito, melhor poderá ser sua vida profissional. No entanto, essa “utilidade” não pode estar acima da formação sob uma dimensão ética, “que cada aluno seja reconhecido como tal, que seja tratado como sujeito singular e igual a todos os outros, independentemente de suas performances e de seus resultados.” (DUBET, 2008, p. 107).

Assim, uma escola justa deve considerar menos o mérito e ser equitativa, ou seja, dar mais aos menos favorecidos tendo em vista diminuir as desigualdades entre os indivíduos. De nada adianta oferecer as mesmas oportunidades a indivíduos que vêm de origens diferentes e desiguais, e relegar a eles a responsabilidade por seu destino. Para ser menos injusta, talvez a escola precise dar condições diferentes para indivíduos que são de contextos econômico, social e culturalmente diferentes.

De outra perspectiva, Crahay (2000, 2013) se inscreve em um debate ético, também buscando analisar o que é uma escola justa e eficaz. Nesse sentido, argumenta que a questão sobre justiça deve envolver três princípios básicos: da justiça igualitária, da justiça meritocrática e da justiça corretiva.

O princípio da justiça igualitária declara que todos os seres humanos são iguais e têm os mesmos direitos, logo, todos devem ter a mesma educação e qualidade de ensino. De outra forma, a justiça meritocrática prevê que cada um seja recompensado conforme seus méritos próprios. “Na escola, consideraremos justo atribuir notas mais altas aos alunos que alcançarem um melhor desempenho. Resumindo, a regra a ser respeitada seria: ‘a cada um segundo seu mérito ou segundo seu talento’.” (CRAHAY, 2013, p. 12). No entanto, defendendo que esse segundo princípio só confirma as desigualdades existentes entre os indivíduos, o autor argumenta para a defesa de um terceiro princípio, da justiça corretiva, na qual o justo seria o Estado socorrer os mais desfavorecidos, buscando a máxima igualdade entre todos e adotando procedimentos corretivos para os mais fracos. Já à escola “caberia a ela lutar contra o peso das desigualdades de origem social, levando todos os indivíduos a adquirir os aprendizados fundamentais.” (CRAHAY, 2013, p. 13).

Dessarte, conforme o autor, esses três princípios levaram a três concepções de igualdade na pedagogia: a justiça igualitária levou à igualdade de tratamento; a justiça meritocrática, à igualdade de oportunidades; e a justiça corretiva, à igualdade de resultados/aquisição, ou anteriormente chamada, igualdade de conhecimento (CRAHAY, 2013, 2000).

Assim, a igualdade de tratamento defende que todos os alunos devem receber a mesma qualidade. A igualdade de oportunidades declara que as oportunidades educacionais mais ricas devem ser oferecidas aos mais talentosos e merecedores (meritocracia). Por fim, os que sonham com a igualdade de conhecimento consideram dar mais aos mais desfavorecidos no plano intelectual e cultural, a fim de que todos os indivíduos sejam dotados de competências consideradas fundamentais para se desenvolver na sociedade.

Observa-se, pois, que as duas primeiras perspectivas supõem que o indivíduo tenha dons ou aptidões naturais que o levariam ou não a atingir determinada competência ou aprendizagem. No entanto, para Crahay (2013, p. 15), atribuir à ausência de dons inatos os fracassos ou às dificuldades que muitos alunos encontram é “ignorar os inúmeros obstáculos que o ambiente familiar ou escolar [...] podem impor em seus caminhos. É desprezar o peso da herança social e, mais ainda, do efeito das interações que a criança mantém com o ambiente familiar e escolar.” Além disso, conforme o autor, “a menos que se suponha que todos os homens nascem iguais e se beneficiam de um ambiente familiar que oferece estímulos equivalentes quanto a qualidade e quantidade, a igualdade de tratamento é uma ilusão.” (CRAHAY, 2013, p. 15-16).

Portanto, a defesa da igualdade de conhecimento/resultados/aquisição, que considera todo o contexto do aluno, o seu tempo de aprendizagem, as suas necessidades, o oferecimento de conhecimentos fundamentais e diminuição de desigualdades. Nessa lógica, o ensino deve ser organizado em virtude dos objetivos a serem alcançados por todos. Nessa perspectiva, o conceito de diferenciação pedagógica assume sentido:

Contudo, não se trata de cair numa outra mistificação. Diferenciar o ensino pode ter dois sentidos diferentes. No primeiro, compatível com a ideologia da igualdade de oportunidades, considerar-se-á que é necessário tornar real uma escola sob medida, isto é, uma escola que ofereça oportunidades educacionais que sejam proporcionais aos talentos de cada um. No segundo sentido, consoante aos princípios da justiça corretiva, convém levar em conta a diversidade individual para conduzir cada aluno ao domínio dos objetivos definidos como fundamentais. (CRAHAY, 2013, p. 16).

Logo, a diferenciação pedagógica, na perspectiva da igualdade de conhecimentos, consiste em oferecer mais, ou de outro modo, para aqueles que têm maiores dificuldades. A escola não é sob medida3 como na igualdade de oportunidades, que se adapta às “aptidões naturais” dos alunos, mas ela cria recursos para que todos os alunos tenham acesso igual e atinjam conhecimentos fundamentais.

Tanto para Dubet (2008) quanto para Crahay (2000, 2013), uma escola justa e eficaz é aquela que dispensa uma igualdade de oportunidades baseada no mérito, é aquela que considera o contexto social, econômico e familiar do aluno, é aquela que considera que todos têm direito a ter acesso a conhecimentos fundamentais e a uma cultura comum, é aquela que dá mais aos menos favorecidos em prol de maior igualdade no sistema, é aquela que adota a equidade como medida de redistribuição conforme a necessidade de cada um.

Nesse sentido, para ambos os autores, o debate se dá em torno da meritocracia versus conhecimento, ou seja, a equidade no sistema educacional pode ser compreendida como acesso ao conhecimento, para isso se consideram os alunos diferentes no seu ponto de partida e se buscam meios para que alcancem uma efetiva aprendizagem. Então, pensando ser possível uma escola justa, pode-se considerar os apontamentos de Silva (2018), que atento às questões que envolvem a constituição do conhecimento escolar, ao mapear a noção de justiça curricular em obras produzidas no campo dos estudos curriculares, leva em conta que três dimensões poderiam ser consideradas nesse âmbito: reconhecimento, redistribuição e participação.

Logo, a redistribuição, na perspectiva da justiça curricular, estaria posta no sentido de potencializar a democratização e a ampliação do repertório cultural, “garantir acesso a formas específicas de conhecimento para aqueles grupos que historicamente não conseguiam chegar à escola.” (SILVA, 2018, p. 16). Assim, a redistribuição deveria estar articulada ao reconhecimento das diferenças culturais dos estudantes, respeitando-as e valorizando-as. Além disso, a justiça curricular ainda precisa valorizar a participação dos diferentes atores sociais. Então, para o autor, considerar a justiça curricular envolve pensar políticas no campo que promovam essas dimensões, o que “pode ser um instrumento coletivo que nos permita promover a defesa da justiça escolar e da qualidade social da educação.” (SILVA, 2018, p. 16).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente estudo buscou-se compreender quais os sentidos do conceito de equidade presente nas políticas curriculares brasileiras contemporaneamente. Para tanto, realizou-se uma revisão da literatura publicada no Brasil acerca da equidade na educação, nos últimos anos. A análise foi composta por 20 trabalhos publicados entre os anos 2006 e 2009 e 2013 e 2019.

A revisão conceitual mostra que o conceito de equidade se desdobra em cinco sentidos: com foco na igualdade educacional/igualdade de oportunidades; englobando recursos, processos e resultados; atrelada ao desempenho dos estudantes/eficácia escolar; ligada à justiça social/escolar; e como acesso ao conhecimento. Desse modo, destacam-se três sentidos predominantes: a busca pela igualdade de oportunidade (quatro trabalhos), pelo desempenho do estudante/eficácia escolar (seis trabalhos) e pela justiça social/escolar (cinco trabalhos), que são fatores que mais têm justificado a busca da equidade no campo educacional. Por outro lado, a equidade interligada ao acesso ao conhecimento só aparece em uma pesquisa.

Por consequência, com vistas à preocupação pelo excesso da presença da igualdade de oportunidades e pela falta de interesse acerca da discussão sobre o acesso ao conhecimento nas políticas curriculares, desenvolveu-se um tensionamento entre a igualdade de oportunidades e a democratização do acesso a conhecimentos relevantes a partir de Dubet (2008) e Crahay (2000, 2013). Para ambos os autores, uma escola justa e eficaz é aquela que dispensa uma igualdade de oportunidades baseada no mérito, dá mais aos menos favorecidos em prol de maior igualdade no sistema e adota a equidade como medida de redistribuição conforme a necessidade de cada um. Assim, considerando o contexto social, econômico e familiar do aluno, é aquela que todos têm direito a ter acesso a conhecimentos fundamentais e a uma cultura comum. Seguiremos examinando, em estudos futuros, os desdobramentos conceituais da noção de equidade no âmbito das políticas curriculares no Brasil.

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3Sobre a escola sob medida, Crahay (2013) faz referência a Claparède, que em 1920 publica L’école sur mesure (A escola sob medida), demonstrando a existência de aptidões variadas nos indivíduos, defendendo a necessidade pedagógica de se levar isso em conta e recomendando uma série de reformas baseadas nessa teoria das aptidões. Essa teoria, conforme Crahay (2013), veio a influenciar o ensino e organização dos sistemas escolares a partir do século XX, cabendo à escola propor modelos de educação feitos sob medida.

1Mestra em Educação pela Universidade Federal da Fronteira Sul; Doutoranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Pedagoga pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões.

2Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos; Mestre em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Recebido: 12 de Março de 2020; Aceito: 07 de Setembro de 2020

Endereços para correspondência: URI Erechim, Departamento Ciências Humanas, Curso de Pedagogia, Av. Sete de Setembro, 1621, Fátima, Caixa postal 743, 99709-910, Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil; rosane_vasques@hotmail.com

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