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Roteiro

versão On-line ISSN 2177-6059

Roteiro vol.46  Joaçaba jan./dez 2021  Epub 09-Nov-2021

https://doi.org/10.18593/r.v46.29637 

Seção temática: Epistemologias Negras e Processos Educativos

EPISTEMOLOGIAS NEGRAS E PROCESSOS EDUCATIVOS: DESDOBRAMENTOS NAS POLÍTICAS ANTIRRACISTAS

Maria da Conceição dos Reis1I 
http://orcid.org/0000-0001-5447-5069

Cicera Nunes2II 
http://orcid.org/0000-0002-6352-8991

IPrograma de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco

II Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Regional do Cariri


1 APRESENTAÇÃO

Nos últimos anos percebemos a ampliação dos estudos que propõem o rompimento com os paradigmas eurocentrados e que desconsideram o povo negro como sujeitos produtores de conhecimento. Reconhecemos que é preciso demarcar o lugar da produção do conhecimento sobre o povo negro, a África e o legado afro-diaspórico em contraponto ao racismo epistêmico que nega e desqualifica essas formas de pensamento (REIS; LIMA; NASCIMENTO, 2020).

Pretende-se, então, que as produções da seção temática Epistemologias negras e processos educativos: desdobramentos nas políticas antirracistas ofereçam uma análise dos processos educativos e das políticas educacionais antirracistas implementadas no contexto brasileiro, bem como da educação no contexto moçambicano e americano, abordadas em diferentes epistemologias negras e pautadas numa releitura da nossa relação com a educação, a história, a cultura, as memórias da população negra, a tradição oral e a ancestralidade numa perspectiva multidisciplinar. Dialogamos com produções que nos permitem compreender a educação enquanto um lugar importante na ressignificação da história e cultura africana e afro-brasileira fundamentadas num pensamento afrocêntrico, decolonial e antirracista.

O objetivo dessa seção temática é apresentar estudos que contemplem diversas abordagens teóricas/epistemológicas e que rompam com a hegemonia eurocêntrica articuladas à análise das políticas educacionais e processos educativos antirracistas numa perspectiva multidisciplinar; demarcar o lugar da produção do conhecimento sobre a história e cultura do povo negro africano e o legado afro-diaspórico; divulgar produções que nos permitam compreender a educação enquanto um lugar importante na ressignificação da história e cultura negra. Com isso, tal como destacado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2004) trata-se de uma política de ressignificação curricular fundada em dimensões históricas, sociais, antropológicas oriundas da realidade brasileira, e que objetiva combater o racismo e as discriminações que atingem particularmente os negros.

Os artigos apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas em todas as cinco regiões do Brasil (Nordeste, Centro Oeste, Sul, Sudeste e Norte), envolvendo investigadores(as) de onze universidades públicas brasileiras e de instituições internacionais dos Estados Unidos (San Diego State University) e de Moçambique (Universidade Pedagógica de Maputo). São pesquisadoras e pesquisadores voltadas(os) às diversas possibilidades de abordagens epistemológicas na produção multidisciplinar do conhecimento.

As pesquisas apresentadas têm como objeto de estudo as práticas, as políticas e os processos educativos que envolvem a população negra. Os três primeiros artigos focam produções científicas analisadas a partir do olhar de diferentes epistemologias descentralizadas do pensamento hegemônico eurocêntrico. Em seguida, mais quatro artigos de pesquisas que destacam a história, a cultura e identidades de estudantes e mulheres negras, revelando as resistências negro-africanas na educação e a importância da formação docente para a promoção da equidade racial e para a ressignificação da valorização do legado afro-diaspórico. Na sequência, duas pesquisas internacionais que analisam políticas educacionais destinadas à população negra nos Estados Unidos e em Moçambique que, ainda, revelam a presença de políticas e ideologias colonizadoras. O conjunto de artigos é acompanhado pela resenha de um livro e de uma entrevista.

Iniciando a seção tem-se o artigo “Educação das Relações Étnico-Raciais e Decolonialidade na Educação Brasileira”, de Candida Soares da Costa e Sérgio Pereira dos Santos, que discute os princípios e fundamentos da Educação das Relações Étnico-Raciais, considerando sua perspectiva de valorização e reconhecimento humano em suas diferenças, apontando contribuições ao debate, à formulação de políticas educativas e curriculares e ao desenvolvimento de práticas pedagógicas fora do enquadramento eurocêntrico, etnocêntrico e racista.

Maria da Conceição dos Reis e Claudilene Silva apresentam “Bases Epistemológicas de Pesquisas sobre População Negra e Educação”. O artigo tem como objetivo identificar quais dessas bases/epistemologias fundamentam as pesquisas relacionadas à população negra e educação desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco, apontando avanços, desafios e rupturas com a hegemonia do pensamento eurocêntrico.

Sob o título “Cosmologias Racializadas: Processos Políticos e Educativos Anti(Racistas) no Ensino de Física e Astronomia”, Alan Alves Brito discute sobre o uso do conceito de raça na produção do racismo e nos processos políticos e educativos anti(racistas) no contexto das Ciências Exatas a partir de uma discussão teórica, epistemológica e metodológica, concluindo que nas perspectivas da Física e da Astronomia moderna e contemporânea as práticas e formas de pensar são etnocêntricas e branconcêntricas estadunidenses.

No texto denominado “Epistemologias negras e educação: relações étnico-raciais na formação do(a) pedagogo(a)” as autoras Cicera Nunes, Jusciney Carvalho Santana e Nanci Helena Rebouças Franco analisam a formação em Pedagogia e a importância que o curso dá à Educação para as Relações Étnico-Raciais como elemento estruturante na construção de uma educação antirracista, reconhecendo a necessidade da descolonização dos currículos para mudanças no campo da formação dos profissionais da educação.

O artigo “Didática das Relações Étnico Raciais: Contribuições Propositivas para a Formação Inicial de Professores”, de Tatiane Cosentino Rodrigues e Ayodele Floriano Silva, analisa as experiências formativas que resultam da disciplina “Didáticas e educação das relações étnico-raciais” no curso de formação inicial de professores na Universidade Federal de São Carlos, focalizando a Educação das Relações Étnico-Raciais como dimensão da Didática. Através de análise de documentos e de entrevistas as autoras enfocam a construção de experiências da Erer na formação docente.

“Identidade de Estudantes Negras e Negros: a Experiência do Projeto Afrocientistas NEAB/GERA/UFPA” é o título do artigo de Wilma de Nazaré Baía Coelho, Nicelma Josenila Costa de Brito e Sinara Bernardo Dias, que aborda discussões relativas à juventude negra e o processo de construção da identidade de estudantes negras e negros participantes do Projeto Afrocientista, desenvolvido pelo Neab Gera, na Universidade Federal do Pará (Ufpa). O texto revela o quanto os estudantes oriundos de classes econômicas menos favorecidas ampliaram a percepção de si mesmos no presente e suas expectativas de futuro e que o projeto é uma das iniciativas de formação para a superação de desigualdades estruturais.

Piedade Lino Videira e José Gerardo Vasconcelos, em seu artigo denominado “Experiência museal no distrito de Mazagão Velho-AP: visitação em movimento”, enfoca o território de Mazagão Velho enquanto espaço museal afro-amapaense e como reduto de pessoas negras que protegem as histórias, culturas e religiosidades. O estudo realizou entrevistas com oito guardiões culturais da comunidade. O estudo concluiu que a partir da perspectiva educativa e patrimonial, a cultura, a memória e a territorialidade são recursos didático-pedagógicos que salvaguardam o patrimônio cultural na/da comunidade.

“Educação com Fins Lucrativos para Estudantes Negros Americanos”, de Luciano Neves Cruz, examinou a inserção de estudantes negros americanos de baixo nível socioeconômico, com o objetivo de analisar os fatores que influenciam a matrícula desses estudantes no setor com fins lucrativos do ensino superior do sul da Califórnia-EUA. Os resultados apontaram as insatisfações dos estudantes com suas experiências em escolas com fins lucrativos, considerando as questões relacionadas às possibilidade de capacitação que pudessem proporcionar a sua entrada no mercado de trabalho, falta de confiança profissional e o alto custo de ensino. O estudo também revelou a necessidade de inserção e fiscalização do Estado nessas instituições.

Em “Até Quando as Máscaras Brancas? Educação e Racismo em Moçambique”, Orlando Chemane e Eduardo Humbane, revelam como a colonização portuguesa produziu uma escola permeada pelo racismo e quebra de autoestima dos moçambicanos. Busca compreender, a partir da perspectiva de raça, com a contribuição teórica de Fanon, Freire e pensadores libertários africanos, o processo de transformação da escola branca europeia para uma escola indígena africana que desconstruiu a ideologia racista e possibilitou aos cidadãos moçambicanos o orgulho da sua identidade negra.

Ricardo Matheus Benedicto é autor da resenha da obra de Carter Goodwin Woodson -The Miseducation of the Negro. O livro foi traduzido e publicado no Brasil no ano de 2018, com o títuloA Deseducação do Negro. O autor destaca como acontece o processo de doutrinação eurocêntrica, realizada pelo sistema formal de educação dos afro-estadunidenses e sugere que este encarceramento mental da educação pode ser superado com foco na experiência histórica dos africanos e de seu lugar de origem.

A seção é finalizada com a entrevista realizada por Nanci Helena Rebouças Franco, intitulada “Legado de Ana Célia da Silva: Trajetória de Ações Afirmativas da Militância à Produção Acadêmica” que analisou as contribuições acadêmicas e profissionais de Ana Célia da Silva. A entrevistada é professora titular da Universidade do Estado da Bahia, fundadora do Movimento Negro Unificado e do primeiro Grupo de Trabalho sobre Educação, com larga experiência de discussão e produção teórica sobre a população negra e educação, Educação das Relações Étnico-Raciais, currículo e representação social do negro nos livros didáticos.

Desejamos a todas as pessoas leitoras uma boa leitura, interpretações e reflexões que provoquem significativos desdobramentos de nossas práticas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2004. [ Links ]

REIS, Maria da Conceição dos; LIMA, Cledson Severino; NASCIMENTO, Emerson Raimundo. Reflexões sobre o paradigma afrocentrado na pós-graduação brasileira. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação (RESAFE), [S. l.], n. 31, p. 119-135, 2020. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/resafe/article/view/28260 . Acesso em: 30 out. 2021. [ Links ]

1Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco; Líder do Laboratório de Educação das Relações Étnico-Raciais; cecareis@hotmail.com

2Doutora em Educação Brasileira; Líder do Núcleo de Estudos em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais; cicera.nunes@urca.br

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