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Roteiro

On-line version ISSN 2177-6059

Roteiro vol.45  Joaçaba Jan./Dec 2020  Epub July 27, 2020

https://doi.org/10.18593/r.v45i0.22193 

Resenha

Desenvolvendo o pensamento histórico: abordagens conceituais e estratégias didáticas

Nikita Mary Sukow1I  , Pesquisadora
http://orcid.org/0000-0002-8307-3541

I Universidade Federal do Paraná, Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica, Pesquisadora.


Arthur Chapman é Professor associado em Educação Histórica no Instituto de Educação da University College London. Nascido nos Estados Unidos, o autor atuou durante 12 anos como professor da educação básica, notável em suas reflexões sobre a formação do pensamento histórico. Sua obra, Desenvolvendo o Pensamento Histórico - Abordagens Conceituais e Estratégias Didáticas (2019), aborda as trajetórias metodológicas e os resultados de suas investigações. Organizado e traduzido por Lucas Pydd Nechi (LAPEDUH/UFPR) e Marcelo Fronza (GPEDUH/UFMT), é composta por 13 capítulos, organizados teórica e metodologicamente em seis partes: (1) Argumentação Histórica, (2) Consciência Histórica, (3) Interpretação Histórica, (4) Explicação Histórica, (5) História Oral e (6) Usos da Tecnologia.

As duas primeiras partes anunciam o referencial teórico que Chapman estabelece, dialogando, por um lado, com autores ligados à psicologia cognitiva e ao construtivismo, e por outro, com autores ligados à Teoria da História, sobretudo Jörn Rüsen. Em Asnos, arqueiros e pressupostos: estratégias para sofisticar as habilidades de raciocínio em História nos 9º a 13º anos, capítulo que compõe a parte um, Chapman lança mão de técnicas de ensino que possibilitariam aos estudantes compreenderem o papel dos pressupostos no desenvolvimento da argumentação histórica. Por meio de atividades lúdicas simples, a importância da pressuposição como um caminho para a argumentação e, até mesmo, para inferências ou conclusões é trabalhada com os alunos. Ao final do capítulo, argumenta-se que ensinar os estudantes a analisar e identificar pressupostos contribui para melhorar suas habilidades de construir argumentos.

Neste primeiro momento, é possível deparar-se com dois elementos que estarão presentes de maneira recorrente ao longo da obra. O primeiro relaciona-se à ideia de que a aprendizagem histórica é um processo de construção realizado pelos alunos com o apoio dos professores. O segundo diz respeito às técnicas de aprendizagem adotadas pelo autor para levar a cabo suas investigações. Ambos elementos estão respaldados no diálogo que Chapman estabelece com a obra de Jerôme Bruner, sobretudo em sua teoria da aprendizagem como scaffoldings (traduzidos, na obra, como andaimes). Em linhas gerais, essa concepção entende que o conhecimento deve ser construído a partir de apoios temporários, fornecidos pelos professores, que possibilitariam aos estudantes alcançarem progressivamente níveis mais elevados do conhecimento histórico. À medida que o conhecimento vai evoluindo, tais andaimes vão sendo removidos, de maneira que os estudantes se tornem independentes na construção de seu conhecimento histórico.

As referências à teoria rüseniana e suas reflexões sobre a formação do pensamento histórico aparecem na segunda parte, composta pelo capítulo Situando a História: território, história, identidade e consciência histórica, de 2004. Nesta, o autor analisou questionários de estudantes que haviam frequentado disciplinas históricas com perspectivas menos eurocentradas e que discutiam a história da Grã-Bretanha a partir da relação com outros países. A partir dos resultados, Chapman concluiu que tais perspectivas, quando comparadas às tradicionais, possibilitam aos estudantes aumentarem suas compreensões da política e, consequentemente, melhorarem qualitativamente o sentido que atribuem à História. Também, argumenta com Rüsen que perspectivas mais diversas possibilitam a construção de narrativas críticas em contraposição às narrativas exemplares.

A terceira, e mais extensa parte, é composta por quatro capítulos que se debruçam sobre a interpretação histórica. Três desses capítulos partiram de investigações empíricas que buscavam compreender as ideias de jovens estudantes acerca das variações na interpretação histórica dos estudantes. Perguntas como: “por que os historiadores discordam?” e “por que os historiadores frequentemente chegam a conclusões diferentes sobre o passado?” forneceram os dados analisados pelo autor.

Em Twist and Shout? Desenvolvendo o pensamento de estudantes do Sixth Form sobre a interpretação histórica, Chapman conclui que boa parte dos estudantes entende que as interpretações históricas estão ligadas mais à identidade dos historiadores do que à investigação histórica. Diante disso, encerra o capítulo ressaltando a importância de se trabalhar a noção de interpretação enquanto um processo lógico que envolve, principalmente, decisões teóricas, metodológicas e práticas e que compõe a lógica da investigação histórica.

Tais reflexões são aprofundadas a partir de uma experiência realizada pelo autor com a Academia Virtual de História (HVA), descrita no capítulo ‘Eles chegam a diferentes opiniões, por causa das suas diferentes interpretações’: Desenvolvendo a compreensão de interpretação histórica de estudantes de 16 a 19 anos através de discussões inter-institucionais on-line. A HVA tratava-se de uma espécie de fórum de discussão virtual, no qual eram propostas atividades pelas quais grupos de estudantes precisavam explicar o porquê e avaliar os contrastes nas interpretações históricas. As respostas eram discutidas e questionadas por historiadores, de modo que um dos objetivos de Chapman foi salientar a importância da colaboração entre escola-universidade para o desenvolvimento de uma aprendizagem histórica significativa. Dentre os resultados, o autor percebeu que o intercâmbio e os questionamentos levantados pelos acadêmicos possibilitaram mudanças quanto ao entendimento da interpretação histórica por parte dos estudantes. Após a atividade, eles passaram a entendê-la como resultado das ações (agency) dos historiadores, e não apenas como determinada pelas fontes históricas.

Já em ‘Talvez não seja apenas a visão política deles’: Usando a matriz disciplinar de Jörn Rüsen para desenvolver entendimentos de interpretação histórica, retoma-se a teoria rüseniana para avaliar as respostas das perguntas anteriormente mencionadas. No exercício de análise, Chapman aponta como alguns estudantes entendem a interpretação histórica como resultante apenas da parte de baixo da matriz, isto é, do campo da vida prática; outros entendem-na como resultante apenas de processos metodológicos, isto é, da parte de cima da matriz. Por meio desse exercício, o autor indica o potencial da matriz como uma ferramenta para entender o pensamento histórico dos alunos e as maneiras pelas quais eles estão sendo ensinados. Ainda, é apontado como ela pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas que auxiliem na progressão do pensamento histórico dos estudantes.

No capítulo seguinte, Interpretação Histórica, Chapman propõe uma conceituação epistemológica acerca do tema, dialogando com investigadores da Educação Histórica e teóricos da História ingleses, como Peter Lee e Denis Shemilt. Segundo o autor, em termos de ensino de História, a importância da interpretação histórica está ligada ao fato de fornecer subsídios para que os alunos possam comparar e avaliar afirmações sobre o passado. Assim, aponta para a necessidade de os alunos superarem as concepções que relacionam a interpretação histórica apenas a critérios subjetivos, como os interesses particulares dos historiadores. Utilizando a matriz disciplinar de Rüsen como suporte teórico, o capítulo salienta a necessidade de um trabalho que indique o caráter científico e cognitivo da interpretação histórica, para além do seu papel na vida prática.

Outro importante componente do pensamento histórico é abordado na quarta parte do livro. A explicação histórica é discutida em três capítulos que apresentam reflexões teóricas e estratégias didáticas acerca do tema. Essas últimas dão a tônica em As setas do tempo? Usando um andaime como alvo de dardos para compreender a ação histórica e Camelos, diamantes e contrafactuais: um modelo para ensinar raciocínio causal.

No primeiro, seguindo a lógica dos andaimes (scaffolding), o autor desenvolve duas estratégias didáticas que possibilitariam aos alunos construir e avaliar as explicações sobre o passado, raciocinando sobre as ações dos agentes do passado. Já no segundo capítulo, Chapman indica como uma estratégia didática simples pode contribuir para o desenvolvimento de um pensamento causal elaborado, indicando aos estudantes como os acontecimentos históricos são multideterminados. Também, apresenta um exercício usando um diamante de nove faces como uma possível ferramenta para avaliar a maneira pela qual os estudantes classificam, analisam e hierarquizam os tipos de causas de um acontecimento (por exemplo: analisar as causas por seu conteúdo, pelo seu tempo, pelo seu papel, pela sua importância). Esse seria, afirma Chapman, um excelente caminho para superar uma concepção de história linear e monocausal.

No terceiro capítulo desta parte, intitulado A explicação causal, são analisados tanto aspectos conceituais quanto linguísticos envolvidos na explicação histórica. Chapman salienta, recorrentemente, a característica multifacetada da explicação histórica. De maneira a superar os desafios conceituais e linguísticos relacionados ao aprendizado da explicação histórica, é sugerida uma série de estratégias que envolvem a superação da organização do pensamento histórico por meio da cronologia, o uso de analogias e o desenvolvimento da capacidade de pensar em possibilidades e nas possibilidades do uso da história contrafactual.

O capítulo As vozes da história: reflexões sobre a história oral na escola contemporânea na Inglaterra compõe a quinta parte da obra. Por este, Chapman afirma o potencial transformador da História Oral baseando-se na análise de três experiências colaborativa realizadas em escolas inglesas. O autor salienta que todas as experiências possibilitaram uma ampliação da integração entre escola e comunidade e encorajaram alunos e professores a se tornarem colegas de investigação. Por outro lado, Chapman critica a maneira pela qual muitas vezes a História Oral e a memória social são inseridas na escola. De acordo com o autor, a principal função da História enquanto disciplina escolar é o desenvolvimento da capacidade de investigação histórica. Para tal, a inserção da História Oral na escola deve estar fundamentada no argumento lógico e na evidência histórica, componentes de uma Educação Histórica crítica.

Encerrando a obra, a sexta parte, composta por três capítulos, trata do uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) no ensino de História, e neles o autor descreve metodologias e resultados de pesquisas colaborativas que adotaram as TICs nas aulas de História. Em Documentários, ligação causal e hiper-linking: usando colaboração do aluno, avaliação de especialistas e de pares e novas mídias para qualificar o raciocínio causal de estudantes de História; História avançada pós-16: usando e-learning, colaboração e avaliação para desenvolver a compreensão dos estudantes da AS e da A2 sobre a disciplina da História; e Usando fóruns de discussão para apoiar a aprendizagem histórica, além de retomar reflexões anteriores, como o trabalho com a argumentação e a interpretação histórica, o autor chama a atenção para a crescente importância dos ambientes virtuais de aprendizagem nos dias atuais e para a necessidade de os professores fazerem uso dessas ferramentas para o melhor aproveitamento das aulas de História. Também reitera a necessidade da colaboração entre escola e universidade tanto nas pesquisas quanto nas aulas de História. Os ambientes de e-learning, aponta, aumentam as possibilidades desse diálogo.

A reiterada importância que o autor confere à colaboração entre escola e universidade é uma das importantes contribuições que a obra traz para os(as) investigadores(as) brasileiros(as). Embora esta já seja uma discussão cara aos investigadores envolvidos com a Educação Histórica no País, em tempos sombrios de ataque à educação pública e ao papel das universidades nunca é demais trazer elementos que reafirmem a necessidade do diálogo entre ambas, ressaltando também a importância do(a) professor(a) enquanto pesquisador(a) na construção do conhecimento.

As discussões levantadas por Chapman ao longo da obra possibilitam compreender pontos e temáticas centrais das investigações em Educação Histórica na Inglaterra, bem como os diálogos que estabelecem entre os teóricos da História e os autores ligados à pedagogia cognitivista. Se, por um lado, algumas reflexões levantadas parecem estranhas aos(às) pesquisadores(as) brasileiros(as), sobretudo quando mencionam a “aquisição de habilidades” e a “progressão do conhecimento”, por outro, levantam uma série de questionamentos que podem ser teorizados e investigados a partir das perspectivas que vêm sendo discutidas no Brasil.

Por fim, outro ponto significativo da obra que merece ser salientado diz respeito ao detalhamento com o qual o autor descreve a metodologia das pesquisas, explicitando todo o processo de construção dos instrumentos de investigação e as categorias com as quais trabalha. Os caminhos adotados por Chapman podem inspirar a elaboração de novos instrumentos de investigação e percursos metodológicos para os(as) professores(as) investigadores(as) que contribuirão tanto para novos entendimentos acerca da formação do pensamento histórico quanto para que se repensem outras formas de avaliação na disciplina de História.

CHAPMAN, Arthur. Desenvolvendo o pensamento histórico: abordagens conceituais e estratégias didáticas. Organização e tradução: Lucas Pydd Nechi e Marcelo Fronza. Curitiba: W.A. Editores, 2018. 329 p. [ Links ]

1Mestra em Educação pela Universidade Federal do Paraná; Bacharel e Licenciada em História pela Universidade Federal do Paraná.

Recebido: 30 de Agosto de 2019; Aceito: 29 de Novembro de 2019

Endereço para correspondência: Rua XV de Novembro, 1299, Centro, Curitiba, Paraná, Brasil; nikisukow@gmail.com

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